quinta-feira, setembro 29, 2005

Um instrumento maravilhoso num local fabuloso


(clique na imagem para ver versão ampliada do cartaz)


A Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado
e a Fundação das Casas de Fronteira e Alorna

Anunciam uma série de 6 (seis) Concertos Comentados de Guitarra Portuguesa Tradicional de Lisboa a ter lugar entre Outubro de 2005 e Março de 2006 no Palácio Fronteira Largo de S. Domingos de Benfica.

Datas: 8 de Outubro, 12 de Novembro, 10 de Dezembro, 14 de Janeiro, 11 de Fevereiro e 11 de Março. (2º sábado de cada mês)

É necessária reserva, com atempado pagamento, através dos contactos da

Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado (96 801 64 46)
e da
Fundação das Casas de Fronteira e Alorna (21 778 45 99)

Os instrumentistas são alguns dos melhores intérpretes da Guitarra Portuguesa de Lisboa, com respectivos acompanhamentos de Viola: António Chainho, João Torre do Vale, Paulo Parreira, Ricardo Parreira, José Pracana, José Elmiro Nunes, António Parreira e Carlos Gonçalves.

Preço: 20 euros (número limitado de lugares)

A Guitarra Portuguesa Tradicional de Lisboa tal como definida para estes concertos, é uma forma de tocar a Guitarra Portuguesa, na versão da Guitarra de Lisboa, que encontra cada vez menos praticantes profissionais, mas que mantém um interessante número de apreciadores. Requer uma linguagem não estritamente musical e sobretudo uma dádiva emocional do próprio executante.

Trata-se de uma manifestação rara e esta iniciativa da ACADEMIA DA GUITARRA PORTUGUESA E DO FADO, dedicada à defesa e protecção das nossas melhores e mais específicas tradições culturais, tem o apoio da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna. Os Concertos, com comentários didácticos, realizam-se na Sala das Batalhas, no nobre e bonito Palácio Fronteira, ele próprio muito significativo para a apreciação da nossa identidade cultural.

domingo, setembro 25, 2005

O DOTeCOMe faz 5 anos



No dia 1 de Outubro de 2005 completam-se cinco anos de existência do DOTeCOMe (o site em que este blog se "integra", porque este blog é muito mais novinho).

Esta data é apenas uma convenção pois a verdade é que o site foi surgindo durante o Outono do ano 2000, ao sabor das experiências e tentativas.

Para não deixar passar em claro esta ocasião resolvemos tomar algumas iniciativas que poderá conhecer clicando na imagem.

quinta-feira, setembro 22, 2005

Imagens do Japão

Clique na foto para ver as fotografias feitas pela Joana Lopes no Japão.

terça-feira, setembro 20, 2005

Uma questão suína

Tradução de uma carta (VERDADEIRA!) que, segundo consta, o Comissário Europeu da Agricultura recebeu recentemente.




Senhor Comissário da Agricultura,

O meu amigo Robert, que vive na Bretanha, recebeu um cheque de 100.000 EUR da UE para não criar porcos estes ano. Por essa razão eu estou a pensar entrar no programa de não-criação de porcos no próximo ano.
O que eu gostaria de saber era qual é a melhor quinta possível para não criar porcos e também qual a melhor raça a não criar. Gostaria de não-criar Javalis, mas se eles não forem uma boa raça para não-criar, fico igualmente satisfeito se puder não-criar uns Landrace ou uns Large White.
O trabalho pior neste programa parece-me ser manter um inventário preciso do número de porcos que não criámos. O meu amigo Robert está muito entusiasmado quanto ao futuro do seu negócio. Criou porcos durante mais de 20 anos e o máximo que tinha conseguido ganhar foram uns 35.000 EUR em 1978... até este ano, que recebeu o tal cheque de 100.000 EUR para a não-criação de porcos.
Se eu posso receber um cheque de 100.000 EUR para não-criar 50 porcos, então receberei 200.000 EUR por não-criar 100 porcos, etc?
Proponho-me começar por baixo para depois chegar a não-criar uns 5000 porcos, o que significa que receberei um cheque de 10.000.000 EUR para poder comprar um iate e para outras necessidades urgentes.
Mas há outra coisa: os 5000 porcos que eu não criarei deixarão de comer os 100.000 sacos de milho que lhe estão destinados. Entendo, portanto, que irão pagar aos agricultores para não produzir esse milho.
Isto é: receberei alguma coisa para não-produzir 100.000 sacos de milho que não alimentarão os 5000 porcos que não-criarei? Pretendia começar o mais cedo possível, porque parece que esta altura do ano é a mais propícia à não-criação de porcos.

Com os melhores cumprimentos,

(Assinatura ilegível)

PS: Mesmo estando implicado no programa poderei criar uns 10 ou 12 porcos para ter algum presuntito para dar à família?

domingo, setembro 18, 2005

A propósito das "autárquicas" (em que não votarei)




LISBOA

a minha cidade comove-me
pois estes passos que se cruzam
vêm de há séculos caminhando
sobre estas pedras que ressoam

esta teia de gente sem destino
de trabalho de crime ou de cantigas
ponto de encontro átrio e viagem
de quem caminhando pisa sempre o mesmo chão

e não há outra cidade para mim
por mais gente que cruze as suas ruas
pois só minha cidade me alimenta
com a fome e o suor dos que passaram

só aqui se cumpre a minha vida
mais um passo do passado para o futuro
só aqui eu consigo acreditar
que tudo o que fazemos faz caminho

aqui é que eu faço filhos com os meus velhos sapatos
de quem sempre me despeço com desgosto
e nada me anima como subir estas calçadas
arfando e respirando este ar poluído

aqui é que me gasto como quem gasta as solas
e a morte faz sentido junto destas pedras
que me protegerão como uma mãe
sossegada e fresca como um beco

aqui onde o vento cheira a mar
é que apodrecemos voluntariamente
com o desplante dos cigarros
com que queimamos a impaciência

aqui é que os sons e as cores
falam a língua da memória
e só posso desculpar aqueles que partem
para não morrer de fome

aqui é que devemos entregar-nos à vida
para ela fazer de nós o que entendermos
aqui partilhando as ruas com todos
pois na rua somos quase iguais

aqui na nossa cidade não há lonjuras
entre nós só os preconceitos
a nossa cidade é o sonho quase feito
a grande festa que só espera um foguete

nela viajo estas noites clandestinas
que são o fel de cada manhã
na minha boca que não desiste
do segredo escrito pelas solas dos séculos

sobre as pedras lisas como crâneos semi-enterrados
continuaremos a cruzar-nos em todos os sentidos
da rosa dos ventos e da palavra
e só por causa disso eu não me canso

Lisboa, 1979
(Publicado em "O Diário", 1987)

quinta-feira, setembro 15, 2005

Mundos Perfeitos

____________________________________ Estocolmo, 2005 - FPR

Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro

Imagine ter acesso apenas ao que lhe interessa. Acordar pela manhã e ler na Internet as notícias seleccionadas através de um filtro de conteúdos garantidos por uma entidade da sua confiança. Escolher a sua programação televisiva através da classificação de conteúdos feita por essa mesma entidade. Sair de casa e poder deixar os seus filhos numa escola com programas e currículos que reflectem totalmente as sua preferências morais e/ou políticas. Poder investir toda a sua acção política num objectivo social particular (proteger o ambiente ou garantir o direito à sesta por ex.) e viver numa comunidade de pessoas que partilhem essa mesma concepção do mundo. Um mundo perfeito? À primeira vista, nunca estivemos tão próximos de poder maximizar a nossa liberdade e autonomia individuais, construindo os nossos pequenos mundos perfeitos. Mas estes mundos aparentemente perfeitos não fazem um mundo perfeito.
Os custos de ouvir aquilo que nos é desagradável e estar sujeitos a ideias que não são as nossas, são a contrapartida de um espaço público: um espaço em que também podemos fazer ouvir as nossas ideias, tentar convencer os outros delas e, por vezes, nesse processo, ser também convencido por novas ideias (seguindo a tradição socrática de que a verdade é produto da nossa vontade autónoma mas apenas se constantemente questionada e desafiada por concepções alternativas). Acontece que as novas tecnologias, novas formas de organização social e a nossa crescente arrogância intelectual estão a unir-se para, paradoxalmente, promover, numa comunidade cada vez mais global e inter-dependente, comunidades de valores crescentemente insuladas e fechadas em si mesmas.
Infelizmente, esta tendência parece ser reforçada pela crescente irracionalidade do debate público. No mundo que estamos a construir, a arrogância intelectual só tem paralelo no relativismo moral. Uns estão tão seguros da sua verdade que apenas querem saber como a podem proteger e, se possível, impor aos outros. Outros, estão tão convencidos da ausência de qualquer verdade absoluta que apenas se preocupam em saber como fazer predominar a sua verdade relativa. Em ambos os casos, seja porque a verdade é óbvia ou porque não existe de todo, debater e argumentar deixa de fazer sentido. Isto reflecte-se quer na organização do espaço público (que é crescentemente limitado) quer na argumentação que nele prevalece. O que interessa é gritar mais alto ou fazer apelo a uma fé maior (religiosa ou, frequentemente, de outro tipo). Os argumentos da moda são assim os argumentos de “fé”. Estes não se destinam a convencer o outro mas a revelar a verdade. Só que a fé (num Deus, numa ideia ou num partido), apenas pode justificar uma verdade pessoal fundada numa relação individual com algo que racionalmente não podemos provar perante os outros. Por este motivo, não pode servir de base a um processo de argumentação perante aqueles que não partilham dessa fé. Para um argumento ser aceitável no espaço público ele tem de ter a ambição de convencer o outro e, para isso, tem de assentar em bases racionais que possam ser partilhadas por esse outro. Os nossos argumentos podem até não vir a convencer ninguém (suspeito que isso é frequentemente o caso com os meus argumentos...) mas, para serem válidos, têm de ambicionar comunicar com os argumentos e posições dos outros.

A mesma destruição do espaço público e da possibilidade de argumentar e discutir no seu seio resulta do relativismo absoluto que, no extremo oposto, ao aceitar todas as verdades não admite outro critério que não a força para resolver os conflitos entre elas. Não vale a pena argumentar, se não podemos entender os outros nem por eles ser entendidos.

Esta crescente balcanização das ideias no espaço público tem como consequência uma alteração substancial nesse espaço público e na nossa própria auto-determinação individual. Afecta a forma como definimos as nossas preferências individuais e como as tentamos compatibilizar e prosseguir através de decisões sociais que sejam aceitáveis (ainda que não partilhadas) por todos. A ambição do debate racional de ideias é substituída por uma competição entre visões alternativas do mundo que desistiram de nos procurar convencer para se apresentarem antes como verdades reveladas. Exprime-se uma opinião para tomar partido e não para desenvolver uma ideia. As ideias não interessam, o que interessa é quantos são e quantos somos. Já não há ideias no céu e cá na terra muito menos...

Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro

terça-feira, setembro 13, 2005

A Colisão na Comunicação


COLISÃO, “Crash”, é um grande filme sobre a complexidade (improbabilidade ?) da comunicação entre os humanos.

Quase todos as vítimas deste flagelo insistem, no filme, em dizer “eu também sou americano” mas os seus “mundos pessoais” mostram-se irremediávelmente distantes. COLISÃO não trata específicamente das questões sociais e raciais da América mas sim da incomunicabilidade humana; nós podemos dizer “eu também sou humano” mas as dificuldades de comunicação persistem.

Em Portugal notou-se muito a passagem de apenas um posto de televisão para os actuais quatro (agora aumentados pelo cabo). De repente deixou de ser garantido que o colega do emprego tinha visto, na véspera, o mesmo debate ou novela como acontecia antes o que sem dúvida facilitava o diálogo por, ao menos, se partir de objectos idênticos.

Na vida, através dos sentidos, cada um de nós vê constantemente “um programa” diferente. Como se isso não bastasse o nosso mecanismo interpretador do “programa” não funciona da mesma forma que o do nosso vizinho do lado, ou do prédio da frente.

Do “mundo pessoal” do outro o que nos chega são apenas objectos materiais; um papel com signos, umas vibrações do ar, a rugosidade da sua pele, uma expressão do rosto...
Ou seja muito pouco, vestígios que penosamente tentamos decifrar.

Em COLISÃO o que colide não são essencialmente os automóveis mas sim os “mundos” que vogam no vazio de Los Angeles (nas cenas iniciais há uma referência muito interessante ao facto de os habitantes da cidade não terem oportunidade de se cruzar como numa cidade normal).

A sociedade humana, perante a incomunicabilidade, respondeu com as classificações, as categorias, os estereótipos (o preto, o operário, o chinês, o sem abrigo, o árabe, o “pato bravo”, etc, etc.). Em sociedade é quase impossível sobreviver sem estas formas de simplificação/deturpação. Não podemos, óbviamente, falar durante umas horas com todos aqueles com que nos cruzamos para tentar perceber melhor a sua individualidade.

O autor de COLISÃO brinca com o expectador quando, por exemplo, os dois pobres negros vítimas de discriminação se convertem de um momento para o outro em ladrões de automóveis e as pobres vítimas do roubo do automóvel são afinal também desiquilibrados racistas eivados de preconceitos. Ou seja, as taras justificam os preconceitos e os preconceitos justificam as taras, num jogo rotativo que não tem fim.

O drama social reside na transposição para as relações interpessoais das categorias sociológicas, ou dos estereótipos, que são imprescindíveis para a “compreensão” da realidade social: as classes, os grupos étnicos, os escalões etários, as orientações sexuais, e outros.

A cena em que o polícia mata o negro a quem tinha dado boleia por pensar que ele vai puxar uma arma quando se tratava de tirar do bolso uma imagem de um santo, ilustra bem o facto de as circunstâncias nos criarem muitas vezes armadilhas fatais. Neste caso uma decisão baseada no estereótipo mas da qual dependia a vida ou a morte.
Brecht trata este tema do “expectável” em termos sociais e de classe quando, em “A Excepção e a Regra”, durante a travessia do deserto o carregador entra de noite na tenda do patrão para partilhar com ele um restinho de água e é abatido com um tiro.

O patrão é absolvido em tribunal pois o juiz reconhece que nas circunstâncias verificadas, tendo nos dias anteriores o patrão tratado brutalmente o carregador, o patrão nunca poderia esperar deste um acto de generosidade.


Aceder ao Site do Filme

segunda-feira, setembro 12, 2005

Galeria do Poster Polaco



Não resisto a fazer uma recomendação entusiástica para que visitem esta maravilhosa galeria /loja de posters polacos on-line.

Espero que os exemplos aqui apresentados sejam suficientes para activar a vossa curiosidade.

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(clique nas imagens para aceder à galeria)

quarta-feira, setembro 07, 2005

A depressão é a esperança da revolução

Graffiti de Klaus Klinger


A depressão é a esperança da revolução
por Miguel Poiares Maduro


Nos tempos da revolução havia um clássico graffiti ou slogan de parede que dizia que a revolução era a esperança dos oprimidos. Há dias, ao passear por Lisboa, dei de caras com uma nova versão: "a revolução é a esperança dos deprimidos". Nesta mudança de uma palavra está grande parte da mudança que se processou em Portugal. Hoje, os portugueses já não se sentem oprimidos mas sim deprimidos! Talvez seja por isso que a política já não promete soluções mas sim optimismo. É a política prozac: como é difícil curar as causas da doença combate-se a sensação de mal-estar que ela causa.

Muito do que está escrito (frequentemente mal escrito…) nas nossas paredes reflecte muito do que mudou no nosso país desde os tempos da revolução. Os graffitis são um espelho do que se alterou na concepção do mundo dos portugueses, na sua esfera pública e privada.

Em primeiro lugar, a grande maioria das pinturas de parede deixaram de ser políticas para passarem a ser pessoais. Esta é a primeira forma de pessoalização do espaço público. Só que até a natureza das mensagens pessoais gravadas nos espaços públicos mudou: o clássico "Maria amo-te" é cada vez mais substituído por referências explícitas ao fazer amor com Maria…A fazer fé no que se lê nas paredes de Lisboa os portugueses estão hoje muito mais confortáveis com a exposição pública da sua vida sexual: aquilo que antes se lia nas portas de uma casa de banho pública hoje é escrito nas paredes de uma qualquer casa de Lisboa… O amor (talvez porque é muito mais íntimo que o sexo) quase desapareceu dos muros de Lisboa (esperemos, aliás, que não tenha desaparecido de todo!). Do que os portugueses parecem gostar de falar em público é de sexo, o seu e o dos outros. Deprimidos mas entretidos, dir-se-ia.

Mesmo quando as mensagens políticas subsistem elas abandonaram a utopia revolucionária (como dizia outro slogan, não há revolução de gravata…) e o conflito de classes (trabalhadores do mundo, investi, podia ser o novo lema) para passarem a exprimir uma insatisfação existencial (o aborrecimento ou a depressão são os sentimentos mais frequentes na expressão política nas nossas paredes). Também aqui há uma certa pessoalização. Já não são grandes visões do mundo (que destino Portugal?) e de certas ideologias que comandam a relação dos portugueses com a política mas sim uma apreciação centrada no impacto que a política tem em cada um de nós. Esta pessoalização da política, com o consequente abandono do idealismo (um juízo assente no eu e já não num destino comum ideal) é, no entanto e ao contrário do que por vezes se afirma, positiva. É que é através deste interesse individual que a participação e a responsabilidade política melhor funcionam. O que não podemos é confundir esta crescente visão pessoal da política com a negação de um destino colectivo que implica que nem sempre os nossos interesses pessoais prevaleçam.

Hoje, os portugueses, felizmente, já não se sentem oprimidos mas também já não acreditam em promessas de "mundos perfeitos". E ainda bem que as novas gerações já não crêem em utopias. As utopias políticas apenas conduziram a pesadelos. Para parafrasear um outro slogan famoso é a imaginação que deve aceder ao poder e não a utopia. A imaginação, ao partir da realidade, respeita o mundo. A utopia, ao pretender subverter a realidade, instrumentaliza o mundo e os que o habitam ao serviço de uma qualquer ideologia.

A liberdade e a democracia banalizaram-se e, com isso, tomámos simplesmente consciência de que não existem soluções perfeitas ou milagrosas. No entanto, podemos ter conquistado liberdade e autonomia mas ainda não aprendemos a viver com o risco e a insegurança que isso comporta. Portugal é hoje uma sociedade livre cujo povo ainda não se sente totalmente confortável a viver em liberdade. A autoridade oprime mas dá segurança e estabilidade. Daí, o instinto tão forte em Portugal para o proteccionismo e o imobilismo. Quando em Portugal se evoca o passado não é no bem estar que se pensa mas sim na segurança. Não tanto a segurança física mas sim a segurança de conhecer e ter garantida uma certa forma de vida, mesmo que não seja uma grande vida. A depressão de que sofrem os portugueses tem origem na dificuldade em lidar com o risco inerente ao exercício da liberdade e manifesta-se hoje, de forma particularmente forte, devido aos desafios actuais à nossa tradicional forma de vida.

Mas esta depressão traz, no meio do pessimismo generalizado, sinais positivos. Os portugueses cada vez acreditam menos em slogans maniqueístas e cada vez se mostram mais abertos a debater o nosso modelo de sociedade. O verdadeiro dilema português está, como já aqui escrevi uma vez, na dificuldade em optar entre uma sociedade de fidelidades pessoais que protege as posições adquiridas de muitos portugueses mas limita a capacidade de renovação e mobilidade social ou uma sociedade assente no mérito que premeia os melhores e promove a inovação e dinamismo social mas comporta maiores riscos e insegurança nas expectativas da vida dos portugueses. Por um lado, só existe verdadeira liberdade quando sabemos que podemos ser premiados pelas iniciativas que tomamos e as competências que demonstramos. Por outro lado, a concorrência e o risco que essa liberdade traz assusta-nos. O que é também importante notar é que uma sociedade mais proteccionista e menos meritocrática não produz necessariamente mais igualdade. Portugal é hoje um bom exemplo: somos o país com maior desigualdade na distribuição do rendimento dos 25 Estados da União Europeia.

É este questionar colectivo que é o aspecto mais positivo da nossa proclamada depressão. Hoje, a discussão política não é apenas sobre eles (os políticos) para ser também sobre nós (os portugueses). Mas é importante que a culpa que se atribuía sempre aos políticos (esses seres diabólicos de outros planetas que ocupavam o corpo de inocentes cidadãos portugueses…) não seja simplesmente transferida para os portugueses (cujo carácter nos destinaria ao atraso e subdesenvolvimento). Ao contrário do que dizem algumas vozes ilustres: o problema não são os portugueses (e, com isso, eles querem dizer todos os portugueses menos eles), o problema é o nosso modelo de sociedade. Compete aos portugueses decidir que modelo querem. Também aqui, no entanto, é importante não esperar por um qualquer Dom Sebastião. Somos nós e não eles quem tem que decidir alguma coisa.

Para já, a depressão sentou-nos no sofá num processo positivo de psicanálise colectiva. E agora que falamos abertamente dos nossos traumas colectivos, temos duas opções: ou passamos de deprimidos a abatidos ou agimos sobre eles. Eu tenho algum optimismo. Acho que esta depressão é sinal de que os portugueses estão finalmente a descobrir a verdadeira política: desconfiam de messianismos e de grandes utopias, mobilizam-se para lá dos partidos (sem os substituir), esquecem os slogans e concentram-se nos problemas. Falta "apenas" criar confiança no sistema político, de forma a que este possa traduzir essa vontade de reforma em soluções que, mesmo que contestadas por alguns, apareçam como legítimas aos olhos de todos. Como se poderia escrever nas paredes: será a depressão o instrumento da revolução?


por Miguel Poiares Maduro
Miguel.Maduro@curia.eu.int

sábado, setembro 03, 2005

Uma lufada de ar fresco ?...


Professora de música quase candidata


"MANUELA Magno, professora da Universidade de Évora que anunciou a sua candidatura às presidenciais em 29 de Fevereiro de 2004, já conseguiu reunir mais de 4500 proponentes dos 7500 que a lei impõe como mínimo para poder concorrer àquele acto eleitoral.

O seu propósito nunca foi tomado a sério nos meios políticos mas a verdade é que Manuela Magno já tem sede de campanha em Lisboa e conta encerrar a lista de apoios até ao final deste mês de Setembro.

Segundo a própria, trata-se de «uma candidatura independente dos partidos políticos e dos grupos económico-financeiros que faz todo o sentido enquanto projecto colectivo de cidadania». Tem 52 anos e nasceu em Lisboa, onde se manteve até 1978, altura em que se licenciou em Física Nuclear na Faculdade de Ciências. Mas a sua grande paixão era a música, pelo que foi para Nova Iorque, onde se matriculou na Universidade de Columbia. Nos oito anos que lá permaneceu, licenciou-se, tirou o mestrado e doutorou-se em Música, com especialização em Direcção de Orquestra.

No regresso a Portugal, ensinou na Universidade de Aveiro. Há nove anos que mora no concelho de Arraiolos, no distrito de Évora. Na Universidade local, é professora auxiliar no Departamento de Artes (Secção de Música), preside ao Conselho Pedagógico e pertence ao Senado da instituição. As causas cívicas e sociais sempre a mobilizaram. Por isso, é membro de diversas organizações não-governamentais como a AMI (Assistência Médica Internacional), a Amnistia Internacional, a Associação 25 de Abril, a Deco e a Quercus.

Nunca pertenceu a qualquer partido e só despertou para a política há dois anos, em circunstâncias peculiares: «Quando fiz 50 anos, a prenda que ofereci a mim própria foi uma Constituição comentada e anotada, que estudei a fundo. Da sua leitura, concluí que o Presidente da República, eleito, como é, com o patrocínio partidário, não pode ser isento e muito menos garante da estabilidade».

Manuela Magno começou então a pensar numa pessoa independente que pudesse candidatar-se apenas com o apoio dos cidadãos. E resolveu que essa pessoa seria ela própria. Comunicada a intenção a vários amigos, estes incentivaram-na a avançar. O mais conhecido dos seus proponentes - espalhados pelo continente e ilhas e pelas comunidades portuguesas de Amsterdão, Toronto e Newark - é o filósofo José Gil."

Expresso, 3 Agosto 2005

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Tiro o meu chapéu pela coragem da iniciativa e comecei a investigar para ver se posso sucumbir à tentação de apoiar, contra os partidos, uma pessoa "normal" para a Presidência.


Site da Manuela Magno

Blog da Manuela Magno