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"Não vale a pena criticar Bush. Tornou-se um lugar-comum. Mas vale a pena insistir: o neoliberalismo, como ideologia e modelo da chamada "democracia liberal", esgotou-se. Está a conduzir o Ocidente - e talvez o mundo - a uma crise do capitalismo pior do que a de 1929.Vale a pena, porque muitos políticos, intelectuais e economistas, embora reconheçam a crise, que aí está a instalar-se, ainda pensam poder resolvê-la sem abandonar o modelo neoliberal, que afirma o primado do mercado sobre tudo o resto. O que representa uma contradição insanável. Porque foi este modelo economicista, anti-social e anti-ambiental, que nos conduziu aonde estamos.O Courrier Internacional, no número que chegou a Lisboa sábado passado, anuncia em grandes letras na primeira página: "O regresso de Marx." E, em subtítulo, escreve: "Como o século XXI repõe na actualidade o pensador do capitalismo." Com efeito, 2008 celebra o 190.º aniversário de Karl Marx e os 160 anos da publicação do Manifesto Comunista.Depois do colapso do comunismo, em 1989-91, parecia que o mercado seria o centro do mundo e a sua bússola. Chegou a confundir-se mercado e democracia. Contudo, o capitalismo financeiro, especulativo e dito de casino, do séc. XXI, e o descalabro a que está a conduzir o Ocidente - e as desigualdades e exclusões sociais que provoca - suscitam uma nova reflexão sobre a obra de Marx, a que, aliás, o politicólogo francês Jacques Attali procedeu há três anos num livro intitulado Karl Marx ou l'esprit du Monde, 2005, e a que os alteromundialistas, à falta de melhor, hoje se agarram...Seja, porém, como for - e o futuro próximo o dirá - à "democracia liberal" terá de suceder a democracia social e ambiental, com uma grande preocupação distributiva e socialmente inclusiva. Se quisermos evitar revoltas graves e violentas, senão revoluções... Um caminho que passa pelo regresso em força aos valores éticos, ao respeito pelos Direitos Humanos, pela Lei, pelo Direito Internacional, pelo diálogo multicultural e inter-religioso, pelo respeito pelo outro e pelo direito à diferença, pela solidariedade e, sobretudo, pela paz.Porque não é o mercado - não obstante a sua importância para assegurar a liberdade individual - nem, muito menos, a economia que conduzem o mundo. São as ideias. " DN, 22.07.2008
Para Soares não são os mercados, nem a economia, que conduzem o mundo mas sim uma ideia qualquer que lhe passa pela cabeça, uma veia teórica "especulativa e dita de casino".
Marx detestaria certamente Mário Soares quando lhe ouvisse uma frase como "à democracia liberal terá de suceder a democracia social e ambiental, com uma grande preocupação distributiva e socialmente inclusiva"; é difícil escrever algo mais distante do rigor de Marx mas apesar disso, a despropósito, Soares usa na sua dissertação o nome desse grande pensador que até já nem pode protestar.
Uma esquerda que ainda não saiba, 160 anos depois, qual o Marx que deve aplicar ao mundo de hoje e que precise da "orientação" de um teórico da craveira de Soares estará realmente a bater no fundo.