segunda-feira, dezembro 31, 2007

Uma novela que vai abrilhantar 2008


Avançamos para uma inovação à escala mundial. O capitalismo com gestão directamente partidária. Só falta ligar a propriedade das acções ao voto nas eleições para a Assembleia da República. 2008 promete.
Não percam o artigo do Miguel Sousa Tavares no Expresso desta semana.

domingo, dezembro 30, 2007

Sentido de oportunidade

.



Atribuição pelo Ministério da Cultura da Medalha de Mérito Cultural ao Millennium BCP.
(esperemos que os museus e teatros não tenham que devolver nada)
.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Try a Job Swap ou a "Dança das Cadeiras"



Mal refeito das ternuras do Natal ligo o rádio e fico a saber que o Armando Vara foi convidado para saltar de administrador da CGD para administrador do BCP. Como o Presidente da CGD, que fez o convite, também salta abrem-se na CGD dois apetitosos lugares.
O locutor informa de que um desses lugares parece já estar reservado para o ministro Manuel Pinho. O outro será certamente ocupado por alguém que o merece muito. Ambos facilitarão a remodelação ministerial do governo Sócrates.
Na minha infância havia um jogo chamado "rapa, tira, deixa e põe"...
Apetece citar o Miguel Sousa Tavares no Expresso desta semana:

"Repito o que de há muito venho dizendo: em termos de cidadania, há duas espécies de portugueses - os que vivem a pagar ao Estado e os que vivem a tirar ao Estado. E o resto é conversa de comendadores ou de ‘benfeitores’."

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Natal na GaffeLândia






BOAS FESTAS !!
Os quatro ministros que mais se destacaram durante o ano, portanto umas ricas prendas, foram contratados para abrilhantar o DOTeCOMe antes que sejam enviados por Sócrates para a GaffeLândia. Clique nas fotografias. Pode demorar um pouco, pode até não funcionar à primeira, mas acredite que vale a pena esperar.





quinta-feira, dezembro 20, 2007

A semelhança e a diferença


"Iguais são os espectadores do jogo de polo aquático ou os jogadores de cada uma das equipas, entre si, embora a identidade de uma equipa só tenha sentido pela diferença relativamente ao adversário. O jogadores das duas equipas são todos idênticos se contrapostos ao árbitro ou aos espectadores. Pertencemos simultaneamente aos vários conjuntos com que nos identificamos em cada momento. Essa lista define socialmente quem somos. Pertencemos, por exemplo, ao conjunto dos espectadores de "Palombella Rossa", lado a lado com comunistas em crise e com yupies confiantes. Quando saímos a porta do cinema podemos integrar-nos num ou noutro desses conjuntos; isto todos os dias, a todas as horas, até fazermos todos parte do grande conjunto dos mortos."

Escrevi estas notas há mais de 15 anos quando vi o filme do Nanni Moretti pela primeira vez. Feito em 1989, "Palombella Rossa" caíu em cheio sobre a crise desencadeada pela queda do muro de Berlim. Era muito fácil nessa época resumi-lo à pergunta "que significa hoje ser comunista ?", pronunciada pelo protagonista Michele, um comunista jogador de polo aquático que um acidente rodoviário deixara amnésico. Havia a tentação de tomar "Palombella" como uma dissertação sobre a decadência do PCI.

O filme reapareceu agora em DVD e somos inevitavelmente tentados a verificar a impressão que nos causa hoje. A primeira constatação é que a pergunta de Michele continua sem resposta. "Palombella" não a dá e penso mesmo que não tinha essa intenção. A sua pergunta, não formulada, é muito mais vasta; o que fica de nós quando desaparecem os laços que nos ligam aos clubes, igrejas e partidos ? é possível intervir socialmente sem ceder ao clubismo e ao fanatismo ?
A sociedade, como sabemos, não é nada tolerante com tais situações.

O facto de o amnésico Michele ser comunista está longe de ser irrelevante mas um filme muito parecido podia também ser feito com um militante da Democrazia Cristiana na mesma situação de perda da memória. O que verdadeiramente está em causa é, por uma razão qualquer, perdermos a memória dos códigos e rituais que caracterizam a nossa pertença aos grupos com que nos identificamos e que nos definem. Na história de Michele, que podia perfeitamente ser vivida por qualquer um de nós, ele tenta recuperar a sua identidade através da redescoberta dos códigos de cada um dos grupos a que pertence mas acaba por descobrir que esses códigos, por serem apenas formalismos, não lhe dão a chave de que precisa.
O próprio filme, construído sobre uma codificação que Nanni Moretti não revela, obriga o espectador que o queira "compreender" a viver uma perplexidade similar à de um amnésico.

As frases "tu és como nós" e "sabes em que somos diferentes ?" atravessam todo o filme, ditas por diferentes personagens, impondo o tema da semelhança, da diferença e da necessidade que elas têm uma da outra. Essa dialéctica pode ser ilustrada com a militância comunista que causa tanta perplexidade a Michele: os comunistas constatam as injustiças (diferenças) sociais e propõem a igualdade (semelhança) dos homens. Para isso organizam um partido "diferente" dos outros que no entanto precisa de convencer os trabalhadores a desenvolver uma atitude "semelhante" contra a opressão económica.Michele repete que "os comunistas são como os outros" acrescentando, após uma pequena pausa, "mas também são diferentes".

Para Michele torna-se insuportavel lidar com o uso desleixado das palavras no preciso momento em que se confronta com a tarefa de reconstruir as suas referências de leitura do mundo. Ele grita "as palavras são importantes" e mais tarde, talvez já sem esperança, "um conceito logo que é escrito torna-se uma mentira" e "tem que se inventar uma linguagem nova".

No que toca ao equilíbrio entre "semelhança" e "diferença" as palavras são um caso paradigmático; não podem ser usadas nem de forma demasiado convencional (semelhante) nem de forma demasiado criativa (diferente) sob pena de não haver comunicação. Para Michele, que perdeu as suas memórias/referências, todas as palavras serão portanto o ponto de partida para uma linguagem nova e uma forma nova de entender a realidade.

A aventura dessa linguagem nova tem, para Michele como para nós, o preço da incomunicabilidade.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

"Lenine e a Revolução” de Jean Salem – Uma análise crítica – Parte II

.


Começaria esta segunda parte da crítica ao livro de Jean Salem, Lenine e a Revolução, por repor a verdade em relação às transcrições que na primeira atribuí a Francisco Melo, que apresentou o livro na sessão do seu lançamento, e que segundo o mesmo são de Rodney Arismendi, que foi Secretário Geral do Partido Comunista do Uruguai entre 1955-1987, e que morreu em Dezembro de 1989. Esta confusão deve-se a que o Avante!, na notícia relativa ao lançamento do livro, atribui aquelas afirmações a Francisco de Melo, enquanto que este as remete para o político referido, de acordo com o texto integral da sua apresentação publicado posteriormente pelo mesmo jornal .
Mas mais reveladoras do que citações referidas , são as afirmações do próprio Francisco Melo que, a propósito da intervenção de Álvaro Cunhal no XIII Congresso Extraordinário do PCP, realizado em Maio de 1990, sobre os cinco principais traços negativos presentes na construção do socialismo real, considera “que não evitámos ser levado nas nossas análises a pôr uma tónica excessiva nas deformações e na derrota do socialismo real e nas suas causas internas...; não evitámos a permanência de grandes lacunas na contextualização histórica, interna e externa, da construção do socialismo e na reposição da verdade histórica dessa construção; não evitámos as fraquezas da nossa intervenção ideológica na luta contra as falsificações e caricaturas em catadupa bolsadas pelos nossos inimigos de classe. Trata-se de debilidades e omissões que não devem ser minimizadas e muito menos deixadas em silêncio...”.
Pretende, pois, o autor desta citação, apesar do ar sério e respeitador com que trata Cunhal, pôr em causa as limitadíssimas criticas que em tempos aquele fez ao socialismo real, recuperando no seu conjunto todo o passado da URSS e porque não, por enquanto ainda de forma envergonhada, a acção de Estaline.

I – Seis teses sobre Lenine e a Revolução
Mas passemos ao livro. Na primeira parte desta crítica realcei de forma positiva as críticas que Jean Salem, o autor de Lenine e a Revolução, fazia a algumas das ideias feitas que a ideologia dominante expendia sobe a União Soviética e que vinham expressas no seu Prefácio ao livro. Deixei para análise posterior a parte referente ao tema que está na origem do próprio título da obra referida.
O autor resume em seis teses aquilo que Lenine pensa sobre a Revolução. O texto é simples e esquemático. Não resulta de qualquer investigação mais apurada sobre a época histórica em que o autor estudado viveu, nem da análise dos grandes confrontos político-ideológicos que aquele revolucionário travou com alguns dos seus contemporâneos. Estamos perante um livro de divulgação, que baseou o seu objecto de estudo nas Obras Completas de Lenine. Com citações que, mesmo na edição portuguesa, são acompanhadas, para que não restem dúvidas aos “ignorantes”, da sua versão original, em russo.

1 – Primeira tese
Logo a primeira tese dá um pouco o tom de todas elas. Assim, assume explicitamente: “A revolução é uma guerra; e a política é, de uma maneira geral, comparável à arte militar”. Por isso, afirma que Lenine para falar do partido operário recorre frequentemente a metáforas militares. Porque, citando o revolucionário russo, “os partidos socialistas não são clubes de discussão, mas organizações do proletariado em luta.” Quantas vezes no PCP esta frase não foi dirigida contra aqueles que, discordando, queriam continuar a discutir as orientações traçadas.
O autor realça, ainda em relação à primeira tese, que Lenine considerava que depois da revolução falhada de 1905, ainda durante o regime czarista, se tinha iniciado uma época de revoluções na Europa, e que se devia transformar a guerra imperialista que então se tinha iniciado (1914) em guerra civil, dos “oprimidos contra os opressores”. Mesmo a paz de Brest-Litovsk, que permitiu o jovem poder soviético retirar-se da Primeira Guerra Mundial, com grandes custo territoriais, e depois a NEP (Nova Política Económica), iniciada em 1921, são apresentadas em termos de trégua e recuo militar indispensáveis para reunir forças para novas batalhas.

2 - Segunda tese
A segunda tese consiste no seguinte: “uma revolução política é também e sobretudo uma revolução social, uma mudança na situação das classes em que a sociedade se divide.” Nesta tese define-se aquilo que Lenine considera a revolução: “é a destruição violenta da superestrutura política antiquada”, de uma superestrutura que não corresponde já às novas relações de produção. E conclui Jean Salem, parafraseando Lenine: “qualquer revolução política, qualquer revolução verdadeira – que não se limita à substituição de camarilhas –, é uma revolução social, uma “deslocação” de classes em que a sociedade se divide”. Mas os factores subjectivos têm também o seu papel no desencadeamento das revoluções. Aos olhos dos marxistas, segundo Lenine, a sua propaganda conta-se “entre os factores que determinarão se haverá revolução ou não”.

3 – Terceira tese
A terceira tese: “Uma revolução é feita de uma série de batalhas; cabe ao partido de vanguarda fornecer em cada etapa uma palavra de ordem adequada à situação objectiva; cabe-lhe a ele reconhecer o momento oportuno para a insurreição”. Esta tese refere-se à oportunidade de se lançar a revolução. Assim, Jean Salem começa por citar Lenine, num texto já muito conhecido, “só quando “os de baixo” não querem o que é velho e “os de cima” não podem continuar como dantes, só então a revolução pode vencer” e conclui com a citação “é preciso escolher o momento oportuno para as lançar”, mas “a hora da revolução não pode ser objecto de previsão”.

4 – Quarta tese
A quarta tese, a mais polémica e aquela que favorece o modo como a ideologia dominante gosta de ver Lenine, é a seguinte: “os grandes problemas da vida dos povos nunca são resolvidos senão pela força.” Nesta tese temos a explanação da teoria de Lenine sobre o Estado, em que aquele afirma que “o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra, é a criação da “ordem” que legaliza e consolida esta opressão moderando o conflito de classes” e, mais adiante, “é a organização especial da força; é a organização da violência para a repressão de uma classe qualquer” e, conclui, “a república burguesa mais democrática não é “mais do que uma máquina de repressão da... massa dos trabalhadores por um punhado de capitalistas”. Depois, ainda segundo Jean Salem, continuando a citar Lenine, “só é marxista aquele que alarga o reconhecimento da luta de classes até ao reconhecimento da ditadura do proletariado”. E deixando-se embalar neste tom chega afirmar, reportando-se ainda a Lenine, “porque o proletariado necessita do poder do Estado, de uma organização centralizada da força, de uma organização da violência, tanto para reprimir a resistência dos exploradores como para dirigir a imensa massa da população...”.
A seguir, ainda dentro da mesma tese, desenvolve a ideia, que Lenine retomou de Marx, que “a classe operária deve quebrar, demolir a “máquina do Estado que encontra montada”, e não limitar-se á sua conquista”. Por isso, Jean Salem pode afirmar que para Lenine “a substituição do Estado burguês pelo proletário é impossível sem revolução violenta”. No entanto, de acordo ainda com o autor, o revolucionário russo “recordará “a justeza da luta” tradicionalmente conduzida pelo seu partido “contra o terror como táctica”, isto a propósito de muitas vezes se considerar que as propostas de Lenine se assemelham ao “blanquismo”.

5 – Quinta tese
A quinta tese – “os revolucionários não devem renunciar à luta pelas reformas” – só está incluída no livro que temos vindo a referir, porque esta tese no texto, que foi apresentado no II Encontro Internacional de Serpa, já referido na primeira parte deste artigo, foi, estranhamente, suprimida. Ela resume-se na expressão de Lenine, quando ainda o seu partido não se designava comunista: “os sociais-democratas não são hostis à luta pelas reformas, mas ao contrário dos sociais-patriotas (designação utilizada por Lenine para os partidos sociais-democratas que na I Guerra Mundial tinham apoiado os seus governos – JNF), dos oportunistas e dos reformistas, subordinam-na à luta pela revolução”. No entanto, Jean Salem convoca igualmente para esta tese esta citação de Marx, referida por Lenine: “existem, numa revolução, momentos em que abandonar uma posição ao inimigo sem combate desmoraliza mais as massas do que uma derrota sofrida em combate” ou ainda, de acordo com o revolucionário russo: “não só a derrota instrui, mas também “as revoluções vencem... mesmo quando sofrem uma derrota”.

6 – Sexta tese
Na sexta tese fala-se de que “na era das massas, a política começa onde se encontram milhões de homens, ou mesmo dezenas de milhões. É necessário, além disso, promover a deslocação tendencial dos focos da revolução para os países dominados.”
Fazendo jus ao título da tese, Jean Salem cita novamente Lenine, quando este diz que “uma revolução só se torna revolução quando dezenas de milhões de pessoas se erguem num impulso unânime”. O que distingue a revolução da luta habitual é que “aqueles que participam no movimento são dez vezes, cem vezes mais numerosos”. E acrescenta, pode por vezes bastar um partido “muito pequeno” para “conduzir as massas”. Em determinados momentos não há necessidade de grandes organizações, “mas para ter a vitória é necessário ter a simpatia das massas”.
Por último, aquele que é quanto a mim um dos problemas centrais da Revolução de Outubro, e Jean Salem volta novamente a citar Lenine: “a revolução russa pode vencer pelas suas próprias forças, mas em nenhum caso ela é capaz de manter e consolidar com as suas próprias mãos as suas conquistas. Não poderá consegui-lo se não houver revolução socialista no Ocidente”. E termina esta tese com uma certa tonalidade amarga, que, como sabemos, corresponde ao que de facto sucedeu, com a afirmação de Lenine de que “veremos a revolução internacional mundial, mas por enquanto isto é muito belo, um conto muito bonito”.

II – Uma reflexão crítica
Sei que a maiorias dos leitores detesta aqueles críticos que lhe revelam a história do livro ou o final do filme. Sei que em relação a um livro de ensaio a descrição do seu conteúdo é menos grave, mas não deixo de reconhecer que vos macei com o realce daquilo que em cada tese eu penso ser o mais importante. Considerei, no entanto, para se perceber o que a seguir vou dizer, que este relato maçador era imprescindível.
Este livro insere-se numa ofensiva do velho marxismo-leninismo, contra as correntes renovadoras da ideologia comunista e tendo ainda como alvo o que poderá restar do eurocomunismo ou da perestroika. Se no prefácio se faz uma crítica justa ao modo como o pensamento dominante analisa a União Soviética ou o que foi o “socialismo real”, vai subliminarmente insinuando que o “revisionismo” contemporâneo é cúmplice desta ofensiva. A referência que fizemos às palavras ditas no seu lançamento visa enquadrar o tipo de preocupações de quem neste momento edita este livro.
Por outro lado, a crítica entusiástica que Miguel Urbano Rodrigues lhe dedica, e que já foi referida na I Parte, atesta bem como o livro de Jean Salem é importante para um certo revolucionarismo marxista-leninista.
Mas deixemo-nos da análise das intenções e passemos aos factos. Rememorar tudo o que Lenine disse na sua época histórica, sobrevalorizando o papel quase militar que Lenine atribuía ao Partido, à violência como parteira da história ou à transformação da guerra imperialista em guerra civil, é esquecermo-nos que já passaram quase cem anos sobre estas formulações, que elas tinham uma clara concordância com um tempo histórico que é manifestamente diferente do de hoje. Mas, o que é mais interessante de tudo isto é que paulatinamente estas posições foram sendo abandonadas pelo movimento comunista, não hoje, mas no tempo que estes autores consideram provavelmente como heróico. É certo, continuando sempre a afirmar a sua fidelidade aos princípios do marxismo-leninismo.
Quem estudou minimamente a evolução da Internacional Comunista compreende que se a estratégia revolucionária era no essencial, por vezes com grande sectarismo, aquela que Lenine formulara, e que Jean Salem tenta corporizar em seis teses, com a teorização das Frentes Populares por Dimitrov, no seu VII Congresso, em 1935, esta linguagem e estas opções começam-se a tornar irreconhecíveis. A aliança entre comunistas e sociais-democratas, a luta pela democracia, contra o fascismo, não se podem unicamente enquadrar na luta pelas reformas, como está explícito na quinta tese, mas traz contribuições muito importantes para o desenvolvimento do movimento comunista. Entre nós, Francisco Martins Rodrigues, um dissidente nos anos 60 do PCP, no seu livro Anti Dimitrov – 1935-1985: meio século de derrotas da revolução reporta àquela época o início de todo o “revisionismo” contemporâneo.
Mas é ainda durante a II Guerra Mundial, quando da grande coligação entre as burguesias patrióticas e anti-nazis e as diversas formações do movimento operário (socialistas e comunistas), de certo modo responsável por aquilo que inicialmente seria o conceito de democracia popular, que se verifica mais uma inflexão acentuada da teoria sobre a Revolução defendida por Lenine.
É interessante relembrar a pressão exercida por Estaline sobre Tito para que este estabeleça um Governo de aliança com outras forças políticas, e não queira implantar de imediato a República Socialista. Ou então, as pressões sobre Mao para que este se aliasse no final da II Grande Guerra com o Komitang.
Mas mais recentemente (1956) podemos relembrar a defesa que Khruchtchev faz, no XX Congresso do PCUS, da via pacífica para o socialismo, que esteve na origem da grande divergência com os chineses.
Mas recorrendo a exemplos da política nacional, temos a supressão do termo ”ditadura do proletariado” do programa do PCP, opção mais prática, para “inglês ver”, do que teórica, mas que no fundo corresponde à necessidade do Partido Comunista se adaptar aos tempos actuais. E por muito que custe a alguns, o próprio conceito de Revolução Democrática e Nacional, as tarefas necessárias para derrubar o fascismo, apesar de defender o levantamento nacional armado, fugia às formulações leninistas de ditadura do proletariado e de revolução socialista. Facto que sempre foi criticado pelos “esquerdistas” de todos os matizes, que baseavam as suas divergências com o PCP na crítica àquela opção.
Não é por acaso que teve recentemente tanto êxito entre alguns militantes do Partido Comunista uma declaração do PC da Grécia, a propósito do 90º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro, em que se dizia: “No Ocidente capitalista, os partidos comunistas não puderam elaborar uma estratégia de transformação da guerra imperialista ou da luta de libertação numa luta pela conquista do poder operário. Eles remeteram o objectivo do socialismo para mais tarde e definiram tarefas que se limitavam a luta na frente contra o fascismo. O ponto de vista que prevalecia na altura, sustentava que era possível a existência de uma forma intermédia de poder, entre o poder burguês e o poder da classe operária revolucionária, com a possibilidade de vir a evoluir para um poder operário.” Ou então, esta outra: “A política seguida por um bom número de partidos comunistas que consistia em colaborar com a social-democracia, fez parte da estratégia da «governação anti monopolista», uma espécie de estado intermédio entre o capitalismo e o socialismo, que se expressava igualmente através de governos que tentaram administrar o sistema capitalista.”
É evidente que esta crítica do PC da Grécia, que parece dirigida às posições dos partidos comunistas do ocidente, deve ser dirigida ao Partido Guia, o PCUS, responsável, em última instância, pela defesa daquelas orientações.
Neste sentido, este livro reflecte um mal-estar que existe no que resta do movimento comunista ortodoxo que, órfão das orientações e da coesão do “socialismo real”, se refugia numa imaginada pureza do marxismo-leninismo, dando a este uma orientação sectária e por vezes esquerdizante e abandonando, mesmo que sub-repticiamente, as anteriores posições unitárias.
Por outro lado, e para terminar, a visão que é dada de Lenine, principalmente na quarta tese, corresponde, como que reflectida num espelho, à visão que actualmente a ideologia dominante pretende dar daquele revolucionário, ou seja um Lenine de faca nos dentes, antecipando toda a série de horrores que caracterizou o tempo de Estaline. Ao depurar tanto o seu conceito de Revolução, chegam quase ao ponto de o transformar em chefe de grupo terrorista, coisa que de facto ele nunca foi.

terça-feira, dezembro 18, 2007

A música é que era outra...


.


Encontrei à venda nos CTT dos Restauradores, como se fosse a coisa mais natural do mundo, o livro da primeira classe em que aprendi a ler "no tempo da outra senhora". Ao contrário do que dizem os que estão sempre prontos a criticar, o livro tinha alguns pontos fortes para a época em que foi publicado:



preocupações ecológicas

rudimentos de socialismo



educação sexual




iniciação às virtualidades dos depósitos a prazo



e até uns toques de iniciação musical.
A música é que era outra...
.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Regresso à Escola Naval 40 anos depois

.



Regressei à Escola Naval ao fim de 40 anos. Os lugares que sobreviveram sem nós durante muito tempo são uma espécie de vislumbre da nossa morte. Para confirmar esta sensação até existe uma placa onde figura o meu nome.

O 11º Curso de Formação da Reserva Naval, que eu frequentei, apresentou-se no dia 2 de Setembro de 1967 o que foi agora comemorado.
Durante dois ou três meses corri para as formaturas nesta mesma parada que, estranhamente, me parece igual à memória que guardo dela.
As caras dos meus camaradas de então constituem imagens fugidias, que só as fotografias amparam. A excepção são aqueles com que convivemos na guerra em África ou aqueles que depois se tornaram famosos como o Freitas do Amaral e o Amaro da Costa.

A única diferença que eu noto na Escola Naval são as garbosas e simpáticas cadetes, com as suas fardas elegantes, um oásis impensável nos anos 60 do século XX.

domingo, dezembro 16, 2007

A Faena de Lisboa foi um Tratado !

.


Fabuloso título e boneco de António no Expresso



O sucesso do Tratado, em Lisboa, tem sido glosado de todas as formas e em todos os tons. Mas algo escapou aos analistas.

A chave do sucesso não foi a impecável organização, nem a promessa feita por Sócrates aos seus pares de que não dará o mau exemplo de um referendo em Portugal.

Todas as resistências se abateram quando Sócrates explicou aos seus 26 cépticos confrades que o facto de existir um Tratado não impede que continuem todos a fazer o que lhes der na cabeça.
Como eles hesitavam e duvidavam Sócrates falou-lhes da generalidade da legislação portuguesa, uma das mais avançadas no papel, que consegue passar décadas sem aplicação prática.
A estocada final foi a exibição do vídeo em que Ricardo Araújo Pereira imita Marcelo Rebelo de Sousa a propósito do aborto:

- Professor, o aborto é uma coisa extremamente horrível, não é ?
- É !
- Portanto devia ser proibido.
- Exacto !
- Mas eu poderia fazê-lo ?
- Poderia.
- E o que é que me acontecia ?
- Nada.
- Mas estava a ir contra a lei ?..
- Estava !
- E como é que a lei me punia ?
- De maneira nenhuma !

Depois deste visionamento foram todos unânimes: o Tratado só podia mesmo ser assinado em Lisboa.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Uma espécie de democracia

À entrada para a cerimónia da assinatura do "Tratado de Lisboa" Mário Soares declarou que deixou de ser favorável a um referendo como processo de aprovação. E acrescentou: a maior parte daqueles que defendem o referendo fazem-no porque são contra o tratado.
Finalmente, contra todas as probabilidades, consigo concordar com Mário Soares.
Não percebo que se defenda o referendo ao tratado a não ser na esperança de o ver rejeitado o que, adianto já, é uma opinião tão boa como qualquer outra. Acho é que devia ser assumida sem rodeios.
Defender-se o referendo porque (1) o referendo é necessário para garantir a democraticidade do processo (2) é a forma de permitir que seja o povo decidir (3) é preciso ultrapassar o alheamento do povo relativamente à política e aos politicos, parece-me que não convence ninguém.
A generalidade das pessoas não aceita a ideia de que um formalismo, com participação fraca e mal informada, possa ter tão profundos significados e consequências. Se, por absurdo, tal acontecesse seria um verdadeiro logro.

Quem está convencido de que o projecto europeu é um equívoco, que nunca chegará a bom porto, pode querer a realização de referendos para demonstrar, rapidamente, que não vale a pena insistir.
Mesmo esta ideia, embora um pouco deprimente, não me parece nada absurda.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Pelos Direitos Humanos - EVERY HUMAN HAS RIGHTS

.




EVERY HUMAN HAS RIGHTS
Junte-se a eles, pelos direitos humanos, AQUI

quarta-feira, dezembro 12, 2007

A luta continua


A paranóia regulamentadora que se vem abatendo sobre os cidadãos quer agora atacar antigos costumes alimentares e a espantosa riqueza cultural que eles representam (veja o aterrorizante artigo de António Barreto sobre esta matéria).
Os imbecis que decidem estas coisas num escritório qualquer numa qualquer Bruxelas estão a ir longe de mais e, neste caso concreto, encontrarão certamente uma feroz resistência.
Nem que seja necessário passar os petiscos à clandestinidade.
A luta continua...

terça-feira, dezembro 11, 2007

Uma razão simples a favor de Alcochete

.



Prefiro Alcochete à Ota como localização do novo aeroporto de Lisboa por uma razão simples.

Alcochete é mais perto de:

- Lisboa (de onde parte e onde chega a esmagadora maioria dos passageiros)
- Península e cidade de Setúbal (enorme capacidade industrial e potencial turístico)
- Évora (grande polo turístico)
- Badajoz
- Faixa costeira de Tróia a Sines (enorme potencial turístico)
- Portos de Setúbal e Sines e Aeroporto de Beja (importante encadeamento logístico)

Não há vantagens de dimensão comparável se se optar pela Ota.
Só abandonaria esta preferência se me demonstrassem inconvenientes, noutros planos, que fossem gigantescos e inultrapassáveis.

A cor dos genes

.












O DN de ontem trazia uma notícia no mínimo estranha.
Dizia que "James Watson, o cientista americano que causou recentemente polémica por dizer que os negros são menos inteligentes do que os brancos, tem 16 vezes mais genes negros do que a média dos europeus. Uma análise ao genoma do Nobel da Medicina 1962 (pela descoberta da estrutura da dupla hélice do ADN humano) concluiu que 16 % dos seus genes vêm de um antepassado negro. A maioria dos Europeus só tem 1 %."

O que é isto ? o que se pretende ao deslocar a discussão para este plano ?
afinal a percentagem de "genes negros" é relevante ? qual é o argumento ?

Que Watson só fez a sua polémica declaração porque tem 16 % de "genes negros" ?
Que Watson conseguiu o prémio Nobel apesar de ter 16 % de "genes negros" ?
Que os europeus forçaram a demissão de Watson porque só têm 1 % de "genes negros" ?

Afinal há "genes negros" e "genes brancos" ou são todos genes humanos ?
Que percentagem de "genes estúpidos" terá o autor deste argumento ?

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Peões em jogo



O filme de Robert Redford é uma longa dissertação encenada, não pretende verdadeiramente uma progressão dramática mas sim conduzir-nos aos meandros do paradoxo americano actual.

A questão que se põe aos peões é: até que ponto estão os mecanismos democráticos tradicionais em condições de encontrar resposta para os desafios que se põem hoje ao "american way of life"?

É verdade que a jornalista, muito bem realizada por Meryl Streep, receia que as "novidades" na táctica militar sejam apenas estratagemas para ganhar a presidência mas o espectador, mais distanciado, pressente que podem antes ser uma fuga para a frente ditada pelo desespero do establishment.
As ameaças que o império americano enfrenta estão para além dos resultados eleitorais; mesmo uma maioria confortável nas urnas presidenciais não dá qualquer garantia de se encontrar uma resposta eficaz e duradoira.
Pelo filme deambula uma pergunta angustiante; será que essas ameaças têm alguma saída possível ?

Somos levados a pensar na fase final dos impérios, nomeadamente o de Roma.
Aquela fase em que há demasiados inimigos, intratáveis, e em que a decadência no plano económico começa a pôr em cheque a superioridade técnica e organizativa dos exércitos.

domingo, dezembro 09, 2007

Trigo limpo, Farinha Amparo

.



Transcrevo esta análise do blog "Farinha Amparo":

Se não fossem as cimeiras...

O que seria do pessoal das manifs, sempre cheio de causas e sem oportunidade para se mostrar?
O que seria das pequenas comunidades estrangeiras que nunca aparecem?
O que seria do triste povo sem aparato para comentar e aparecer na televisão?
O que seria dos jornalistas sem assunto, já que nem todos os dias há acidentes horríveis?
O que seria da marinha que finalmente teve direito a uns litros de gasóleo para pôr as lanchas a passear no Tejo?
O que seria das forças de segurança sem umas horas extraordinárias para o bacalhau?
O que seria das empresas que organizam eventos?
O que seria dos bloggers sem assunto?
O que seria dos políticos broncos, sem terem onde exibir os talentos de vedetas de circo?
Claro que, como montar a chafarrica custa 10 milhões de euros (1 por cabeça se pensarmos em nós), temos que encontrar alguma utilidade para aquilo. Senão como é?

Coreografia



"Os políticos vivem, deslocam-se, governam, reúnem-se e decidem como se fossem perseguidos, como se estivessem permanentemente cercados. Políticos, estrelas de cinema, bilionários e chefes da Máfia vivem assim. Rodeados de guarda-costas e protegidos por exércitos, são acompanhados por enormes comitivas a que não faltam médicos, enfermeiros, ambulâncias, cozinheiros, provadores, jornalistas e escort services. Alguns não dispensam astrólogos, feiticeiros, psicólogos e personal trainers. Os que, a exemplo de Sócrates, exigem correr ou fazer exercício mandaram reservar partes da cidade para poderem queimar toxinas e ser filmados em privado. Os políticos e seus poderosos equiparados vivem num mundo à parte, têm a sua própria geografia e governam-se pelas suas leis. De vez em quando, para serem filmados, esbulham o espaço público. A democracia trocou o Fórum e a Assembleia pela Nomenclatura e pela reserva de privilegiados. Os políticos olham para os povos como se estes fossem incómodos para as suas encenações. Mas os povos olham cada vez mais para os políticos como usurpadores e parasitas.

Em Portugal, os próximos dias, semanas e meses, vão ser de intensa propaganda. As glórias do Governo e de Sócrates serão equiparadas aos mais altos feitos da história. Tudo para o bem e a grandeza do país. A impecável organização dos festejos será elogiada por toda a gente. O discurso do primeiro-ministro será mostrado como jóia rara e dele se dirá que ascendeu ao estatuto de líder mundial. Repetir-nos-ão, centenas de vezes, que Portugal está na linha da frente. Da paz, do diálogo, da cooperação, dos direitos humanos, da democracia, da ajuda ao desenvolvimento e da humanidade em geral. Pobre país que jubila com os cenários de pechisbeque, mas persiste na linha de trás da justiça, da produtividade, da educação e da desigualdade social!

Dizem que os conflitos, quando atingem níveis insuportáveis, trazem a paz. Mas também dizem que as grandes festas de concórdia e espalhafato anunciam o conflito, a violência e a miséria. São coisas que se dizem..."



António Barreto, Público 9 de Dezembro 2007


.

sábado, dezembro 08, 2007

O pesadelo de Mugabe

.



quarto de dormir

sala de jantar


sala de estar

Dizem-me que isto é a casa de Robert Mugabe, "um maníaco, que tem o seu povo a morrer de fome, e no entanto vai embolsando milhões e o mundo vai assistindo impávido e sereno".
Acho que este pesadelo em forma de casa já é um princípio de castigo mesmo que pensemos que está aquém do merecido. Eu, em tal ambiente, não conseguiria dormir, perderia o apetite e desconversaria com as visitas.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

O filme da minha rua

.




Esta era a minha rua, onde nasci e vivi até aos 20 anos.
Através de imagens obtidas no Arquivo Fotográfico Municipal posso reviver muito do que foi a minha infância e adolescência. A fotografia que antecede este texto mostra a Avenida General Roçadas que liga a Praça Paiva Couceiro a Sapadores, tal como ela era nos anos 50/60.
Não há nenhum registo fotográfico do prédio em que nasci, que já não existe pois foi substituído por uma nova construção. Era o número 153.



Mais adiante, na mesma rua, está a Escola Nuno Gonçalves, que eu frequentei. Era o chamado ensino preparatório, o primeiro e segundo ano do secundário. Lá conheci o professor Xavier Pintado a quem posso agradecer uma boa parte do meu interesse pelas artes.





Antes de construirem a ponte eu tinha que atravessar este desnível, o Vale Escuro, para ir para a Escola. Também participei em muitas guerras de pedrada, a que chamávamos "púrria", por estes baldios. Cheguei algumas vezes a casa com a cabeça aberta. Eram guerras entre ruas ou bairros.




A ponte veio eliminar a descontinuidade da Avenida que ganhou um novo estatuto na ligação da parte oriental da cidade ao centro.




As vivendas geminadas do "Bairro" estavam mesmo em frente à minha janela, um rés-do-chão. A esquina no lado direito da fotografia era o ponto de encontro da malta, ao fim da tarde, para o bate-boca. O "Bairro" era um brinde do regime aos funcionários públicos, creio eu. Do outro lado da rua, do meu, viviam os trabalhadores e os pequenos comerciantes que ainda não eram muito diferentes dos primeiros.




Onde acabavam as vivendas tinham construído os "prédios novos", no baldio onde durante muitos anos nós brincámos e guerreámos em ambiente campestre. Um desperdício portanto.




A rua continuava e descia para a Praça Paiva Couceiro que era onde estava a Junta de Freguesia, os transportes e o comércio de maior requinte.




Já na Paiva Couceiro estava o Café Chaimite (o toldo vê-se à direita na foto), que a partir de certa altura se converteu na meca das nossas discussões políticas (agora é uma cafetaria sem carácter).
Todos os dias descíamos a rua, a pretexto de estudar no Chaimite, e passávamos horas a conversar e discutir. Foi uma das minhas universidades.
Ainda hoje os amigos de então se reconhecem na designação "a malta do Chaimite"

quinta-feira, dezembro 06, 2007

O Cine Oriente, mais conhecido por "o piolho"

.





O Arquivo Fotográfico Municipal revelou-se-me recentemente. É uma mina onde podemos redescobrir a rua da nossa da infância.

Lá fui encontrar, entre outros tesouros para a memória, fotografias do velho "Cine Oriente" onde fiz a minha iniciação ao cinema no fim dos anos cinquenta.

Eu morava então na Av. General Roçadas ao fundo da qual, num desvio ladeado de muros altos, se erguia (se ergue ?) a sala do Cine Oriente.

A miudagem pegava numa dúzia de "livros aos quadradinhos", já lidos, e vendia-os à porta do "piolho", que era a alcunha do cinema, angariando assim o dinheiro para o bilhete.

Podia acontecer, e acontecia, que um matulão qualquer se apropriasse do espólio e nos obrigasse a voltar para casa, de mãos a abanar, sem direito a ver o filme. Com a semana arruinada.

As sessões do "piolho" não tinham rival na fruição física do cinema, o ar chegava a ser irrespirável, as paredes escorriam humidade e o ruído era ensurdecedor.

As cenas de suspense provocavam enorme gritaria com que se pretendia avisar o herói prestes a ser atacado pelas costas. As cadeiras de pau, basculantes, eram usadas como instrumentos de percussão que levavam os decibéis a níveis insuportáveis.

Tal animação só a reencontrei, em Bissau, no fim dos anos 60 quando os miudos negros, precariamente sentados quase em cima do ecran, vibravam com o heroismo dos índios contra os cowboys.

As boazonas de então e as "cenas de sexo", cuja ousadia à época todos podem imaginar, desencadeavam pelo escuro esquivas formas de masturbação que me dispenso de esmiuçar.

No ecran havia o Tarzan, os filmes sobre a segunda guerra, e também os fimes de episódios que entretanto caíram em desuso. Se bem me lembro havia um "mascarilha" cujas aventuras e pancadarias se sucediam sob a forma de vários episódios curtos. Ao longo da tarde víamos suceder-se, numerados, uma porrada deles.




Se calhar, mas não garanto, também lá vi filmes de que ainda hoje gosto muito como "A queda de um corpo" (The Harder They Fall) de Mark Robson, "O mundo é um manicómio" (Arsenic and Old Lace) de Capra e "O quinteto era de cordas" (The lady killers) de Mackendrick.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

“Lenine e a Revolução” de Jean Salem – Uma análise crítica – Parte I

.



Foi lançado com pompa e circunstância o livro das Edições Avante!, de Jean Salem, Lenine e a Revolução. Contou coma presença de José Barata Moura e de Francisco Melo, responsável por aquela editora e membro do Comité Central do PCP. Já sabe que este último, na linha da rubrica Opinião, do jornal Avante!, não se eximiu de dar as ferroadas do costume à esquerda, tendo dito que “no PCP «não alinhamos» na moda de apresentar «os anais do comunismo como um itinerário de erros e tragédias». Até porque, para a história da derrota do socialismo real, contribuíram também «pretensos renovadores que sepultaram com isso a sua própria identidade de comunistas»".
Este livro já tinha sido antecedido de uma entrevista ao seu autor, publicada no referido jornal , bem como de um artigo de opinião de Miguel Urbano Rodrigues, ainda relativo à edição francesa, e publicado inicialmente em ODiário.info e transcrito por Resistir.info , juntando assim dois sites que pensava que estavam de candeias às avessas.
Jean Salem já tinha apresentado este livro ou pelo menos o seu prefácio no II Encontro Internacional de Serpa, que decorreu a 5, 6 e 7 de Outubro, sob o lema Civilização ou Barbárie. O encontro foi organizado pelo site de ODiario.info ao contrário do primeiro que tinha sido pelo Resistir.info . Este, segundo consta, não teve o beneplácito oficial da Direcção do PCP, pois só depois de ele se ter realizado é que apareceu uma notícia minúscula no Avante! . No entanto, e reconhecendo que tudo isto é pequena intriga, quero desde já sublinhar a qualidade de muitos dos intervenientes internacionais, em que se destaca a presença de Samir Amim ou de István Mészáros e simultaneamente o caracter quase confidencial deste Encontro. Pela qualidade dos participantes e pelos assuntos a discutir esta realização mereceria outra divulgação, que suspeito nada tem a ver com o boicote dos media, mas com o local escolhido para a sua concretização e o sectarismo dos organizadores, que são incapazes de pôr em confronto, numa discussão aberta, as diversas correntes da esquerda.
Mas voltemos ao livro. Este é constituído por três partes, de valor e tamanho desigual. Uma primeira, o prefácio, que visa desmascarar a operação a que se tem dedicado a intelectualidade dominante relativamente ao movimento comunista, à Revolução de Outubro e à URSS. A segunda, a mais controversa, que retoma o título do livro e em que o autor pretende em seis teses descrever o que Lenine pensava sobre a Revolução e a última, em forma de posfácio, muito sintético, a que o autor chama pomposamente “Dez minutos para acabar com o capitalismo”, tenta desmascarar algumas das ideias dominantes da sociedade capitalista.
No prefácio ficamos a saber que o autor é filho de um velho comunista franco-argelino Henri Alleg, que se tornou célebre porque durante a Guerra da Argélia denunciou num livro, La Question, a tortura a que tinha sido submetido pelos pára-quedistas franceses, quando foi preso na Argélia ainda sob domínio francês. Posteriormente, já em França evadiu-se da cadeia e fugiu para a Checoslováquia, o que levou o autor a ter passado parte da sua infância na Rússia, tal como muitos dos filhos dos clandestinos portugueses.
No prefácio, igualmente, o autor denuncia “aquilo que, em 2006, se diz geralmente da URSS antes e durante a Segunda Guerra Mundial; aquilo que se diz sobre os setenta anos soviéticos, que se staliniza inteiramente; aquilo que se diz acerca do “totalitarismo”, conceito onde cabe tudo; e aquilo que se diz... sobre o fim da União Soviética”.
Para cada um destes pontos referidos dá, entre outros, os seguintes exemplos: segundo uma sondagem a maioria dos jovens franceses considerava que a URSS tinha sido aliada da Alemanha hitleriana durante a II Guerra Mundial, vítimas da referência constante nos media dominantes ao pacto germano-soviético. Recorda igualmente um artigo de Moshe Lewwin, em que este fala da impostura que consiste em “stalinizar” a totalidade da história da URSS, “a qual, do princípio ao fim, nunca teria sido mais do que um imenso “gulag”, uniforme e recomeçado.” Ou ainda relembra Hannah Arendt (As Origens do Totalitarismo - Dom Quixote) que escreve “que os sistemas nazi e bolchevique” não são mais do que “duas variantes do mesmo modelo”. O que leva o historiador Ernest Nolte a perguntar “O assassino por pertença de classe” perpetrado pelos bolcheviques não será o precedente lógico e factual do “assassino por pertença racial perpetrado pelos nazis?” Afirmando depois aquele historiador, porque “Auschwitz” resultaria “principalmente... de uma reacção, ela própria fruto da angústia suscitada pelos actos de extermínio cometidos pela revolução russa”.
Termina este prefácio com a parte mais controversa ao recusar explicitamente a tese de Moshe Lewin que “não foi a corrida aos armamentos... que causou a morte da URSS, embora tenha tido influência”. O “factor decisivo” devia ser procurado “nos mecanismos próprios do sistema soviético”. Para Jean Salem a causa não poderia “ser separada da formidável pressão exercida pelo campo adverso”. E neste caso, o nosso autor não recorre, como o homem do Comité Central, citado no início, aos «pretensos renovadores que sepultaram com isso a sua própria identidade de comunistas».
Posso afirmar que este prefácio faz uma crítica despretensiosa, apesar de nem sempre muito bem estruturada, à ofensiva ideológica contra o comunismo expressa pela literatura política dominante, hoje rapidamente vertida para português. É que presentemente, sem cairmos na defesa do estalinismo e dos seus crimes e tendo sempre uma visão crítica daquilo em que se tornou o “socialismo real”, há a necessidade, muitas vezes contra outras correntes de esquerda, de esclarecer e valorizar o que foi a Revolução de Outubro e o papel que Lenine e os outros chefes revolucionários, como Trotski ou Bukharine, desempenharam na sua concretização e nas orientações seguidas nos primeiros anos do Estado Soviético.
A análise e a crítica à parte dedicada ao Lenine e a Revolução ficam para um segundo artigo.

MAD MAX em Lisboa

.



Hirosuke Watanuki, 1963



Ontem tive que ir à Baixa e voltei para casa com uma depressão.

O Martim Moniz, onde agora se estão a construir mais uns mamarrachos para "habitação jovem" da EPUL, é uma autêntica plataforma logística globalizada. O parque subterrâneo fervilha de ford transits a abarrotar de mercadorias.
Jovens ciganas arrastam grandes sacos de plástico, grávidos de roupas acabadas de comprar aos súbditos indianos ou aos industriosos chineses.
Têm a certeza de que a Chinatown ainda não existe senão na mente da Zézinha ?

O café que funciona por baixo das colunas do Teatro D. Maria parece ter inaugurado uma nova moda: distribui mantas para os clientes suportarem o frio da esplanada. Ou será para não destoarem dos "sem-abrigo" enrolados no chão de pedra uns metros mais à frente ?

Na Praça de Figueira instalaram um autêntico saco de plástico gigante, qual ThunderDome do MAD MAX, que alberga uma pista de gelo com bancada e tudo.
Grupos de velhotes abrigam-se do vento frio. Jovens negros do Senegal ou do Mali aproveitam para ver, quem sabe se pela primeira vez, um grande bocado de gelo. Patinadores nem um.
Os patins vermelhos aguardam, em formatura, que alguém os venha alugar para dar uma voltinha. Isto é para quê ? para quem ?

De uma coisa tenho a certeza: somos todos culpados por termos deixado chegar o centro de Lisboa a este ponto. Não me venham com o déficit, nem com o Carmona, nem com os outros todos.
O problema somos nós.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Chavez 98


Clique na imagem para ver uma entrevista dada por Chavez em 1998.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Luminárias a petróleo

Tiveram lugar no mesmo dia as votações na Rússia e na Venezuela, as comparações são quase inevitáveis.
O ponto de partida, para mim, é a semelhança que une as duas experiências políticas apesar do folclore envolvente. São dois casos de apelo ao nacionalismo viabilizados pelos combustíveis fósseis. Há outros, como o Irão, mas nos casos em apreço procura-se uma legitimação "democrática".

Na Rússia constata-se uma esmagadora votação em Putin, através dos partidos que o apoiam, da ordem dos 70 %. A oposição fica reduzida aos comunistas que descem para 11%, quase ao nível do PCP. Putin é a Rússia.
Apostando na nostalgia de "grande potência", sem definições no plano ideológico, tudo se joga no processo de encarnar a alma da pátria ferida. Os comunistas também querem o mesmo mas têm um fardo pesado: apesar das óbvias riquezas naturais do país mantiveram o seu povo, durante décadas, num frugalismo exagerado e indesejado. Putin procura não cometer o mesmo erro e isso parece explicar o seu sucesso.

No caso da Venezuela o inimigo é o mesmo, o "capitalismo internacional", e Chavez pretende corporizar a resistência à colonização económica pelo grande vizinho do norte.
Ao contrário de Putin tentou converter o apoio popular à sua política de controle sobre as riquezas naturais em algo mais marcado ideológicamente.
A Venezuela como estado confessional, com "Socialismo do Século XXI", com ameaça de presidencialismo perpetuado, não convenceu maioritáriamente os venezuelanos.
Não se convenceram da razoabilidade de estabelecer um "socialismo enquanto houver petróleo" por decreto.

Ambos os eleitorados têm que ser considerados "competentes".Os russos são dos poucos que podem, por experiência vivida, comparar o capitalismo (mesmo que especial) com o comunismo (mesmo que na sua forma perversa).Os venezuelanos, que já votaram Chavez por larga maioria, ao não fazê-lo agora dão um sinal inequívoco daquilo que repudiam.

Penso que fica claro com estas votações que petróleo + nacionalismo rende muitos votos independentemente de haver, concomitantemente, propostas de esquerda ou de direita, conservadoras ou revolucionárias.

O sucesso económico tornou-se aliás um legitimador imune às vicissitudes políticas e ideológicas.
A China, a Índia e o Irão servem para o demonstrar. Ao contrário dos estados-fantoche do médio oriente, o países citados `têm a sua própria agenda e o seu próprio peso.

Depois de um tempo em que o cinismo dominante era "sejam democráticos se querem ser ricos como nós" estamos agora no tempo do "vejam como eu sou rico e influente apesar de tudo".
Virou-se o feitiço contra o feiticeiro.

sábado, dezembro 01, 2007

Vasos comunicantes




«O projecto KIVA.ORG possibilita que qualquer pessoa possa emprestar 25 dólares (17 euros) a quem deles precisa para uma pequena iniciativa empresarial. E dessa forma uma pessoa concreta terá uma oportunidade para sair da pobreza.
Este sistema de microcrédito funciona de forma simples: alguém apresenta um projecto de investimento, geralmente bastante baixo, de algumas centenas a meia dúzia de milhares de dólares. Organizações no terreno encaminham esses pedidos para o site onde são dados a conhecer. Quem desejar emprestar escolhe a pessoa a apoiar. Quando atingida a quantia necessária, o empreendedor avança com o seu projecto. Os financiadores receberão notícias regulares sobre o desenvolvimento do investimento e respectivos pagamentos.
No final, quem emprestou pode recolher o financiamento efectuado, ou voltar a emprestar para apoiar outro projecto.(via Público)»
Sou bastante avesso a processos caritativos mas considero este projecto digno, digno de ser apoiado e vivido.
As maravilhas do mundo digital a servir como vasos comunicantes de dinheiro e não só.
Ainda acontecem coisas bonitas.

quinta-feira, novembro 29, 2007

Ódio e auto-destruição

Revi "Sweeney Todd" há dias, no Teatro Aberto. Trata-se de uma história que pela sua complexidade ganha bastante em ser vista sem estar sujeito à ansiedade do suspense que atinge inevitavelmente a primeira vez. O belíssimo musical de Stephen Sondheim, na presente encenação de João Lourenço, vai manter-se em cena até ao fim de Dezembro.
A história, que sob várias formas se converteu em mito urbano desde meados do século XIX, supostamente ocorreu por volta de 1800.
Opõe Todd, barbeiro que trabalha por conta própria, a dois representantes da burocracia judicial. O poder do estado é usurpado e exercido por estes contra Todd para, remetendo-o a um degredo injusto, se apropriarem sexualmente da sua mulher e da sua filha.

É portanto a impunidade desta casta de servidores do estado que desencadeia a revolta brutal de Sweeney Todd. Um tema moderno em certo sentido.Passa assim ao lado da visão mais comum sobre a luta de classes. Não há propriamente exploradores e explorados no sentido directamente económico do termo.

Impotente nas suas tentativas para castigar os agressores e enlouquecido pelo ódio, Todd decide massacrar indiscriminadamente qualquer homem que ponha o pescoço ao alcance da sua navalha. Essa produção constante de carne fresca excita o faro comercial da senhora Lovett, senhoria de Todd. Assim nasce uma florescente parceria empresarial que usa a matéria-prima criada na barbearia do primeiro andar para encher as empadas da senhora Lovett no rés-do-chão. É o período mais feliz e divertido do espectáculo.

Os espectadores dão por si a simpatizar não só com um "serial killer", que Mário Redondo serve de forma emocionante ao colocar a voz num registo sombrio, mas também com uma actividade hoteleira que mereceria, sem qualquer dúvida, ser visitada pelos piquetes inspectivos da ASAE. Somos portanto obrigados a interrogar-nos sobre as razões dessa simpatia.

Nós sabemos que não se trata de verdadeiros crimes, apenas a sua representação, e portanto a simpatia por Todd demonstra que se obteve neste ponto um efeito de distanciação. As atrocidades cometidas contra "cidadãos inocentes", feitas desta forma distanciada, poderão também introduzir a ideia de que ninguém é inocente quando a violência da burocracia campeia. Tal violência devia ser por todos denunciada e contestada.

A simpatia pelo negócio da senhora Lovett, suscitada por "árias" engraçadíssimas e pela excelente representação de Ana Ester Neves, radica talvez no puro gozo de ver nascer, ao vivo, uma inovação comercial. Inovar, inovar sempre, é o grande mote dos tempos de hoje. A senhora Lovett mostra que tal receita pode ter muito que se lhe diga mesmo quando as vendas disparam, como é o caso.

A cenografia introduz um "mundo" que é tanto estrutura em ferro como labirinto. A movimentação mecânica remete adequadamente para a época retratada.
O nível geral dos cantores é excelente e inclui o consagrado Carlos Guilherme bem como Marco Alves dos Santos, Sílvia Filipe, Carla Simões, José Corvelo e Henrique Feist, sob a direcção do maetro João Paulo Santos que dispensa apresentações.
O meu único reparo a este espectáculo é o subaproveitamento dos belos coros por falta de amplificação das vozes.

Quanto ao mais recomendo vivamente.
No Teatro Aberto mostra-se, musicalmente, como o ódio indiscriminado às pessoas e à sociedade não passa afinal de um processo de auto-destruição.