sábado, dezembro 31, 2005
sexta-feira, dezembro 30, 2005
Leis que existem para ser ignoradas
Pode parecer irrelevante mas não é.
É um sintoma, mais um, dos males profundos que afectam a cultura política em Portugal.
O Decreto-Lei 319-A/76, de 3 de Maio, é suposto regular as eleições para a Presidência da República e, em concreto, a campanha eleitoral.
Diz, por exemplo, que a campanha eleitoral se inicia no 14º dia anterior às eleições e termina à 24 horas da véspera (artº44).
Diz, por exemplo, que aos candidatos devem ser dadas oportunidades idênticas (artº 46).
Diz, por exemplo, que as entidades públicas devem garantir a neutralidade (artº 47).
Ora pode dizer-se que esta é mais uma lei que existe para ser ignorada o que é muito estranho visto estar em causa a eleição do Orgão que, supostamente, deveria ser o garante supremo do cumprimento da Constituição.
Desde que, em 31 de Agosto 2005, Mário Soares divulgou no Hotel Altis a sua "Declaração de Candidatura" entrou-se numa intensa campanha eleitoral "de facto" que parece estar agora a terminar quando, por lei, se estar devia iniciar.
Mesmo entidades públicas, como a RTP, não hesitaram em promover debates entre os candidados apesar de não se saber ainda quantos e quais seriam validados pela Comissão Nacional de Eleições, o que não garante de forma alguma a igualdade de oportunidades.
Este desleixo das instituições e impunidade dos prevaricadores são um lamentável exemplo do incumprimento das leis.
Para além disso mostram como a classe política parece convencida de que o povo não tem mais nada para fazer do que ouvir os seus brilhantes discursos.
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quarta-feira, dezembro 28, 2005
Os poderes constitucionais do Presidente
A esquerda parece não perceber que está a fazer o jogo do Cavaco quando se atira como “gato a bofe” à proposta de um Secretário de Estado para lidar com as empresas potencialmente “deslocalizáveis”.
A generalidade dos votantes desconhece, ou não quer mesmo saber, quais são os poderes formalmente estabelecidos para o Presidente. A generalidade dos votantes, a um Presidente muito cumpridor das regras, prefere um Presidente que contribua para resolver os problemas.
As acusações feitas a Cavaco acabam por apresentá-lo como o único que tem essa intenção e provocam na maioria dos votantes uma reacção do tipo:
"Está o Cavaco a tentar propor algo concreto para resolver o problema da deslocalização e do consequente desemprego e vêm estes tipos, só para o entalar, com a tal macacada dos poderes constitucionais".
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segunda-feira, dezembro 26, 2005
Mais uma crónica de Natal…
Mais uma crónica de Natal…
por Miguel Poiares Maduro
Hoje é dia de natal, o que exige uma crónica de Natal. Mas como escrever mais uma crónica de Natal sem repetir as banalidades do Natal? É possível dizer algo mais sobre o Natal? Dúvido. E o que é que se pode dizer contra o Natal? Nada. Tudo o que escrever será consensual. O Natal é uma ditadura da bondade. Alegremente aceite por todos e que ninguém gosta de contestar.
Claro que há os cínicos de Natal. Os Grinches que, como o personagem de cinema, se divertem a desmistificar o Natal, gritando contra o consumismo e a falsa solidariedade. Para eles, o Natal foi capturado pelo consumo e apenas serve para fazer negócio e lavar as consciências. Seria uma espécie de eleições em que todos somos candidatos. Passamos uma semana a fazer promessas e o resto do ano a encontrar justificações para não cumprir as mesmas (as circunstâncias mudaram...) Não é, no entanto, que se critique o Natal, o que se critica é aquilo em que o Natal se tornou: o nosso Natal já não seria fiel ao espírito de Natal.
Mas nenhum destes discursos de Natal permite fugir ao terror do Natal: a banalização. No fundo, o fabuloso do Natal é também o seu problema. A comunhão de certos valores está associada à banalização das palavras que os exprimem: paz, fraternidade, amor, solidariedade, são palavras inflacionadas nesta altura do ano. Todos as usam mas com isso também as fazem perder valor. Mas a banalização estende-se aos gestos: os sms enviados em cadeia por programas de computador ou os cartões assinados mecanicamente e distribuídos pelas listas de contactos das empresas. E também às imagens e à música (a música é a mesma em qualquer loja ou centro comercial: seja ela apresentada na versão electrónica mais comum, na versão, "nos gostamos das criancinhas", Coro de Santo Amaro de Oeiras ou na versão, "nos somos intelectuais", à la Diana Krall). Hoje, com a ajuda das lojas chinesas, até os presentes se banalizaram. Todos merecem presentes, mesmo aqueles que mal conhecemos. Por um lado, isso até promove um dos valores do Natal: olharmos para além de nós e dos nossos. Mas ao dar-mos a todos também deixamos de distinguir uns dos outros e com isso perde-se a mensagem particular que queríamos dar a alguém: a de que é ou são especiais para nós.
Muitos temem que o espírito de Natal não sobreviva à banalização do Natal. O paradoxo é que a banalização do Natal também serve para manter o espírito de Natal. Até a explosão consumista promove a solidariedade e a fraternidade no Natal. Muitos economistas realçam o impacto positivo do aumento do consumo nesta altura do ano (aproximadamente um quinto do consumo anual concentra-se no Natal), aumentando o investimento e fazendo crescer o emprego. Eis um belo presente de Natal para a economia portuguesa. É verdade, no entanto que se trata de um crescimento largamente artificial e puramente sazonal. Sobretudo, um grupo de economistas dedicou-se a estudar o desperdício de eficiência inerente aos presentes de Natal. A tese é simples: na maior parte dos casos as pessoas não estariam dispostas a pagar para ter o presente que lhes é oferecido ao preço pelo qual foi comprado, logo há uma perda de eficiência pois esse dinheiro poderia ser utilizado com mais utilidade para as pessoas noutras coisas (pagamos mais do que o valor que aquele bem realmente tem). Se seguíssemos à letra esta tese o melhor seria passarmos todos a oferecer cheques de presente… Só que estes economistas esquecem o valor sentimental dos presentes. É óbvio que nunca receberam presentes meus! (tenho a certeza que há inúmeras pessoas que estariam dispostas a pagar mais do que eu paguei pelos presentes que ofereço…).
Seja como for, e por muito anti-intuitivo que pareça, consumir é sempre um instrumento de solidariedade e ainda mais se for para distribuir pelos outros. O que nos irrita é a percepção que ao usarmos e abusarmos do Natal desvalorizamos a sua importância: aquilo que se vulgariza deixa de parecer tão especial. É como um cliché: se algo se tornou um cliché é devido a ser uma verdade reconhecida e partilhada por todos mas repeti-lo parece deixar de ser importante e tornar-se apenas ridículo. O fantástico do Natal reside precisamente nesta capacidade de resistir aos clichés e à sua banalização. Por vezes, há uma linha muito ténue entre o ridículo e o sublime. Porque é que o kitch deixa de ser kitch e passa a ser arte quando falamos do barroco ou do design contemporâneo do Philippe Starck? Ou, ao contrário, como é que o retrato da Mona Lisa passa de belo a ridículo quando compramos uma cópia perfeita em vez do original? E o que distingue as mesmas palavras empregues de forma diferente num soneto de amor de Shakespeare ou numa canção do Tony Carreira? Só tenho uma resposta: a capacidade de suspender a realidade e os nossos preconceitos, deixando-nos ser dominados pela arte e não fazer um juízo sobre ela. No Natal não deixamos de discordar, ser diferentes ou ter gostos opostos. O que acontece é que no Natal todos aceitamos suspender a nossa realidade por um momento e com ela os nossos preconceitos e juízos críticos. Aceitamos e promovemos o inverosímil. Partilhamos uma mesma emoção que transforma em sublime o que de outra forma seria ridículo. Neste contexto, e enquanto recordarmos isto, o banal não deixa de ser especial: feliz natal!
Mais uma crónica de Natal…
por Miguel Poiares Maduro
sexta-feira, dezembro 23, 2005
quinta-feira, dezembro 22, 2005
Borafone ??
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terça-feira, dezembro 20, 2005
SEM MEDO
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sábado, dezembro 17, 2005
O sucessor do malabarista
O debate entre Soares e Louçã na SIC constituiu um acontecimento notável.
Não por aquilo que foi dito mas pela maneira como foi dito, pelo puro gozo do jogo da retórica, pelo triunfo absoluto da forma sobre o conteúdo.
Durante os outros debates televisivos fui anotando os temas abordados e acabei com uma folha bem preenchida, desta vez a folha está quase vazia.
Ao fim de um minuto eu tinha percebido que os temas eram irrelevantes constituindo apenas as raquetes com que cada um dos jogadores devolvia a bola para o campo do adversário.
Estou certo de que poucos recordarão sobre que falaram quer o malabarista velho quer o malabarista novo.
Um e o outro podem defender qualquer argumento, ou o seu contrário, o que aliás têm feito perante o atordoamento dos seus anteriores oponentes.
O deleite dos espectadores era o mesmo que sentiam os malabaristas que acompanhavam com visível gáudio a preparação de cada golpe pelo adversário.
Soares assistiu embevecido à maestria com que Louçã lhe explicou, a ele, o primado da indiscutível liberdade democrática.
Estava com cara de quem pensa: “Temos homem, agora sim, em Janeiro já posso retirar-me”.
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quinta-feira, dezembro 15, 2005
Teimosias na TV
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quarta-feira, dezembro 14, 2005
O Dilema do Bolo
O debate entre Cavaco e Jerónimo teve aspectos curiosos, quase arriscaria que os contendores nutrem simpatia mútua. Talvez seja por partilharem um sentimento de "não fazerem parte do baralho", ou pela sua modesta origem ou por ambos não serem muito dotados para a esgrima da retórica.
Cavaco apareceu descontraído como eu nunca o vira e nem se ofendeu quando Jerónimo, embora de forma indirecta, lhe chamou mentiroso. Com sinceridade ou sem ela deu-se ao luxo de esvaziar alguns dos "papões" associados à sua figura (caso das privatizações) e, para meu espanto, chegou quase a ser simpático.
Este debate, ao contrário de outros, falou do mundo real da produção e dos trabalhadores deixando em segundo plano as questões que afligem os burocratas e as corporações.
O que se destaca de tudo o que foi dito e que resume a diferença entre Cavaco e Jerónimo é o dilema do bolo, ou seja, se o problema é o bolo ser muito pequeno ou se o problema é o bolo estar mal dividido.
Apesar de todos sabermos que ambos têm razão pois o bolo não só está mal repartido como, ainda por cima, é bastante pequeno a verdade é que esta formulação, de resto habitual, acaba por favorecer Cavaco.
Os candidatos da esquerda aparecem sistematicamente como alguém que só pensa em comer um bolo que o Cavaco tanto se preocupa em fazer crescer.
Este acesso de gula deriva de pensarem, erradamente, que só ganham muitos votos dando coisas às pessoas já. Como as seitas religiosas têm mostrado pode ser muito mais intenso o efeito das promessas de mundos maravilhosos mesmo que num futuro incerto.
A esquerda só terá verdadeiro sucesso quando convencer o povo de que a sua luta pela justiça na distribuição não só não põe em causa o desenvolvimento económico como é a única forma de o crescimento dar um salto qualitativo.
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segunda-feira, dezembro 12, 2005
O regular funcionamento das Revoluções
Estes debates entre candidatos de partidos que nunca tiveram responsabilidades governamentais e/ou candidatos que se apresentam à margem dos partidos têm um carácter singular: são uma espécie de lamentação pública, uma queixa feita ao povo pelos candidatos por o país estar como está, a europa ser como é e o mundo insistir em ser caótico.
A enumeração e descrição dos múltiplos problemas que afectam a humanidade funciona como uma insinuação de que o discursante tem alguma ideia luminosa para os resolver, mas essa tal ideia (ou alternativa, como se diz) nunca chega a aparecer. É verdade que o Sócrates conseguiu assim uma maioria absoluta mas, no caso dele, havia um adversário chamado Santana Lopes.
Durante uma hora inteira o debate conseguiu evitar falar da actividade económica concreta, das empresas e da organização da produção, dos trabalhadores, das relações de produção e da concorrência internacional. Fez como se isso, que é o mais importante, não existisse. Como se o emprego, considerado pelos candidatos o maior problema do país, fosse apenas uma questão que alguns burocratas iluminados tivessem que resolver.
Mais uma vez os únicos trabalhadores mencionados foram os funcionários públicos e, nomeadamente, os professores. Já Jerónimo tinha feito outro tanto com os militares e os juízes.
Num passe de mágica a economia real desaparece e desaparecem os empresários e as relações capitalistas da produção para nos falarem de um mundo em que só existem funcionários, deputados, orçamento de estado, leis etc.
O pior é que toda essa máquina da burocracia, e também os candidatos à presidência, estão à espera que os tais empresários exploradores, omitidos no discurso, criem riqueza para o sistema continuar a funcionar (mesmo que mal).
Esta esquerda não lhe passa pela cabeça que lhe compete, preciamente a ela, inventar uma nova maneira de funcionar em sociedade. Uma forma qualquer de superar os tais problemas que tanto a afligem (os lucros exorbitantes das empresas, a constituição neo-liberal da europa, o desemprego, o diabo a quatro).
Esta esquerda como não faz o trabalho que lhe compete vinga-se por vezes em bravatas caricatas como aquela do Louçã que quer demitir o Alberto João Jardim (e depois ficar com cara de parvo quando ele regressar com maioria absoluta).
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sábado, dezembro 10, 2005
Campanhas Presidoxais
A sensação de que algo não está certo, de que um equívoco qualquer afecta as “campanhas presidenciais” a que estamos assistir deve-se, quanto a mim, ao facto de todas elas terem o seu quê de paradoxais.
Cavaco
Quer capitalizar o generalizado anseio de mudança e a desconfiança popular relativamente aos políticos e aos partidos. Essa linha, que promete bons resultados, é contrariada pela sua atitude cordata em relação ao governo de Sócrates e às repetidas garantias de respeito pelos actuais poderes constitucionais.
Não parece fácil contentar ao mesmo tempo os que desejam que o presidente deixe de ser uma figura decorativa e aqueles que receiam um presidente “sidonista”.
Soares
Baseia quase tudo na exploração do “perigo Cavaco”, para a arraia miúda, enquanto tenta capitalizar a alergia “classista” dos sectores mais cosmopolitas relativamente ao seu adversário. Mas as “deficiências culturais” de Cavaco e a sua condição de classe só podem favorecê-lo junto da arraia miúda.
Por outro lado, para ilustrar o “perigo” Cavaco, diaboliza a acção deste como primeiro-ministro. Ora como Soares era o Presidente no tempo dos governos de Cavaco resulta que as "maldades" de Cavaco acabam por ser uma demonstração da inutilidade de Soares na ocupação de tal cargo.
Soares também pretende apresentar-se como alguém capaz de “unir os portugueses” mas tal é contraditório com a incapacidade para evitar a candidatura de Alegre e a proliferação à esquerda.
Alegre
Tenta mostrar-se como um combatente corajoso, movido por ideais e valores, que não precisa dos aparelhos e compromissos partidários. No entanto deixou prolongar a controvérsia pública que torna patente que esta situação não foi desejada. Não consegue esconder que a “traição” do seu partido, que fingira apoiá-lo por omissão, é algo que não perdoa e deixa campo à suspeita de ser essa a sua principal motivação ao concorrer.
Jerónimo e Louça
Toda a gente sabe ao que vão; desancar as políticas de Sócrates para tirar dividendos partidários. Esse objectivo é porém desacreditado se forem forçados a recomendar o voto no candidato de Sócrates numa eventual segunda volta, ou se forem acusados de ter facilitado uma vitória de Cavaco na primeira volta.
A grande dúvida que persiste é a de saber se o povo votante dá muita ou pouca importância às frenéticas movimentações da campanha.
Perante os paradoxos referidos pode acontecer que o povo resolva ignorar as campanhas e basear a sua decisão no muito que sabe sobre os candidatos.
Pelo menos os mais velhos tiveram a oportunidade de observar in loco um Cavaco primeiro-ministro, e um Soares presidente, durante dez anos a fio.
Afinal não é todos os dias que os votantes podem beneficiar daquilo que os americanos chamam “try and buy”, ou seja, experimente antes de usar.
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quarta-feira, dezembro 07, 2005
100 ANOS DEPOIS
Grande parte da intelectualidade portuguesa converteu-se na aristocracia do latifúndio chamado Estado; vive dos pergaminhos e não produz nada de que o povo possa viver.
Não é exemplo nem utopia. Não se interroga e não se questiona.
O povo, que considera relapso e contumaz, é apenas um pretexto e um ornamento.
Abomina empresários e mercadores, que finge desprezar, mas é deles que reclama a prosperidade da nação, o conforto do mecenato e o emprego para os filhos.
segunda-feira, dezembro 05, 2005
A vida em Google
A vida em Google
por Miguel Poiares Maduro
E se de repente alguém o googalizasse? Quem encontraria? Quem seria você para o mundo. Googalizar está na voga e significa procurar no Google (o mais conhecido motor de busca na Internet) informação sobre alguém ou alguma coisa. Antes falava-se com os tios, os primos e os amigos para descobrir se uma certa pessoa era de confiança. Hoje confia-se no Google. O nosso mundo pessoal está mais próximo do tamanho do mundo e o Google é a forma de conhecer esse mundo.
A vida está hoje na Internet. A nossa profissão revelada no site da empresa, um artigo num jornal, a participação numa conferência, alguém que fala de nós num blogue ou site de discussão, o nome que escrevemos num abaixo-assinado. Não interessa se mudámos de ideia ou de profissão, se o que dizem de nós é falso ou verdadeiro ou até se se trata de um homónimo nosso. Com o Google, isso é o que nós somos para o mundo. Talvez antes isto do que ser "Google-excluído", a nova forma de morte. Uma amiga dizia-me, recentemente, que temia tentar contactar os pais de uma amiga a quem tinha perdido o rasto porque, não conseguindo encontrar uma única referência no Google, a presumia morta.
O Google é também o local onde hoje se encontra tudo namorada, onde passar a lua-de-mel, como arranjar amante ou descobrir o amante dela e onde comprar Prozac ou Viagra (dependendo da forma como decidir lidar com o anterior). É, igualmente, a medida do que é importante. O número de sites diz-nos da importância de um tema e o número de pesquisas do quanto algo ou alguém são procurados.
Mas como define o Google o que é importante sobre nós e sobre o mundo? Ao contrário das formas tradicionais de informação, como a comunicação social, a política ou a publicidade, o Google não edita a informação. Por outras palavras, não faz juízos valorativos para seleccionar o que é mais ou menos importante. Neste sentido, o Google procura evitar a manipulação e apresenta-se como mais democrático e seguramente pós-moderno. Tal como a Wikipedia (uma enciclopédia online, cujas entradas podem ser alteradas por qualquer de nós), o Google deixa a selecção da informação a um processo livre e quase anárquico. No entanto, como os sites são frequentemente milhões e o Google não os pode mostrar todos ao mesmo tempo, adoptou dois critérios "neutrais" para hierarquizar os resultados das pesquisas.
O primeiro critério é a autodefinição. Para o Google, um site é simplesmente o que diz que é. Os autores dos sites identificam-nos com palavras-chave que permitem ao Google relacioná-los mais facilmente com certos temas e buscas com eles relacionadas. Isto permite que eu crie um site sobre mim e o indexe a palavras como belo, inteligente e sedutor. Alguém que faça uma busca sobre estes temas terá assim mais probabilidade de encontrar o meu site... Infelizmente, por vezes, as pessoas são conduzidas para sites que, ao contrário do exemplo anterior (!), podem não corresponder ao desejado para o Google, Deus é uma banda musical belga que dará um concerto na Aula Magna em Dezembro...
O segundo critério é puramente quantitativo a importância de um site é medida pelo número de "visitas" (hits) que ele recebe. Quanto mais consultado for um site, maior a prioridade que ele obtém nos resultados do Google. Isto criou uma indústria dedicada exclusivamente a consultas artificiais para aumentar a visibilidade de um site.
Estes critérios do Google preferem o extraordinário à normalidade, não distinguem muito o antigo do novo e são "despersonalizados" (não são determinados pelas nossas preferências mas sim pelas preferências maioritárias entre os outros). Em consequência, produzem resultados interessantes e por vezes divertidos. Se fizerem uma busca da palavra Portugal, o Google envia-os para o portal do Sapo. Não sei se é uma metáfora do estado do país (somos um sapo que espera a princesa encantada?) ou da importância da PT na economia nacional.
Mais divertido ainda é conhecer o mundo através do Google, com base nos números de sites referentes a certos temas e nas pesquisas que são feitas. De acordo com o Google, actualmente, procura-se mais o divórcio (3 milhões de sites) que o casamento (2 milhões) e os filhos gostam mais das mães (7 milhões) que dos pais (2,5 milhões). O Benfica pode ter 6 milhões de adeptos, mas para o Google é bem menos importante que o Sporting e o Porto (este último é o claro vencedor, com referên- cias em mais de 600 mil sites). E, claro, há 14 milhões de sites com a palavra amor e pouco mais de 8 milhões com a palavra sexo. Só que, quando o critério muda para o número de pesquisas, se fazem mais relacionadas com o sexo. Conclusão as pessoas falam de amor mas procuram é o sexo. Para o Google há também mais de um milhão de homens apaixonados, mas apenas pouco mais de 500 mil mulheres: devem existir muitos homens infelizes... ou então são os homens que, afinal, são mais abertos na expressão das suas emoções!
Para minha enorme desilusão, as mulheres mais "pesquisadas" no Google são Paris Hilton e Britney Spears. Como não as acho belas, só pode ser pela sua inteligência, que desconheço. Entre os homens, a minha desilusão foi ainda maior para além de não me encontrar entre os eleitos, descobri que as mulheres têm preferência por homens com nomes como "50 cent" e "Bob Esponja". Mas as estatísticas das pesquisas mais comuns permitem também caracterizar certos países: no Reino Unido estão obcecados com dietas e em encontrar amigos e namorados ou namoradas perdidos (será que perdem os amigos pela mesma razão por que têm de fazer dieta?); os franceses gostam é de viajar e de top models (não consegui apurar se viajam com as top models); já o passatempo dos russos parece ser agora a decoração de interiores, enquanto os chineses parecem preferir ficar em casa a ver televisão.
Eis aquilo a que o mundo atribui mais importância de acordo com o Google. Existirá mundo para além do Google? Vale a pena pesquisar.
A vida em Google
por Miguel Poiares Maduro
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sábado, dezembro 03, 2005
Batraquius Cavaquensis
Uma espécie de “sapo-laranja”, nunca antes referenciada, foi descoberta recentemente por um grupo de de peregrinos, oriundos de Santana, que se deslocavam a Belém em cumprimento de uma promessa. O animal foi entretanto classificado como “Batraquius Cavaquensis”.
Apesar de todos os cuidados postos na manipulação do sapo não foi possível evitar os casos agudos de urticária que afectaram até, como tem sido amplamente noticiado, o ex-ministro da defesa Dr. Paulo Portas.
Ao contrário dos sapos comuns, que afectam apenas os canhotos, este parece atacar “a torto e a direita”.
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quinta-feira, dezembro 01, 2005
OUTDOOR cheio de saúde
Estamos em condições de revelar o novo "outdoor" de campanha com que Soares tenta fazer valer, por comparação com os outros candidatos, o seu invejável estado de saúde.
Sujeito aos mais rigorosos testes auditivos concluiu-se que, fosse quem fosse o interlocutor, os sons entravam e saíam livremente sem encontrar qualquer vestígio de esclerose ou obstrução.
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