O capitalismo é o único sistema que temos e não temos nada que o substitua. O que precisamos é que seja ético.
Mário Soares ao Expresso, 30.01.2011
Mário Soares faz desta vez um diagnóstico correcto embora conclua pela resignação. A esquerda em Portugal está refém desta ideia mesmo quando se recusa a reconhecê-lo, mesmo quando usa uma linguagem radical para o encobrir.
O capitalismo, tomado como um monstro de mil cabeças, remete a acção política para o campo da mitologia, e a história eleitoral portuguesa mostra que a esquerda está condenada, como Sísifo, a carregar o pedregulho desde o sopé uma e outra vez.
Melhor seria usar uma definição mais operativa do capitalismo. Trata-se simplesmente de um modo de produção que se baseia na produção de mercadorias em troca de um salário.
Marx dizia já em 1865, dirigindo-se à classe operária: Em vez do motto conservador "salário diário justo para um trabalho diário justo" deverá inscrever na sua bandeira a palavra de ordem revolucionária "Abolição do sistema de salários!".
Não faz qualquer sentido exigir um capitalismo com ética.
Enquanto a esquerda não recusar a inevitabilidade da empresa capitalista como forma de produzir, e não deixar de exigir emprego assalariado, nunca conseguirá sair do círculo vicioso.
Mas não se consegue detectar nenhum esforço da esquerda para propor novas formas de organização dos trabalhadores no acto de produzir.
Em alternativa ao capitalismo a esquerda actual só concebe a omnipresença do Estado como empregador universal. Mas o Estado, como a história mostra, não é o zelador mítico do "interesse comum"; em cada momento é apenas uma mistura conjuntural de clãs ideológicos, grupos de interesses e mafias burocráticas.