terça-feira, junho 09, 2009

Por pau de canela e Marzagão

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Porta do Mar, em Marzagão. Fotografada por mim em 1983

Considero excepcional o conjunto de construções e de palavras que os portugueses deixaram pelo mundo desde o Século XV.

Não me parece que o concurso para escolher as "sete maiores maravilhas" tenha grande interesse a não ser como forma de trazer este património para primeiro plano. Também acho deplorável, se não mesmo ridícula, uma petição que tenta misturar com o dito concurso uma espécie de "disclaimer" de arrependimento colectivo, sem perceber que esse tipo de questões se situa num nível diferente.

Quando vejo um forte construído a milhares de quilómetros da costa brasileira em plena amazónia, ou uma velha angolana numa igreja barroca de Luanda, ou um senhor Silva em Baçaim que já nem fala português, ou as ruínas de S. Paulo resistindo aos casinos de Macau, ou umas telhas portuguesas no Uruguai, ou a rua da Carreira em Marzagão, ou os dois fortes empoleirados em Mascate, sinto uma grande emoção. E podem crer que não sou dado ao patrioteirismo.

É preciso ser tosco para não entrever uma gigantesca epopeia em tudo isto, para não ouvir os gritos de alegria e de dor que ecoram por todos os continentes como os grandes poetas (e músicos como Fausto e Vitorino) tão bem explicaram, para não perceber o elevadíssimo sentido humano e humanista dessa enorme aventura de cuja memória nunca cuidámos suficientemente e de que, alguns, parecem preferir envergonhar-se.

A esta escala não há, tanto quanto sei, nada que se compare. .

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4 comentários:

JOSÉ MANUEL CORREIA disse...

Também me parece que não houve por esse mundo saga igual à dos portugueses.

É estranho que quem se emociona com o internacionalismo não se emocione com aquele internacionalismo. Num, o proletário, só vê heroísmo; no outro, o burguês, só vê malfeitorias.

Ridículo é mesmo pretender apreciar o presente com os olhos postos no passado, e pretender julgar o passar com as razões do presente.

Corso, pilhagem e escravatura, tudo malfeitorias, ainda que práticas comuns a todos os povos e tão antigas quanto as técnicas que as permitiam.

Mas, é claro, esclavagistas foram os brancos intermediários na venda e compradores de escravos, não os pretos que cativavam outros pretos e os vendiam.

Comércio internacional? Que era mais do que pilhagem? É o que se ouve. Que tenha sido forma de melhorar a vida de todos os intervenientes, é calado.

Epopeia heróica a descoberta de novas rotas para chegar às especiarias cujas rotas terrestres estavam já ocupadas? Eh! é só reveladora da ganância da burguesia nascente.

Mal vamos quando tão bem sabemos cantar as nossas desgraças presentes e maldizer das nossas (pequenas) glórias passadas, apesar de saldadas por falhanços.

Parece que é o nosso fado não nos sabermos apreciar. E não nos sabendo apreciar, não iremos a lado algum. Como não fomos no passado, apesar das marcas que por tanto lado deixámos.

JMC.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

O que estava em causa na petição era que nas notas que acompanhavam os monumentos, no seu mostruário na net, em relação a algumas das construções, não havia qualquer referência a serem estruturas que serviam para o comércio negreiro. Ou seja, pura e simplesmente omitia-se a verdade histórica em relação ao dito monumento.
Já se sabe que se pode fazer todo o discurso patrioteiro e ideologicamente conotado, não se pode é fugir à verdade dos factos para ficarmos bem na fotografia.
Por outro lado, como eu assinalei num post que fiz sobre o assunto, a Sandra Felgueiras nas reportagens que fez da Índia só faltava acusar o Vassalo e Silva de traição. Sobre isto ninguém disse nada, muito menos os nossos patrioteiros.

F. Penim Redondo disse...

Caro Jorge,

para ficarmos impressionados com a destreza náutica e os feitos de Francis Drake não precisamos de saber se ele tinha modos de pirata e se os interesses que ele cuidava eram ou não justos.

É bastante redutor ver toda a história, e todas as criações humanas, apenas pelo filtro das relações de classe e das relações desiguais entre os povos.
Como dizia o outro "há mais vida para além do défice"...

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Lamento mas considero que não estás a ver bem o problema. Constrói-se um forte que serve de apoio ao tráfego negreiro. A sua finalidade era essa. Mas como não fica bem dizer que existia tráfego de negros. Omite-se isso na história do forte que foi a razão principal para a sua construção. Isto não tem nada a ver com a luta de classes, nem fazer uma análise histórica baseada nessa perspectiva. É simplesmente contar a história de uma fortaleza cuja finalidade foi essa. Parece-me simples e elementar e só não vê quem gosta de pôr baias para não ver a realidade.