quinta-feira, março 29, 2007

"O Novo Capital", etc. e tal...

Há dias comecei a receber convites para o lançamento do livro “O Novo Capital” de Francisco Jaime Quesado.






Instituições como a APDSI, a Ordem dos Economistas e até o Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais anunciaram e promoveram a obra.
O Expresso de 17 de Março inseria mesmo uma referência com o suculento título “Afinal Karl Marx tem razão” completada com o destaque “Jaime Quesado recupera ensinamentos do filósofo alemão e aplica-os, no seu último livro, à Sociedade do Conhecimento”.

Fiquei entusiasmado já que, sendo o autor “gestor do POSC” Programa Operacional Sociedade do Conhecimento, um livro com tão ambicioso título trataria certamente das teorias de Marx à luz dos desenvolvimentos tecnológicos e organizativos da produção actual, ou vice-versa.
Quando consegui obter um exemplar deparei, logo na página 3, com uma reprodução do frontespício do “Das Kapital” seguida, em letra grande, da frase “Afinal, Karl Marx tinha Razão”. Tomei isso como uma confirmação das minhas expectativas.
Saltei para o fim do livro à procura da bibliografia, para saber que obras usara Quesado na sua análise. Não havia. Repito: não havia qualquer lista de livros consultados ou recomendados.
Fiquei um pouco surpreendido mas não desisti. Varri o livro de uma ponta à outra, são apenas 135 páginas em letra de formato grande e muitas fotografias, em busca das referências a Marx. Encontrei finalmente, a páginas 132, e resumem-se a isto:

“Nunca como agora Karl Marx passou a ter razão. Na moderna Sociedade do Conhecimento, os meios de produção, sob a forma de computadores, estão na posse dos trabalhadores que deles fazem o instrumento central duma geração de valor baseada nos imperativos da criatividade e da diferença estratégica. Caberá a estes “trabalhadores do conhecimento” imortalizados por Peter Drucker a difícil tarefa de demonstrar que a necessidade colectiva das organizações da utilização dos talentos tem que ser equilibrada com uma vontade individual dos talentos de se relacionarem com as organizações.”

E pronto. De Karl Marx estamos conversados.
Custou-me a acreditar que tudo se resumisse a uma “treta” de café ainda por cima muito mal contada.
Não é verdade que os computadores estejam “na posse dos trabalhadores” pois são na generalidade dos casos propriedade das empresas empregadoras, tal como não estão na posse dos trabalhadores as redes, a maior parte das bases de dados, a maior parte dos programas, e muitos outros componentes da infra-estrutura tecnológica actual.
Também é grave confundir computadores com criatividade pois pode não ter nada a ver uma coisa com a outra; pode-se ser muito criativo sem usar computadores e o inverso também é verdadeiro.

A utilização por Quesado da figura de Marx como “objecto decorativo”, para aumentar a visibilidade do seu livro, constitui um atrevimento detestável. Não se trata de considerar que Marx seja intocável para o comum dos mortais mas sim de exigir que um trabalho que tem pretensões ensaísticas seja feito com um mínimo de rigor e de seriedade. Este caso também revela uma total inconsciência já que o autor não parece perceber o ridículo a que se expõe.

Agora de um ponto de vista mais geral o livro aparece como uma manta de retalhos que tenta organizar, sob um mesmo “chapéu”, material que provavelmente terá sido usado em comunicações e apresentações avulsas.
É no entanto esclarecedor que esse trabalho de montagem apresente notórias faltas de cuidado; por exemplo o quadro de 5 pontos da pag. 67 aparece repetido com ligeiras diferenças nas pgs. 71 e 105. Há também lapsos de revisão que truncam palavras ou repetem bocados de frases (ex. pag. 71) tornando-as insondáveis.

Apesar dessas falhas que revelam uma menor consideração pelos leitores, não é condenável o facto de alguém reaproveitar trabalho seu anteriormente feito.
O que é mais gravoso é o facto de, para além de uma colecção de todas as “buzzwords” que soam nos círculos em que o autor se move, e abundantes citações dos autores estrangeiros de maior nomeada (prémio absoluto para a pag. 87 onde são citados 3 num único parágrafo), pouca matéria de fundo se descortinar no livro que não pudesse ter sido o conteúdo de um qualquer discurso de campanha feito por um dos nossos políticos “oficiais”.
Fez-me lembrar um programa que tínhamos na IBM, onde eu programava em COBOL ao tempo em que Quesado frequentava a primária, que a partir de tabelas de expressões e da escolha de um tema produzia tantas páginas de discurso quantas pedíssemos...

Se o autor fosse um cidadão qualquer que opinasse num “blog”, ou numa coluna de jornal, tudo se resumiria ao exercício da liberdade de expressão.
Tratando-se de um autor com particulares responsabilidades na execução de políticas relevantes, que gasta dinheiro dos cidadãos, e de uma obra tão entusiasticamente anunciada, constatar que a “montanha pariu um rato” não ajudará em nada as “Pessoas Normais” (a que o autor se refere na pag. 62) a confiar na clarividência das “Elites Locais” para as guiar perante “os desafios da globalização”.


A sessão de lançamento e o próprio livro contaram com a participação e mesmo os elogios de vários “notáveis” com destaque para o meio académico. Como é possível que tanta gente responsável, e tantas instituições, pactuem com a falta de rigor e de criatividade patentes neste livro de Quesado (apesar de por ele tantas vezes invocados) ?

A chave poderá estar nesta modesta declaração de Quesado sobre a sua própria carreira:

“Devo a riqueza única desse percurso, em larga medida confundido com a história mais recente do nosso país, à inelutável amizade de muitos “companheiros de geração”, imbuídos desde sempre de um ideal de reformismo positivo para o qual tenho tentado também dar o meu contributo.”

Será que os altos cargos públicos e o poder neles implícito, para além de todas as mordomias já conhecidas garantem agora, também, a irresponsabilidade intelectual ?

terça-feira, março 27, 2007

NIGHT WALTZ

Ciclo Paul Bowles - NIGHT WALTZ

28 de Março de 2007
21h00 Pequeno Auditório

Concerto inserido no ciclo dedicado a Paul Bowles.
Inclui "Six Preludes" para piano solo e canções com letra de Tennessee Williams e Federico Garcia Lorca e música de Paul Bowles.

Parte do premiado filme "Night Walz", de Owsley Brown III, que incide justamente sobre a vida do compositor (e tem a sua música).

A interpretação é da pianista Irene Herrmann, acompanhada da voz de Mário Redondo.

O Maior Português de Sempre




Não vale a pena ensaiar grandes análises sociológicas à volta do resultado do “Maior português de sempre”.

Não passou de um concurso tipo “Chuva de estrelas” onde os grupos de pressão têm campo livre face à muito generalizada preguiça/indiferença do publico.
Não sendo provável que existam fanáticos de Camões ou um lobby de D. Afonso Henriques, manifestaram-se os 3 grupos com capacidade para mobilizar activistas telefónicos: os neo nazis, os comunistas e os judeus. (Arrisco o palpite de que se entre os concorrentes estivesse algum assumidamente “gay”, teria sido o vencedor...)

Convém também não esquecer que a personagem de Santa Comba foi simultâneamente brindada com o troféu de “O pior português de sempre” (organização do Inimigo Publico e do Eixo do Mal).

Não me parece que se possa presumir de tudo isto que os portugueses têm saudades da ditadura ou que há uma investida da extrema direita contra a democracia.
E muito menos se deve fazer figuras tristes clamando com a inconstitucionalidade, numa histeria politica que ombreia com o folclore dos próprios factos.
O melhor que há a fazer é não falar mais no assunto para não lhe dar a publicidade que ele não merece.

Se receamos que a sociedade portuguesa esteja a ficar predisposta para ouvir os cantos de sereia ditatoriais, o que há a fazer é denunciar e combater as práticas que levam as pessoas a desiludirem-se com a politica e os políticos (a corrupção, a incompetência, a burocracia, o nepotismo, a prepotência, o laxismo, o peculato, etc).

O resto, é folclore.

Os Grandes Portugueses

O programa da televisão pública Os Grandes Portugueses teve no Domingo à noite a sua conclusão lógica. A Direcção da RTP I, que foi desenterrar Maria Elisa para fazer este programa, pensava ter um grande êxito entre mãos, com grandes audiências e muitos falsos confrontos para entreter o pagode. Nunca provavelmente admitiu que isto lhe corresse tão mal.




O programa politizou-se e neste marasmo anestesiante que é a vida política portuguesa eis que lhe sai na rifa em 1º lugar o Salazar e em 2º, o Álvaro Cunhal. Os heróis do bloco central: Mário Soares e Sá Carneiro são preteridos e as figuras sempre disponíveis da nossa história: D. Afonso Henriques, Infante D. Henrique, D. João II, Vasco da Gama, etc., são relegadas para segundo plano. Os mais inconvenientes, os menos politicamente correctos, surgem em força. Resolve fazer uma sondagem à pressa para saber quem era o grande português e lá safa a honra do convento descobrindo que o escolhido era D. Afonso Henriques. A sondagem sempre valia mais do que os telefonemas a 1,00 € cada.
Todo este espectáculo foi de uma grande tristeza, exceptuando talvez alguns dos documentários que tinham dados informativos sobre os biografados.
Os Grandes Portugueses não passam de uma versão intelectual do Big Brother, com heróis e vilões, o vencedor e os despedidos da casa (veja-se um dos episódios do Gato Fedorento - Isto é uma Espécie de Magazine), tudo isto apresentado com grandes pretensões culturais e pedagógicas. De cultural tem muito pouco e é o mais anti-pedagógico possível. Mas a RTP, na senda das suas congéneres estrangeiras (não estamos na Europa?), resolveu mesmo assim apresentar este programa e acrescentou-lhe a apresentadora menos classificada para o fazer. Não quanto as suas capacidades profissionais, quem sou eu para discutir isso, mas quanto ao seu comportamento político. Quem já mudou tantas vezes de casaca: de assessora de imprensa de Maria de Lurdes Pintassilgo, a directora de programas de Proença de Carvalho, que tinha a missão, já publicamente assumida pelo próprio, de sanear a extrema-esquerda da televisão, de deputada por Castelo Branco pelo PSD a adida cultural em Londres, não era de certeza a pessoa mais indicada para dar um tom de seriedade ao programa, que, como se veio a verificar, acabou na desgraça que foi. Maria Elisa rodeou-se de pessoas mediáticas, mas pouco classificadas, com as raras excepções do Hélder Macedo e talvez, não sou pessoano, de Clara Ferreira Alves. A escolha de Odete Santos foi nitidamente para matar pela segunda vez o Álvaro Cunhal.
Além do mais, Maria Elisa levou o programa a sério, apesar de ir sempre dizendo que era um passatempo. Escolhe primeiro os que lhe dariam prestígio intelectual, como o Professor Eduardo Lourenço no debate de apresentação, mas combate e afasta depois todos os que o ridicularizavam. Reúne-se com aqueles que podiam atacar o Cunhal e, mais moderadamente, o Salazar. Ainda na noite de Domingo, a seguir a duas intervenções da tresloucada Odete Santos, achou por bem, o que não fez com nenhum outro interveniente, contrapor à opinião daquela deputada a de um historiador (António da Costa Pinto) e a de um jornalista (José Manuel Barroso), este último que sempre se notabilizou pelo seu anticomunismo militante e que achou, em artigo que escreveu recentemente para o Diário de Notícias, que Salazar ainda vá lá que fosse escolhido, agora Cunhal é que nunca.
A RTP teve pois o que merecia e os portugueses o que na sua maioria não desejavam, mas que, dada a sua tolerância para com o fascismo, agora apodado de Estado Novo, tiveram que engolir.

sábado, março 24, 2007

Revolução nas artes do desenho

Penso que já se percebeu que sou apaixonado por fotografia.
Por mero acaso obtive exemplares de uma revista, "O Panorama", publicados nos anos 30 do século XIX, onde fui encontrar as que são, talvez, as primeiras referências a Daguerre e à invenção da fotografia publicadas em Portugal.
Têm um encanto irresistível (pelo menos para mim) pelo que decidi partilhá-las.



Revolução nas artes do desenho


O INVENTO, ou descubrimento de que vamos fallar, merece um e outro título; a natureza e o engenho do homem, podem ahi apostar primasias. A natureza apparece retratando-se a si mesma, copiando as suas obras assim como as da arte, não em painéis presenciaes, inconstantes e fugitivos, como eram e são os rios, os lagos, as pedras e metaes polidos, mas em matéria que retem o simulacro do objecto visivel e o fica repetindo com a mais cabal semelhança ainda depois de ausente: isto pelo que toca á natureza. Agora pelo que respeita ao engenho do homem, foi elle quem a forçou a este milagre novo e inesperado. Duas coisas nos dão pena querendo escrever esta noticia; a primeira é que não possamos explica-la e circumstancia-la como cumprira, por fallecerem ainda as precisas e miúdas informações; a segunda que desse mesmo pouco com que um jornal de Paris, o Século, nos vem acenando, não nos consente a indole e extensão da nossa folha apresentar senão o pouquíssimo.

A camara luminosa ou óptica, segundo vulgarmente se diz, é formosa recreação de nossa infância, e nos permite viajar sentados n’uma cadeira, no canto da nossa casa, por todos os Portos, cidades e ruínas, bosques e desertos do mundo; mas se taes pregrinações nos não custam nem fadigas nem perigos, nem dinheiro e largos annos, tambem a idéia que nos trazem das coisas apartadas é pelo demais incompleta ou falsa; e todos esses quadros de mão humana são imperfeitos como tudo o que d’ella sae.

A camara luminosa levava grandes vantagens á câmara obscura em um sentido, se em outro lhas cedia; porque, se ahi o artista cercado de trevas via descer sobre o seu papel alvo e nú, as formas perfeitas, córadas e vivas das coisas externas, e dessas, todas as que lá por fóra senão levavam e fugiam, as prendia com o lápis e pincel, e compunha, ou antes copiava natural e verdadeiro o seu quadro; por outra parte o alcance desta sua magica era sempre mui limitado: e de mais, dado que as formas e cores que primitivamente ao seu papel fossem, nem podessem deixar de ser completas e exactas, como o prendê-las era trabalho de mão e instrumentos humanos; ahi vinham tambem forçosamente as differenças, os erros e quando menos os desprimores.

Da camara obscura saíam lindas recordações abreviadas do mundo circumstante; mas esses paineis eram mais formulas representativas do que emanações reaes dos corpos; mais retratos levemente desfigurados do que reflexos proprios, inteiros e absolutos, esses paineis, requeriam tempo, paciencia, arte e uso de uma palheta carregada de todas as cores do íris.

D’ora ávante porém, sem palheta, nem lapis, sem preceitos artisticos nem dispendio de horas e dias, que digo, sem mover a mão, sem abrir os olhos e até dormitando, poderá o viajante enriquecer a sua pasta com todos os monumentos, edificios e paizagens, das longes terras, e o amante mais hospede das bellas artes, obter por si proprio o retrato dos seus amores; tão ao natural como o traz debuchado no coração, e mais natural ainda porque não lhe faltarão as miudesas mínimas que a vista não alcança e que só a lente lhe poderia revelar. Os nossos leitores nos estão já aqui pedindo impacientes a solução de tão incrivel problêma; o que podemos é apontar-lha, isso vamos fazer.

Eis-aqui o que o senhor Arago relatou á academia franceza de cuja é secretario: o senhor Daguerre, famigerado pintor do diorama, andava, largos annos havia, todo embebido em procurar alguma substancia onde a luz se podesse imprimir, e deixar de si vestigios distinctos, que ainda depois d’ella ausente a denunciassem com todas suas modificações e circumstancias; para este fim andou batendo á porta das várias matérias e interrogando todos os corpos e invocando toda a natureza. Em tudo é a diligencia mãe da boa ventura. Encontrou ao cabo uma substancia como a elle sonhára, tão sensivel á acção immediata da luz, que esta lhe deixa os vestigios evidentes do seu contacto, d’esse contacto tão subtil e inapreciavel. Estes vestígios ficam representados por côres que teem em cada ponto uma relação perfeita com os diversos gráus de intensidade da mesma luz.




Não se cuide, comtudo, haver nesta estampa as proprias côres do objecto que ellas representam; não, as diversas côres dos originaes só são denotadas e significadas na copia, com uma extrema exactidão, pela maior ou menor força da luz, isto é, pelo maior ou menor effeito da impressão da luz: vae do original á copia uma differença a este respeito bem comparavel com a que faz uma gravura optima d’um painel a oleo cujo ella for perfeitíssimo traslado. O vermelho, o azul, o amarello, o verde etc, são significados por combinações de luz e sombra, por meias tintas mais ou menos claras ou escuras, segundo a somma de potencia clarificante que encerra por sua natureza cada uma destas côres. Mas o que é certo, apesar de todo esse desconto, é, que estas copias são tão extremadas, tem um tal relevo e tamanha verdade como se não pode imaginar sem as ter visto.

A delicadesa de traços, a puresa das fórmas, a exactidão e harmonia dos tons, a perspectiva aeria, o primor das miudesas, isso tudo se representa com a suprema perfeição. A lente, malsim terrível das maiores obras de desenho, que em todas encontra senões e desares inevitaveis para a arte, gire quanto quizer sobre estas figuras, fite n’ellas, quanto tempo lhe agradar, o seu olho inexorável, desesperar-se-ha de não descubrir senão perfeições, depois perfeições, e sempre em tudo perfeições.

Não ha porque nos espantemos: a luz, a propria luz, foi a pintora. Do pae da luz creáram divindade ás artes os fabuladores da Grecia; da fabula fez historia o engenho mais creador da nossa edade. Estas gravuras abertas pelo buril dos raios luminosos, estas estampas baixadas, porque assim o digamos, do ceu, mostrou-as o senhor Daguerre aos senhores Arago, Biot, Humboldt e outros, que todos ficaram suspensos e enfeitiçados.

O auctor limitado n’um pequenino espaço da ponte, chamada das Artes, trasladou toda a carreira de grandiosidades monumentaes que ufanam e affamam a margem direita do Sena comprehendendo aquella parte do Louvre que alardea a opulenta galleria das pinturas; e não ha linha, não ha ponto que não saísse perfeitíssimo. Da mesma arte apanhou aquella immensa e gigantesca fabrica de Nossa Senhora de Paris, com toda a sua profusissima cuberta de esculpturas gothicas. Mais fez, que repetiu o prospecto do mesmo edifício, ás oito da manhaã, ao meio dia e ás quatro da tarde, e isto em dois dias diversos, um de chuva, outro de sol; e todas estas vistas, sem exceptuar aquellas mesmas em que a extensão relativa das sombras é identica para quem as observa, teem physionomias tão próprias e tão suas, que n’um relanciar de olhos se adivinha a hora do dia e circumstancias atmosphericas em que se fez cada retrato.

E devendo parecer já isto a maxima maravilha, ainda ha outra e é a quasi magica ligeiresa com que se opera; oito ou dez minutos bastam no clima e ceu ordinariamente aspero de Paris para começo e remate de taes quadros; mas com ar mais puro e luz mais estreme, como no Egypto, um minuto bastaria. Todavia, diz o noticiador do Seculo, estas admiraveis representações das exterioridades da natureza, certamente por passarem por ellas mãos humanas, carecem do que quer que seja como objectos d’arte. Coisa admirável! Aquella mesma potencia que as creou parece ausentar-se logo d’ellas: estas obras da luz carecem de luz. Nos proprios pontos mais directamente clareados ha uma fallencia da vivesa e de lustre; e na verdade são umas vistas, que a despeito de todas as harmonias de sua impecavel perfeição, como que apparecem sob um ceu denso e boreal que se está esmorecendo e esfriando: parece que ao coarem-se pelo aparelho óptico do auctor, todas á uma se revestem do aspecto melancholico do horizonte quando quer anoitecer.

Segundo contra. Apesar da summa rapidez da luz, como o seu effeito na substancia do Sr. Daguerre não é instantaneo, qualquer objecto que se mova com velocidade ou lhe não deixa vestigios seus, ou só muito confusos. As folhas das arvores por exemplo, como aquellas que sempre se andam balançando no vento, ficam pelo demais mui perturbadas: mas onde só se pertenderem imagens da natureza sem vida, edifícios, monumentos, estatuas, ou cousas de semelhante género, ahi sim, ahi triunfa de todos os outros este novo methodo. Rosto de homem vivo ainda até hoje o não pôde retratar que satisfizesse. Mas o auctor ainda não perdeu a esperança de lá chegar.

É inegavel á vista do que levamos apontado, que este invento, um dos mais admiráveis de nossos tempos, terá largas consequências em todas as artes do desenho, e contribuirá não só para o progresso do luxo util e aformoseador da sociedade, mas também para o maior aproveitamento das viagens, quer sejam scientificas, ou artisticas, ou moraes, quer de simples divertimento e recreação. O auctor, porém, ainda não declarou o seu segredo; e esta immensa revolução, para arrebentar e espalhar-se por todo o mundo, só aguarda uma palavra d’elle, o seu fiat lux.


Revista “O Panorama”, 16 de Fevereiro de 1839, Vol. 3, página 54.




"Now, sir, if you dare move a muscle of your face I'll blow your brains out!--I want a placid expression sir; my reputation as a daguerreotypist is at stake!"

From Frank Leslie's Illustrated Newspaper. Vol. 7, No. 289 (28 May 1859) pg. 414.

quinta-feira, março 22, 2007

Jograis U...Tópico


Aqui fica a referência a uma interessante iniciativa dos Jograis U... Tópico tal como eles a descrevem:

Quarta-feira, 28 de Março de 2007 - Café Império (Av. Almirante Reis - Lisboa)
No Café Império, de gratas recordações, hoje remodelado graças aos novos proprietários - Paulo Relva e sua mulher Paula Moura - que mantiveram a antiga traça, mas que lhe conferiram um tom de conforto muito agradável, vai ocorrer um "Jantar-Poético" com a presença do Grupo de Jograis.
Às 20h inicia-se o jantar, tipo buffet (sopa, dois pratos, sobremesa, vinhos e café - à descrição pelo preço de 15€ (quinze euros). Para quem não puder estar presente a esta hora, ou não queira simplesmente jantar, será posto à disposição um bar aberto com café, cerveja e outras bebidas.
Pelas 21,30h começará o recital de poesia pelos Jograis "U...Tópico" que se repartirá por dois períodos. No primeiro o grupo dirá 6 (seis) poetas africanos de expressão portuguesa e 4 (quatro) brasileiros. Seguir-se-á um pequeno momento musical (cantora brasileira acompanhada ao piano) após o que voltará a actuar o grupo de jograis para dizer mais 10 (dez) poetas portugueses. Todos os autores que diremos são de reconhecido prestígio.

quarta-feira, março 21, 2007

Religiosidade "gourmet"...



As recentes directivas do papa Bento XVI, de regresso a preceitos mais rígidos e tradicionais, têm provocado diversas reacções interpretativas.

Para mim, que sendo ateia só me interesso pelo facto do ponto de vista sociológico, isto aparece relacionado com a tendência cultural de uma certa “elite” para a procura da distinção num mundo cada vez mais massificado.

Ou seja, em oposição ao turismo de massas e hotéis iguais em todo o mundo, viagens de aventura e estadias em castelos renascentistas. Em vez da lagosta e da perdiz congelados em todos os hipermercados, enchidos feitos segundo receitas milenares e curados ao fumeiro em cozinhas familiares de granito.

E contra a missa com pandeiros e sotaques sul-americanos ?
Latim e cantochão...
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terça-feira, março 20, 2007

Entre as Brumas da Memória II

Li com muito interesse o livro de Joana Lopes, colaboradora do nosso blog, referente a Os católicos portugueses e a ditadura. O período abrangido, que corresponde grosso modo aos anos 60 do século passado, foi para muitos de nós, hoje sexagenários, o período de formação e de abertura para o mundo. Apesar, das vivências de cada um, estes factos constituem, no entanto, um património comum daqueles anos tão importantes para o fim do fascismo.
Assim, recordaria que um exemplar da Igreja Presente me foi dado na Faculdade por um católico progressista da época, que hoje deve ser afim do PSD e atarefado funcionário da SONAE.
Por outro lado, a visita de Paulo VI a Portugal foi acompanhada por mim na televisão para perceber até que ponto ela era aproveitada pelo regime. E guardo dessa visita a sessão de autógrafos, que foi dada por esses dias, pelo poeta soviético Ievtuchenko, de quem tinha sido lançado a Autobiografia Prematura pela Dom Quixote.

Ainda hoje conservo a assinatura do poeta na foice e martelo que fazia parte de uma das suas fotografias que compunham o livro. Para quem não se recorde, Ievtuchenko foi autorizado a entrar em Portugal, conjuntamente com milhares de peregrinos que vinham de Espanha, para participar nas cerimónias de Fátima presididas por Paulo VI.
Mas o mais inesquecível é, para mim, a cena descrita pela autora das célebres conferências subordinadas ao tema "Lusitania, Quo vadis?", a que assisti, principalmente a última que decorreu na tal fábrica de papel situada na Avenida do Brasil, em que devido ao meu aspecto “certinho e bem comportado” pude aceder, dado que foi estabelecida uma verdadeira barreira, pois não cabiamos todos na sala. Quem na altura desempenhava o papel de porteiro, se bem me recordo, seriam o Jorge Sampaio e o Vítor Wengorovius.
Há da parte de Joana Lopes uma recordação muito comedida sobre o papel desempenhado por "dirigentes estudantis da extrema-esquerda muito aguerridos", que ficaram no exterior da fábrica. Na verdade, cá fora Arnaldo Matos e os seus companheiros do MRRP não faziam mais do que insultar os que estavam lá dentro, parafraseando a canção do Luís Cília,”É sempre a mesma melodia, Mário Soares e a social-democracia”, em que substituíram o Salazar da letra da canção pelo Mário Soares. Este comportamento, que era verdadeiramente provocador e que nessa conjuntura visava atrair os polícias para reprimir a sessão, verificou-se repetidas vezes a quando das eleições de Outubro de 1969, principalmente em relação aos comícios da CEUD e em que Mário Soares participava. Para o MRRP, nesse momento, Soares era o inimigo principal, como depois, ou mesmo concomitantemente, veio a ser o PCP.
Para terminar, não deixaria de notar esta espantosa moção aprovada por 68 padres em que se propõe “denunciar os sistemas de exploração capitalista que provocam o esmagamento económico e cultural de grandes camadas da população”. Que boas ideias manifestavam esses padres em 1969. Hoje, arrancar uma condenação tão explícita do capitalismo, já nem provavelmente do PCP.
Passados todos estes anos e conhecendo da vida pública alguns dos intervenientes desta história, penso como tanta gente se acomodou e como é possível a Igreja ainda estar pior hoje do que estava há 40 anos e que os leigos, pela amostra dos que apareceram a combater o aborto, não sintam um friozinho na alma pelos disparates que produzem.

segunda-feira, março 19, 2007

Conteúdos digitais sem espaço em 2010 ?



A manter-se o actual ritmo de produção de dispositivos para guardar conteúdos digitais, a informação produzida em 2010 será superior à capacidade de armazenamento no mundo.
De acordo com um estudo da multinacional IDC (que será apresentado em Lisboa na terça-feira), em 2005 foram produzidos 161 mil milhões de gigabytes (ou 161 exabytes) de dados digitais. Isto inclui, por exemplo, páginas de Internet, ficheiros nos computadores ou chamadas telefónicas - basicamente, tudo o que possa ser convertido em zeros e uns.
Os 161 exabytes de informação permitem comparações assombrosas: equivalem a três milhões de vezes o conteúdo de todos os livros já escritos na história da humanidade. Uma das razões para tão grande quantidade de informação é que muitos conteúdos - vídeos, e-mails, música - são replicados várias vezes.
Para 2010, os analistas estimam que o mundo gere 988 exabytes de informação digital, ao passo que a capacidade de armazenamento se ficará por uns meros 601 exabytes.
Não há, contudo, razões para alarme, garante o responsável pelo estudo. John Grantz, entrevistado pela Time Online, explica que nem todos os dados produzidos ao longo de um ano são guardados. É o caso dos telefonemas ou de parte dos e-mails. Por outro lado, os dispositivos de armazenamento estão a ficar cada vez mais baratos.
O investigador Daniel Gomes, da Universidade de Lisboa, explica que os preços variam consoante a tecnologia necessária. Para as empresas, que precisam de discos rígidos de rápido acesso, o preço por gigabyte é muito superior ao que paga o utilizador comum.
O espaço físico para alojar a informação também não deverá ser problema. Daniel Gomes é um dos responsáveis pelo Tomba, um arquivo da Web portuguesa com 1500 gigabytes de dados, mas que parou de indexar páginas por falta de espaço. Toda a informação já recolhida está contida num computador cujo tamanho não excede o de um armário médio.
No futuro, prevê o investigador, será possível armazenar cada vez mais informação em espaços reduzidos: "Os cartões de memória das máquinas fotográficas têm o tamanho de uma unha e atingem quatro gigabytes. Há uns anos pensávamos que estávamos prestes a atingir o limite, mas surgem sempre novas tecnologias."

João Pedro Pereira in jppereira@publico.pt

sexta-feira, março 16, 2007

As novas burkas



Clique na Imagem para VER os modelos de burka da próxima estação

terça-feira, março 13, 2007

Entre as Brumas da Memória



Já está nas bancas o livro "Entre as Brumas da Memória" (belo título) da nossa colega Joana Lopes.

Como ainda não li aqui fica, para já, um dos textos de apresentação:

"Um livro sobre a ditadura e o papel que as elites católicas tiveram na luta contra o regime fascista. A autora escreve sobre um tema que bem conhece, pois participou em iniciativas e organizações ligadas a um grupo que ficou conhecido como Católicos Progressistas. A História recente de Portugal tem vindo a suscitar grande interesse do público. De salientar o Prefácio de Pedro Tamen, escritor de prestígio e figura destacada dos grupo de católicos progressistas."

sexta-feira, março 09, 2007

"As vidas dos outros" e as nossas


"As vidas dos outros" é um filme interessantíssimo.
A história muito bem construída prega uma partida ao espectador, o que resulta quase sempre, fugindo dos lugares comuns sobre o tema tratado, a sociedade da RDA (vulgo Alemanha de Leste).

Um fanático do regime compreende os seus erros e salva aqueles que devia perseguir pagando por isso com a destruição da sua carreira mas os seus chefes, boçais e nada idealistas, continuarão a prosperar mesmo depois da "reunificação".

Suspense, reviravoltas e emoções conduzem o espectador para a "conclusão" de que os sistemas de limitação das liberdades acabam sempre por se tornar pasto de todos os oportunismos e carreirismos em vez de serem, como muitas vezes se pensa, dominados pelos idealitas.

Uma outra questão interessante neste filme é haver em Portugal muita gente que viveu interrogatórios "pidescos" como aqueles que se vêem no ecran.

É duro constatar a semelhança entre a repressão que se praticava durante o "Estado Novo" e aquela que ocorria num país que, pelo menos até certa altura, era considerado como modelo por muitos dos que se batiam pela liberdade em Portugal.





terça-feira, março 06, 2007

A China em Abrantes

A Biblioteca Municipal António Botto , que manifesta um dinamismo notável e uma invulgar capacidade de realização, aproveitou uma exposição de fotografias da China para realizar um vasto conjunto de iniciativas de índole cultural.

Essas iniciativas constituem uma forma divertida de enriquecer e contextualizar as imagens apresentadas na exposição.

Está na altura de esquecer o velho aforismo "Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes".


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Aqui fica a promoção, feita pela Biblioteca, das realizações à volta da exposição de fotografia:


Se a China o fascina ou se gostava de saber mais sobre este país do extremo oriente, então não perca a iniciativa que a Biblioteca Municipal António Botto vai promover ao longo do mês de Março. E começamos logo a tentar apanhá-lo pelo estômago...

A Biblioteca Municipal António Botto vai promover entre os dias 5 e 28 de Março uma exposição de fotografia da autoria de Fernando Penim Redondo com trabalhos recolhidos numa viagem à China. A inauguração da exposição terá lugar às 18h00 do dia 5, após a qual acontecerá no Restaurante chinês Fu-Hao, um jantar seguido de uma conferência por Fernando Penim Redondo. O preço do jantar é 11 euros por pessoa e os interessados poderão inscrever-se na Biblioteca Municipal, nos contactos abaixo indicados.

E aproveitando o balanço da exposição, a Biblioteca resolveu desenvolver um programa paralelo de actividades que vão acontecer durante este período, com as quais pretende estabelecer a ponte entre a comunidade abrantina (escolas de todos os níveis de ensino, Universidade da Terceira Idade, centros de dia, instituições de todos os sectores da vida civil, população em geral, etc) e a China, envolvendo também a comunidade chinesa existente em Abrantes. Desde a medicina tradicional chinesa à vertente económica pretendemos dar a conhecer uma realidade completamente diferente da nossa e que, muitas vezes, nos passa ao lado.

E dado a Ásia ser tão fascinante, ultrapassámos mesmo as fronteiras da China e fomos conhecer outras artes cujas raízes chinesas foram adaptadas pelos povos da região. Acupuntura, Shiatsu, Reiki, Fitoterapia, Taichi, Massagem Vibracional (Taças Tibetanas) são algumas das actividades que ao longo do mês vão acontecer no espaço da Biblioteca. As actividades são gratuitas! Participe, inscrevendo-se na Biblioteca ou através do telefone 241 379 990 ou, ainda, por e-mail para biblioteca@bmab.cm-abrantes.pt.


A exposição vista do claustro do convento de S. Domingos

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sábado, março 03, 2007

Dido e A Valquíria

"A magia do fogo" de Newell Convers Wyeth

"A Valquiria" no S. Carlos

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Quis o destino que eu visse, no espaço de três dias, as óperas "A Valquíria" e "Dido e Eneias".

Nessas circunstâncias não pude deixar de as comparar e sentir, "na pele", como eram diferentes as sociedades da Inglaterra no século XVII e da Alemanha no século XIX para dar origem a obras com "atitudes" tão diferentes.

Numa tudo é graça na outra tudo pesa, numa tudo respira optimismo mesmo quando a tragédia se abate e na outra não se vislumbra qualquer saída, numa o amor é uma forma de os humanos tentarem construir o seu próprio destino e na outra o próprio amor é apenas a realização de um plano transcendente.

Dito isto convém esclarecer que considero as quatro horas passadas em S. Carlos como a oportunidade de "viver" uma experiência notável. A hora e meia passada no CCB foi bem recheada de canto e música mas, na vertente da coreografia, considero que as oscilações na qualidade foram muito grandes.

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"O adeus de Eneias a Dido em Cartago" de Claude Lorrain


"Dido e Eneias" no CCB

quinta-feira, março 01, 2007

Grandes momentos


Para o caso, improvável, de ainda haver alguém que não conheça este video AQUI está.

Também pode clicar na imagem.