quinta-feira, outubro 31, 2013

PREC 2 (Processo Recessivo Em Curso)


PREC 2 (Processo Recessivo Em Curso)
Hoje ocorreu-me que nunca houve em Portugal nenhum período de tão intensiva discussão política como o actual PREC 2.
No PREC 1, de 74/75, também se discutia muito mas não havia várias televisões a debitar opinadores de manhã à noite.
A grande diferença entre o PREC 1 e o PREC 2 é que, no primeiro, a democracia era uma adolescente à procura do seu lugar no mundo, com passos em falso mas uma inesgotável dose de ilusões, enquanto que no PREC 2 a democracia é uma mulher de meia idade, solteirona, amarga e céptica.

segunda-feira, outubro 28, 2013

O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)



O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)

Parece estranho o percurso que levou a esquerda a transformar-se numa defensora acérrima do Estado, depois de Marx o ter caracterizado como a expressão do domínio classista. 

Esta tese do Marx foi muito facilmente assimilada por mim, na juventude, pois na minha família, ao longo de pelo menos cinco gerações nunca ninguém viveu do erário público, nem como empregado, nem como subsidiado nem como fornecedor.
Para uma família como esta, que na minha infância rondava o neo-realismo, o Estado era o polícia e a multa, o guichet mal encarado, a repressão política, a arrogância do médico e do professor perante a modéstia do doente e do aluno.

O Estado é sempre o espelho da sociedade onde existe. Não é a sociedade que espelha o Estado que tem.
Mas a Revolução Soviética de 1917, operando num país atrasado e imenso, recuperou uma deriva utópica e apoderou-se do Estado para, diziam, melhor poder gerir a transição para o Socialismo e o Comunismo. Andou setenta anos a dizer que o Estado um dia acabaria, mas a verdade é que enquanto a URSS existiu o Estado não parou de engordar. Ainda hoje a esquerda está ensopada de ilusões acerca de insurreições que, derrubando os símbolos do poder, darão acesso instantâneo a um “mundo novo”.

A sensação de impotência para levar as pessoas a produzir riqueza e a distribuí-la em novos moldes é que leva o vanguardismo a refugiar-se no Estado para, a partir dessa trincheira, obrigar a sociedade a adoptar as suas ideias iluminadas. Essa quimera ficou definitivamente desmentida quando na China, o país mais preparado e adequado para o exercício do poder absoluto, o Partido Comunista reconheceu a necessidade de recorrer a métodos “capitalistas” para seguir em frente, até que a situação amadureça.

Na Revolução Francesa de 1789, apesar de tudo, a transformação de fundo económica e social já estava madura quando a superestrutura política foi revolucionada. Mas na Rússia de 1917 e na China de 1949, tal não era o caso. O Estado deveria então operar “em cesariana” aquilo que, em “parto natural”, demora séculos.

Mas o Estado não é uma espécie de “modo de produção” que, através do voluntarismo, interferindo a todos os níveis da sociedade, se possa substituir ao livre jogo dos interesses e à criatividade dos cidadãos.
Sempre que tal aconteceu os resultados foram perversos.

A crescente incapacidade para lidar com as metamorfoses do capital, por um lado, e a importância eleitoral do funcionalismo público, por outro, convergiram com o saudosismo da URSS.O resultado foi esta amálgama em torno do “Estado Social” a que estamos a assistir.
Uma social democracia indiferenciada e contra-natura em que mergulharam todas as forças de esquerda, mesmo as revolucionárias e radicais.

O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 2)



O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 2)

O genial Marx ainda hoje é uma referência para quase toda a gente, mesmo para quem o combate ou para quem nem conhece o seu nome.
Ele anteviu o fim do capitalismo na sequência de uma brutal proletarização e pauperização da sociedade, mas a realidade seguiu outros caminhos. A invenção do Estado Social impediu uma pauperização extrema e, hoje, a revolução tecnológica proporciona lucros sem trabalho vivo, atirando para fora do assalariamento milhões de trabalhadores. O fim do capitalismo acabará provávelmente por resultar não da total proletarização, como ele dizia, mas sim do definhamento do trabalho assalariado.

A crise do assalariamento na produção, levou à transferência do grosso da criação de mais-valias para a fase da distribuição das mercadorias e para a especulação financeira. Era preciso garantir que os cidadãos, com cada vez menos empregos assalariados, continuassem apesar disso a ser explorados enquanto consumidores (se possível compulsivos).

Esta aparente “quadratura do círculo” foi resolvida pela manipulação do Estado pelas classes dominantes.
O Estado faz "redistribuição" de rendimentos através dos impostos, ou seja, transfere recursos das classes médias que podem não gastar tudo o que ganham para aqueles, mais pobres, que gastarão tudo o que receberem.
Como isto não é suficiente o Estado endivida-se para injectar dinheiro na economia (ou seja criar clientes para a empresas) lançando as consequências e os pagamentos para as gerações futuras.
O tão incensado Estado Social tem neste processo um papel muito importante; ao convencer as pessoas de que não precisam de amealhar para a velhice, desemprego ou doença reforça a propensão para o consumo imediato.

O consumismo, o crédito e a especulação financeira têm portanto que ser compreendidos como um recurso do capitalismo para se perpetuar apesar da relação em que se baseia, o assalariamento, atravessar uma crise profunda.
A esta luz é mais fácil compreender por que é que as associações patronais concordam com o aumento do salário mínimo; não se importam que os patrões industriais paguem mais para que os patrões do comércio, da distribuição e da banca, que são quem manda, possam ter mais clientes.
Pela mesma razão mantêm há décadas o congelamento das rendas para que os inquilinos em vez de darem o dinheiro aos senhorios o possam gastar nos hipermercados.

Por trás de toda a retórica igualitária, no quadro do sistema económico, é este o papel do Estado burguês. Como Marx, aliás, ensinou.

domingo, outubro 27, 2013

Entretanto em Espanha

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A Espanha é constantemente referida como tendo escapado ao resgate e constituir uma espécie de Portugal com PEC IV. 
Mas a narrativa delirante falha até nos "pormenores"; a redução de 390 mil funcionários públicos em dois anos ocorrida em Espanha mostra que a situação deles não difere muito da nossa.
(recorte do jornal "i" de hoje)

sexta-feira, outubro 25, 2013

O vidente


segunda-feira, outubro 21, 2013

A questão do Estado e o impasse da esquerda actual




A revolução tecnológica e a globalização acelerada estão a fazer emergir lentamente, inexorávelmente, uma nova formação económica e social (para usar um termo de Marx). Ela trará consigo um novo tipo de Estado, pós-capitalista.

A esquerda actual, em vez de trabalhar para influenciar tal processo, gasta todas as suas energias a tentar controlar o Estado capitalista ou mesmo, na versão mais infantil, o próximo governo. Como alguém que se esmerasse a arrombar uma porta sem saber o que de lá vai surgir (e de cada vez sai algo pior).
A esquerda actua como se a relação de trabalho assalariado fosse durar para sempre. Como se a sua missão se resumisse ao aperfeiçoamento das actuais relações de produção, usando o Estado para obrigar as empresas capitalistas a portar-se bem.

A questão do Estado foi sempre muito importante e constitui hoje, pela forma acrítica como está a ser abordada (alavanca do vanguardismo, bastião e trincheira), a causa fundamental do impasse em que a esquerda se encontra.

(aviso, ou ameaço, que isto é apenas a introdução a um texto muito mais longo que virá)

sexta-feira, outubro 18, 2013

Hanna Arendt



"Eu que nunca amei qualquer povo, como é que eu posso amar o povo judeu? Só sei amar os meus amigos, é a única coisa que posso fazer"

Hanna Arendt é um grande filme sobre a coragem que é preciso ter para romper com as crenças do grupo a que se pertence.
Depois de, em 1961, assistir ao julgamento do criminoso nazi Adolf Eichmann, ela escreve sobre a "banalidade do mal", sobre a possibilidade de aviolência extrema (como a do holocausto) poder ser praticada por Zés Ninguém.
As reacções da intelectualidade judaica são violentas e ela chega a ser acusada de nazismo. Estamos formatados para pensar que os grandes crimes têm forçosamente que ser praticados por monstros de enorme escala.
Hanna e Eichmann acabam por surgir como duas faces da mesma moeda; ele que deixou de pensar (de ser pessoa) e cumpriu ordens e ela que teima em pensar e em desafiar as ideias feitas. Ambos acabam condenados.
O tema é de grande actualidade pois vivemos num tempo em que qualquer divergência em relação à narrativa disseminada pelas televisões, que trata os problemas do país como se fossem resultado de personagens absurdas e perversas, é objecto de escárnio ou hostilidade.
Como eu me senti solidário com Hanna..
Este filme devia ser visto por todos aqueles que, em vez de tentar compreender os fenómenos económicos e sociais, se dedicam a construir mitos e fantasmas.
Haverá certamente muitos professores que perecebem a importância do filme pois o cinema estava repleto de jovens, óbviamente pertencentes a turmas universitárias ou pré-universitárias.
Infelizmente passaram quase todo o tempo a conversar e a consultar o correio electrónico nos seus telemóveis.

Amadeo





Amadeo de Souza Cardoso
Gulbenkian
Maravilhoso

sábado, outubro 12, 2013

Gravity


Ontem vi o Gravity (rima e é verdade)
Foi no IMAX e em 3D (mas sem pipocas) e até deu para me desviar quando o lixo espacial se precipitava na minha direcção.
Quem fez o filme não se poupou a esforços para tornar os "décors" verosímeis e puxar o espectador para dentro das intermináveis coisas que correm mal. A verosimilhança da história e do seu desfecho é que não é grande coisa.
O mais giro é ver os astronautas a falar da terra como nós falamos da lua, mas como reminiscência em vez de ser como premonição.
Se na terra há lunáticos em órbita podemos ter terráticos ?


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sexta-feira, outubro 11, 2013

CameraMania

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CameraMania
A cada nova velha máquina que desperto do seu sono, qual bela adormecida, sinto-me um príncipe encantado.
Excita-me imaginar o que elas sentem quando abrem os seus olhos há tanto tempo cerrados. Quase tudo o que eu lhes possa mostrar, quando as disparo, deve ser para elas uma espantosa novidade.
Umas, posso imaginá-las na Chicago elegante dos anos vinte e tento perceber o seu choque quando abrem a lente para a arquitectura vanguardista da Expo.
Outras, podem muito bem ter servido para um fazendeiro boer fotografar as suas orgulhosas plantações, ou para um nababo do Pundjab eternizar o palácio e os seus adornos femininos; mas agora piscam o seu obturador em remotas aldeias transmontanas.
Elas viajaram no tempo e no espaço para, nos meus braços, sair da sua prolongada letargia. É maravilhoso.


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quinta-feira, outubro 10, 2013

"Peixe apodrece pela cabeça e envenena os portugueses"



"Peixe apodrece pela cabeça e envenena os portugueses"
José Pacheco Pereira


Depois do cherne e dos robalos que mais irá acontecer à arraia miúda ? O polvo anda aí e os tubarões também. Mas o pior são os trutas que arrotam a postas de pescada.
Quando um filho da chaputa leva uma solha por se ter esticado no linguado há sempre quem anseie por uma reforma dourada e se arme em carapau de corrida, argumentando como uma enguia mas posando como um imperador tipo Lula da Silva.
E nunca me estenda o bacalhau, percebe ?


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domingo, outubro 06, 2013

O infantário da política

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É simplesmente vergonhoso que num país como Portugal, mergulhado numa crise gravíssima, os políticos e os comentadores passem a vida em jogos florais que, para o povo, são totalmente irrelevantes.
Durante meses e anos sucedem-se os escândalos semânticos, primeiro com o Relvas, depois, com o fulano dos swaps, em seguida com a Maria Luís e agora está na berlinda o Machete, por causa de uma entrevista.
Grande barulheira de manhã à noite, demite não demite, e depois em qualquer caso passa-se ao alvo seguinte.
Isto, visto de fora, soa a inconsciência ou doideira. Como se alguém que precisasse de subir uma ladeira se entretivesse a atirar cascas de banana.
Visto de dentro, dá uma vontade do caraças às pessoas de se absterem como ainda recentemente fizerem quase 50% dos portugueses.


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sexta-feira, outubro 04, 2013

Like someone in love





Like someone in love
Fui ver o filme de Kiarostami e, digo desde já, não gostei.
Neste filme há no entanto uma cena de antologia que, penso, perdurará por muito tempo nas nossas memórias; a viagem de taxi de Akiko (uma universitária que se prostitui). A audição dos recados gravados pela avó no telemóvel, seguida pelo avistamento da senhora junto a uma estátua onde espera inutilmente pela neta, revelam-nos de uma forma original e horrenda a decomposição da identidade de Akiko, apanhada nas teias da grande cidade (é por causa de filmes como este que eu nunca senti desejo de ir a Tóquio).
Passado esse auge o filme arrasta-se longamente, sem dúvida com maestria formal, mas confesso que não me abriu nenhuma janela para o que eu não sei.
Nem me surpreendeu, coisa que esperei até ao último minuto.

quinta-feira, outubro 03, 2013

O bas-fond do regime.

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O bas-fond do regime.
Deram cabo da primeira República 
e preparam-se para fazer o mesmo a esta.

quarta-feira, outubro 02, 2013

A luta de classes e o Imperador da China



A luta de classes e o Imperador da China 
(para o meu amigo Mário De Carvalho)

A pessoa vai à mercearia e gasta mais do que pode, em produtos que o senhor Joaquim comprou por tuta e meia e nos vendeu por várias tutas. O senhor Joaquim é um ganancioso.

Mas o senhor Joaquim protesta com a anemia do negócio, que os grandes hipermercados sugam pelo tubo do marquetingue. O Belmiro é um monopolista.

Mas o Belmiro mostra a estatística, que já foi melhor antes da crise, e acusa os bancos de salgarem os juros e minguarem o cacheflou. O Ricardo Salgado é um chupista.

Mas o Ricardo Salgado alega que o malparado é galopante e que a sua burra está minada de imparidades, tudo por causa da torneira frouxa do BCE. A Merkel é uma megera.

Mas vem a Merkel e diz que os mercados são volúveis e ingratos. Fogem com os fundos para outros continentes se ela não tiver mão de ferro na despesa. O Fitch dos ratings é um sacana.

Mas então o Fitch declara que não tem culpa de o Obama imprimir dólares à pazada deixando os grandes proprietários à beira de um ataque de desvalorização. O Obama vive acima das suas possiblidades.

Mas o Obama, com a prosápia que todos lhe conhecem, demonstra que os chineses com os seus produtos baratuchos e o seu dumping social, é que corroeram a balança comercial. O Comité Central é um perigo universal.

Mas ouvido o Comité, e o seu arrevezado parlapié, conclui-se não ser fácil alimentar para cima de mil e trezentos milhões, mesmo magrinhos. Dizem até, que agora é a nossa vez, para ter paciência de chinês.

Já houve um tempo em que o Imperador da China, com total poder absoluto sobre a vida dos seus milhentos súbditos, não tinha sobre nós qualquer efeito fossem quais fossem as suas birras.
Nem o Lorenz se tinha ainda lembrado do efeito borboleta.

Tempos felizes e simples em que nós podíamos encontrar a esmo, na nossa vizinhança, as causas e os culpados de todas as nossas desditas
(algumas almas ingénuas continuam, aliás, a fazê-lo).


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