sexta-feira, dezembro 15, 2023

REVER MELANCHOLIA


REVER MELANCHOLIA
Não foi por acaso que me lembrei de Melancholia, um filme de Lars Von Trier que é, antes de mais, uma enorme provocação.
Põe-nos perante a catástrofe eminente num tempo, como é o nosso, repleto de ameaças de catástrofe global.
Podemos interrogar-nos se já estamos a viver um filme idêntico sem nos dar conta.
Todos os dias, nos jornais, espreita a possibilidade da guerra atómica, pelo carregar do botão de um Putin qualquer.
Há também a ameaça omnipresente da hecatombe climática, que nos é escancarada em intervenções cada vez mais radicais dos militantes anti-sistema.
Num outro plano sentimo-nos à mercê de uma nova pandemia descontrolada que, a qualquer momento, pode ser desencadeada pela nova promiscuidade das espécies que o aquecimento global propicia.
E como se tudo isto não bastasse ainda temos todos a nossa catástrofe pessoal do envelhecimento e do fim da vida.
Ou seja, o problema de enfrentar uma catástrofe definitiva nunca está suficientemente longe e a necessidade de o encarar é uma questão permanente, mesmo quando tentamos pô-la para trás das costas.
A catástrofe mostrada neste filme não é uma catástrofe qualquer, é a irremediável e radical aniquilação da humanidade, de todas as formas de vida e da própria Terra, provocada pelo choque iminente com outro planeta significativamente chamado Melancholia.
Na medicina arcaica o termo "melancholia" era usado para designar aquilo que hoje chamamos estados depressivos.
O motivo imediato do filme é o casamento de Justine, uma jovem bastante "melancólica", que decorre num palacete opulento erguido numa extensa propriedade rural. De crise em crise, de episódio em episódio, a depressão de Justine leva ao abortar da festa e do próprio casamento.
Os convidados, e o próprio noivo, acabam por debandar, deixando Justine na companhia da irmã, do cunhado e de um sobrinho ainda criança.
Quando a inevitabilidade da colisão dos planetas se confirma, e após o suicídio do cunhado de Justine, às duas irmãs e à criança nada mais resta do que soltar os cavalos e aguardar a chegada do planeta Melancholia que se agiganta no horizonte.
A grande originalidade do filme, e a força do seu impacto, estão no tratamento intimista que adopta contra todos os clichés das superproduções holywoodescas.
A riqueza, o marketing (Justine é figura de proa numa agência de publicidade) e a ciência (incapaz de prever a trajectória dos planetas), os grandes ídolos pagãos do nosso tempo, são reduzidos a uma escala ridícula.
A dimensão da hecatombe e a inevitabilidade do seu desfecho transformam tanto o medo como a tristeza em coisas totalmente deslocadas e quase absurdas.
As imagens iniciais do filme, uma espécie de prólogo que permite diferentes interpretações, são como que uma premonição da destruição final, mostrada com uma beleza extrema e pungente. Cavalos afundam-se no solo e pássaros caem do céu, em câmara lenta e ao som da música de Tristão e Isolda.
A experiência de ver este filme é sem dúvida inesquecível e, no limite, uma catarse de todos os medos e inseguranças. Num plano quase religioso do tipo panteísta.
Pela sua ambição e intemporalidade constitui uma obra prima.
E o planeta Melancholia pode afinal ser apenas uma criação horrenda e metafórica da depressão profunda que esmaga Justine.

segunda-feira, outubro 02, 2023

O Sol do Futuro


 



sábado, setembro 30, 2023

CADERNO REIVINDICATIVO Dos Trabalhadores do Facebook (que somos todos nós)


CADERNO REIVINDICATIVO
Dos Trabalhadores do Facebook
(que somos todos nós)
Antes de mais queremos deixar claro que, até ao momento, aqueles que se apresentam como "trabalhadores do facebook" são apenas os colegas dos Serviços de Manutenção e do Departamento Comercial.
Uma coisa é cuidar das infraestruturas e vender o produto, outra bem diferente é produzir uma mercadoria vendável.
Ora a mercadoria do Facebook são as audiências, poder garantir aos anunciantes que terão destinatários da publicidade.Somos nós, ao passar horas no Facebook, quem produz as audiências, essa mercadoria que tão bem se vende.
Mas a questão é mais vasta. Nós publicamos textos, fotografias e videos. Os nossos conteúdos, atraiem novos utilizadores da plataforma e engordam, dessa forma, as audiências que o Facebook vende por bom preço.
Reivindicamos portanto uma parte dos lucros do Facebook a calcular da seguinte forma:
1. Um euro por hora de interacção com o Facebook
2. Cinco cêntimos por cada acesso aos nossos conteúdos
3. Dez cêntimos por cada "like" nos nossos conteúdos
4. Vinte cêntimos por cada "coraçãozinho" nos nossos conteúdos
5. Trinta cêntimos por cada comentário ou "share" dos nossos "posts".
Damos um prazo de três dias para uma resposta.
Se tal não acontecer informamos que nos desligaremos e deixaremos de fazer publicações.

quarta-feira, julho 05, 2023

Viagem a Itália


  
 Viagem a Itália

Em Junho 2023 fiz a minha sétima viagem a Itália. A primeira foi em 1976, durante um mês, de automóvel. A segunda durou dois meses, em 1979, em trabalho. Seguiram-se outras visitas em 1991, 1992, 1998 e 2005.
Voltei agora por causa de uma neta, a quem queria mostrar por onde começar a folhear aquele enorme livro.

Desenrasco-me bem naquele país, e foi assim desde o primeiro dia, por ter visto muitos filmes italianos na minha juventude; o neorealismo, os grandes cómicos, e os "Antonionis" todos.

"Questa volta", pela primeira vez, parti de Portugal já com várias coisas reservadas (e em alguns casos pagas) pela internet. Aluguei carro, comprei bilhetes de combóio e de barco, reservei entradas em monumentos e, claro, reservei alojamentos.
Como já sou velho não tenho tanta paciência para aventuras e incertezas.
Há 47 anos andei por lá um mês sem saber onde dormiria na noite seguinte, sem cartões de crédito e sem telemóveis.

Resolvi entrar por Bolonha, ao centro, de onde podia dar um salto a Veneza, confortávelmente, de combóio. E depois partir de carro para sudoeste ao encontro de Florença, Pisa e Luca ou, mais para sul, Siena e San Gimignano. Em La Spezia fiz um pequeno cruzeiro para ver, pela primeira vez, o colorido das Cinque Terre debruçadas sobre o mar da Ligúria.

Já conhecia quase todos os lugares por onde passei excepto:
- La Spezia, cidade portuária no Mediterrâneo, sem comentários
- As "Cinque Terre", antigas aldeias de pescadores, agora transformadas em coqueluche turística; ruas estreitas apinhadas, praias escassas e com "areia de cascalho". Abaixo das expectativas criadas pelos folhetos turísticos. Salva-se a paisagem.
- Lucca. Esta excedeu as expectativas pela beleza das suas igrejas e pela encantadora praça oval que foi construída sobre os restos de um anfiteatro romano. É pena deixarem lá entrar camionetas de reabastecimento das lojas.

Mas também houve revelações nas cidades já conhecidas:
Bolonha 
- O museu onde podemos, através de um dispositivo de "realidade virtual", visitar a cidade no tempo do império romano, na idade média ou no século XVIII.
- A basílica de S. Stefano, um encantador complexo de sete igrejas amalgamadas, cujo perímetro foi crescendo ao longo de muitos séculos.
Siena 
- Tive finalmente a oportunidade de ver desfilar na Piazza del Campo as bandeiras das "contrade", uma espécie de confrarias dos nascidos em cada uma das 17 freguesias da cidade
San Gimignano
- Voltei a maravilhar-me com as suas torres medievais mas, desta vez, descobri os maravilhosos frescos do seu duomo. Fabuloso.
Pisa
- Subi, pela primeira vez, ao topo da famosa torre inclinada para mostrar à minha neta que ainda não estou arrumado.
Veneza
- Desta vez fui de combóio, a partir de Bolonha. Saí do combóio, atravessei uma pequena praça, tomei o vaporetto para a Piazza San Marco. Prático, e cómodo.

Em geral tive a sensação de menores multidões de turistas, talvez por ser ainda Junho.
O serviço nos restaurantes, e não só, pareceu-me descuidado e um pouco caótico.
Somos também surpreendidos por coisas um tanto arcaicas como lançar moedas numa gaveta para pagar a autoestrada. Ou então ter que indicar a matrícula do automóvel quando se tira um talão de estacionamento numa máquina de rua.

Mas a quantidade e qualidade histórica e estética é esmagadora. 
E ao charme do país é impossível resistir. 


sábado, junho 17, 2023

Impressões do Japão


Impressões do Japão
Passei dez dias no Japão em Maio 2023. O Japão nunca tinha sido uma prioridade. A China, por duas vezes, a Índia e o Vietname tinham vindo primeiro.
Os filmes clássicos, bem ou mal, tinham criado a sensação de uma sociedade demasiado codificada, marcada por uma lógica feudal que perdurou demasiado tempo.
Por outro lado é impossível não ver o Japão à luz da China, o primo muito mais velho, muito maior, de onde o Japão recebeu a escrita, a cultura do arroz, os modelos dos templos e dos trajes, e a influência religiosa budista.
Ao ler agora sobre as tentativas de invasão do Japão pelos chineses descobri finalmente a origem do termo Kamikaze, tristemente célebre durante a segunda guerra mundial, que eu só conhecia como designação dos pilotos japoneses suicidas. Quando no Séc. XIII Kublai Khan, imperador mongol da China, tentou conquistar o Japão, a sua enorme frota foi destruída por um tufão providencial a que os japoneses resolveram chamar Kamikaze (vento divino).
Também as limitações físicas me parece terem muita influência naquilo que o Japão é; a insularidade, a predominância do relevo limitativo da agricultura e da urbanização, a frequência dos sismos, dos tufões e da actividade vulcânica, tudo isso me pareceu marcar a forma de viver dos japoneses.
Na minha viagem tive permanências em três grandes cidades; Osaka, Quioto e Tóquio. Nos percursos entre elas passei por zonas “rurais”, tradicionais e turísticas, com destaque para o Monte Fuji.As cidades são muito densas e intensas; densas no construído e intensas no comércio ou, melhor dizendo, na promoção de produtos, serviços e divertimentos. Os templos e palácios antigos (as mais das vezes reconstruídos) são as bolsas de calma e de natureza.
Tal como na China vários factores limitam muito a existência de monumentos e sinais construídos do passado: a construção em madeira (que se degrada e arde), as catástrofes naturais, a guerra e os bombardeamentos. Grande parte dos magníficos templos são reconstruções do pós-guerra. Não é fácil encontrar nas cidades bairros que sejam o equivalente de Alfama ou mesmo do Bairro Alto. Quem vai de uma cidade como Lisboa sente a falta de "pedras velhas" na malha das cidades, de vestígios de vidas antigas de centenas de anos.
Em contrapartida não são visíveis nas grandes cidades os habituais “sem-abrigo”.
Toda a gente parece deslocar-se com um propósito; vêm-se muitos estudantes fardados e os adultos que aparentemente se dirigem para o trabalho também trajam de forma bastante padronizada.Os transportes são excelentes e não se vêem trotinettes ou coisas desse género (as bicicletas não abundam). São muito comuns os pisos com guias para os cegos. Não vi engarrafamentos.
Andei no “comboio bala” que, tal como tudo o resto, obedece a um rigoroso horário. As grandes estações ferroviárias centrais fazem corar de vergonha o nosso pobre aeroporto.
O Metro em Tóquio,por exemplo, tem uma cobertura excelente da imensa cidade e os comboios sucedem-se a intervalos muito curtos. Também fui empurrado para dentro de uma carruagem apinhada mas tal só acontece, julgo, em algumas estações centrais nas horas de ponta.
Para além do Metro também existe em Tóquio um comboio circular de superfície, que nos permite ao fim de uma hora regressar ao ponto de partida.Conjugando um passe diário de Metro e outro do comboio circular, que no conjunto me custaram menos de dez euros, visitei inúmeros locais saltando de uma rede para a outra ao sabor das minhas necessidades.
Algumas coisas que me perturbaram no Japão:
- A inacreditável televisão, com publicidade por baixo, ao lado e por cima dos conteúdos. E vi também uma "pimbalhada" ridícula, mesmo não percebendo a língua.
- Sermos perseguidos por "vozinhas" nos elevadores, carruagens, escadas rolantes, etc ainda por cima sem as percebermos
- Ter a sensação de que o pequeno comércio de rua já é quase só "lojas de conveniência" e incontáveis "máquinas de vending"
- Ver na rua mais pares de jovens raparigas do que pares de namorados
- Ter comido um pequeno almoço igual nos seis hotéis, de cidades diferentes, por onde passei
- Encontrar por todo o lado a "bonecada" da BD e dos filmes de animação. Desde a publicidade gigantesca até às miniaturas penduradas das mochilas (mesmo em adultos). Posso estar, por ignorância, a cometer uma grande injustiça mas fiquei convencido de uma certa infantilização e escapismo.
- Ter dificuldade em contactar os japoneses, e perceber melhor o que pensam e sentem, por haver muito poucos a falar um inglês que permita uma conversa.
O que mais gostei:
- Comer sushi rodeado de japoneses
- As paisagens do Monte Fuji
- O antigo mercado do peixe Tsukiji, transformado em zona de restaurantes de peixe e mariscos
- Que as moças aluguem fatos tradicionais para envergar durante a visita aos monumentos
- A rua Takeshita, em Tóquio, pelo seu ar e trajar caótico.
- Alguma arquitectura moderna ainda que não seja comparável com a China
- O bairro Dotombori, em Osaka, onde se pode comer petiscos na rua durante os passeios nocturnos, iluminados a neon
- Os maravilhosos jardins dos templos e palácios
- A velhotas, muito velhinhas, muito pequeninas, muito magrinhas mas com o ar de formigas imparáveis.
- A incrível boa vontade dos japoneses para nos ajudarem mesmo quando não percebem uma palavra do que dizemos

quarta-feira, abril 19, 2023

Imperdoável !!!


 

segunda-feira, abril 17, 2023

Boa! Ventura.


 

quinta-feira, março 16, 2023

Era o que nos faltava


 

domingo, março 12, 2023

O ovo da serpente


 

terça-feira, janeiro 31, 2023

Eutanásia


 

Vão continuar a encontrar ambiguidades nas definições abstractas. Mas é tão simples perguntar a quem sofre se o seu sofrimento é ou não insuportável

terça-feira, janeiro 10, 2023

A última vez que fomos felizes


 

A última vez que fomos felizes
O futuro parecia radioso na segunda metade dos anos 90.
Ainda me lembro da sensação de progresso e da reconfortante (aparente) ausência de ameaças.
Cavaco fora substituído por Guterres, com o seu discurso doce e cheio de bondade ecuménica.
Em 1996 Soares deu lugar a Sampaio na Presidência, também ele um perfil humanista e brando.
A Guerra Fria e o terror atómico eram uma coisa do passado.
Não havia guerra na Europa, nem pandemias.
A ameaça climática global era um assunto remoto.
Lisboa Capital da Cultura, em 1994, trouxera-nos uma aura cosmopolita que seria confirmada, em 1998, com a grande Expo Mundial.
E no mesmo ano Saramago recebeu o prémio Nobel, fazendo vibrar o nacionalismo cultural.
A economia cresceu entre 1995 e 2000 a um ritmo que nunca mais aconteceu até aos dias de hoje.
A Dívida Pública ainda não era um problema.
Estávamos todos galvanizados com a ideia de vir a usar a mesma moeda que os países da Europa desenvolvida.
É difícil de explicar aos mais jovens a bonomia daqueles tempos.
Com a viragem do século tudo mudou.
Tivemos a debandada de Guterres e de Durão Barroso.
Vieram as trapalhadas do Santana como prólogo ao pesadelo Sócrates.
Em 2004 a Dívida Pública já era o dobro da de 1995.
Talvez por obra da Expo, da Ponte Vasco da Gama e dos estádios do Euro 2004 (que nem sequer ganhámos).
Em suma, fomos imprudentes e desleixados.
Levados por discursos piedosos e irrealistas dos governantes, gastando demais, inebriados por ilusões de progresso sem alicerces nem sustentabilidade.
Esta parábola parece-me adequada ao início de um novo ano.
Talvez faça pensar.

domingo, janeiro 01, 2023

01.01.2023