Numa daquelas piruetas em que a história é pródiga damos connosco a pensar como é que o tecnocrático Cavaco redundou no caritativo Cavaco, numa verdadeira assombração de um hipotético Guterres.
Claro que podemos encarar a teoria do vírus que, impiedosamente, põe os inquilinos de Belém a dizer banalidades e discursos circulares, sejam quais forem os seus antecedentes.
Também podemos remeter para um assincronismo misterioso qualquer que o levaria a concretizar a demagogia depois de ganhar as eleições, ou seja, quando já é absolutamente desnecessária.
Finalmente, e eu inclino-me mais para este lado, resta pensar que o Cavaco se apresentou durante a campanha como um activíssimo promotor da salvação da país e agora está numa de Madre Teresa apenas pelo gozo supremo de por a esquerda a fazer "figura de urso".
Claro que alguns comentadores conseguirão detectar cavernosas intenções nesta manobra, vá-se lá saber porquê...
terça-feira, maio 30, 2006
Deixai vir a mim os pobrezinhos
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domingo, maio 28, 2006
A zona oriental também "não foi esquecida"
Ontem o Diário de Notícias alertava para as descargas poluentes na zona de Belém/Alcântara que empestam o Tejo (ver o texto que segue).
Já fui "bafejado" junto ao Padrão dos Descobrimentos e ao meu lado os pobres turistas fotografavam o Infante enquanto protegiam o nariz.
Quero acrescentar que a zona oriental também "não foi esquecida" pelos nossos autarcas: quem, como eu, corra ao longo do rio entre a torre Vasco da Gama e a marina da Expo terá a oportunidade de se enjoar com os cheiros nauseabundos.
Aqui vai o texto do DN que referi anteriormente:
Na frente ribeirinha de Lisboa, os esgotos estarão a correr para o Tejo sem qualquer tipo de tratamento. O saneamento básico não terá chegado ainda à zona entre o Terreiro do Paço e o Padrão dos Descobrimentos, em Belém. Significa isto que, desde o início dos anos 90, bares, restaurantes e discotecas construídos sob a jurisdição da Administração do Porto de Lisboa (APL) estarão a fazer descargas directas para o rio.A denúncia partiu da Quercus, que considera o impacto ambiental "extremamente grave".
"As saídas de esgotos são tantas que formam focos de poluição concentrados em vários pontos da margem ribeirinha", diz Carlos Moura, dirigente do núcleo de Lisboa da associação ambientalista, esclarecendo, contudo, ser impossível determinar a quantidade de resíduos que afluem ao Tejo.O problema assume maior incidência nas Docas de Santo Amaro, em Alcântara, onde estão 20 estabelecimentos de restauração. "Os bares e restaurantes instalados em antigos armazéns nunca sofreram obras para o tratamento de águas residuais", critica o responsável.
Manuel Frasquilho, presidente da APL, por seu turno, garante que todos os estabelecimentos cumprem as normas de saneamento e que o "tratamento de águas residuais está integrado nas estruturas da cidade". O certo é que ninguém controla a rede de esgotos na área da APL. Contactada pelo DN, a Simtejo - Saneamento Integrado dos Municípios do Tejo e Trancão - explicou que a rede de saneamento está sobre a jurisdição da APL. Por outro lado, a câmara municipal diz desconhecer tudo o que se passa dentro do porto de Lisboa.
"O controlo e fiscalização do saneamento é da exclusiva responsabilidade da APL", assegurou fonte do pelouro do Ambiente da autarquia.O ambientalista da Quercus está convencido de que a Administração do Porto de Lisboa não cumpre com as normas de saneamento: "A zona entre Belém e Praça do Comércio não diz respeito aos efluentes dos cem mil lisboetas sem tratamento de esgotos, mas aos estabelecimentos instalados na frente ribeirinha."
E as saídas de esgotos são tantas, assegura, que formam focos de poluição concentrados em vários pontos do Tejo: "Além de ser impensável ter uma cidade como Lisboa a drenar esgotos para o rio, esta situação é ainda mais absurda porque ocorre numa zona nobre e turística da capital", censura o ambientalista.O perigo é incalculável, mas torna-se ainda mais alarmante por não existir "qualquer estimativa" sobre quantas captações há na margem ribeirinha ocidental do Tejo. Para ter uma ideia do número de saídas de esgotos construídos à beira-rio, o DN percorreu a zona ribeirinha entre Belém e Terreiro do Paço, tendo contabilizado 12 infra- -estruturas para escoar efluentes e 44 estabelecimentos de restauração, que se encontram sob a alçada da APL. A contagem, porém, nunca poderá ser rigorosa, uma vez que boa parte daquela área está interdita aos transeuntes.
É o caso dos terminais de contentores ou de outras áreas onde funcionam os serviços da Administração do Porto de Lisboa.Este é, no entanto, um exercício que todos conseguem fazer sem dificuldade. Basta circular junto à margem do Tejo e estar atento à cor do rio. Só em Belém irá encontrar cinco canais por onde os esgotos são despejados. Outros cinco estão localizados em Alcântara, enquanto as zonas de Santos e do Terreiro do Paço têm um cada.Ao longo de seis quilómetros há saídas de esgotos de todos os tamanhos.
É fácil localizá-las, pois, regra geral, estão próximas de cardumes de tainhas atraídos pela água barrenta que escorre para o rio. Próximo do Padrão dos Descobrimentos, por exemplo, é possível encontrar uma saída de esgoto que, a todo o minuto, despeja resíduos não tratados. Poucos metros mais adiante, há outro paraíso para tainhas e ratazanas: junto ao Restaurante Café In, uma canalização vaza em abundância, formando uma minipiscina de espuma no rio. Casos semelhantes vão--se repetindo ao longo de toda a margem até se chegar ao Terreiro do Paço.
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quarta-feira, maio 24, 2006
Não há futuro nas indústrias do passado
O Governo anuncia catadupas de investimentos como se um génio fosse sair das chaminés e satisfazer os nossos três maiores desejos.
Já se percebeu que ninguém cuidou de verificar se os tais investimentos teriam consequências nefastas, os famosos impactos, antes do foguetório dos anúncios.
Em alguns casos verificou-se que o volume de emissões perniciosas, no quadro do tratado de Quioto, implicaria a compra de “licenças de poluição” cujo custo tornaria os projectos incomportáveis.
O que parece estranho é que se discuta a preservação ambiental como um freio ao nosso desenvolvimento em vez de considerar os malefícios reais da poluição para o futuro da nossa sociedade. Continua a apostar-se nos investimentos em indústrias do passado, apresentando como oportunidades os riscos que os outros já não querem correr.
Não será contraditório, por exemplo, querer aumentar a celulose em Setúbal e carregar ainda mais o parque de Sines, com químicas e refinarias, quando ao mesmo tempo se diz que o litoral alentejano entre essas duas cidades pretende constituir um novo polo de desenvolvimento baseado em turismo de qualidade ?
Então o “choque tecnológico” não devia levar-nos pelo caminho digital para a sociedade do conhecimento, para elevados padrões de incorporação e valorização dos nossos produtos e serviços ?
Ou agora já vale tudo ?
segunda-feira, maio 22, 2006
Sinais perceptíveis
Durante o primeiro trimestre foram perceptíveis alguns sinais favoráveis relativamente à evolução da situação económica, os quais confirmam o modo lento como tem decorrido a recuperação da economia. No entanto, quer no indicador de actividade, quer no indicador de clima não se registaram melhorias. Caso tais sinais perdurem, poderão representar o arranque de uma fase mais viva de crescimento. Na verdade, melhoraram as indicações sobre a actividade na indústria transformadora, o que foi acompanhado por um crescimento muito significativo das exportações, a avaliar pela informação disponível. A procura interna também deverá ter recuperado, tanto devido ao consumo privado como ao investimento. Deste modo, globalmente a actividade poderá ter acelerado, mesmo que, para além da indústria transformadora, os restantes principais sectores tenham permanecido deprimidos. Por outro lado, e em sintonia com esta aparente recuperação centrada na indústria transformadora, o volume de emprego aumentou, principalmente devido à recuperação nesse sector, enquanto o desemprego desacelerou, permitindo um aumento homólogo mais moderado da taxa de desemprego.
Síntese Económica de Conjuntura do INE
22 de Maio 2006
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quinta-feira, maio 18, 2006
Uma aventura psicadélica
Em vésperas do Campeonato Meridional de Futebol 2006, o presidente da Federação Bananalense de Futebol, Felisberto Clorofenil, resolveu apostar novamente no seleccionador matagalense Ruiz Secalhari, permanentemente de férias em Bananassau, acompanhado pela família. Conseguirá a selecção da Bananalândia chegar à final, repetindo a proeza do “Neura 2004”?
Perdida a final do “Neura 2004” para a Espanha, em Lisbola, no estádio do Sport Lisbola e Passaroco (5-0), que caminhos se podem trilhar no futebol bananalense, qualificado para o “Meridional 2006”?
FADO, FUTEBOL E FARPAS, UMA AVENTURA PSICADÉLICA (escrita em pequenos mosaicos cinematográficos de fel, corrosão e ironia, à moda de Mário-Henrique Leiria, com laivos de Monty Python e desenhos animados da Warner Brothers) começa meia-dúzia de meses antes do “Meridional 2006”, disputado na Beerlândia.
segunda-feira, maio 15, 2006
Nossa Senhora e as maternidades
Ouvi um português dizer, no dia 13 e em Fátima, que esperava que Nossa Senhora fizesse qualquer coisa para que a maternidade de Penafiel não fosse encerrada.
Por outro lado, parece que o Santuário elegeu como tema anual «Guardar castidade».
Assim não vale: com muita castidade ainda haverá menos filhos e então é que Nossa Senhora não consegue convencer Correia de Campos!
COW parada
quarta-feira, maio 10, 2006
Tapar o Sol com uma peneira...
Como devem ter visto eu fiz vários posts neste blog enquanto estive em viagem pela China.
O que foi irritante, para além de muitas vezes ter que usar nos hotéis as versões chinesas dos programas, foi constatar que não me era permitido aceder ao blog que acabara de actualizar.
Não se tratava de qualquer perseguição pessoal, na verdade não consegui aceder a nenhum blog alojado no Blogger. Também não consegui aceder ao DOTeCOMe Forum que é uma ferramenta da voy.com.
Enfim, os nossos amigos chineses parecem querer "tapar o Sol com uma peneira" apesar de ser claro que estão ansiosos por se bronzear...
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segunda-feira, maio 08, 2006
Querem parasitar os nossos conteúdos...
A luta do século XXI vai ser, estou convencido, evitar que parasitem os conteúdos que criamos.
Segue-se um texto do João Ramos, no Expresso desta semana, sobre as manobras em curso.
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E o Google incomoda muita gente...
A INTERNET tal como a conhecemos pode ter os dias contados. A Telecom Italia e a Deutsche Telekom abriram as hostilidades, reivindicando publicamente e junto das autoridades reguladoras o direito de introduzirem novas taxas sobre as empresas de Internet como a Google, Yahoo ou eBay.
Se a pretensão dos operadores europeus for atendida, a Internet passará, na prática, a ter duas velocidades - a que ocuparia a faixa lenta, e outra, mais rápida, que ocuparia uma faixa prioritária, cujo direito de utilização seria pago pelos fornecedores de conteúdos que assim o entendessem.
Mas esta cruzada não está a acontecer por acaso. Surge na sequência de um debate desencadeado no Congresso dos EUA sobre a «neutralidade da rede» que, nos últimos tempos, tem preenchido a agenda da regulação em telecomunicações do outro lado do Atlântico e que vai deixar tudo na mesma. Este princípio da «net neutrality» - que pressupõe que os operadores das redes não deverão ser autorizados a incluir taxas extra aos fornecedores de conteúdos para terem tratamentos preferenciais - levou a que uma posição dos Democratas (que queriam ver reforçado na lei o princípio da neutralidade da rede) fosse esta semana vencida no Congresso pelos votos dos membros do Partido Republicano, recusando, assim, dar mais poderes à FCC (Federal Communications Commission) nesta matéria.
Por outro lado, na Europa o assunto não está encerrado, sendo a posição da Telecom Italia e da Deutsche Telekom uma tentativa dos incumbentes recuperarem os vultosos investimentos que alegadamente têm feito nas redes de banda larga do futuro (algumas estimativas apontam para 80 mil milhões de euros na Europa).
As empresas nascidas na Internet são acusadas de terem enriquecido através do uso de uma infra-estrutura de rede na qual não investiram um tostão. Isto, enquanto os operadores sentem dificuldades em rentabilizar as suas redes fixas, com perda do mercado da voz para as redes móveis, e pela explosão dos serviços de voz sobre Internet (VOIP), como é o caso do Skype.
Para agravar a situação, as suas redes de telecomunicações estão a ser cada vez mais inundadas pelo tráfego informal («peer-to-peer», directamente entre particulares), que desencadeia grandes volumes de dados e conteúdos multimédia (vídeo e jogos) a circular na Net.
O EXPRESSO convidou a Anacom e a Portugal Telecom a manifestarem uma opinião sobre o assunto, mas até ao fecho da edição não obteve resposta. Por tudo isto, não surpreende que as pressões dos lóbis das duas partes já se tenham feito sentir em Bruxelas, numa altura em que a Comissão Europeia se prepara para rever o quadro regulador das telecomunicações.
Os representantes das empresas de Internet acham que a disponibilização de conteúdos na Web deve ser gratuita e igualitária, sob pena de se perder capacidade de inovação. Ou seja, querem que um videoblogue particular esteja disponível à mesma velocidade que um filme de um serviço «on demand». Posição contrária têm os operadores dos dois lados do Atlântico
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sexta-feira, maio 05, 2006
Impressões de uma viagem à China
Alguém disse que os 1.300 milhões de chineses são, neste momento, o mais importante recurso natural do planeta e que o século XXI será, em grande medida, o resultado da forma como tal recurso vier a ser usado.
Escapando ao determinismo mecanicista implícito nesta opinião prefiro dizer que o futuro da sociedade humana será brutalmente influenciado por aquilo em que se tornarem os incontáveis chineses (e também os indianos).
Uma viagem de treze dias pela China não pode fazer muito mais do que proporcionar um série de “impressões”, que valem por ocorrerem no local mas que não pretendem senão dar conta da perplexidade do viajante.
A realidade física ultrapassa as expectativas mesmo quando se parte com alguma bagagem de leituras sobre o país, a magnitude das transformações em curso sente-se “na pele”.
O gigantismo institucional de Pequim, que numa só avenida tem vários hotéis do tamanho do Ritz de Lisboa, rivaliza com o modernismo caótico de Xangai, cujo ritmo de crescimento pode ser simbolizado pelo combóio-bala que nos transporta ao aeroporto, a 400 km à hora, sobre tecnologia “magnética” da Siemens.
No Sul, onde se situam as “zonas económicas especiais” de Macau e Hong-Kong, a China dispõe de cinco aeroportos internacionais num raio de 150 km em torno da cidade de Guangzhou (Cantão).
À volta das cidades, a perder de vista, vão-se erguendo os “dormitórios” de 20 e 30 andares para onde são “desterrados” os moradores dos bairros tradicionais que, no centro, darão lugar aos arranha-céus das multinacionais. Segundo nos disseram os moradores são avisados com apenas algumas semanas de antecedência e recebem modestas ajudas para o realojamento.
Parece no entanto haver uma diferença notória entre as cidades grandes e as cidades pequenas como Xian, que tem apenas (?) quatro milhões de habitantes. Nestas, embora exista também uma actividade comercial desenfreada e as ruas também estejam apinhadas, é ainda possível observar certos “requintes orientais” que as tornam muito mais aprazíveis.
A ginástica praticada ao amanhecer nas praças e jardins, onde muitas vezes se encontram instalados autênticos “parques infatis” para idosos, e a proliferação de esplanadas nas avenidas que preservam uma arquitectura e uma escala mais humana são sinais de um saber viver que surpreende agradavelmente quem vem das grandes metrópoles.
Também se sentem mais as tradições religiosas e as superstições. Os chineses têm, por exemplo, um conjunto de superstições relacionadas com os números que chegam a tomar aspectos caricatos (muitos hotéis não têm quartos no quarto andar pela simples razão de o 4 ser tradicionalmente associado à morte).
Em Pequim disseram-nos que a gigantesca praça Tiananmen se encontra encerrada à noite por se recear a repetição no local de imolações pelo fogo praticadas por membros da seita Falungong.
Sociedade em mutação
Milhões de pessoas que assistiram aos exageros da “revolução cultural” têm agora, de novo, que suportar enormes transformações no seu modo de vida.
Migrar do campo para a cidade, ser deslocado de um bairro antigo no centro para a periferia, ver lojas cheias de produtos estrangeiros com preços inacessíveis, percorrer muitos quilómetros entre as “colmeias” da periferia e o emprego, as mais das vezes em bicicleta ou à boleia de uma bicicleta alheia.
As bicicletas são aos milhões, cuidadosamente arrumadas nos “parques de estacionamento”, mas parecem estar a ser substituídas, em larga escala, pelas motoretas e as motas. Nas entradas das cidades sucedem-se os “stands” com milhares de motas alinhadas à espera dos clientes.
Enquanto os casais só poderem ter um filho a motivação para o automóvel será menor mas alguns cruzamentos já sofrem engarrafamentos consideráveis de VW, Audi e Hyundai (quase tudo fabricado na China) que representam uma parte considerável dos automóveis existentes, isto com base na mera observação casuística.
Os felizes pequineses proprietários de automóveis são as vítimas do inusitado contratempo constituído pelas tempestades de areia que se abatem regularmente sobre Pequim. O vento trás as poeiras directamente do deserto da Mongólia Interior e deposita-as sobre os seus carros que, de manhã após este “nevão”, estão uma verdadeira lástima. Como há muita mão de obra até cheguei a ver uma mulher, com um aspirador, a limpar o pó de um parque de estacionamento...
Nos locais turísticos vê-se muita gente oriental, muitos com ar de camponeses, as mais das vezes “lutando” com as recém-compradas câmaras fotográficas e tentando caber na imagem juntamente com o Mausoléu de Mao Tse Tung. Tal indicia um activo turismo interno, e a proliferação de gadgets, mas confesso que também pode tratar-se de coreanos, ou japoneses, que eu não tenho meios para os destrinçar.
O número de vendedores ambulantes é enorme e é possível regatear até valores impensáveis caindo no ridículo de “combater” por uma redução de vinte cêntimos, perdendo toda a noção de razoabilidade. Onde quer que pare um autocarro é-se rodeado de vendedores ambulantes que agitam os seus produtos entre os quais se destacam os “lolex”, corruptela de uma famosa marca de relógios.
O comércio é intensíssimo e com horários muito alargados. Qualquer retardatário pode ainda assim redimir-se numa grande quantidade de mercados de rua, com as suas coloridas bancas, onde mal nos aproximamos somos bombardeados com o proverbial “just looking”. Suponho que os vendedores tantas vezes ouviram a expressão, dita pelos estrangeiros passantes, que devem pensar tratar-se de uma forma de saudação.
Há muito pouca gente a falar bem inglês, mesmo em Hong-Kong, mesmo nas recepções dos hotéis.
Dois países um sistema
Parafraseando, e desafiando, o slogan oficial temos que confessar que não conseguimos detectar o “carácter socialista” da R. P. China.
O fosso entre os mais ricos e os mais pobres é abissal e parece crescente, os sectores económicos na mão dos privados aumentam constantemente e só muito poucos parecem estar destinados a permanecer sob controlo do Estado e cada vez maior número de pessoas ganha o seu sustento como assalariado nas empresas privadas.
Como se isto não bastasse é também preciso acrescentar que a educação e a saúde são pagas pelos cidadãos que não beneficiam do “Estado Social” que tantos de nós consideram adquirido e irreversível. Uma das guias contou-nos que o avô, com mais de 80 anos, em cada internamento hospitalar que lhe acontecia deixava os filhos “de tanga”. No caso concreto dos sete filhos só três têm condições económicas para partilhar a despesa.
Por tudo isto penso que aos dois países, Taiwan e RPC, corresponde um e um só sistema económico. Pelo que vi nas televisões e nos jornais, a unificação será apenas uma questão de tempo.
Os negócios assim o esperam e os políticos assim farão.
Segundo consta a explosiva Xangai está sob forte influência dos dinheiros de Taiwan que, de certa forma, estão a regressar a casa já que eram de Xangai os mais influentes empresários que fugiram para a ilha.
Os sinais da política são muito discretos, como se a China se tivesse rendido sem condições ao mais seco pragmatismo. Um retrato enorme de Mao sobre as portas de acesso à cidade proibida, no seu isolamento, quase parece descabido.
Os homens de negócios foram autorizados a pertencer ao partido comunista o que tem possibilitado situações inacreditáveis como a construção, para residência de um dirigente, de uma réplica de um grande palácio francês na China, com frescos nos tectos e repuxos de bronze no lago fronteiro. Mesmo quando não são atingidos tais extremos temos ainda assim os “condomínios fechados” de grande luxo.
As denúncias de corrupção das autoridades e de confusão entre os cargos públicos e os interesses privados são abundantes.
A China parece ser constituída por uma massa enorme de camponeses pobres e operários das periferias, no limiar da subsistência, por uma “classe média” que muitos estimam nos 200 milhões, ancorada nas multinacionais e no funcionalismo e nos serviços e uma minoria de ricos e muitíssimo ricos.
É para estes últimos que existem as lojas Dior, Chanel, Rolls Royce, Ferrari e outras.
O povo miúdo, para quem se vão abrindo apesar de tudo novas possibilidades económicas, frequenta o MacDonalds ao Domingo e vai aprendendo, conforme pode, as virtualidades do consumismo. Para encher o ego popular lá estão os arranha-céus, como a torre Jin Mao em Xangai, que com os seus 88 andares é a quarta mais alta do mundo. Uma ilusão de chegar mais alto do que os americanos.
A questão que se põe não é, quanto a mim, se a R.P.China está ou não a resvalar para um qualquer tipo de capitalismo, mais ou menos selvagem, mais ou menos parasitado a partir de fora.
A verdadeira questão que não consigo esclarecer é a da eventual existência de um desígnio nacionalista no desencadear das transformações em curso, do grau de controlo que tal nacionalismo realmente exerce sobre os acontecimentos e das intenções de tal nacionalismo se, e quando, tiver sucesso na consolidação da China como potência económica global.
Não havendo na R. P. China formas democráticas de legitimação e “controle” do poder é quase impossível estabelecer um nexo claro entre o interesse público e popular e as manobras do Estado e do “nacionalismo económico” que este parece favorecer.
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quarta-feira, maio 03, 2006
ALDEIA DE PEDRA
Acabei de ler “Aldeia de Pedra” da romancista chinesa contemporânea Xiaolu Guo.
Foi a minha amiga Joana Lopes que me emprestou o livro, antes da minha visita à China.
Sem tempo para o usar na preparação da viagem, acabei por só o ler após o regresso. Penso que finalmente foi a melhor maneira de tirar proveito, porque a não ser assim muita coisa da atmosfera do romance me teria passado despercebida por pura estranheza.
Foram muitas as perguntas que me assaltaram, quer em Pequim face às torres de 25 andares, de construção pobre e evidentes problemas de manutenção; quer em Guangzhou onde a população em bloco parece estar a trocar por motorizadas as velhas bicicletas onde costumava transportar toda a família ou mesmo toda a mobília da casa; quer nos campos de arroz perto de Guilin onde os arados são puxados por búfalos e a matriarca da aldeia tem em casa o seu caixão sempre preparado para a eventualidade da sua partida.
Como vivem estas pessoas? Onde estão as suas raízes e o que é que elas valem? Para onde pensam que estão a caminhar?
A história da rapariga a quem ao nascer chamaram “Pequeno Cão” porque o Demónio do Mar que reclamava as crianças da aldeia não quereria saber de alguém com um nome tão feio, e que, 28 anos mais tarde, a trabalhar em part-time num clube de video em Pequim, só depois de saldar as contas com as suas raízes começa finalmente a ter uma vida para viver, deu-me algumas pistas.
Provavelmente, a vida de cada chinês rege-se pelo princípio que a avó do “Pequeno Cão” enunciava na sua velha sabedoria: “Toda a gente tem uma vida passada, uma vida futura e uma vida presente”.
(“ALDEIA DE PEDRA” está traduzido em português na Quetzal Editores).