sábado, dezembro 31, 2005

Bom Ano

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Leis que existem para ser ignoradas



Pode parecer irrelevante mas não é.
É um sintoma, mais um, dos males profundos que afectam a cultura política em Portugal.

O Decreto-Lei 319-A/76, de 3 de Maio, é suposto regular as eleições para a Presidência da República e, em concreto, a campanha eleitoral.
Diz, por exemplo, que a campanha eleitoral se inicia no 14º dia anterior às eleições e termina à 24 horas da véspera (artº44).
Diz, por exemplo, que aos candidatos devem ser dadas oportunidades idênticas (artº 46).
Diz, por exemplo, que as entidades públicas devem garantir a neutralidade (artº 47).

Ora pode dizer-se que esta é mais uma lei que existe para ser ignorada o que é muito estranho visto estar em causa a eleição do Orgão que, supostamente, deveria ser o garante supremo do cumprimento da Constituição.

Desde que, em 31 de Agosto 2005, Mário Soares divulgou no Hotel Altis a sua "Declaração de Candidatura" entrou-se numa intensa campanha eleitoral "de facto" que parece estar agora a terminar quando, por lei, se estar devia iniciar.

Mesmo entidades públicas, como a RTP, não hesitaram em promover debates entre os candidados apesar de não se saber ainda quantos e quais seriam validados pela Comissão Nacional de Eleições, o que não garante de forma alguma a igualdade de oportunidades.

Este desleixo das instituições e impunidade dos prevaricadores são um lamentável exemplo do incumprimento das leis.

Para além disso mostram como a classe política parece convencida de que o povo não tem mais nada para fazer do que ouvir os seus brilhantes discursos.


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quarta-feira, dezembro 28, 2005

Os poderes constitucionais do Presidente



A esquerda parece não perceber que está a fazer o jogo do Cavaco quando se atira como “gato a bofe” à proposta de um Secretário de Estado para lidar com as empresas potencialmente “deslocalizáveis”.

A generalidade dos votantes desconhece, ou não quer mesmo saber, quais são os poderes formalmente estabelecidos para o Presidente. A generalidade dos votantes, a um Presidente muito cumpridor das regras, prefere um Presidente que contribua para resolver os problemas.

As acusações feitas a Cavaco acabam por apresentá-lo como o único que tem essa intenção e provocam na maioria dos votantes uma reacção do tipo:

"Está o Cavaco a tentar propor algo concreto para resolver o problema da deslocalização e do consequente desemprego e vêm estes tipos, só para o entalar, com a tal macacada dos poderes constitucionais".


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segunda-feira, dezembro 26, 2005

Mais uma crónica de Natal…


Mais uma crónica de Natal…
por Miguel Poiares Maduro


Hoje é dia de natal, o que exige uma crónica de Natal. Mas como escrever mais uma crónica de Natal sem repetir as banalidades do Natal? É possível dizer algo mais sobre o Natal? Dúvido. E o que é que se pode dizer contra o Natal? Nada. Tudo o que escrever será consensual. O Natal é uma ditadura da bondade. Alegremente aceite por todos e que ninguém gosta de contestar.
Claro que há os cínicos de Natal. Os Grinches que, como o personagem de cinema, se divertem a desmistificar o Natal, gritando contra o consumismo e a falsa solidariedade. Para eles, o Natal foi capturado pelo consumo e apenas serve para fazer negócio e lavar as consciências. Seria uma espécie de eleições em que todos somos candidatos. Passamos uma semana a fazer promessas e o resto do ano a encontrar justificações para não cumprir as mesmas (as circunstâncias mudaram...) Não é, no entanto, que se critique o Natal, o que se critica é aquilo em que o Natal se tornou: o nosso Natal já não seria fiel ao espírito de Natal.
Mas nenhum destes discursos de Natal permite fugir ao terror do Natal: a banalização. No fundo, o fabuloso do Natal é também o seu problema. A comunhão de certos valores está associada à banalização das palavras que os exprimem: paz, fraternidade, amor, solidariedade, são palavras inflacionadas nesta altura do ano. Todos as usam mas com isso também as fazem perder valor. Mas a banalização estende-se aos gestos: os sms enviados em cadeia por programas de computador ou os cartões assinados mecanicamente e distribuídos pelas listas de contactos das empresas. E também às imagens e à música (a música é a mesma em qualquer loja ou centro comercial: seja ela apresentada na versão electrónica mais comum, na versão, "nos gostamos das criancinhas", Coro de Santo Amaro de Oeiras ou na versão, "nos somos intelectuais", à la Diana Krall). Hoje, com a ajuda das lojas chinesas, até os presentes se banalizaram. Todos merecem presentes, mesmo aqueles que mal conhecemos. Por um lado, isso até promove um dos valores do Natal: olharmos para além de nós e dos nossos. Mas ao dar-mos a todos também deixamos de distinguir uns dos outros e com isso perde-se a mensagem particular que queríamos dar a alguém: a de que é ou são especiais para nós.
Muitos temem que o espírito de Natal não sobreviva à banalização do Natal. O paradoxo é que a banalização do Natal também serve para manter o espírito de Natal. Até a explosão consumista promove a solidariedade e a fraternidade no Natal. Muitos economistas realçam o impacto positivo do aumento do consumo nesta altura do ano (aproximadamente um quinto do consumo anual concentra-se no Natal), aumentando o investimento e fazendo crescer o emprego. Eis um belo presente de Natal para a economia portuguesa. É verdade, no entanto que se trata de um crescimento largamente artificial e puramente sazonal. Sobretudo, um grupo de economistas dedicou-se a estudar o desperdício de eficiência inerente aos presentes de Natal. A tese é simples: na maior parte dos casos as pessoas não estariam dispostas a pagar para ter o presente que lhes é oferecido ao preço pelo qual foi comprado, logo há uma perda de eficiência pois esse dinheiro poderia ser utilizado com mais utilidade para as pessoas noutras coisas (pagamos mais do que o valor que aquele bem realmente tem). Se seguíssemos à letra esta tese o melhor seria passarmos todos a oferecer cheques de presente… Só que estes economistas esquecem o valor sentimental dos presentes. É óbvio que nunca receberam presentes meus! (tenho a certeza que há inúmeras pessoas que estariam dispostas a pagar mais do que eu paguei pelos presentes que ofereço…).
Seja como for, e por muito anti-intuitivo que pareça, consumir é sempre um instrumento de solidariedade e ainda mais se for para distribuir pelos outros. O que nos irrita é a percepção que ao usarmos e abusarmos do Natal desvalorizamos a sua importância: aquilo que se vulgariza deixa de parecer tão especial. É como um cliché: se algo se tornou um cliché é devido a ser uma verdade reconhecida e partilhada por todos mas repeti-lo parece deixar de ser importante e tornar-se apenas ridículo. O fantástico do Natal reside precisamente nesta capacidade de resistir aos clichés e à sua banalização. Por vezes, há uma linha muito ténue entre o ridículo e o sublime. Porque é que o kitch deixa de ser kitch e passa a ser arte quando falamos do barroco ou do design contemporâneo do Philippe Starck? Ou, ao contrário, como é que o retrato da Mona Lisa passa de belo a ridículo quando compramos uma cópia perfeita em vez do original? E o que distingue as mesmas palavras empregues de forma diferente num soneto de amor de Shakespeare ou numa canção do Tony Carreira? Só tenho uma resposta: a capacidade de suspender a realidade e os nossos preconceitos, deixando-nos ser dominados pela arte e não fazer um juízo sobre ela. No Natal não deixamos de discordar, ser diferentes ou ter gostos opostos. O que acontece é que no Natal todos aceitamos suspender a nossa realidade por um momento e com ela os nossos preconceitos e juízos críticos. Aceitamos e promovemos o inverosímil. Partilhamos uma mesma emoção que transforma em sublime o que de outra forma seria ridículo. Neste contexto, e enquanto recordarmos isto, o banal não deixa de ser especial: feliz natal!

Mais uma crónica de Natal…
por Miguel Poiares Maduro

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Bom Natal para todos

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Borafone ??




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terça-feira, dezembro 20, 2005

SEM MEDO




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sábado, dezembro 17, 2005

O sucessor do malabarista


O debate entre Soares e Louçã na SIC constituiu um acontecimento notável.
Não por aquilo que foi dito mas pela maneira como foi dito, pelo puro gozo do jogo da retórica, pelo triunfo absoluto da forma sobre o conteúdo.

Durante os outros debates televisivos fui anotando os temas abordados e acabei com uma folha bem preenchida, desta vez a folha está quase vazia.
Ao fim de um minuto eu tinha percebido que os temas eram irrelevantes constituindo apenas as raquetes com que cada um dos jogadores devolvia a bola para o campo do adversário.
Estou certo de que poucos recordarão sobre que falaram quer o malabarista velho quer o malabarista novo.
Um e o outro podem defender qualquer argumento, ou o seu contrário, o que aliás têm feito perante o atordoamento dos seus anteriores oponentes.

O deleite dos espectadores era o mesmo que sentiam os malabaristas que acompanhavam com visível gáudio a preparação de cada golpe pelo adversário.
Soares assistiu embevecido à maestria com que Louçã lhe explicou, a ele, o primado da indiscutível liberdade democrática.

Estava com cara de quem pensa: “Temos homem, agora sim, em Janeiro já posso retirar-me”.



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quinta-feira, dezembro 15, 2005

Teimosias na TV




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quarta-feira, dezembro 14, 2005

O Dilema do Bolo



O debate entre Cavaco e Jerónimo teve aspectos curiosos, quase arriscaria que os contendores nutrem simpatia mútua. Talvez seja por partilharem um sentimento de "não fazerem parte do baralho", ou pela sua modesta origem ou por ambos não serem muito dotados para a esgrima da retórica.

Cavaco apareceu descontraído como eu nunca o vira e nem se ofendeu quando Jerónimo, embora de forma indirecta, lhe chamou mentiroso. Com sinceridade ou sem ela deu-se ao luxo de esvaziar alguns dos "papões" associados à sua figura (caso das privatizações) e, para meu espanto, chegou quase a ser simpático.

Este debate, ao contrário de outros, falou do mundo real da produção e dos trabalhadores deixando em segundo plano as questões que afligem os burocratas e as corporações.

O que se destaca de tudo o que foi dito e que resume a diferença entre Cavaco e Jerónimo é o dilema do bolo, ou seja, se o problema é o bolo ser muito pequeno ou se o problema é o bolo estar mal dividido.

Apesar de todos sabermos que ambos têm razão pois o bolo não só está mal repartido como, ainda por cima, é bastante pequeno a verdade é que esta formulação, de resto habitual, acaba por favorecer Cavaco.

Os candidatos da esquerda aparecem sistematicamente como alguém que só pensa em comer um bolo que o Cavaco tanto se preocupa em fazer crescer.

Este acesso de gula deriva de pensarem, erradamente, que só ganham muitos votos dando coisas às pessoas já. Como as seitas religiosas têm mostrado pode ser muito mais intenso o efeito das promessas de mundos maravilhosos mesmo que num futuro incerto.

A esquerda só terá verdadeiro sucesso quando convencer o povo de que a sua luta pela justiça na distribuição não só não põe em causa o desenvolvimento económico como é a única forma de o crescimento dar um salto qualitativo.


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segunda-feira, dezembro 12, 2005

O regular funcionamento das Revoluções



O DEBATE ALEGRE vs LOUÇÃ


Estes debates entre candidatos de partidos que nunca tiveram responsabilidades governamentais e/ou candidatos que se apresentam à margem dos partidos têm um carácter singular: são uma espécie de lamentação pública, uma queixa feita ao povo pelos candidatos por o país estar como está, a europa ser como é e o mundo insistir em ser caótico.

A enumeração e descrição dos múltiplos problemas que afectam a humanidade funciona como uma insinuação de que o discursante tem alguma ideia luminosa para os resolver, mas essa tal ideia (ou alternativa, como se diz) nunca chega a aparecer. É verdade que o Sócrates conseguiu assim uma maioria absoluta mas, no caso dele, havia um adversário chamado Santana Lopes.

Durante uma hora inteira o debate conseguiu evitar falar da actividade económica concreta, das empresas e da organização da produção, dos trabalhadores, das relações de produção e da concorrência internacional. Fez como se isso, que é o mais importante, não existisse. Como se o emprego, considerado pelos candidatos o maior problema do país, fosse apenas uma questão que alguns burocratas iluminados tivessem que resolver.

Mais uma vez os únicos trabalhadores mencionados foram os funcionários públicos e, nomeadamente, os professores. Já Jerónimo tinha feito outro tanto com os militares e os juízes.

Num passe de mágica a economia real desaparece e desaparecem os empresários e as relações capitalistas da produção para nos falarem de um mundo em que só existem funcionários, deputados, orçamento de estado, leis etc.
O pior é que toda essa máquina da burocracia, e também os candidatos à presidência, estão à espera que os tais empresários exploradores, omitidos no discurso, criem riqueza para o sistema continuar a funcionar (mesmo que mal).

Esta esquerda não lhe passa pela cabeça que lhe compete, preciamente a ela, inventar uma nova maneira de funcionar em sociedade. Uma forma qualquer de superar os tais problemas que tanto a afligem (os lucros exorbitantes das empresas, a constituição neo-liberal da europa, o desemprego, o diabo a quatro).

Esta esquerda como não faz o trabalho que lhe compete vinga-se por vezes em bravatas caricatas como aquela do Louçã que quer demitir o Alberto João Jardim (e depois ficar com cara de parvo quando ele regressar com maioria absoluta).



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sábado, dezembro 10, 2005

Campanhas Presidoxais




A sensação de que algo não está certo, de que um equívoco qualquer afecta as “campanhas presidenciais” a que estamos assistir deve-se, quanto a mim, ao facto de todas elas terem o seu quê de paradoxais.



Cavaco

Quer capitalizar o generalizado anseio de mudança e a desconfiança popular relativamente aos políticos e aos partidos. Essa linha, que promete bons resultados, é contrariada pela sua atitude cordata em relação ao governo de Sócrates e às repetidas garantias de respeito pelos actuais poderes constitucionais.
Não parece fácil contentar ao mesmo tempo os que desejam que o presidente deixe de ser uma figura decorativa e aqueles que receiam um presidente “sidonista”.

Soares

Baseia quase tudo na exploração do “perigo Cavaco”, para a arraia miúda, enquanto tenta capitalizar a alergia “classista” dos sectores mais cosmopolitas relativamente ao seu adversário. Mas as “deficiências culturais” de Cavaco e a sua condição de classe só podem favorecê-lo junto da arraia miúda.
Por outro lado, para ilustrar o “perigo” Cavaco, diaboliza a acção deste como primeiro-ministro. Ora como Soares era o Presidente no tempo dos governos de Cavaco resulta que as "maldades" de Cavaco acabam por ser uma demonstração da inutilidade de Soares na ocupação de tal cargo.

Soares também pretende apresentar-se como alguém capaz de “unir os portugueses” mas tal é contraditório com a incapacidade para evitar a candidatura de Alegre e a proliferação à esquerda.

Alegre

Tenta mostrar-se como um combatente corajoso, movido por ideais e valores, que não precisa dos aparelhos e compromissos partidários. No entanto deixou prolongar a controvérsia pública que torna patente que esta situação não foi desejada. Não consegue esconder que a “traição” do seu partido, que fingira apoiá-lo por omissão, é algo que não perdoa e deixa campo à suspeita de ser essa a sua principal motivação ao concorrer.

Jerónimo e Louça

Toda a gente sabe ao que vão; desancar as políticas de Sócrates para tirar dividendos partidários. Esse objectivo é porém desacreditado se forem forçados a recomendar o voto no candidato de Sócrates numa eventual segunda volta, ou se forem acusados de ter facilitado uma vitória de Cavaco na primeira volta.

A grande dúvida que persiste é a de saber se o povo votante dá muita ou pouca importância às frenéticas movimentações da campanha.

Perante os paradoxos referidos pode acontecer que o povo resolva ignorar as campanhas e basear a sua decisão no muito que sabe sobre os candidatos.
Pelo menos os mais velhos tiveram a oportunidade de observar in loco um Cavaco primeiro-ministro, e um Soares presidente, durante dez anos a fio.

Afinal não é todos os dias que os votantes podem beneficiar daquilo que os americanos chamam “try and buy”, ou seja, experimente antes de usar.



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quarta-feira, dezembro 07, 2005

100 ANOS DEPOIS

____________________________ 1900 - Rafael Bordalo Pinheiro



100 ANOS DEPOIS

Grande parte da intelectualidade portuguesa converteu-se na aristocracia do latifúndio chamado Estado; vive dos pergaminhos e não produz nada de que o povo possa viver.

Não é exemplo nem utopia. Não se interroga e não se questiona.

O povo, que considera relapso e contumaz, é apenas um pretexto e um ornamento.

Abomina empresários e mercadores, que finge desprezar, mas é deles que reclama a prosperidade da nação, o conforto do mecenato e o emprego para os filhos.

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segunda-feira, dezembro 05, 2005

A vida em Google

________________________________________________ 2003 - FPR


A vida em Google
por Miguel Poiares Maduro

E se de repente alguém o googalizasse? Quem encontraria? Quem seria você para o mundo. Googalizar está na voga e significa procurar no Google (o mais conhecido motor de busca na Internet) informação sobre alguém ou alguma coisa. Antes falava-se com os tios, os primos e os amigos para descobrir se uma certa pessoa era de confiança. Hoje confia-se no Google. O nosso mundo pessoal está mais próximo do tamanho do mundo e o Google é a forma de conhecer esse mundo.

A vida está hoje na Internet. A nossa profissão revelada no site da empresa, um artigo num jornal, a participação numa conferência, alguém que fala de nós num blogue ou site de discussão, o nome que escrevemos num abaixo-assinado. Não interessa se mudámos de ideia ou de profissão, se o que dizem de nós é falso ou verdadeiro ou até se se trata de um homónimo nosso. Com o Google, isso é o que nós somos para o mundo. Talvez antes isto do que ser "Google-excluído", a nova forma de morte. Uma amiga dizia-me, recentemente, que temia tentar contactar os pais de uma amiga a quem tinha perdido o rasto porque, não conseguindo encontrar uma única referência no Google, a presumia morta.

O Google é também o local onde hoje se encontra tudo namorada, onde passar a lua-de-mel, como arranjar amante ou descobrir o amante dela e onde comprar Prozac ou Viagra (dependendo da forma como decidir lidar com o anterior). É, igualmente, a medida do que é importante. O número de sites diz-nos da importância de um tema e o número de pesquisas do quanto algo ou alguém são procurados.

Mas como define o Google o que é importante sobre nós e sobre o mundo? Ao contrário das formas tradicionais de informação, como a comunicação social, a política ou a publicidade, o Google não edita a informação. Por outras palavras, não faz juízos valorativos para seleccionar o que é mais ou menos importante. Neste sentido, o Google procura evitar a manipulação e apresenta-se como mais democrático e seguramente pós-moderno. Tal como a Wikipedia (uma enciclopédia online, cujas entradas podem ser alteradas por qualquer de nós), o Google deixa a selecção da informação a um processo livre e quase anárquico. No entanto, como os sites são frequentemente milhões e o Google não os pode mostrar todos ao mesmo tempo, adoptou dois critérios "neutrais" para hierarquizar os resultados das pesquisas.

O primeiro critério é a autodefinição. Para o Google, um site é simplesmente o que diz que é. Os autores dos sites identificam-nos com palavras-chave que permitem ao Google relacioná-los mais facilmente com certos temas e buscas com eles relacionadas. Isto permite que eu crie um site sobre mim e o indexe a palavras como belo, inteligente e sedutor. Alguém que faça uma busca sobre estes temas terá assim mais probabilidade de encontrar o meu site... Infelizmente, por vezes, as pessoas são conduzidas para sites que, ao contrário do exemplo anterior (!), podem não corresponder ao desejado para o Google, Deus é uma banda musical belga que dará um concerto na Aula Magna em Dezembro...

O segundo critério é puramente quantitativo a importância de um site é medida pelo número de "visitas" (hits) que ele recebe. Quanto mais consultado for um site, maior a prioridade que ele obtém nos resultados do Google. Isto criou uma indústria dedicada exclusivamente a consultas artificiais para aumentar a visibilidade de um site.

Estes critérios do Google preferem o extraordinário à normalidade, não distinguem muito o antigo do novo e são "despersonalizados" (não são determinados pelas nossas preferências mas sim pelas preferências maioritárias entre os outros). Em consequência, produzem resultados interessantes e por vezes divertidos. Se fizerem uma busca da palavra Portugal, o Google envia-os para o portal do Sapo. Não sei se é uma metáfora do estado do país (somos um sapo que espera a princesa encantada?) ou da importância da PT na economia nacional.

Mais divertido ainda é conhecer o mundo através do Google, com base nos números de sites referentes a certos temas e nas pesquisas que são feitas. De acordo com o Google, actualmente, procura-se mais o divórcio (3 milhões de sites) que o casamento (2 milhões) e os filhos gostam mais das mães (7 milhões) que dos pais (2,5 milhões). O Benfica pode ter 6 milhões de adeptos, mas para o Google é bem menos importante que o Sporting e o Porto (este último é o claro vencedor, com referên- cias em mais de 600 mil sites). E, claro, há 14 milhões de sites com a palavra amor e pouco mais de 8 milhões com a palavra sexo. Só que, quando o critério muda para o número de pesquisas, se fazem mais relacionadas com o sexo. Conclusão as pessoas falam de amor mas procuram é o sexo. Para o Google há também mais de um milhão de homens apaixonados, mas apenas pouco mais de 500 mil mulheres: devem existir muitos homens infelizes... ou então são os homens que, afinal, são mais abertos na expressão das suas emoções!

Para minha enorme desilusão, as mulheres mais "pesquisadas" no Google são Paris Hilton e Britney Spears. Como não as acho belas, só pode ser pela sua inteligência, que desconheço. Entre os homens, a minha desilusão foi ainda maior para além de não me encontrar entre os eleitos, descobri que as mulheres têm preferência por homens com nomes como "50 cent" e "Bob Esponja". Mas as estatísticas das pesquisas mais comuns permitem também caracterizar certos países: no Reino Unido estão obcecados com dietas e em encontrar amigos e namorados ou namoradas perdidos (será que perdem os amigos pela mesma razão por que têm de fazer dieta?); os franceses gostam é de viajar e de top models (não consegui apurar se viajam com as top models); já o passatempo dos russos parece ser agora a decoração de interiores, enquanto os chineses parecem preferir ficar em casa a ver televisão.

Eis aquilo a que o mundo atribui mais importância de acordo com o Google. Existirá mundo para além do Google? Vale a pena pesquisar.

A vida em Google
por Miguel Poiares Maduro

sábado, dezembro 03, 2005

Batraquius Cavaquensis



Uma espécie de “sapo-laranja”, nunca antes referenciada, foi descoberta recentemente por um grupo de de peregrinos, oriundos de Santana, que se deslocavam a Belém em cumprimento de uma promessa. O animal foi entretanto classificado como “Batraquius Cavaquensis”.

Apesar de todos os cuidados postos na manipulação do sapo não foi possível evitar os casos agudos de urticária que afectaram até, como tem sido amplamente noticiado, o ex-ministro da defesa Dr. Paulo Portas.

Ao contrário dos sapos comuns, que afectam apenas os canhotos, este parece atacar “a torto e a direita”.


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quinta-feira, dezembro 01, 2005

OUTDOOR cheio de saúde



Estamos em condições de revelar o novo "outdoor" de campanha com que Soares tenta fazer valer, por comparação com os outros candidatos, o seu invejável estado de saúde.

Sujeito aos mais rigorosos testes auditivos concluiu-se que, fosse quem fosse o interlocutor, os sons entravam e saíam livremente sem encontrar qualquer vestígio de esclerose ou obstrução.


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terça-feira, novembro 29, 2005

A discussão presidencial que ninguém faz

_________________________________________________ Escher


Tenho escrito que considero a campanha eleitoral para a Presidência, pelo menos nos moldes em que está a decorrer, não só inútil como eventualmente mistificadora (post do dia 22 de Novembro).

Não quero porém que tal possa ser confundido com a desvalorização da escolha que vai ser feita a 22 de Janeiro (e na eventual segunda volta).

Se considerarmos que o candidato eleito pode vir a ocupar o cargo durante dez anos facilmente concluímos que, durante um período com essa extensão, podem ocorrer crises de magnitude incomum.

A discussão à volta das presidenciais tem sido feita de fait divers como se o Presidente da República nunca pudesse vir a ser confrontado senão com as crises "de opereta" do tipo Guterres ou Santana Lopes. O refrão continua a ser a "magistratura de influência".

Devíamos estar, isso sim, a discutir a capacidade dos candidatos para enfrentar situações de ruptura do "regular funcionamento das instituições" como:

- Boicote activo por parte dos agentes judiciais, "em guerra" com o executivo, que levasse à paralisação duradoura do sistema de justiça.

- Boicote da participação de Portugal em missões armadas no exterior por parte das estruturas representativas dos militares seguida de crise de autoridade, persistente, na cadeia de comando.

- Suspensão generalizada do fornecimento de medicamentos à população como forma de pressão do lobby das farmácias e da indústria farmacêutica seguida de retaliação judicial ineficaz desencadeada pelo governo.

- Surgimento de um movimento de desobediência civil implicando a não declaração de impostos por parte de milhares de cidadãos, com base na injustiça fiscal, secundado por uma parte dos partidos parlamentares.

- Declaração de greve às sessões da Assembleia da República por um número significativo de deputados, em claro desafio ao sistema, como resultado dos "ataques" às suas prerrogativas e à "devassa" das suas vidas privadas pela polícia judiciária.

- Generalização de motins na periferia de Lisboa, nos bairros degradados habitados por imigrantes, que as forças de segurança, desmotivadas, se recusaram a "controlar".

- Suspensão dos fornecimentos dos serviços municipalizados (água, electricidade) como forma de pressão "regional" para "corrigir" as transferências do poder central.

Infelizmente a deterioração da situação económica e orçamental do país tornam estes cenários, e muitos outros ao alcance da imaginação, não só possíveis como quase prováveis.

O Presidente, seja ele quem for e queira ou não queira, pode vir a ser o fiel da balança, a autoridade que se impõe sem recurso das partes ou mesmo a última instância antes do caos.

segunda-feira, novembro 28, 2005

As lentes da MundiVISÃO



Se as ideologias são os óculos da mente então tudo o que vemos, e não vemos, depende de comprarmos as lentes certas à MundiVISÃO.


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sábado, novembro 26, 2005

A questão fundamental



"Um meu amigo, mas rival nas eleições (Manuel Alegre), afirmou que dorme descansado com Cavaco Silva em Belém. A seguir veio o outro (Jerónimo de Sousa) dizer que não dorme ele, nem os trabalhadores. Eu estou de acordo com Jerónimo de Sousa, porque também não durmo descansado".
Mário Soares em Beja.


Os candidatos à presidência dividem-se portanto em dois grupos fundamentais: aqueles que dormirão descansados a partir de 22 de Janeiro (Alegre e presumivelmente Louçã) e aqueles que não dormirão descansados (Soares, Jerónimo e presumivelmente Cavaco).

Antigas dicotomias como esquerda/direita ou liberalismo/estatismo parecem estar completamente fora de moda na conjuntura actual.

O futuro ameaça com dramáticas disputas pela escassez do XANAX.

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quinta-feira, novembro 24, 2005

É só escolher...



As zebras são todas diferentes umas das outras.
O que é difícil é perceber em quê.


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terça-feira, novembro 22, 2005

Atropelamento e fuga



A campanha para as presidenciais é em grande medida inútil e corre o risco de se tornar, em vez de uma campanha de esclarecimento, numa "campanha de obscurecimento".

Os principais concorrentes são velhos conhecidos do povo português, frequentaram um grande número de eleições, exerceram cargos públicos durante muitos anos, deram milhares de entrevistas. É caso para perguntar o que temos para descobrir nesta campanha que não saibamos já "de ciência certa" com base na mãe de toda a sabedoria, a experiência. Nada.

Sendo a eleição para um cargo unipessoal é marcada fundamentalmente pela "personalidade e qualidades" dos candidatos; os próprios manifestos são a vários títulos irrelevantes (por causa dos limites constitucionais da acção presidencial mas também porque, como temos visto, as garantias dadas nas campanhas são fácilmente desrespeitadas com o pretexto da mudança das circunstâncias). A personalidade dos candidatos está o povo farto de conhecer.

Assim sendo devemos concluir que a campanha só pode ser usada para mistificar, para impor uma nova imagem dos candidatos que obscureça aquela que a experiência vivida construiu na mente dos eleitores.

-O Cavaco quer deixar de ser apenas o competente mas hirto professor de finanças para ser o avô preocupado com os desfavorecidos e com o futuro da nação.

-O Soares quer deixar de ser o padrinho da esquerda, de charuto bem almoçado, para se converter no paladino da luta contra o capitalismo (desde que seja selvagem).

-O Alegre já não será o poeta que passa a vida a planear as pescarias e caçadas para se tornar o "sem abrigo" dos partidos com que sempre pactuou.

-O Jerónimo e o Louçã, honra lhes seja feita, não mudaram o discurso. Apoiam todas as reivindicações e direitos adquiridos sem cuidarem de explicar quem vai pagar a conta (o Jerónimo chegou ao ponto, esta ouvi eu, de dizer que os juizes não são uma elite).


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domingo, novembro 20, 2005

Short Cuts



Por obra e graça do canal Hollywood tive a oportunidade recente de rever (e gravar) o filme "Short Cuts - Vidas Cruzadas" dirigido por Robert Altman em 1993.

Quando o vi pela primeira vez, há uns anos, fiquei profundamente impressionado. Ao revê-lo agora apenas confirmei que se trata de um filme extraordinário.

Mostra (durante três horas) um certo número de vidas "entrelaçadas" o que só por si está longe de ser original e até tem produzido alguns filmes detestáveis. Os motivos de interesse são outros.

Um polícia, um médico, uma "palhaço ao domicílio" que anima festas de aniversário, uma pintora, uma empregada de balcão numa cafetaria, um limpador de piscinas, um comentador de TV, uma prestadora de serviços pornográficos via telefone, uma violoncelista, um condutor de limousine para encontros amorosos, um piloto de helicóptero, uma cantora de jazz, um decorador de bolos comemorativos, um maquilhador de efeitos especiais e outros, cruzam-se e voltam a cruzar-se (em Los Angeles, como no excelente "Colisão" que ainda recentemente comentámos).

A lista das profissões, onde não figura nenhuma ligada à produção de mercadorias convencionais, mostra uma sociedade "desenvolvida" com grande pendor para os "serviços interpessoais" e onde a "classe operária" ou desapareceu ou é invisível.

As relações afectivas mostram-se ressequidas e distorcidas como se estivessem atacadas por uma praga (curiosamente o filme decorre sob o pano de fundo de uma praga de moscas que os helicópteros todas as noites tentam envenenar aspergindo químicos sobre a cidade).

Com o decorrer da acção vamos intuindo que o mal-estar e, depois, a tragédia radicam na mercantilização de gestos e comportamentos que costumavam situar-se no plano das relações afectivas, tornando "profissionais" as relações que deviam ser íntimas e fazendo cair as barreiras que costumavam separar as amizades, a família e os afectos da luta, quantas vezes impiedosa, pela sobrevivência económica.

Aqueles que ainda pensam que a alienação resulta da preponderância das coisas no relacionamento entre os humanos deviam perceber que é ainda pior quando o que se compra e o que se vende são os próprios humanos.

(mais sobre o filme)

quarta-feira, novembro 16, 2005

Esfíngico



Como diria um outro candidato:
"És finge mas não és fixe"

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segunda-feira, novembro 14, 2005

Políticas acidentais


Políticas acidentais
por Miguel Poiares Maduro


Bismark disse que para continuarmos a respeitar as salsichas e as leis não devemos ver como são feitas. Nunca gostei muito de salsichas mas quanto às leis é difícil fazer dieta… Elas estão em todo o lado. Existe um sério problema de obesidade legislativa. Quando não temos solução para um problema legislamos. As leis parecem apresentar desejos em vez de soluções. O homem sonha e logo legisla, arriscando-se a transformar as leis em meras intenções. Multiplicamos as leis sem chegarmos a soluções. Mas de onde vem, afinal, este existencialismo legislativo? Ele tem origem numa crise existencial da própria política.


________________________________________ Siena, 2005 - FPR


À política caberia tradicionalmente a decisão sobre certos riscos sociais, a distribuição dos seus custos e benefícios e a arbitragem entre os diferentes interesses a eles associados. Hoje em dia, a política tem dificuldades em desempenhar estas funções. A verdadeira política tirou férias: a ênfase é toda colocada na arte de fazer política, esquecendo as políticas que deviam ser a sua razão de ser. A estética da política (não confundir com a estética dos políticos) interessa mais que as próprias políticas. Neste contexto, não é de estranhar que as políticas pareçam, por vezes, um resultado acidental da política.
Isto é visível, desde logo, na forma como se reduzem certas questões políticas a escolhas técnicas. Depois do tanto que ouvi de tantos lados, confesso que já não sei o que pensar do futuro aeroporto de Lisboa, do TGV ou de como reciclar os nossos resíduos tóxicos. E, no entanto, a forma como estas questões nos são apresentadas indiciaria uma decisão fácil. O discurso sobre estas e outras políticas está dominado pela invocação da técnica e da ciência. Ambos os lados parecem estudantes aplicados, esgrimindo estudos técnicos, planos de impacto, projectos de viabilidade e outras expressões enjoativas. Por vezes, não sei se assisto a um debate político ou a um exame de engenharia. Parece que não se trata de fazer opções políticas mas de determinar o que é verdade ou mentira. As políticas são apresentadas como o resultado de uma decisão técnica, mas parece que a técnica está mais confundida que a política.
Só que se o problema fosse meramente técnico a opção política seria simples: confiar nos melhores técnicos. Mas o problema é outro: é que já não conseguimos distinguir entre o que pertence à técnica e o que pertence à política. Não sabemos se foi a ciência que tomou conta da política ou se é a política que se esconde atrás da ciência. A ciência é fundamental para esclarecer e iluminar a escolha política mas não se pode é reduzir a política a uma questão de ciência. Por ex.: a ciência pode e deve ajudar-nos a determinar o risco existente num certo método de reciclagem de resíduos tóxicos mas essa não é a questão política. As perguntas, a resolver politicamente, são outras: é esse risco socialmente aceitável face às alternativas existentes e aos riscos que também comportam? Como deve ser esse risco distribuído na sociedade (quem o deve comportar e como deve ser compensado por isso)? A política tem de partir dos factos mas não pode ser reduzida a um juízo de facto (o que é verdade ou mentira). A política, como a vida, é antes um processo de escolha entre diferentes alternativas imperfeitas.
Falta também visão periférica às políticas. Em parte isto deve-se a uma "ghetização" do discurso político, organizado em torno de grupos que prosseguem objectivos específicos. Cada um destes grupos identifica o interesse geral com o interesse que entendem ser prioritário proteger. Num contexto deste tipo, o verdadeiro interesse geral devia resultar do equilíbrio entre estes diferentes interesses parcelares. À política deveria caber promover um debate entre todos e arbitrar entre eles. Mas não é bem assim. Em primeiro lugar, devido à crescente complexidade social e, logo, das decisões políticas, a segregação do discurso político tem-se reflectido numa segregação das próprias políticas. Criam-se diferentes instituições (comités, institutos, agências) a que se atribuem certos objectivos específicos. Naturalmente, estas instituições centram a sua acção na maximização desses objectivos. O mesmo sucede, crescentemente, com diferentes áreas de governo: moldados por diferentes objectivos e com conhecimentos compartimentados, é natural que, por ex., o Ministério do ambiente tenha uma cultura do interesse público bem diferente da do Ministério da economia. Quando a política já não consegue coordenar e arbitrar estes diferentes poderes, as políticas entram num ciclo de constante alternância consoante aqueles que são chamados a controlá-las. Em vez das políticas representarem uma escolha entre diferentes alternativas imperfeitas à luz dos vários interesses em causa elas são, alternativamente, dominadas por vários interesses parcelares. Por vezes, isto tem como consequência uma enorme instabilidade legislativa e política. Outras vezes, um desses interesses consegue estabilizar o seu domínio numa certa área e o problema é o oposto: um congelamento da democracia, em que a transformação de certos interesses predominantes em direitos adquiridos impede a reforma de políticas que, mesmo que inicialmente o tenham sido, há muito deixaram de ser eficientes e justas.
No fundo, subjacente à dificuldade de assumir a política como escolha encontra-se um enorme mito: a presunção de que os recursos do Estado não são escassos. Muitas vezes, as reivindicações que se ouvem em Portugal parecem entender que prosseguir um certa política é apenas uma questão de vontade e não exige uma opção entre diferentes utilizações possíveis dos mesmos recursos limitados. Fala-se muito de justiça distributiva mas ignoram-se os efeitos redistributivos da maior parte das políticas. Fornecer o acesso universal a um certo serviço (a educação por exemplo) pode parecer incontestavelmente desejável. Mas o que temos verdadeiramente de decidir é se preferível utilizar certos recursos do Estado para garantir um acesso gratuito a todos independentemente do seu estatuto económico ou se existe uma alternativa melhor para utilizar e distribuir esses recursos.
Uma política perfeita é um pouco como a felicidade, toda a gente diz que a viu e que anda por aí mas ninguém sabe onde mora. É bom ter a ambição de buscar a perfeição mas não de viver obcecado com ela. Na política como no resto, o que conta são as escolhas que se fazem e não aquelas que gostaríamos de poder fazer. As políticas são acidentais quando as escolhemos sem ter consciência dos limites da nossa escolha.

Políticas acidentais
por Miguel Poiares Maduro

domingo, novembro 13, 2005

Ramón Castellano de Torres

____________________ estirando las piernas


Descubra o trabalho deste pintor nascido em Ceuta e que vive em Sevilha clicando na imagem.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Auto da (b)arca



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domingo, novembro 06, 2005

Gerónimo, o índio que está na moda


Não rompera ainda o Sol na Reserva e já o Gerónimo e os camaradas “Ideologia Nebulosa”, à esquerda, e “Coiote Tarefeiro”, do outro lado, se internavam na mata, sem desanimar, mostrando que de vermelho não têm só a pele.

Ao contrário do que se possa pensar Gerónimo, também conhecido por “Urso Dançarino”, não tem más intenções. Aliás, como disse Arnaldo Matos, também conhecido por “Grande Educador”, a Revolução não é um chá dançante.

Os facalhões, afinal, são apenas canivetes com que pretende cortar algumas ramagens para enfeitar a tenda amanhã, o saudoso 7 de Novembro da Revolução de Outubro.

A Democracia Avançada para o Século XXI, também conhecida como “DAS XXI”, constrói-se com estes pequenos gestos cheios de intencionalidade.
Seja lá ela o que for.


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quinta-feira, novembro 03, 2005

S. Francisco do Bloquinho


S. Francisco do Bloquinho


É realmente cansativo andar sempre com o bloquinho ao colo, para mais persistindo a dúvida sobre se ele ainda cresce ou se fica mesmo assim.

Os outros dirigentes partidários deviam era estar calados pois não sabem o que é gerar um bloquinho, adoptaram os seus já eles criavam barba quando não guedelhas grisalhas.

Quer se trate de pregar aos peixes, aos candidatos imaturos ou aos poetas zangados o “padre vermelho”, como carinhosamente é referido, não poupa retórica.

A sua clarividente e revolucionária proposta de novo imposto sobre as “grandes fortunas” é a versão digital do preceito bíblico que calibrava os ricos e os camelos pelo cu de uma agulha.

Como diria S. Durão do Barroso:

se há bichas nos hospitais
e falhanços nas pensões
não há TGV no Tejo
nem Ota com aviões


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segunda-feira, outubro 31, 2005

O Cavalheiro da Alegre Figura



O Cavalheiro da Alegre Figura trespassou, inadvertidamente, o seu compagnon de longa route, San Chupança.

Há quem diga que tal se deveu à precipitação na luta contra os moínhos de vento do Alto do Cavaco.

Outros dizem que não passou da dificuldade em distinguir moínhos de vento, de parques eólicos e de parques jurássicos.


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sexta-feira, outubro 28, 2005

Os poderes do Professor KAWAKU






Os poderes do Professor KAWAKU


As sondagens recentes mostram uma tendência inelutável para o fim do “Tempo dos Ilusionistas” e a emergência do “Tempo dos Feiticeiros”.

Os Ilusionistas, diz-se, tiveram as suas glórias mas já não são o que eram.
Calhados nas artes do faz de conta prometiam fazer desaparecer isto e aquilo mas toda a gente sabia que as promessas eram a mangar.

Enchiam urnas com votos e depois, numa guinada da batuta, tudo se esfumava sem que eles soubessem explicar para onde.

Com as cartas, baralhavam e tornavam a dar e só saíam duques.

Anunciavam que fariam desaparecer o pântano Dunoçoatrazo mas afinal quem desaparecia eram eles (diz-se que vagueiam agora, como almas penadas, em Bruxelas e Nova York).

Em vez de tirar os pombinhos das cartolas, com o pretexto da gripe das aves, passaram a tirar coelhones o que se converteu numa grande seca.

Há já algum tempo deixaram de serrar as suas partenaires e começaram a serrar presunto.

Aquilo em que ainda tinham algum sucesso, apesar de tudo, era em pegar num manjerico qualquer e, zás !, fazê-lo aparecer num Conselho de Administração.

A gota de água que fez transbordar o copo da impaciência popular foi a promessa recente de fazer desaparecer o défice; quando se foi a ver o que realmente tinha desaparecido eram as reformas, os abatimentos fiscais, os aumentos dos vencimentos e o “diabo a quatro”.

Vendo a tenda do circo a claudicar saltou para a arena o Grande Suarez, o decano dos Ilusionistas, e garantiu que mostraria a quem quisesse ver que a ilusão tudo pode e tudo vence. Prometeu fazer dormir tranquilamente toda a plateia e até mesmo as feras nas jaulas.

Em vão. O povo desanimado ansiava pelo Professor KAWAKU, feiticeiro recém-chegado. A fama dos seus poderes fora mais célere do que a vassoura que o trouxe de Bole-e-Queima.

E tudo isto porquê ? Porque o povo agora quer truques a sério.

O povo está farto do tom coloquial dos ilusionistas popularuchos e quer uma atitude hirta, hierática, e as poucas palavras que sejam abracadabras.

O povo está-se literalmente marimbando para os poderes constitucionais; o que lhe interessa são os poderes do Professor KAWAKU (que ele diz que exercerá activamente).

O povo não quer políticos adiposos como o aparelho de Estado. A única gastronomia que interessa é a poção mágica que mantém KAWAKU elegante e em grande forma.

Quando engolir um sapo o povo quer mesmo que apareça um príncipe encantado que resolva mesmo todos os seus problemas.

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quarta-feira, outubro 26, 2005

O Mário Soares que eu receava



"Tenho condições únicas para evitar a crispação política e a grande conflitualidade social. Todos os portugueses sabem que, comigo em Belém, podem dormir tranquilos, passe a expressão, quanto às suas liberdades, direitos, garantias e haveres."
_________________________________________

Na apresentação do seu Manifesto tivemos o Mário Soares que eu receava;

Maniqueísta : "comigo em Belém" é completamente diferente do "Outro em Belém"

Messiânico : "comigo em Belém" podem dormir tranquilos

Malabarista : "Sou a favor das mudanças racionais que a experiência torne necessárias. Não sou, nem nunca fui, situacionista. E também compreendo, com todo o realismo, que o modelo social português não pode abstrair do grau de desenvolvimento do país."

Matreiro : "O Presidente da República (...) é ainda, por assim dizer, o "ouvidor" dos portugueses, assegurando a voz das minorias, dos mais fracos, dos desprotegidos e dos excluídos."

Quando é que Portugal terá a esquerda que merece: rigorosa e não ilusionista, competente e não facilitista, com projectos inovadores e não a jogar à defesa, solidária mas não por compadrio, humanista mas não lamecha, falando do futuro em vez do passado ?

A última coisa que devemos fazer nas presentes circunstâncias é "dormir tranquilos".

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sexta-feira, outubro 21, 2005

Os Sonhos de Einstein



Os Sonhos de Einstein
Estreia mundial no Teatro da Trindade


Estreia hoje no Teatro da Trindade, o musical "Os Sonhos de Einstein" baseado no livro "Einstein's Dreams", adaptado por Joshua Rosenblum e Joanne Sydney Lessner.


( edição portuguesa - edição brasileira )

Preso a um casamento infeliz e a um emprego muito aquém das suas capacidades intelectuais, o jovem Albert Einstein deixa-se levar pelos seus sonhos, seduzido pelo canto de sereia de Josette, uma mulher bela e esquiva. Josette deslocou-se do seu lugar no futuro e Einstein é a única pessoa que pode ajudá-la, pois será ele quem desvendará em breve os mistérios do tempo e do espaço. Não se deixando intimidar pelos protestos de Einstein, que se diz mais interessado na electricidade e no magnetismo, Josette convence-o de que deverá dedicar a sua atenção ao tempo e continuar a sonhar com ele até o entender. Só então poderá Josette retomar o seu lugar no universo. Einstein começa realmente a ter uma série de sonhos sobre o tempo e Josette aparece em todos eles. Cada sonho apresenta uma versão diferente da maneira como o tempo poderia funcionar (por exemplo, andando para trás ou permanecendo parado) e, à medida que Einstein começa a apaixonar-se por Josette, as limitações do mundo de cada tempo impõem obstáculos imprevisíveis ao romance entre eles.


(ilustração da PLAYBILL)

Gradualmente, os sonhos de Einstein começam a parecer-lhe mais autênticos do que a vida real e o seu amigo Besso tenta trazê-lo de volta à realidade, embora reconheça a importância potencial dos devaneios de Einstein sobre o tempo. Quando Einstein tem um sonho em que o tempo está parado, é como se ele e Josette tivessem encontrado uma forma de estarem juntos para sempre. Mas Josette apercebe-se de que Einstein nunca fará a sua descoberta a menos que ela o liberte dessa eternidade imóvel, o que acaba por fazer.
Na abertura do segundo acto, Einstein encontra-se num mundo de sonho em que o tempo se move tanto mais devagar quanto mais depressa a pessoa se desloca. Este é, numa versão simplificada, um dos elementos fundamentais daquela que virá a ser a sua Teoria da Relatividade Restrita. Encontrou-a! Mas não encontrou Josette, de quem andava à procura. Lança-se numa série de sonhos caleidoscópicos e quando consegue voltar a encontrar Josette não lhe revela a sua nova teoria; a Relatividade Restrita implica a possibilidade de viajar no tempo e, se ela souber disso, ele perdê-la-á. No sonho seguinte, quando o tempo passa a uma dimensão visível, Josette conduz Einstein ao seu futuro e ele envelhece diante dos nossos olhos até se tornar o emblemático velho das fotografias mais célebres. Nesta altura encontra Josette ainda menina, que o leva a escrever a famosa carta ao Presidente Roosevelt defendendo a exploração da fissão nuclear. Perante a hesitação de Einstein, Josette afirma que não devemos ocultar nenhuma parte do que verificámos ser verdadeiro.
Einstein envia a sua carta a Roosevelt e o tempo começa a andar rapidamente para trás, catapultando Einstein até ao momento em que recebe o seu prémio Nobel, passando pelo nascimento do seu filho e pelo primeiro encontro com a sua mulher, Mileva, ainda recém-apaixonados. Vai parar a um sonho em que o futuro não existe, o que indica que ele e Josette poderiam finalmente ficar juntos. Mas apercebe-se de que deve aconselhar-se com ela e não lhe ocultar qualquer parte da sua teoria do tempo, ainda que isso signifique perdê-la. Com a mesma ausência de egoísmo com que ela o libertou do lugar onde o tempo é imóvel, cabe agora a Einstein deixá-la ir. Ele conta-lhe da sua descoberta e ela desaparece. Mas há algo que ela diz que o faz debater-se com a dúvida: seria ela realmente alguém que apareceu vindo do futuro ou, na verdade, o próprio Tempo?
Einstein acorda e, embora seja ainda um mero administrativo numa repartição de patentes preso a um casamento infeliz, é agora capaz de converter tudo o que aprendeu com os seus sonhos numa nova teoria do tempo e do espaço – a sua Teoria da Relatividade Restrita.
E o mundo nunca mais voltará a ser o mesmo.



Música e Letras - Joshua Rosenblum
Argumento e Letras - Joanne Sydney Lessner
Baseado no romance de - Alan Lightman
Versão Portuguesa - César Viana
Encenação - Cláudio Hochman
Movimento - Jean Paul Bucchieri
Cenografia - José Manuel Castanheira
Figurinos - Rafaela Mapril

Interpretação

Josette - Sara Belo
Einstein - Mário Redondo
Besso - Miguel Coelho
Peter Klausen - Pessoa Júnior
Josie - Alexandra Filipe
Marta, Mileva - Margarida Marecos
Johannes - Paulo Carrilho
Anna - Isabel Campelo
Hilda - Sílvia Filipe

Produção Teatro da Trindade/INATEL

quinta-feira, outubro 20, 2005

Vivemos sempre duas vezes ?

__________________________ Attic Memories, Norman Rockwell


Vivemos sempre duas vezes ?

por Miguel Poiares Maduro


Estas últimas semanas temo-nos repetido tanto: as mesmas personagens, as mesmas histórias, os mesmos dramas. E porque nos repetimos? Descobrimos que queremos viver o mesmo outra vez, imaginamos de forma diferente a vida que vivemos ou queremos viver o mesmo mas de forma diferente? Às vezes há momentos na vida em que parece que nos falta a inspiração para algo diferente. Portugal, por ex., vive um desses momentos. Sentimo-nos prisioneiros da memória em vez de nos inspirarmos nela.
Nos últimos anos da sua vida o poeta irlandês Yeats sentiu-se sem inspiração. Foi na memória que a reencontrou. No poema Circus Animal´s Desertion começa por notar como a falta de inspiração o leva a confrontar-se com a sua vida:

Procurei um tema e procurei em vão
Procurei diariamente, seis semanas ou algo assim
Talvez, agora, sendo apenas um homem desgastado
Tenha de estar satisfeito com o meu coração,
Embora Inverno e Verão até à velhice se tenham iniciado
Os meus animais de circo estavam todos em exposição
(…) Que posso fazer senão enumerar velhos temas

Só que Yeats compõe a partir destes velhos temas um retrato original da sua vida. Não sei é se Yeats está a revisitar a sua vida ou a basear-se nela para construir uma nova. É por isso que o regresso de que fala no fim também aparece como um novo princípio:

Aquelas imagens de mestre porque completas
Cresceram numa mente pura, mas de onde vieram?
Um monte de lixo, o varrer das valetas
Velhas chaleiras, velhas garrafas, e as latas que se partiram,
Velhas pedras, velhos ossos, velhos trapos, a velha
Que mantém a contabilidade
Agora que a minha escada se foi
Tenho de me deitar onde todas as escadas principiam
No ferro velho do coração

Yeats não se repetiu. Inspirou-se na memória. Numa altura em que assistimos a tantas repetições talvez seja bom lembrar que a memória não tem que ser sinal de repetição mas de um novo conhecimento. A memória é o que transporta o passado até ao presente. Ao fazê-lo, no entanto, deixa espaço à interpretação. Esta é moldada pelo tempo e a dúvida é saber se o tempo apura a memória ou, ao contrário, a engana.
Parece que o nosso cérebro organiza dois tipos diferentes de memória: a memória de curto prazo (ligada ao aspectos sensoriais: som, olhar, cheiro, tacto) e uma memória de longo prazo. Qual estará mais próxima da verdade? Será que conhecemos verdadeiramente alguém ou alguma coisa quando estamos na sua presença ou quando damos tempo à nossa memória para seleccionar o que essa pessoa ou facto têm realmente de importante. Será que a distância temporal nos torna mais objectivos ou, simplesmente, mais selectivos?
Tendemos a ver a memória como o registo da nossa vida. Mas a memória não é um processo de gravação mas sim de edição. É que a memória é finita e, logo, temos de seleccionar o que merece fazer parte dessa memória. Editamos o nosso passado para construir a nossa memória das coisas e das pessoas. Por vezes, exacerbamos o que elas tiveram de negativo, outras vezes exaltamos o que tiveram de positivo. Só que não sabemos se devemos acreditar na nossa nova história ou na história que nos lembra a memória da nossa memória. Há até quem mude de memória consoante muda de história. É nossa, no entanto, a responsabilidade do que cabe na nossa memória. É por isso que não se podem justificar certas falhas de memória com os limites da memória: "- Esqueceste-te do nosso aniversário!" "Desculpa querida mas já não tinha memória disponível…".
A verdade é que uma boa memória não é uma grande memória (que se lembra de muita coisa) mas sim uma memória crítica. Mais relevante que a informação que nos transmite a memória é a curiosidade que ela pode promover. Nada tem mais memória ou informação que um computador mas não diremos que um computador é culto ou faz bom uso da memória. O conhecimento não se esgota na memória. Ao contrário, a memória deve ser um incentivo ao conhecimento. Mais do que como uma base de dados devemos conceber a memória como um instrumento de juízo crítico e fonte de inspiração. A razão não nos permite controlar a memória mas permite-nos discutir com ela. Emoção e razão de novo juntas… Como diz Kaufman (o argumentista de um filme chave sobre a memória: The Eternal Sunshine of the Spotless Mind): "A história é sobre emoções e sobre a memória e ambas estão no cérebro. Se a centrasse no coração seria apenas sobre bombear sangue".
É por isso que não concebo memória mais importante que a memória emocional. Neste caso, o que conta não é tanto se a memória reproduz uma verdade histórica mas sim a inspiração que pode resultar dessa memória. É assim com a memória da mulher que se ama: não é visual mas emocional. A emoção que me transmite a sua memória revela-me a sua beleza mas não me permite descrevê-la. Será esta memória verdadeira? Pouco importa, o que é importante é que ela mereça essa memória. Há memórias assim, em que o que nos fica gravado é a emoção que algo nos provocou. Só que a memória também nos provoca novas emoções: a tristeza é a memória dos maus momentos; a melancolia é a forma como a memória se recorda dos momentos felizes.
Hoje, no entanto, as pessoas parecem menos preocupadas com a sua memória do que com a memória com que os outros ficam delas. Os diários e as autobiografias têm, frequentemente, pouco de memória e muito de tentativa de implantação de uma certa memória nos outros. E o que será pior: ser uma má memória ou não fazer parte da sua memória?
Também se diz que há pessoas sem memória: é o caso dos chefes que nos despedem ou das mulheres que nos deixam! Claro que a razão, frequentemente, é outra: é que elas não partilham das nossas memórias…
Hoje em dia, até a memória parece ser a prazo. Recentemente, ouvi na rádio que a qualidades das novas formas de impressão das fotografias digitais é muito superior a anterior mas que apenas durarão 100 anos. Aparentemente isto é comum a outros meios de gravação actuais. Já pensaram bem: daqui a 100 anos não existirá memória de nós. É verdade que há muitas coisas que se passam hoje das quais, provavelmente, preferíamos que não restasse memória, mas o que me preocupa não é tanto preservar a nossa memória mas assegurar o futuro dos outros: é que sem memória podem bem vir a repetir os nossos erros. Um povo que não faz bom uso da memória fica preso à sua História. Pensando bem, temo que hoje já seja comum repetirmo-nos sem memória. Portugal parece estar sempre a repetir o mesmo filme com actores diferentes. Falamos tanto da nossa memória colectiva mas parece que não aprendemos nada com ela. O problema da memória colectiva é que se já é difícil aprender com a nossa memória (quantas vezes repetimos os mesmos erros) ainda é mais difícil aprender com a memória dos outros (de pouco serve conhecermos os seus erros). Daí que sejamos herdeiros de uma História mas não tenhamos memória.
Será que alguém se lembra de quando perdemos a memória?

Vivemos sempre duas vezes?
por Miguel Poiares Maduro

segunda-feira, outubro 17, 2005

Norte, para os amigos



Ser quer ver as fotografias que fiz no Douro, Porto e Minho clique na foto.

quinta-feira, outubro 13, 2005

As eleições em FelgOeiras e GondoMarco


As eleições em FelgOeiras e GondoMarco

A histeria comunicacional instalou-se durante a campanha para as Autárquicas como se os únicos candidatos do país fossem o Fataltino e Valentorres.

As Entidades Oficiais, os Comentadores Certificados e os Dirigentes Partidários fizeram um corrupio de apelos para que o povo votante resolvesse nas urnas aquilo que as leis e os tribunais não tinham querido, ou sabido, resolver em tempo útil.
O povo foi até subtilmente ameaçado de conivência com os crimes que os “arguidos” possam ter cometido.

Este verdadeiro torção à separação entre a política e a justiça, que o povo recusou liminarmente, seria justificado pela “dignificação do sistema político”. Ora o povo sabe que o Fataltino e o Valentorres foram “nados e criados” nos partidos, a quem deram bons dividendos eleitorais e foram afastados, só agora, por receio de que os salpicos viessem a atingir esses mesmos partidos.

Os partidos e todos os que mistificaram esta questão, ocultando as suas responsabilidades atrás da “moralização”, ajudaram a dar mais uma forte machadada no nosso regime democrático. Os eleitores mostraram que reprovam esse sacudir da água do capote.

As votações, no geral, mostram que a população decidiu deixar à justiça a punição de eventuais crimes e votar nos candidatos que, bem ou mal, julga servirem melhor os seus interesses. Não votou nos candidatos por eles serem arguidos mas, sem dúvida, votou neles APESAR de serem arguidos.

Isso mostra que, para além de não dar crédito a todos os que apresentaram a eleição de Fataltino e Valentorres como um perigo para a democracia, os votantes entenderam que não tinham que ser eles a corrigir a inépcia e morosidade do sistema judicial. Também disseram que cabe aos eleitores, e não aos partidos, penalizar politicamente aqueles que o mereçam.

O funcionamento errático e obscuro do sistema judicial e político leva à relativização das situações; foi só aquele que fugiu aos impostos ? será condenável fugir a uma prisão preventiva que ninguém sabe quanto tempo vai durar ? dar, pela porta do cavalo, uns cobres para o clube da terra é mais grave do que gastar muitos milhões em estádios sem préstimo ? por que é que o autarca de Ponta do Sol, na Madeira, só foi acusado um dia depois das eleições ? é mais grave preferir os amigos nos fornecimentos à Câmara ou nomear os amigos para cargos e reformas chorudas mesmo que para tal seja preciso indemnizar os demitidos ? quantos autarcas estão a ser investigados pela polícia em todo o país ?
Esta moral relativista pode ser criticável mas mais ainda o serão aqueles que pela sua acção, ou omissão, permitiram que o incumprimento se generalizasse.

Os poderes instituídos detestam ser postos em causa e não é de excluir que os vencedores de FelgOeiras e de GondoMarco venham a pagar, nos tribunais, um preço muito elevado pela sua ousadia.

O sistema político tentou usar quatro casos de contornos rocambolescos, protagonizados por figuras frágeis, para limitar as veleidades dos cada vez mais numerosos que tentam fazer funcionar a democracia à margem dos partidos, apesar dos partidos e mesmo contra os partidos. Alcanena, Redondo, Alvito e Sabrosa são exemplos de vitórias de quem “correu por fora”.

FelgOeiras e GondoMarco não são casos isolados e, muito menos, aberrantes.
Tudo leva a crer que os eleitores desses locais são tão bons, ou tão maus, como quaisquer outros. Tudo leva a crer que os mesmos comportamentos ocorreriam, em circunstâncias equivalentes, em qualquer outro concelho de Portugal.
Que se saiba o Engenheiro Sócrates não enjeitou os votos maioritários (entre os 40 e os 50 por cento) que teve em FelgOeiras e GondoMarco em Fevereiro de 2005. Muitos dos votantes em Fataltino e em Valentorres votaram também em José Sócrates.

É caricato que aqueles que se dizem preocupados com a democracia se atrevam a qualificar os resultados eleitorais em função das motivações que presumem para os eleitores.
O crime dos FelgOeirenses e dos GondoMarquenses seria o de pôr os interesses locais acima do interesse nacional. Quem nos garante que foi o interesse nacional que motivou os votos que dados a Sócrates em Fevereiro ?
É preciso ser muito limitado para não perceber que por este caminho é que se põe a democracia em cheque.

As motivações dos eleitores, quaisquer que sejam, são uma questão íntima, inviolável e um direito soberano. As autarquias são apenas mais uma organização “corporativa” de interesses organizados com base na vizinhança em vez de serem definidos pela profissão ou qualquer outro identificador/diferenciador. As “corporações” são, no essencial, instrumentos para dar expressão e potenciar os interesses individuais.

É lugar-comum considerar que os eleitores, ao votar, estão a fazê-lo com o intuito de promover o Interesse Público. Nada permite confirmar tal crença.

Se tomarmos em consideração a forma como têm reagido às medidas de austeridade de Sócrates os farmacêuticos e os enfermeiros, os juízes e os polícias, os funcionários e os professores teremos que concluir que a maioria absoluta de que ele dispõe não resultou de um mandato patriótico para “salvar as finanças públicas” mas sim de cálculos pessoais interesseiros baseados na ambiguidade quanto aos sacrifícios exigíveis aos portugueses e na promessa, feita durante a campanha, de não aumentar os impostos. É sempre mais fácil esperar que a solução resulte do sacrifício dos outros.

Em conclusão, não faz sentido irem a correr alterar a lei eleitoral para fingir que estão a “proteger a democracia”. Para salvar o Regime basta fazer funcionar a Justiça de forma expedita e corrigir os comportamento dos partidos e dos políticos, deixando de prometer o que não podem cumprir e deixando de gastar o dinheiro que não têm.

P.S. (ao cuidado de Mário Soares) – A eleição em Lisboa de um tipo feio, pouco mediático e sem pedigree partidário, e no Porto de um teimoso, quase-bronco que não se coíbe de mandar o Pinto da Costa “à fava” leva a pensar que o tempo dos ilusionistas está a chegar ao fim.

terça-feira, outubro 11, 2005

A Voz do Dono ?



Eu sou um leitor assíduo do DN e sei que este jornal tem um historial triste de "colagem" ao poder vigente em cada momento.

Mesmo assim considero muito grave esta primeira página (7/Out/2005) onde se vaticina a vitória de Carrilho e de Assis com o intuito, ao que parece, de "moralizar" os respectivos votantes.

A distância da realidade é tão grande que a hipótese da incompetência, que também seria grave, parece improvável.

Este episódio que ocorre pouco tempo depois de uma recomposição da direcção do DN autoriza todas as dúvidas sobre seriedade das nomeações que tiveram lugar.

quinta-feira, outubro 06, 2005

Ouvindo os silêncios

_______________________________________________ 2002 - FPR



Ouvindo os silêncios
por Miguel Poiares Maduro

E se desta vez eu não escrevesse nada? O que quereria dizer o meu silêncio? O que é que quis dizer não dizendo nada? Ou será que simplesmente não tinha para dizer? Será que o silêncio é, como diz um personagem de Shakespeare em Tanto Barulho por Nada, a única forma de realmente exprimir a felicidade pois pequena seria a nossa felicidade se a pudéssemos descrever em palavras? Ou será que o silêncio, como defendeu George Steiner ao falar do holocausto, é antes a única forma de exprimir o que é tão terrível que não é susceptível de ser revelado através das palavras? Não podiam ser mais diferentes estas duas leituras do silêncio e, no entanto, partilham algo: a noção de que o silêncio é o único recurso que temos quando as palavras já não chegam.

Na verdade, o silêncio pode ter mais sentidos que todas as palavras. Pode ser uma forma de acção ou um instrumento de reflexão. Pode servir para esconder um segredo ou revelar um estado de alma. Pode ser uma forma de cumplicidade mas também pode ser o único instrumento de resistência. Pode ser sinal de ignorância ou, ao contrário, ser o reflexo da curiosidade. Pode ser uma forma de distanciamento como pode, igualmente, ser uma forma de comunicação.
Seja em que sentido for o silêncio é a única linguagem que apenas a nós pertence. Mas é um instrumento para nos refugiarmos em nós mesmos ou uma forma de dizermos algo aos outros? E o silêncio deve servir para pensar ou para sentir? É o silêncio o caminho para escutar o que pensamos ou será que, como diria o Caeiro de Fernando Pessoa, o silêncio deve ser antes utilizado para procurar sentir sem pensar pois pensar é não compreender um mundo que apenas foi feito para se sentir?

Não falarás!

Tenho uma certeza: existe hoje um crescente desconforto com o silêncio (quantas pessoas não vão pelas escadas para evitar os silêncios do elevador…). Não é que exista menos silêncio, existe é um outro uso do silêncio. O silêncio pode ser sinal de intimidade (sentir-se confortáveis a partilhar um momento de silêncio) mas, mais frequentemente, é hoje sinal de indiferença ou mesmo de quase intolerância. Hoje, quando não se fala não é porque se quer estar em silêncio mas porque não se tem nada para dizer ou, pior ainda, se teme o que se possa vir a dizer. Sempre me impressionou o número de casais, em restaurantes e outros locais públicos, que passam horas sem falar um com o outro Não creio que estejam a desfrutar do silêncio… Aliás, acho que escolhem locais bem ruidosos para terem a certeza de que o barulho dos outros os deixa, sim, desfrutar do silêncio do outro! (o que é algo bem diferente de desfrutar do silêncio). O que pretendem é libertar-se da "obrigação" de comunicar. Saem não para estar juntos mas para evitar terem de se suportar ou descobrir que não têm nada para conversar. Há imensos casais para quem as vidas sociais intensas são na realidade uma forma de escaparem ou do outro. Nestes casos, estar em silêncio é apenas um estratagema para evitarem ficar a saber que apenas teriam coisas inconvenientes a dizer… Estes casais não estão em silêncio. Estão é a procurar fugir do seu silêncio.

Seja como for, hoje não convivemos bem com o silêncio. Há sempre uma música de fundo onde quer que estejamos. Até nas igrejas, local onde o culto se associava tantas vezes ao silêncio, é hoje frequente entrarmos e ouvirmos em fundo música sacra, como se as pessoas temessem ficar a sós com Deus. Parecemos obcecados em preencher o silêncio como se o silêncio não contivesse vida e, desta forma, um momento de silêncio fosse um momento perdido. Quando nos falam de uma vida intensamente vivida nunca pensamos numa vida vivida em silêncio.

Talvez isto esteja associado ao que o sociólogo Zygmunt Bauman chamou de "vida liquida", a vida moderna feita de constantes mudanças, a um ritmo alucinante, dirigida pela procura de tudo experimentar e consumir que se traduz em permanentes novos começos. Só que, o outro lado desta vida, como nota Bauman, são os constantes e dolorosos fins, a insatisfação permanente e uma vida permeada pelo receio da incerteza. Talvez seja também por isto que há tanta gente que acaba afinal por se refugiar no mais absoluto silêncio. Cada vez sei de mais casos de pessoas que abandonam tudo por uma vida de isolamento e meditação. O silêncio é neste caso uma outra opção de vida. Parece que a única alternativa a uma vida sem silêncio é uma vida em silêncio.

Compondo com o silêncio
Para mim o silêncio não é uma forma de vida, nem sequer uma pausa na vida. É antes uma pausa que muda a vida. Recentemente vi um documentário sobre Abbado intitulado "Ouvindo o silêncio". Nele, o maestro italiano realçava a importância do silêncio no contexto de uma música: para Abbado, o silêncio não serve apenas para assinalar o fim de uma frase musical e o início de outra mas é antes parte da música alterando a nossa percepção do que estava antes e condicionando o que vem a seguir. Com a vida é o mesmo.

A arte é aliás paradigmática de como se pode utilizar o silêncio para condicionar a vida. Basta notar em como no cinema o silêncio é o melhor instrumento de tensão. No cinema, tempo narrativo e tempo real raramente coincidem. Num contexto em que anos passam em poucos minutos, um instante de silêncio é realmente uma eternidade. Perturba o espectador, suscita-lhe dúvidas e ansiedade, antecipa o desconhecido e, quando nada se segue, deixa apenas uma enorme tensão por resolver. Gerir o silêncio é uma arte. O silêncio pode ser mesmo o melhor instrumento da narração.

Na literatura, também há silêncio.
Pausa
Ele reforça a importância de uma frase.
Pausa.
É uma pista deixada ao leitor.
Pausa

O silêncio também pode ser entendido como um alerta para ouvir outros sons da vida. O compositor John Cage escreveu uma música denominada 4 33' que é apenas… silêncio. Mas o objectivo de Cage não é impor-nos o silêncio mas provar que o silêncio não existe e que há sempre alguns sons que escutamos. Só que, como ele próprio referia, os sons do silêncio têm tanto de real como de imaginário. É por isso que, por vezes, o silêncio também nos engana. Quantas vezes não associamos o silêncio de alguém a uma personalidade observadora e inteligente ("saber estar calado") para depois descobrirmos que afinal o mistério não tinha nada de misterioso: era apenas alguém sem nada de interessante para dizer. Quantas falsas reputações não foram adquiridas através do silêncio? Como notava Eça, em Portugal, há muitos génios que passam a vida em silêncio: "Toda a gente diz que é um génio". "Mas já ouviste ou leste alguma coisa dele?". "Não, mas toda a gente sabe que é um génio. É um génio tão grande e tão insatisfeito que prefere, não escrever nada". Há silêncios que merecem ser criticados ou, pelo menos, ignorados.

Eu não sou do tipo silencioso mas aprecio o silêncio. Tudo depende do silêncio. Há coisas que se apreciam melhor em silêncio mas há outras perante as quais não devemos ficar calados. Há momentos para trocar palavras e há outros para viver em silêncio. Neste instante, quero oferecer-lhe um pouco de silêncio…

Ouvindo os silêncios
por Miguel Poiares Maduro

sábado, outubro 01, 2005

2014

__________________________________ Inorganic Love Affair, Emell

1984 em 2014 ?

O "Big Brother" 30 anos depois ?

Um mundo de criatividade generalizada e de partilha da informação ?

Sem alarmismos devemos considerar e tentar analisar o mundo que estamos a construir, com a nossa acção ou com a nossa omissão.

Veja um futuro possível (provável ?) clicando na foto.

Trata-se de um "documentário flash" de Robin Sloan obtido a partir do site da LighOver Media.

Se tem uma ligação lenta prepare-se para esperar pois vale a pena.
A "banda sonora" é muito importante.

quinta-feira, setembro 29, 2005

Um instrumento maravilhoso num local fabuloso


(clique na imagem para ver versão ampliada do cartaz)


A Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado
e a Fundação das Casas de Fronteira e Alorna

Anunciam uma série de 6 (seis) Concertos Comentados de Guitarra Portuguesa Tradicional de Lisboa a ter lugar entre Outubro de 2005 e Março de 2006 no Palácio Fronteira Largo de S. Domingos de Benfica.

Datas: 8 de Outubro, 12 de Novembro, 10 de Dezembro, 14 de Janeiro, 11 de Fevereiro e 11 de Março. (2º sábado de cada mês)

É necessária reserva, com atempado pagamento, através dos contactos da

Academia da Guitarra Portuguesa e do Fado (96 801 64 46)
e da
Fundação das Casas de Fronteira e Alorna (21 778 45 99)

Os instrumentistas são alguns dos melhores intérpretes da Guitarra Portuguesa de Lisboa, com respectivos acompanhamentos de Viola: António Chainho, João Torre do Vale, Paulo Parreira, Ricardo Parreira, José Pracana, José Elmiro Nunes, António Parreira e Carlos Gonçalves.

Preço: 20 euros (número limitado de lugares)

A Guitarra Portuguesa Tradicional de Lisboa tal como definida para estes concertos, é uma forma de tocar a Guitarra Portuguesa, na versão da Guitarra de Lisboa, que encontra cada vez menos praticantes profissionais, mas que mantém um interessante número de apreciadores. Requer uma linguagem não estritamente musical e sobretudo uma dádiva emocional do próprio executante.

Trata-se de uma manifestação rara e esta iniciativa da ACADEMIA DA GUITARRA PORTUGUESA E DO FADO, dedicada à defesa e protecção das nossas melhores e mais específicas tradições culturais, tem o apoio da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna. Os Concertos, com comentários didácticos, realizam-se na Sala das Batalhas, no nobre e bonito Palácio Fronteira, ele próprio muito significativo para a apreciação da nossa identidade cultural.

domingo, setembro 25, 2005

O DOTeCOMe faz 5 anos



No dia 1 de Outubro de 2005 completam-se cinco anos de existência do DOTeCOMe (o site em que este blog se "integra", porque este blog é muito mais novinho).

Esta data é apenas uma convenção pois a verdade é que o site foi surgindo durante o Outono do ano 2000, ao sabor das experiências e tentativas.

Para não deixar passar em claro esta ocasião resolvemos tomar algumas iniciativas que poderá conhecer clicando na imagem.

quinta-feira, setembro 22, 2005

Imagens do Japão

Clique na foto para ver as fotografias feitas pela Joana Lopes no Japão.

terça-feira, setembro 20, 2005

Uma questão suína

Tradução de uma carta (VERDADEIRA!) que, segundo consta, o Comissário Europeu da Agricultura recebeu recentemente.




Senhor Comissário da Agricultura,

O meu amigo Robert, que vive na Bretanha, recebeu um cheque de 100.000 EUR da UE para não criar porcos estes ano. Por essa razão eu estou a pensar entrar no programa de não-criação de porcos no próximo ano.
O que eu gostaria de saber era qual é a melhor quinta possível para não criar porcos e também qual a melhor raça a não criar. Gostaria de não-criar Javalis, mas se eles não forem uma boa raça para não-criar, fico igualmente satisfeito se puder não-criar uns Landrace ou uns Large White.
O trabalho pior neste programa parece-me ser manter um inventário preciso do número de porcos que não criámos. O meu amigo Robert está muito entusiasmado quanto ao futuro do seu negócio. Criou porcos durante mais de 20 anos e o máximo que tinha conseguido ganhar foram uns 35.000 EUR em 1978... até este ano, que recebeu o tal cheque de 100.000 EUR para a não-criação de porcos.
Se eu posso receber um cheque de 100.000 EUR para não-criar 50 porcos, então receberei 200.000 EUR por não-criar 100 porcos, etc?
Proponho-me começar por baixo para depois chegar a não-criar uns 5000 porcos, o que significa que receberei um cheque de 10.000.000 EUR para poder comprar um iate e para outras necessidades urgentes.
Mas há outra coisa: os 5000 porcos que eu não criarei deixarão de comer os 100.000 sacos de milho que lhe estão destinados. Entendo, portanto, que irão pagar aos agricultores para não produzir esse milho.
Isto é: receberei alguma coisa para não-produzir 100.000 sacos de milho que não alimentarão os 5000 porcos que não-criarei? Pretendia começar o mais cedo possível, porque parece que esta altura do ano é a mais propícia à não-criação de porcos.

Com os melhores cumprimentos,

(Assinatura ilegível)

PS: Mesmo estando implicado no programa poderei criar uns 10 ou 12 porcos para ter algum presuntito para dar à família?

domingo, setembro 18, 2005

A propósito das "autárquicas" (em que não votarei)




LISBOA

a minha cidade comove-me
pois estes passos que se cruzam
vêm de há séculos caminhando
sobre estas pedras que ressoam

esta teia de gente sem destino
de trabalho de crime ou de cantigas
ponto de encontro átrio e viagem
de quem caminhando pisa sempre o mesmo chão

e não há outra cidade para mim
por mais gente que cruze as suas ruas
pois só minha cidade me alimenta
com a fome e o suor dos que passaram

só aqui se cumpre a minha vida
mais um passo do passado para o futuro
só aqui eu consigo acreditar
que tudo o que fazemos faz caminho

aqui é que eu faço filhos com os meus velhos sapatos
de quem sempre me despeço com desgosto
e nada me anima como subir estas calçadas
arfando e respirando este ar poluído

aqui é que me gasto como quem gasta as solas
e a morte faz sentido junto destas pedras
que me protegerão como uma mãe
sossegada e fresca como um beco

aqui onde o vento cheira a mar
é que apodrecemos voluntariamente
com o desplante dos cigarros
com que queimamos a impaciência

aqui é que os sons e as cores
falam a língua da memória
e só posso desculpar aqueles que partem
para não morrer de fome

aqui é que devemos entregar-nos à vida
para ela fazer de nós o que entendermos
aqui partilhando as ruas com todos
pois na rua somos quase iguais

aqui na nossa cidade não há lonjuras
entre nós só os preconceitos
a nossa cidade é o sonho quase feito
a grande festa que só espera um foguete

nela viajo estas noites clandestinas
que são o fel de cada manhã
na minha boca que não desiste
do segredo escrito pelas solas dos séculos

sobre as pedras lisas como crâneos semi-enterrados
continuaremos a cruzar-nos em todos os sentidos
da rosa dos ventos e da palavra
e só por causa disso eu não me canso

Lisboa, 1979
(Publicado em "O Diário", 1987)

quinta-feira, setembro 15, 2005

Mundos Perfeitos

____________________________________ Estocolmo, 2005 - FPR

Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro

Imagine ter acesso apenas ao que lhe interessa. Acordar pela manhã e ler na Internet as notícias seleccionadas através de um filtro de conteúdos garantidos por uma entidade da sua confiança. Escolher a sua programação televisiva através da classificação de conteúdos feita por essa mesma entidade. Sair de casa e poder deixar os seus filhos numa escola com programas e currículos que reflectem totalmente as sua preferências morais e/ou políticas. Poder investir toda a sua acção política num objectivo social particular (proteger o ambiente ou garantir o direito à sesta por ex.) e viver numa comunidade de pessoas que partilhem essa mesma concepção do mundo. Um mundo perfeito? À primeira vista, nunca estivemos tão próximos de poder maximizar a nossa liberdade e autonomia individuais, construindo os nossos pequenos mundos perfeitos. Mas estes mundos aparentemente perfeitos não fazem um mundo perfeito.
Os custos de ouvir aquilo que nos é desagradável e estar sujeitos a ideias que não são as nossas, são a contrapartida de um espaço público: um espaço em que também podemos fazer ouvir as nossas ideias, tentar convencer os outros delas e, por vezes, nesse processo, ser também convencido por novas ideias (seguindo a tradição socrática de que a verdade é produto da nossa vontade autónoma mas apenas se constantemente questionada e desafiada por concepções alternativas). Acontece que as novas tecnologias, novas formas de organização social e a nossa crescente arrogância intelectual estão a unir-se para, paradoxalmente, promover, numa comunidade cada vez mais global e inter-dependente, comunidades de valores crescentemente insuladas e fechadas em si mesmas.
Infelizmente, esta tendência parece ser reforçada pela crescente irracionalidade do debate público. No mundo que estamos a construir, a arrogância intelectual só tem paralelo no relativismo moral. Uns estão tão seguros da sua verdade que apenas querem saber como a podem proteger e, se possível, impor aos outros. Outros, estão tão convencidos da ausência de qualquer verdade absoluta que apenas se preocupam em saber como fazer predominar a sua verdade relativa. Em ambos os casos, seja porque a verdade é óbvia ou porque não existe de todo, debater e argumentar deixa de fazer sentido. Isto reflecte-se quer na organização do espaço público (que é crescentemente limitado) quer na argumentação que nele prevalece. O que interessa é gritar mais alto ou fazer apelo a uma fé maior (religiosa ou, frequentemente, de outro tipo). Os argumentos da moda são assim os argumentos de “fé”. Estes não se destinam a convencer o outro mas a revelar a verdade. Só que a fé (num Deus, numa ideia ou num partido), apenas pode justificar uma verdade pessoal fundada numa relação individual com algo que racionalmente não podemos provar perante os outros. Por este motivo, não pode servir de base a um processo de argumentação perante aqueles que não partilham dessa fé. Para um argumento ser aceitável no espaço público ele tem de ter a ambição de convencer o outro e, para isso, tem de assentar em bases racionais que possam ser partilhadas por esse outro. Os nossos argumentos podem até não vir a convencer ninguém (suspeito que isso é frequentemente o caso com os meus argumentos...) mas, para serem válidos, têm de ambicionar comunicar com os argumentos e posições dos outros.

A mesma destruição do espaço público e da possibilidade de argumentar e discutir no seu seio resulta do relativismo absoluto que, no extremo oposto, ao aceitar todas as verdades não admite outro critério que não a força para resolver os conflitos entre elas. Não vale a pena argumentar, se não podemos entender os outros nem por eles ser entendidos.

Esta crescente balcanização das ideias no espaço público tem como consequência uma alteração substancial nesse espaço público e na nossa própria auto-determinação individual. Afecta a forma como definimos as nossas preferências individuais e como as tentamos compatibilizar e prosseguir através de decisões sociais que sejam aceitáveis (ainda que não partilhadas) por todos. A ambição do debate racional de ideias é substituída por uma competição entre visões alternativas do mundo que desistiram de nos procurar convencer para se apresentarem antes como verdades reveladas. Exprime-se uma opinião para tomar partido e não para desenvolver uma ideia. As ideias não interessam, o que interessa é quantos são e quantos somos. Já não há ideias no céu e cá na terra muito menos...

Mundos Perfeitos
por Miguel Poiares Maduro