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Parafraseando o saudoso Presidente Sampaio, perante o nervosismo geral, apetece dizer "há mais vida para além de Sócrates".
O facto de a qualquer pessoa bem formada repugnar o acto de "espreitar pelo buraco da fechadura" não implica de forma alguma a inexistência dos factos observados por tal buraco.
Eu também preferia que a polícia pudesse dispensar o recurso a escutas mas tal não me leva a concluir que os factos escutados não existiram.
Independentemente daquilo que se possa pensar sobre a validade das escutas e da sua divulgação pública temos que considerar inadmissíveis os actos que elas revelam. O simples facto de o PM e seus colaboradores próximos tratarem ao telefone, que qualquer criança sabe ser um meio inseguro, assuntos que consideram reservados é antes do mais um caso de incompetência e irresponsabilidade. Pode perguntar-se que informações revelou entretanto o PM pelo telemóvel não já a um tribunal, como é o caso em apreço, mas a um qualquer agente secreto estrangeiro.
Ao contrário do que insinua a defesa demagógica de Sócrates nós não vivemos num país onde inúmeros políticos e dignitários em geral tenham sido destituídos e esquartejados em resultado de perseguições mediáticas e judiciais. Vivemos sim num país onde os desmandos e a corrupção campeiam, sem qualquer castigo, à frente dos olhos de todos. Não há memória de uma única condenação de gente importante.
Não resta ao cidadão comum outro remédio senão colocar estas questões já que a "Justiça VIP", a tal que nunca encontra culpados, usa uns óculos de tal graduação que a realidade, se é que existe, nunca consegue ser nítida.
É a nós que compete decidir se este caso Face Oculta é apenas mais um em que os erros dos notáveis não têm consequências. A repetição de tais situações é sem dúvida a maior ameaça que paira sobre a democracia portuguesa.
Sócrates ainda só viu a ponta do iceberg. Podemos imaginar o que vai acontecer quando as escutas divulgadas contiverem conversas do próprio PM e não só dos seus amigos.
Nem Sócrates, nem nós, nem as agências de rating, podemos conviver com esta espada de Dâmocles sobre a cabeça do PM que pode vir a afectar gravemente o país.
Acho que ele, para pacificar os mercados e o povo, devia anunciar a sua partida logo após a aprovação do OE e do PEC, fazendo gentilmente companhia à Manuela Ferreira Leite.
Só lhe ficava bem.
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quinta-feira, fevereiro 18, 2010
Há mais vida para além de Sócrates
Publicado por
F. Penim Redondo
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6 comentários:
Tenho alguma dificuldade em concordar inteiramente com a tese do F. Penim Redondo, estou roído com dúvidas. Vou tentar explicar porquê, mas não posso prometer ser breve.
1. Os fins não justificam os meios.
Eu bem sei que "a qualquer pessoa bem formada [repugna] o acto de 'espreitar pelo buraco da fechadura'", mas a tragédia está no vício: é o próprio FPR que já teme pelo "que vai acontecer quando as escutas divulgadas contiverem conversas do próprio PM ...".
Na prática, o que acontece é que quem espreita safa-se airosamente com um parágrafo ou frase de reprimenda, ao passo que a vítima do acto "repugnante" passa de imediato a réu. Na prática.
Preocupa-me que no dia em que tivermos por padrão social que os fins justificam os meios, ficamos dispensados de indignação por não haver "... memória de uma única condenação de gente importante"; porque a partir daí os poderosos ainda ficam com mais poder, até o de ficarem dispensados de responder pelos seus desmandos.
2. Dúvidas quanto à qualidade do input.
O que tem vindo a lume são extractos que nenhuma entidade idónea e independente validou. Li algures (salvo erro no PÙBLICO) que não existem gravações de todas as citações, algumas são resumos escritos, de que não existem registos originais. Aliás, nós, público em geral, não temos a mínima garantia de que todas as escutas que estão a ser (ou venham a ser) divulgadas tenham sido feitas no quadro da investigação do processo Face Oculta. Como se isto não bastasse, todos sabemos como é possível forjar uma história com palavras verdadeiras omitindo ou deturpando o contexto, e sobre isto também não temos garantia nenhuma. Por outras palavras, cautela e caldos de galinha.
E muito embora eu tenha a máxima consideração e respeito pelo Sr. António José Saraiva - pessoa que muito gostaria de convidar para jantar, dado o meu óbvio déficit de notoriedade -, a prudência leva-me a acreditar na palavra do Procurador Geral da República, pessoa cujo perfil foi elogiado por todos os quadrantes, mesmo os mais insuspeitos de parcialidade, quando assumiu o cargo.
3. Julgamento e justiça.
O direito à indignação é mais rápido que um relâmpago, tem efeitos retroactivos, está pronto a fazer o julgamento e passar a sentença; e está para o fogo posto como a blogosfera está para o vento. Nada a opôr, é a ditadura das tecnologias de informação.
Ainda tenho bem presente os primórdios do processo Casa Pia: a direcção do PS foi decapitada para não mais se recompor, o Herman José foi acusado de um crime em Lisboa numa altura em que estava no Brasil. Os "julgamentos" foram feitos muito antes de a justiça ter tido oportunidade de fazer o seu caminho.
Para o actual Primeiro Ministro, eu ainda não consigo exigir menos do que o direito que ele tem de que se faça Justiça, mesmo que insuportavelmente lenta. E se tiver que ser condenado, que seja pelas boas e não pelas más razões (as agências de rating hão-de compreender!).
Peço desculpa por me ter alongado neste exercício do direito à dúvida: será que ele já prescreveu?
Pois é, caro Vasco.
Ter dúvidas (já) não está na moda. Eu também continuo (felizmente) a tê-las e a recusar todo o tipo de "inteligência" que aceita, quando não defende mesmo, julgamentos sumários em praça pública (JSPP).
Fico sempre satisfeito quando vejo os meus amigos a pensarem pelas suas cabeças, com discernimento, sem certezas sobre o "OCULTO", e, sobretudo sem raiva.
Um abraço.
Pois ja tinha saudades de ler o amigo Vasco, que me parece estar como o vinho do Porto, i.e., cada vez melhor, bem temperado pela experiencia de uma vida vivida intensa e apaixonadamente. Não me sinto relevante para dizer que subscrevo muitos dos seus considerandos, mas é esse o facto.
Vivemos um tempo em que por lado a campanha para decapitar Socrates se intensifica, e por outro lado outras vozes vão dizer no momento em que ele capitule, cobarde fugiu logo num momento em que vai fazer tanto mal ao país, sim porque aqueles que ainda tentam ver os interesses do país em primeiro lugar (ainda há imagine-se) já o disseram que uma queda de governo nesta conjuntura seria o pior que poderia acontecer. E se acontecer, para além de satisfazer a matilha que não tem parado de ladrar, o que é que vai mudar? Absolutamente nada, a não ser provavelmente ter lá alguém seguramente bem pior. Talvez seja isso mesmo, na velha linha do quanto pior melhor. Assim seja e o país e o tugas que se "lixem". FCouto
Estimados Vasco, Fernando e Vitor
a beleza da democracia está precisamente na liberdade de ter opiniões diferentes e de as respeitar.
Não me move nenhuma paixão contra ou a favor de Sócrates e tento apenas razoar o que é melhor para o nosso país. Penso que vocês me conhecem o suficiente para saber que não estou subordinado a nenhum interesse económico ou partidário.
Como já devem ter reparado eu nunca invectivei, ou censurei, ou fiz processos de intenção a ninguém por assumir a defesa de Sócrates. Por isso sinto-me no direito de esperar o mesmo tratamento quando o critico.
Se assim não fosse teria também eu que me considerar "um problema a exigir solução" (Esta é para vocês se rirem e se descontrairem. Como eu já disse "há mais vida para além do Sócrates. Quando ele apareceu na vida política quem é que podia prever que ele tinha estaleca para fazer metade das coisas acertadas que ele fez ?)
(continuação)
Claro que tendo eu começado a interessar-me por política só depois dos 60, e sendo um pouco ingénuo e tonto, posso perfeitamente estar a ser alvo de uma manipulação grosseira sem dar por isso.
Vou manter-me mais atento.
Independentemente das razões de cada um, das culpa de cada um, a manipulação anda por aí no ar. Se dependesse da minha vontade, eu mandava o Socrates para casa, nem que fosse para calar durante algum tempo as vozes, acalmar as hostes e ver se as preocupações se viravam um pouco, finalmente, para os problemas reais. Mas estou mesmo convencido que não pararia, o tom seria outro, malandro, largou o barco a afundar-se, cobarde etc. No fundo eu já estou farto disto, a um ponto que já evito ler e ouvir a informação. E isto é mau. Abraço. FCouto
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