A última vez que fomos felizes
O futuro parecia radioso na segunda metade dos anos 90.
Ainda me lembro da sensação de progresso e da reconfortante (aparente) ausência de ameaças.
Cavaco fora substituído por Guterres, com o seu discurso doce e cheio de bondade ecuménica. Em 1996 Soares deu lugar a Sampaio na Presidência, também ele um perfil humanista e brando.
A Guerra Fria e o terror atómico eram uma coisa do passado.
Não havia guerra na Europa, nem pandemias.
A ameaça climática global era um assunto remoto.
Lisboa Capital da Cultura, em 1994, trouxera-nos uma aura cosmopolita que seria confirmada, em 1998, com a grande Expo Mundial.
E no mesmo ano Saramago recebeu o prémio Nobel, fazendo vibrar o nacionalismo cultural.
A economia cresceu entre 1995 e 2000 a um ritmo que nunca mais aconteceu até aos dias de hoje.
A Dívida Pública ainda não era um problema.
Estávamos todos galvanizados com a ideia de vir a usar a mesma moeda que os países da Europa desenvolvida.
É difícil de explicar aos mais jovens a bonomia daqueles tempos.
Com a viragem do século tudo mudou.
Tivemos a debandada de Guterres e de Durão Barroso.
Vieram as trapalhadas do Santana como prólogo ao pesadelo Sócrates.
Em 2004 a Dívida Pública já era o dobro da de 1995.
Talvez por obra da Expo, da Ponte Vasco da Gama e dos estádios do Euro 2004 (que nem sequer ganhámos).
Em suma, fomos imprudentes e desleixados.
Levados por discursos piedosos e irrealistas dos governantes, gastando demais, inebriados por ilusões de progresso sem alicerces nem sustentabilidade.
Esta parábola parece-me adequada ao início de um novo ano.
Talvez faça pensar.