Aqueles que defendem o chamado “Estado Social” laboram num erro grosseiro: estão convencidos de que ele é pago pelos ricos a quem "foi imposto pela justa luta das classes trabalhadoras".
A verdade dos números é bem diferente: quem paga o “Estado Social” são os próprios trabalhadores já que, no conjunto, pagam muito mais em impostos e todo o tipo de contribuições do que recebem do “Estado Social”.
Nas últimas semanas, com a “zanga das comadres”, os jornais deram-nos abundante material para esboçar uma lista dos destinos que têm sido dados à diferença entre aquilo que os trabalhadores pagam ao Estado e aquilo que dele recebem:
- Obras públicas que custam três ou quatro vezes mais do que o valor orçamentado (a Casa da Música, no Porto, é apenas o último e significativo exemplo)
- Medicamentos e exames de diagnóstico comprados em excesso e por preços leoninos (em 2002 foram gastos pelo SNS nestes artigos 2.774 milhões de euros, ou seja 556 milhões de contos)
- Ordenados exorbitantes de gestores de empresas públicas que os próprios se auto-atribuem (sempre acompanhados de uma miríade de complementos como cartões de crédito, seguros de vida, prémios de gestão, despesas de representação 14 meses por ano e outros)
- Pensões de reforma cujos elevados montantes não têm qualquer correspondência com os descontos efectuados pelos beneficiários (o caso do Ministro das Finanças, reformado ao fim de seis anos de trabalho e com 48 de idade, é apenas um entre milhares).
- As propinas escolares, o custo dos cuidados médicos e de todos os outros serviços prestados pelo estado aos estratos sociais ou profissionais cuja fuga ao fisco é encapotadamente tolerada (como é o caso da maior parte das profissões liberais e certos estratos do empresariado).
- Os múltiplos ordenados dos “eleitos locais” obtidos nas empresas municipais por eles criadas
- As subvenções mensais vitalícias e subsídios de reintegração atribuídas aos políticos.
- As contribuições da República para os partidos políticos
- Os ordenados dos funcionários públicos excedentários que, em muitos casos, foram admitidos apenas por serem filhos ou afilhados do “senhor Director Geral” quando não sobrinhos da porteira.
- Os custos de serviços do Estado redundantes, ou mesmo prejudiciais, que não produzem nada de útil e até contribuem para empatar as iniciativas válidas.
A lista podia ser muito mais longa mas estes casos bastam para configurar aquilo que podemos designar como uma exploração de segundo nível.
Marx explicou a exploração como a apropriação pelos capitalistas da diferença entre o valor produzido e o montante dos salários mas não podia adivinhar que em pleno século XXI um segundo nível de exploração se viria sobrepor.
O salário que os trabalhadores deveriam levar para casa, já amputado da mais-valia, é ainda “assaltado” pelo IRS e pelas contribuições para a Segurança Social, quando metem gasolina ou compram tabaco, quando compram casa, quando vão ao supermercado, em suma, constantemente.
Em muitos casos este segundo nível de exploração é ainda mais intenso do que a exploração convencional.
Os beneficiários desta exploração são:
- os industriais, comerciantes e prestadores de serviços que vendem leoninamente ao Estado, com a conivência dos compradores ou beneficiando do desleixo e da desorganização
- Os altos funcionários da Administração Pública (são 6.960) e das Empresas Públicas (são 461)
- Os estratos sócio/profissionais tacitamente “dispensados” de pagar impostos
- Os políticos no activo, os que já foram, e todos os acólitos que frequentam os partidos à babugem dos favores.
Estes grupos interpenetram-se e os seus elementos vão passando continuamente de uma condição para outra não havendo memória de qualquer penalização por mau desempenho. Os favores trocados e os lobbies de interesses mantêm-se na penumbra e a coberto das instituições formais que baseiam a sua legitimidade no sistema democrático.
Configuram uma casta que se apoderou da nossa democracia e que, pelos seus erros e cupidez, acabará por a destruir.