quinta-feira, abril 28, 2005

7000 Anos de Arte Persa





Espantosa exposição, na Gulbenkian, que salta por cima do anedotário da política internacional e da visão estreita sobre o fundamentalismo islãmico para percebermos a perturbante sedimentação das culturas.


(Quem não tiver possibilidade de ver ao vivo pode ver on-line clicando na imagem acima)

quarta-feira, abril 27, 2005

Notícias do choque tecnológico






CONVERSA CAPTADA EM ESCUTA TELEFÓNICA PELA PGR:

- Prof. Mariano Gago? É o Zé Sócrates. Oh, pá, ajuda-me aqui. Comprei um computador, mas não consigo entrar na Internet! Estará fechada?

- Desculpa?....

- Aquilo fecha a que horas?

- Zé, meteste a password?

- Sim! Quer dizer, copiei a do Freitas.

- E não entra?

- Não, pá!

- Hmmm....deixa-me ver... qual é a password dele?

- Cinco estrelinhas...

- Oh, Zé!...Pooooooo....Bom, deixa lá agora isso, depois eu explico-te. E o resto, funciona?

- Também não consigo imprimir, pá! O computador diz: "Cannot find printer"! Não percebo, pá, já levantei a impressora, pu-la mesmo em frente ao monitor e o gajo sempre com a porra da mensagem, que não consegue encontrá-la, pá!

- Pooooooo....Vamos tentar isto: desliga e torna a ligar e dá novamente ordem de impressão.

Sócrates desliga o telefone. Passados alguns minutos torna a ligar.

- Mariano, já posso dar a ordem de impressão?

- Olha lá, porque é que desligaste o telefone?

- Eh, pá! Foste tu que disseste, estás doido ou quê?

- Poooooo...Dá lá a ordem de impressão, a ver se desta vez resulta.

- Dou a ordem por escrito? É um despacho normal?

- Oh, Zé...poooooooo....Eh, pá! esquece....Vamos fazer assim: clica no "Start" e depois...

- Mais devagar, mais devagar, pá! Não sou o Bill Gates...

- Se calhar o melhor ainda é eu passar por aí...Olha lá, e já tentaste enviar um mail?

- Eu bem queria, pá!, mas tens de me ensinar a fazer aquele circulozinho em volta do "a".

- O circulozinho...pois.... Bom...vamos voltar a tentar aquilo da impressora. Faz assim: começas por fechar todas as janelas.

- Ok, espera aí...

- Zé?...estás aí?

- Pronto, já fechei as janelas. Queres que corra os cortinados também?

- Poooo....Senta-te, OK? Estás a ver aquela cruzinha em cima, no lado direito?

- Não tenho cá cruzes no Gabinete, pá!...

- Pooooooo....poooooooo....Zé, olha para a porra do monitor e vê se me consegues ao menos dizer isto: o que é que diz na parte de baixo do écran?

- Samsung.

- Eh, pá! Vai mas é para o....

- Mariano?... Mariano?...'Tá lá?...Desligou....

segunda-feira, abril 25, 2005

Victory Day






Clique na foto para aceder a um site dedicado ao 60º aniversário da vitória da URSS sobre o nazismo.

sexta-feira, abril 15, 2005

Os "Abstractos" do estacionamento






Se quer ver alguns "abstractos" fotografados nos estacionamentos da Expo clique na foto.

terça-feira, abril 12, 2005

As “fraquezas” da direita



Têm-se multiplicado, nos últimos tempos, as declarações inflamadas sobre as derrotas dos partidos da direita, sobre o hiato nas direcções desses partidos e até sobre a necessidade, ou mesmo a possibilidade, de refundar a direita em Portugal.

A meteórica governação santanista e as tragicomédias dos congressos do PSD e do CDS servem de pasto aos comentadores mediáticos e os dirigentes de esquerda, navegando nas mesmas águas, espalham entre os incautos uma confortável, mas perigosa, sensação de alívio e de bonança.

Impõe-se perguntar:
- será que os interesses da direita estão sob ameaça séria ?
- as principais teses da direita, a fundamentação das injustiças em que se baseia o seu poder, estão realmente em regressão ?

Infelizmente a resposta a tais perguntas é negativa.
Nenhum partido de esquerda perspectiva atacar os interesses materiais das classes dominantes. Todos eles concentram as suas propostas no plano das prestações sociais sem beliscar a organização social da produção e sem questionar a propriedade ou as relações de produção próprias do capitalismo.
Os “empreendedores capitalistas” são unanimemente considerados os únicos capazes de promover o desenvolvimento económico, autênticos “salvadores da pátria”.

A distinção tradicional, em que a direita defendia o status quo e a esquerda pretendia destruí-lo, passou à história.

Assim sendo cabe indagar a razão de tanto alarido nas hostes da direita.

É verdade que um partido como o PSD tem dificuldade em afirmar uma clara identidade ideológica e em diferenciar inequivocamente as suas propostas mas tal deve-se, no essencial, ao facto de o PS ter despudoradamente invadido o seu espaço político. Por isso as fronteiras são cada vez mais imprecisas e a refrega desliza para questões secundárias e arrevesadas.

A direita diz que é preciso controlar as despesas da “máquina do Estado” mas só para evitar que os impostos dos trabalhadores, que têm sido os principais pagadores do sistema, deixem de ser suficientes e que alguém tenha a “peregrina ideia” de fazer pagar também os poderosos. Daí resultam alguns acessos de gritaria liberal e as consequentes pressões e chantagens que, como é costume, levarão o PS a moderar os ímpetos da campanha eleitoral logo que estejam ultrapassadas as eleições autárquicas

Por outro lado as classes dominantes temem os perigos que o girar do mundo continuamente desenvolve; quer se trate da ameaça dos baixos preços chineses, dos galopantes preços do “crude” ou do impetuoso desenvolvimento da tecnologia essas classes não acreditam que o governo socialista, por incompetência, esteja em condições de salvaguardar os seus interesses.
O “choque tecnológico” é uma graçola que ninguém leva a sério.

Em suma, as grandes ameaças que pendem sobre os interesses da direita têm origem externa, independente da vontade e do controle dos partidos de esquerda e estes, se ameaça constituem, é mais no plano da incompetência para entenderem o que está em jogo do que pela existência de algum plano próprio para criarem uma realidade social alternativa.

Por isso as grandes discussões que se avizinham, em que os partidos de direita se preparam para lançar todas as forças do campo “académico” e da “consultoria internacional”, são apenas as do papel e dimensão do Estado na sociedade e também do peso relativo dos sectores produtivos (têxteis ou turismo ?) e das “opções estratégicas” nos transportes e na energia.

Triturados pelos imperativos da dependência económica os partidos de esquerda lá irão a reboque das “decisões inevitáveis” e não poderão ter outra estratégia que não seja a de proteger os “empreendedores nacionais” sob pena de ver desaparecer os empregos e minguar as receitas fiscais.

Sem equacionar este falso dilema e sem romper este “círculo vicioso” no plano ideológico será impossível transformar o mundo em que vivemos.
É necessário demonstrar a viabilidade de novas relações de produção, esse é o tipo de inovação de que mais precisamos.
Em vez de funcionários precisamos de cidadãos empenhados em construir um novo universo produtivo, um novo modo de produção.

Trata-se de um caminho difícil mas sem alternativa.

Por isso em vez da refundação da direita precisamos, isso sim, é de refundar a esquerda.

segunda-feira, abril 11, 2005

Para nunca nos esquecermos...

...da maravilhosa diversidade dos humanos


Homem das ilhas TIWI


O artesanato encantador destas ilhas

(veja aqui)

quarta-feira, abril 06, 2005

A Biblioteca Nacional "surfada" on-line


BABCOCK, Richard Fayerwather, 1887-1954, designer

Join the navy : the service for fighting men / [design] Babcock.
- [S.l. : s.n., 1917]. - 1 cartaz : color. ; 107 x 73 cm
Cartaz destinado a incentivar o alistamento na Marinha, primeiro departamento governamental americano a promover a edição de cartazes.
- Data segundo Prints and Photographs Online Catalog da Library of Congress disponível em WWW: [consult. 26 Dez. 2003].
- Reprodução litográfica. - Marinheiro cavalgando um torpedo que desliza, velozmente, sobre a água (recorrência à figura da literatura infantil «barão de Münchhausen», divulgada a partir de 1785 pelo inglês Raspe)

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Estas e outras maravilhas, incluindo "Os Lusíadas" de 1572, "surfáveis" na Internet.

(veja aqui)

domingo, abril 03, 2005

A T H O U G U I A - Exposição de Pintura


(clique na foto para ver galeria)

A T H O U G U I A
Exposição de Pintura

GALERIA PEPPER’S
9 de Abril a 6 de Maio
Rua Dr. Miguel Bombarda, 15 - D
2500-238 Caldas da Raínha
T. 262 823 57

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É com uma Luz fervente, dando vida para lá do sonho, numa íntima e silenciosa lógica do abstracto, com figurações surrealizantes, num firmamento intemporal e um amplo ideário formal, que Luis Athouguia cria, como fulcro desta exposição, as suas atmosferas perturbantes e sentidas.
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Luis Athouguia, distinguido com o Prémio Vespeira, conta com mais de centena e meia de exposições no País e no estrangeiro, tem participado em importantes Bienais de Arte.

segunda-feira, março 28, 2005

Florence Béal-Nénakwé


clique na foto para ver a galeria


Uma artista africana em França...
"Affirmant ses racines africaines à travers son art, l'artiste Florence Béal-Nénakwé peint les réminiscences de son enfance camerounaise. Elle nous livre un travail pictural riche en couleurs: celles de l'Afrique. Seule l'énergie intérieure liée à son Cameroun natal et à sa vie personnelle, lui fait jeter sur une toile cette gaieté et cette espérance."

sábado, março 26, 2005

O Doutor


O Doutor

por Miguel Poiares Maduro


Por favor, esta semana «escreve algo ligeiro», pediram-me. O problema é que, ultimamente, só me ocorrem ideias «pesadas». Deve ser o peso da responsabilidade, já que a consciência não a tenho pesada. Pensei em aligeirar algo sério mas temia que me chamassem pouco sério. O que se pretendia era algo ligeiro escrito sem ligeireza. Acho que acabei por escrever sobre algo pesado com grande ligeireza.

Somos um país de doutores diz-se. É um equívoco: somos um país de drs. e engenheiros. E está tão vulgarizado que basta entrar num qualquer restaurante desconhecido para obtermos o título: «Sai um bacalhau à Braz para o doutor». Já tenho uns 20 doutoramentos honoris causa concedidos por diferentes restaurantes. Em Portugal, o serviço ao cliente vai ao extremo de nos licenciarem antes de começar a refeição! Mas este dr. não tem doutoramento e a nossa obsessão com títulos é tanta que logo se encontrou uma distinção: quem é doutor por extenso é Professor Doutor, seja ou não professor. E os professores que não são doutores, são apenas «sotores». Substituímos a sociedade de classes pela sociedade de títulos.

Somos «marcados» pelo título. Durante muitos anos em Portugal, ministros só doutores. Um título abre muitas portas em Portugal. Por isso é que não deve parecer (parecer é tudo neste caso) nada fácil obtê-lo. O valor do «título» está no acesso que comporta a um círculo restrito (ser um dos poucos) e na autoridade que comporta («quem fala, fala a título de_»). E nada é mais exemplar a este respeito que o «título» de doutor e a forma como se lhe acede: com uma tese de doutoramento. Eu que sou doutor tenho de saber com certeza.

Em primeiro lugar, a tese de doutoramento deve comprovar a adesão do candidato ao grupo: a sua fidelidade à escola que lhe concede o título. Ao contrário do que afirmam alguns, a tese não tem de constituir uma contribuição original para a ciência. Deve sim consistir numa contribuição original sobre as ideias do orientador da tese (em particular se forem as minhas!). Na medida do possível, o candidato deve abster-se de tomar posição própria, pois tal é sinal de arrogância científica. Pode sim adoptar a posição anteriormente expressa pelo orientador da tese. Se o orientador da tese não tiver posição, o candidato pode adoptar uma posição sui generis. Esta deve congregar elementos de todas as teses anteriores, de tal forma que não possa ser associada a nenhuma nem criticada por se lhes opor. É desejável que o candidato apresente a sua tese (se quiser arriscar ter uma) no meio de 350 outras pretensas teses. Pode ser que, desta forma, a tese passe despercebida.

Em segundo lugar, a tese deve transpirar autoridade científica. Mas esta não resulta das ideias (essas são subjectivas e como tal contestáveis). A autoridade resulta da forma. Desde logo, como ouvi algumas vezes, uma tese deve ter aspecto de tese. Começa com o peso: uns bons cinco quilos são o mínimo aconselhável. Segue-se uma boa organização sistemática. Em Direito, p. e., aconselho a seguinte estrutura: 1) introdução; 2) introdução ao Direito (com referência a elementos de Filosofia, História, Economia e Ciência Política); 3) excurso sobre a importância da definição do objecto da tese; 4) definição do objecto da tese (remissão da sua análise para momento posterior); 5) excurso sobre a importância do instituto jurídico objecto de estudo; 6) introdução ao instituto jurídico estudado; 7) história do instituto jurídico; 8) distinção de todos os institutos jurídicos similares; 9) estudo desses outros institutos; 10) classificação do instituto; 11) categorias e tipos que o compõem; 12) distinção de categorias e tipos similares; 13) distinção entre categorias e tipos (tipos de categorias e categorias de tipos); 14) último capítulo: análise do instituto jurídico em causa (remissão para segundo volume a publicar logo que os nossos trabalhos científicos - leia-se preparação de pareceres - nos permitirem).

Segue-se a linguagem. Deve procurar-se ser o menos claro possível (a clareza é geralmente entendida como um sinal de pouca profundidade intelectual). Ex.: a afirmação «existe, neste caso, um conflito de direitos fundamentais» deve ser substituída por «as jurisdições dos espaços de liberdade normativamente concretizados nas posições jurídicas subjectivas constitucionalmente garantidas estão, neste caso, numa situação de concorrência normativa na prossecução dos objectivos constitucionalmente consagrados».

Particular atenção deve ser dada às notas de rodapé e bibliografia (é por aqui que muitos membros de júris de tese iniciam - e, em muitos casos, terminam - a sua leitura). O texto em notas de rodapé deve exceder o texto do corpo da tese (tal circunstância demonstra que a erudição do candidato excede em muito as fronteiras do tema estudado). Por fim, a bibliografia deve conter todas as obras consultadas (por consulta entende-se a consulta do título em qualquer base de dados existente) e incluir referências a obras nunca antes citadas (de preferência, mas não necessariamente, relacionadas com o tema da tese).

Pouco sério? Apenas uma ligeira provocação para recordar que nem sempre o facto das coisas serem tratadas de forma muito séria é sinal de grande seriedade. O importante não devia ser o título mas a tese. Isto vale para os doutores e outros títulos. Em vez de comparar títulos devemos é trocar ideias.

por Miguel Poiares Maduro

sexta-feira, março 25, 2005

Lendo "PORTUGAL, HOJE - O medo de existir"

Acabei de ler o livro do José Gil.
Confesso que era um dos livros da lista que eu tencionava não ler (junto com O Código Da Vinci e Equador) por se terem tornado best sellers de citação obrigatória, apoiados numa forte máquina de marketing e/ou na mediatização prévia dos seus autores.
Mas ofereceram-mo e li; e dei o tempo por bem usado porque pensei bastante, a propósito e despropósito do que ia lendo, acontecendo esta ultima situação quando, por falta de preparação ou de apetência para elucubrações filosóficas mais abstractas, deixava a vista ir percorrendo alguns parágrafos enquanto me questionava sobre onde é que tudo aquilo me levaria.

Interessou-me bastante a questão do “espaço publico” ou melhor, da sua ausência, e do preenchimento pelos media do vazio ruidoso que ele deixa. É um “fraseamento” excelente de algumas ideias que me surgiam empìricamente.
A propósito, encontrei no EXPRESSO do dia 19 este “boneco” que ilustra bem esta ideia (e do qual me aproprio, como deve acontecer em espaço público, dando-lhe um novo uso, com a devida vénia para o autor).





Tenho sentido “na pele” as manifestações da sombra branca ao tentar lançar para discussão pública algumas ideias novas ou pelo menos fora dos contextos estabelecidos. Mesmo quando se consegue ultrapassar algumas barreiras materiais para chegar às outras pessoas, depara-se no geral com o silêncio; não se é criticado, nem sequer achincalhado, é-se pura e simplesmente ignorado; como se nada tivesse acontecido. E tal coisa não tem nada a ver com a qualidade da mensagem; tem que ver com o incómodo por ela causado.
José Gil reconhece isso e honestamente engloba neste sistema o que se passou com ele: o êxito mediático das suas teses deve-se não à sua qualidade mas à notoriedade que lhe foi dada pela tal revista francesa....

Embora o salazarismo e a sua envolvente melíflua de medo possam aparecer como os “ladrões que nos roubaram o espaço público”, penso que a coisa tem raízes mais fundas; aliás 50 anos são muito pouco tempo para cimentar no inconsciente cultural de um povo moldes tão infra-estruturantes como a “não inscrição”.
O espaço público foi-nos roubado quando se instalou a Inquisição. Neste caso não me refiro às fogueiras, à privação da liberdade física, à tortura ou à morte; tudo isso era comum nas “justiças” da época. Refiro-me ao risco de pensar pela própria cabeça, ao receio do novo e do diferente, à desconfiança pelo que vem de fora, à dissimulação, ao fingir que não se vê o que não se pode suportar, ao anseio pela segurança que será garantida se se seguir em tudo a “cartilha oficial” e se respeitar as hierarquias e a ordem estabelecidas.
E não esqueçamos que por sua vez, a Inquisição (não como “instituição” mas como “sistema cultural”) se instaurou numa sociedade de características senhoriais muito resistentes. Os descobrimentos e o comércio ultramarinos eram monopólio da coroa que os usava e distribuía como “feudos”. Dos senhores, com o rei no seu vértice, vinha a justiça e a tirania, a riqueza e a espoliação, a orientação e a proibição, a recompensa e o castigo, a salvação e a morte. Tudo muito longe de sociedades onde os mercadores eram plebeus auto-organizados e os cristãos eram incentivados a interpretar a bíblia...

Se olharmos para a História de Portugal desde então até aos nossos dias perceberemos que as “vigas mestras” do edifício social continuaram praticamente as mesmas: mudou a decoração... O sebastianismo, a acção do Marquês de Pombal, o papel de Pina Manique, as lutas liberais, o período da monarquia constitucional, a 1ª republica, o salazarismo e finalmente a democracia em que vivemos, tudo ganha novos contornos quando examinado a esta luz. Era uma tarefa que merecia a pena empreender!

Tudo isto a propósito de José Gil considerar (penso eu!) que o período salazarista é a causa das realidades sócio-psicológicas que ele tão bem caracteriza .
Eu considero que o “sistema” salazarista mais do que causa foi uma encarnação dessas realidades subjacentes; o que aliás explica o grande sucesso que teve na implementação do seu projecto e a aceitação de que gozou junto de largas camadas da população, principalmente nos primeiros tempos. Por mais que isto nos desagrade, é uma realidade que não devemos escamotear.


Até ao fim fiquei na expectativa de José Gil ir dar uma pista de saída do “nevoeiro branco”.
Não a encontrei; ou então talvez não tenha percebido o que quer ele exactamente dizer com “a nossa capacidade de fluir entre dois estratos, entre duas forças que nos prendem” e com “o nosso sentido lúcido do real, do pensamento claro” (pag. 139).
É verdade que não fizemos o luto do salazarismo. Como não fizemos ainda o luto do feudalismo, nem o luto da inquisição.
Por vezes penso que vamos ter de fazê-los todos de uma vez juntamente com o luto do regime democrático....
E com esta afirmação de “bradar aos céus” penso que é altura de terminar por agora este texto politicamente incorrecto que já está a ficar muito longo!

quarta-feira, março 23, 2005

O modelo escandinavo





O modelo escandinavo
por MacGuffin (7 de Março 2005) em Contra a Corrente

O modelo escandinavo… Ah, o modelo escandinavo! Havia tanta coisa para dizer sobre o modelo escandinavo… mas agora não tenho tempo. Apelo ao meu poder de síntese e arrisco comentário parco. Então é assim: a forma como, um pouco por todo o lado (blogosfera lusa incluída), se deitam olhares de basbaque à Europa do Norte, revela bem da ignorância que grassa por entre os «especialistas» da paróquia. Longe de mim perturbar um auditório esperançado. Não seria de bom tom fazê-lo. Limito-me a lançar na engrenagem um microscópico grãozinho de areia: o modelo escandinavo – o tal dos impostos altíssimos e do Estado Providência musculado - só resulta em sociedades em que: a) a capacidade de criação autónoma de riqueza (autónoma e independente em relação ao Estado) é a modos que brutal; b) os níveis de produtividade são mais do que suficientes; c) a mobilidade de pessoas em pleno mercado de trabalho é uma constante; d) a evasão fiscal é residual; e) a elevada carga fiscal não belisca nem coloca em causa elevados níveis de rendimento disponível; e) o modelo de desenvolvimento foi aprioristicamente liberal/capitalista e continua a sê-lo; f) a carga burocrática não sufoca o empreendorismo e a vida dos cidadãos; g) não existem tabus e receios em misturar sistemas públicos com sistemas privados. Em países ricos, portanto. Países que se permitiram criar e suportar um Estado Providência forte e prestador de serviços de qualidade, nos quais os níveis de eficiência e eficácia (coisas diferentes, como sabeis) nos fazem corar. O modelo escandinavo de Estado Providência não foi a causa, mas sim a consequência. Não foi pela adopção de um putativo «modelo» de solidariedade e protecção social que aqueles países se tornaram ricos. Por serem ricos ou potencialmente ricos é que puderam abraçar aqueles instrumentos de apoio social. Dito de outra forma: aplicar o modelo escandinavo a Portugal - instrumentalizando, nesse sentido, a política fiscal - seria tão desastroso como começar a construir uma casa pelo telhado.

por MacGuffin (7 de Março 2005) em Contra a Corrente

sexta-feira, março 18, 2005

Xesús da Galiza





María Xesús Díaz

Divulgamos, com prazer, trabalhos de uma amiga da Galiza (clique na foto para ver galeria)
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Estudios de Decoración e iniciación a la pintura en la Escuela de Artes de A Coruña. alumna del escultor y pintor Antonio López y la pintora Antonia Villaverde.
En estos últimos años, mi dedicación a la pintura es absoluta en mi estudio. El cual
Comparto también como escuela taller, impartiendo clases de dibujo artístico y pintura.

EXPOSICIONES INDIVIDUALES:
1996- Hércules Coruñés - A Coruña
1996- Sociedad cultural de Sada - A Coruña
1997- Casino de A Coruña
1997- Liceo de Betanzos - A Coruña
1999- Asociación de Artistas - A Coruña
1999- Restaurante Bania - A Coruña
2000- Sala Goya - A Coruña
2000- Casa de la Cultura de Quiroga - Lugo
2002- Xunta de Galicia - Lugo
2003- Tekaoba - A Coruña
2004- Casino Mercantil - Pontevedra
2004-Hotel Pazo de Mendoza, Baiona – Pontevedra
2004- Galería Aires – Córdoba
2005- Sala Alberto Sánchez - Madrid
2005- Asociación de Artistas - A Coruña
EXPOSICIONES COLECTIVAS:
1987- Unión Fenosa, Madrid
1987- Excelentísimo Ayuntamiento de A Coruña
1996- Casino de A Coruña
1996-1997-1998-1999-2004 Asociación de Artistas, A Coruña
2002- Balconadas de Betanzos, A Coruña
2002- Casa da Cultura de Bueu, Pontevedra.
2003- Centro cultural José Domínguez Guizán , Begonte, (Lugo)
PARTICIPACIÓN EN EDICIONES:
Guía cultural 2002 de artistas gallegos. (Xunta de Galicia)
Guía cultural 2004 de artistas gallegos. (Xunta de Galicia)
Anuario de pintura contemporánea 2005 (Francisco Arroyo Ceballos). Córdoba

terça-feira, março 15, 2005

"Million Dollar" parábola






Levei um murro no estomago e saí do cinema a cambalear interiormente. Million Dollar Baby é o filme mais triste que já vi.
Tenho que dizer isto ainda que seja um lugar comum.

O filme de Clint Eastwood é uma espantosa e impiedosa parábola.
A vida é um exercício solitário, num mundo inóspito que só alguns seres especiais amenizam enquanto não somos atingidos pelo soco fatal.

A única redenção, espiritual e não social, consiste em perseguir teimosamente os nossos sonhos.
Uma porta estreita e remota aonde só nós cabemos.

segunda-feira, março 14, 2005

Memórias do 11 de Março

Passaram 30 anos sobre o “11 de Março”, o golpe derrotado de Spínola que continuamos a comemorar com discursos “românticos”. Já seria tempo de tentar perceber o PREC em bases mais críticas.

Infelizmente somos incapazes de atribuir responsabilidades e de nos auto-criticarmos; inventamos sempre entidades demasiado genéricas como causa das nossas desgraças (a reacção, o imperialismo e outras) pelo que raramente aprendemos com os nossos erros e com as nossas derrotas.

O “11 de Março” foi pretexto para os jornais e as televisões publicarem textos, entrevistas e filmes que, vistos hoje, causam alguma estranheza e deveriam motivar um saudável debate na esquerda portuguesa. Não parece ser o caso, parece que ninguém quer “acordar” as perguntas incómodas que os factos históricos justificam.

Para ir contra a corrente aqui vão algumas memórias pessoais:





MOÇÃO APROVADA EM ASSEMBLEIA GERAL DE 12 DE MARÇO 1975

As forças dos monopólios e dos latifundiários lançaram mais um ataque contra o processo revolucionário iniciado no 25 de Abril.

Aproveitando-se da impunidade com que actuaram no 28 de Setembro e da presença entre nós de agitadores internacionais ao serviço dos potentados económicos, tentaram mais uma vez fazer regressar o fascismo com todo o seu cortejo de crimes de exploração e opressão.

Mais uma vez os trabalhadores se ergueram aos milhares, com os seus sindicatos e.com os partidos verdadeiramente democráticos e defenderam, na rua, a liberdade de levar a Revolução até às ultimas consequências.

Os trabalhadores da IBM, pondo-se ao lado,da massa dos trabalhadores portugueses, exigem:

1 - Castigo exemplar para os contra-revolucionários.

2 - Expulsão dos agitadores estrangeiros que tentam levar o nosso
país para a guerra civil.

3 - Aplicação imediata de medidas económicas e sociais que retirando aos monopólios e latifundiários o poder de que ainda efectivamente dispõem, tornem realmente irreversível o processo revolucionário.

4 - Proibição de todos os partidos que efectivamente estão do lado da reacção.

sexta-feira, março 11, 2005

José Gil e os portugueses (II)




Em 27 de Fevereiro, "inscrevi" neste blog algumas considerações que tiveram como ponto de partida a leitura de "Portugal Hoje - O Medo de Existir", de José Gil. Continuo agora.

Diz o autor que, em nome do "bom senso", continuamos a defender alguns baluartes do salazarismo: ausência de excessos, mediania, defesa da coesão civil, recusa de enfrentamentos. "A norma é a estabilidade social, a não conflitualidade, o bom senso", num centro que é "o espaço nuclear da norma invisível, da moralidade aceitável, a esfera do possível e do desejável".

Como reler isto sem pensar na recente campanha eleitoral, com os argumentos - que resultaram - sobre o voto indispensável no PS para assegurar uma maioria absoluta e, portanto, "estável"? Depois de garantida a expulsão de Santana Lopes, o mais importante passou a ser evitar o confronto das esquerdas num entendimento necessário se a maioria do PS fosse apenas relativa. Deu-se como adquirido que, em Portugal, este exercício seria votado ao fracasso, precisamente porque não se acredita nas virtualidades dos conflitos, mas sim na bondade indiscutível dos consensos (como se fossem estes os motores da História...). Nunca saberemos se foi assim perdida uma ocasião única para o amadurecimento da nossa democracia. Ficamos reduzidos a considerações genéricas sobre o que eram os futuríveis - ou futuros possíveis, como se preferir.

Mas aí a temos, a maioria estável. Aproveitemo-la então: agora que as direitas esfarrapadas tentam refundar-se e que o PS não precisa de ninguém e se organiza para tomar conta de nós, seria bom que as esquerdas aproveitassem a pausa para se debruçarem sobre questões de fundo, em vez de continuarem entretidas com outras bem mais desinteressantes e que não lhes dizem verdadeiramente respeito, como as possíveis lideranças do PSD e do PP ou as subtis diferenças nos perfis dos governantes de José Sócrates.

Um exemplo: a questão da Europa. Neste ponto, o grande “centrão” – PS, PSD e PP – estará sempre de acordo no fundamental. Vamos todos os outros assistir passivamnente a esta fase histórica, tão crítica, do continente europeu? Somos pessimistas ao ponto de acreditarmos que, de tão velho, está mais ou menos moribundo e que não vai resistir a invasões de chineses e outros? Partilhamos as convicções e as esperanças de Manuel Castells (não perder a importante entrevista ao “Público” de hoje, 10.3.2005)? Desejamos, no máximo, uma Europa mais “social oriented” que os EUA, mais finlandesa do que californiana? Há lugar para algum contraditório ideológico à esquerda? Não vale a pena, pelo menos, discutir? Onde e como?

Nesta e noutras questões, a blogosgera pode desempenhar um papel importante, ajudando mesmo a passar o debate para os grandes meios de comunicação social.

quinta-feira, março 10, 2005

Entrevista com Manuel Castells






Importante entrevista de Teresa de Sousa para o Público:

"Autor do mais célebre e mais completo estudo sobre a Sociedade de Informação, professor em Berkeley, Universidade da Califórnia, e agora da Universidade Aberta de Barcelona, catalão de origem, Manuel Castells foi um dos peritos que ajudaram a preparar a "agenda de Lisboa", uma estratégia europeia lançada em 2000 para fazer da economia da Europa a mais competitiva do mundo em 2010, sem perder pelo caminho o "modelo social europeu".

Hoje, faz um balanço mitigado. Os objectivos estavam certos mas não os meios. Castells esteve no passado fim-de-semana em Lisboa, enquanto coordenador do seminário internacional sobre A Sociedade em Rede e a Economia do Conhecimento, da iniciativa de Jorge Sampaio."


Texto completo da entrevista (clique aqui)

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quarta-feira, março 09, 2005

As escolas e o futuro governo






Numa das suas Crónicas publicadas ao Sábado na revista XIS, Daniel Sampaio coloca com grande clarividência e não menor simplicidade as questões básicas que deviam constituir a base de qualquer politica séria de educação em Portugal.
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As escolas e o futuro governo
autoria de Daniel Sampaio

Terminadas as eleições e com o go­verno em formação, importa reflec­tir sobre o futuro das escolas básicas e secundárias, dos seus professores, alunos e pais.Importa começar pelo princípio: os nossos alunos aprendem pou­co e mal. Mesmo os bem classifica­dos escrevem com erros e têm difi­culdades nas contas. A indisciplina invadiu as nossas escolas e, nalguns locais, aparece associada a compor­tamentos de violência. Os profes­sores mostram sinais de cansaço e desmoralização, muitos andam em tratamento psiquiátrico, para depois serem colocados nas tristes biblio­tecas escolares, a impedir o acesso à pornografia da Internet de jovens com problemas. Os pais ou não apa­recem nas escolas, ou são criticados por não tomarem bem conta dos fi­lhos. E, todavia, há professores exce­lentes: na sua maioria conseguem, à custa de grande esforço pessoal, en­sinar qualquer coisa; e muitos alu­nos evoluem com êxito.
O próximo governo tem de enfren­tar com coragem o problema. Até ao 9° ano, avaliar com rigor quais os alunos que querem (ou podem) prosseguir a via tradicional do es­tudo e ingressar no secundário; e quais aqueles que querem (ou ne­cessitam) aprender um ofício, atra­vés de uma correcta formação profis­sional básica. Para ísso, devem ser de imediato postos em prática modelos diferentes de ensinar na escola bási­ca, com avaliação do progresso dos alunos e das metodologias de ensi­no. Não poderemos continuar a ter nas nossas escolas alunos que clara­mente estão vocacionados para ou­tro tipo de aprendizagens, nem es­colas únicas, monolíticas, do Minho ao Algarve- O abandono escolar tem de ser corrigido com uma correcta política de intervenção junto das fa­mílias, bem como da adaptação dos currículos escolares às característi­cas dos alunos e aos objectivos, previamente definidos, da formação es­colar básica.
Na formação de professores, é preci­so mudar. É crucial dotar as escolas de docentes com formação em técni­cas pedagógicas diferenciadas, com realce para as metodologias activas, capazes de transformar as turmas em grupos de trabalho cooperati­vo. A informação psicologizante ou abstracta, tão do agrado de muitos formadores que desconhecem a re­alidade das nossas escolas, deve ser abandonada. Os professores têm de ser ajudados a olhar em volta, per­ceber quais os recursos da comuni­dade onde se inserem, estabelecer protocolos com outras escolas, bus­car soluções no Centro de Saúde ou na equipa de Saúde Mental da zona. O papel dos psicólogos não poderá a ser o de consultores dos alunos, mas sim o de parceiros (com outro olhar) dos docentes, no entendimento dos jovens com dificuldades no percur­so psicossocial.
No secundário, muito há a fazer. Já percorreram as pautas e viram aquela impressionante série de ne­gativas? Já viram o número de alu­nos que abandona no 10° ano? Não é de admirar. Foram levados ao colo até concluir o 9° ano, confrontam-se agora com um secundário maçador e mais exigente. É urgente permitir a mobilidade de uns agrupamentos para outros, através de um correc­to sistema de créditos, que possibi­lite a progressão sem o aluno ter de voltar sempre ao princípio; deve ser iniciada uma campanha muito for­te, a todos os níveis, de valorização do ensino tecnológico e técnico- pro­fissional. Os alunos que não progri­dam devem ser encaminhados, com carácter de urgência, para uma for­mação profissional adequada.
Limitei-me a algumas notas. Que­rem contribuir com mais ideias?

domingo, março 06, 2005

O “Mercador de Veneza” e a questão do Estado





Num qualquer “cinema perto de si” Al Pacino representa um portentoso Shylock, mercador judeu que insiste em confrontar o Doge com as leis venezianas e acaba vítima do contrato que pretendia cobrar. A fabulosa trama engendrada por Shakespeare permite as mais variadas “leituras” mas eu prefiro a seguinte: todos os textos dizem tudo mas são sempre incompletos.

O paradoxo tem a ver com a ilusão do poder da escrita que soçobra às mãos da subjectividade humana sem a qual não há leitura. Dito de outra forma: não há textos sagrados, não há contratos inexpugnáveis e não há leis cegas.

À tentativa frustrada de encurralar o Estado, conduzida pelo judeu Shylock, responde o Estado com um “exercício interpretativo” das leis cujo fito é legitimar a arbitrariedade do seu poder.

A questão do Estado é de uma actualidade gritante.

Fala-se do Estado a torto e a direito mas não é nada claro o significado desta palavra. O Estado é o quê ?
É o conjunto dos diplomas que constituem o ordenamento jurídico em vigor ? É o conjunto das instituições e organizações que estruturam o regime ? É o conjunto dos funcionários e burocratas que asseguram a administração pública ? É o conjunto dos políticos e dos partidos que influenciam o funcionamento das instituições ? São todos os referidos anteriormente ?

Esta complexidade prolonga-se na necessidade de garantir que uma entidade tão multifacetada como o Estado persegue, com autenticidade, o chamado “interesse público”. O “interesse público”, por sua vez, padece também da pecha da indefinição e o mesmo se passa, para os que preferem esta terminologia, com os “interesses de classe”.

Nos sistemas democráticos como o nosso o “interesse público” é supostamente definido pelas consultas populares que seleccionam programas partidários e que estabelecem maiorias parlamentares. Os parlamentos e governos que emanam dessas maiorias são constituídos por políticos que têm “autorização” para, de acordo com regras estabelecidas, modificar as leis, governar as instituições, nomear e gerir os funcionários. Em suma, realizar o “interesse público”.

As coisas estão longe de ser simples já que são escolhidos partidos diferentes, quiçá contraditórios, para diferentes instituições (parlamento, presidência, autarquias) e também porque os programas eleitorais dos partidos concorrentes às eleições sofrem do defeito inicialmente atribuído a todos os textos: dizem tudo mas são sempre incompletos. Esse defeito também afecta, como já referimos, as próprias leis que serão produzidas pelo partido vencedor.

Como se tudo isto não bastasse ainda temos a celebrada “alternância democrática” que, em vez de ser prova da vitalidade do sistema, é antes de mais um reconhecimento das falhas do sistema. Dito de outra maneira: se a consulta popular opta pelo partido A e, passados dois anos, vota em B para se livrar de A, então é porque as decisões democráticas não garantem a bondade das soluções políticas e, como tem sucedido, cada nova escolha constitui um erro que o futuro tem que corrigir. É como se o “interesse público” fosse redefinido ao sabor das conjunturas. As interpretações pós-eleitorais produzem intermináveis discussões sobre o verdadeiro sentido da votação.

Para Lenine o Estado era, de forma algo linear, apenas a demonstração da injustiça inerente às sociedades divididas em classes. Lenine não conheceu o “Estado Social” da época da mediatização, nem a alternância, e estava fundamentalmente preocupado com o perigo do patriotismo no esbatimento da “consciência de classe”.

Curchill dizia que “a democracia é a pior forma de governo se exceptuarmos todas as outras que já foram experimentadas”, e isso continua a ser verdade no que toca à determinação do “interesse público”, mas há cada vez mais vozes que exigem a reinvenção da democracia, como tem feito José Saramago, com base nos crimes que têm cometidos em seu nome.

Também não é claro se aqueles que votam, quando o fazem, estão a pensar na realização do “interesse público” ou a defender os seus interesses pessoais. Na segunda hipótese as votações definiriam o “interesse público” como o somatório dos interesses individuais o que corresponde à concepção liberal.

Não se pense, apesar de tudo o que foi dito, que pretendemos pôr em causa o regime democrático; trata-se apenas de pedir atenção para a complexidade e variabilidade da noção de “interesse público” e para a dificuldade em assegurar que o Estado, enquanto tal, procede consequentemente com vista à sua realização.

Se não temos, para já, uma alternativa melhor do que a democracia vigente para assegurar o governo da sociedade e é portanto compreensível que nos sujeitemos às suas imperfeições isso não pode de maneira nenhuma autorizar a mitificação do Estado hoje tão em voga.

Tal mitificação consiste em assumir, sem qualquer fundamento, um Estado “antropomórfico” que tem uma vontade e desígnios tendentes à realização da justiça e mesmo à correcção das injustiças. Assim, o Estado como que “personificaria” o interesse geral independentemente dos resultados das eleições. Muitos consideram aberrantes as decisões do eleitorado quando as maiorias resultantes não correspondem à sua particular concepção do “interesse público” sem se darem conta de que, em última instância, isso é uma forma de impugnar a própria democracia.

A partir desse mito se deduzem as concepções inadequadas, hoje dominantes na esquerda, que levam à rejeição liminar de qualquer forma de privatização das funções actualmente asseguradas pelo Estado. Ao arrepio de Marx deixou de se opor o modo de produção A ao modo de produção B e passou a opor-se uma pretensa “autoridade moral” do Estado contra o poder económico civil, omitindo descradamente a questão do modo de produção. Uma coisa é certa, o Estado não é o embrião de um novo modo de produção e a sua importância advém, no essencial, de estarmos numa fase de transição em que o modo de produção capitalista já não “resolve” os problemas sociais e o novo modo de produção ainda não floresceu.

Esta deturpação teórica poderá eventualmente ser explicada pelo número enorme de cidadãos que hoje dependem economicamente do Estado.
Segundo Medina Carreira “temos 4,5 milhões de indivíduos que integram uma espécie de "Partido do Estado" (Cerca de 730.00 funcionários públicos; 2.591 000 pensionistas da Segurança Social; 477.000 reformados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações; 307.000 beneficiários do subsídio de desemprego; 351.000 beneficiários do RMI. Com os familiares próximos poderão ser uns 6 milhões de indivíduos, numa população de 10 milhões)”.

Ao contrário do que se poderia pensar este “Partido do Estado” não é constituído por cidadãos com uma visão uniforme mas sim por grupos cujos interesses podem até ser contraditórios (por exemplo os gastos com os salários dos funcionários reduzem os montantes disponíveis para financiar as reformas).

Nesta fase a opinião sobre o Estado e o papel que lhe cabe na sociedade são fundamentais para a caracterização dos estratos sociais; quando as condições sociais e económicas se degradarem para além de certos limites veremos emergir conflitos de classe de novo tipo e em nova escala e essa será, provavelmente, a profunda crise que acabará por abrir caminho ao novo modo de produção.

quinta-feira, março 03, 2005

O triunfo da mediocridade






Recentes declarações ao Diário Económico, da ainda ministra da “Ciência, Ensino Superior e Inovação” :
“O problema mais urgente que o novo responsável pelo ensino superior terá que enfrentar é o risco de esvaziamento de alguns cursos superiores como resultante da generalização de 9,5 como nota mínima obrigatória já no próximo concurso de acesso”. E conclui com a “necessidade de abrir excepções na regulamentação”.

A iliteracia dos portugueses não é uma descoberta recente. Também há muitos anos que se vem verificando que das nossas universidades e escolas saem engenheiros que não sabem falar nem escrever correctamente português, professores que não conseguem alinhar dois raciocínios seguidos, e jovens caixeiros que só sabem fazer uma soma com máquina de calcular.
Mas ouvir uma enormidade daquelas da boca da responsável pelo Ensino Superior é verdadeiramente uma... Inovação!

A geração que fez o 25 de Abril, teve de fazer o exame da 4ª classe; e 10 era a nota mínima para passar.....E não se podia dar mais do que 2 erros no ditado....
Devíamos ter vergonha do quanto andámos para trás desde então, depois de sucessivas e atabalhoadas reformas cheias de teorias “politicamente correctas”.

O problema mais urgente que os próximos responsáveis por todos os graus de ensino terão de enfrentar será o do combate à mediocridade sejam quais forem as roupagens de ela se reveste.
Já agora, se não for pedir muito, esperemos ter um(a) novo(a) ministro(a) que não deite coisas destas pela boca fora.

É preciso compreender o desemprego catastrófico na Alemanha






Tenho chamado a atenção dos interessados para a necessidade de compreender as razões estruturais do desemprego e a sua relação com a revolução tecnológica e com a fase actual (final?) do capitalismo. Claro que é mais fácil culpar o Santana.

O que o artigo do DN que segue prova é que, mesmo sem Santana, há países com o potencial industrial da Alemanha que têm taxas de desemprego muito maiores do que Portugal. Quase poderíamos dizer que a taxa portuguesa revela atraso na reconversão da economia (agora todos elogiam a economia espanhola mas esquecem que durante vários anos a Espanha teve cerca de 20% de desemprego.)

Infelizmente, também neste caso, os nossos amigos da esquerda preferem continuar a recitar os seus "chavões"...

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Desemprego na Alemanha a níveis "catastróficos"


"Um dia catastrófico para a Alemanha." Foi desta maneira que o vice--presidente da União Cristã-Democrática (CDU, oposição), Ronald Profalla, classificou ontem o anunciado aumento do desemprego. O número de alemães sem trabalho, de acordo com os dados da Agência Federal do Emprego, atingiu 5,22 milhões em Fevereiro, mais 180 mil que no mês anterior e um novo recorde desde a II Guerra Mundial.

A taxa de desemprego na Alemanha não pára de aumentar desde Setembro, quando ainda se mantinha abaixo da fasquia dos 10%, um indicador que sugere a manutenção da crise naquela que é a maior economia da Europa. Em Fevereiro, a taxa avançou para os 12,6%, mais 0,5% do que em Janeiro. O ministro da Economia Wolfgang Clement, "sem fazer promessas ", espera uma descida destes valores em Março.

Frank-Jürgen-Weise, o presidente da Agência Federal do Emprego, deu como explicações para a escalada do desemprego a mudança do sistema de medição do número de desempregados, que entrou em vigor com a reforma laboral de Janeiro. O sistema passou a considerar desempregadas as pessoas que recebem apoios sociais e que têm condições para trabalhar. Apesar de ter considerado estes valores "depressivos", o chanceler alemão Gerhard Schroeder frisou que a reforma laboral que está a ser levada a cabo pelo governo é a correcta. O actual momento vivido pela economia alemã foram outros motivos apontados para a crise.

Quinze anos depois da reunificação alemã, as estatísticas mostraram ainda a brecha entre o oeste do país, com uma taxa de 10,4%, e a ex-República Democrática Alemã, onde a taxa de desemprego atingiu os 20,7%. Ronald Profalla considerou que estes números são uma prova do fracasso do governo, o responsável pela crise laboral.

Em Portugal, recorde-se, o desemprego alcançou os 7,1% no último trimestre de 2004, abaixo da média da União Europeia (8,9%), segundo o INE. Mas a crise está a afectar toda a Europa, não poupando o Reino Unido, com uma taxa de 4,7%, ou a França, que em Janeiro passou os 10%.

domingo, fevereiro 27, 2005

José Gil e os portugueses (I)





Li Portugal Hoje - O Medo de Existir de José Gil numa tarde, talvez demasiado depressa, e cheguei ao fim com um sentimento confuso de frustração e com a impressão de ter apenas lido uma introdução ao que esperava encontrar.

Acontece que nos dias que se seguiram, durante uma campanha eleitoral de triste memória, dei por mim a pensar frequentemente no livro, fui relê-lo e percebi como é importante.

Diz José Gil que o 25 de Abril se recusou "a inscrever no real os 48 anos de autoritarismo salazarista", que nunca se fez o luto do fascismo e que, por isso, "o que se quis apagar insiste em permanecer e sobrevive no medo e na irresponsabilidade.

Não posso estar mais de acordo. Os portugueses convenceram-se de que a revolução foi exemplar porque não foi vingativa, quiseram acreditar que os cravos nas espingardas encerravam por si só uma etapa negra, ficaram felizes porque Américo Tomás, Marcelo Caetano e os pides foram apeados, mas tentaram esquecê-los rapidamente, em nome dos amanhãs que cantavam, e nunca mais quiseram verdadeiramente ocupar-se deles.

Isto fez com que não construíssem a democracia diferenciando-a e consolidando-a com o passado fascista. (Seria interessante aprofundar o que se passou noutros países, sobretudo em Espanha, para comparar factos, atitudes e consequências.) Penso que assim se criou ou se agravou um hábito de desresponsabilização colectiva. Não estará aqui uma das causas no nosso atraso, da apatia e da falta de iniciativa que nos coloca hoje na cauda da Europa ?

A perda de memória passou a aplicar-se às figuras da história recente: Cavaco Silva já pode voltar a ser herói, Guterres vai a caminho e Santana Lopes só terá que ser suficientemente paciente para esperar.

O processo de esbatimento estendeu-se também ao que se passou após o 25 de Abril, nomeadamente ao PREC. Como é que as verdadeiras fracturas que atravessaram este período evoluíram até se chegar à actual vitória com 59% do chamado "povo de esquerda"? É importante revisitar este período. Li recentemente alguns jornais publicados nas vésperas das Legislativas de 1976 e fiquei a pensar que temos que tentar perceber o que é que é que ficou do processo revolucionário, como e onde. Há que pôr por escrito muita coisa antes que a memória viva desapareça. Seria também interessante que surgissem obras de ficção que permitissem aos jovens vivências de factos e ambientes. Não por revivalismo bacoco, mas porque só se poderá agir bem no presente se se conhecer e interiorizar o que está para trás.

Não deixemos que as memórias fiquem reduzidas à sobrevivência de umas quantas palavras de ordem como "Fulano amigo, o povo está contigo" (para qualquer bicho careto) ou "Assim se vê a força do PP"!...

Joana Lopes

A "esquerda" que ganhou e a esquerda que perdeu





Muito se tem comemorado a retumbante “vitória da esquerda”.
Sem querer ser desmancha-prazeres sempre vos digo que seria prudente moderar os ímpetos e passo a explicar por quê.

A melhor distinção direita-esquerda que conheço é: todos dizem desejar o bem público mas para a direita ele é alcançável sem acabar com o capitalismo e para a esquerda é imprescindível a transformação radical do sistema. É portanto à luz desta definição que eu avalio os resultados de 20 de Fevereiro.

A pergunta que deve ser formulada é: havia no dia 20 de Fevereiro mais portugueses convencidos da necessidade da superação do capitalismo, dispostos a propiciar a emergência de uma nova forma de produzir em sociedade, do que no dia 20 de Janeiro ?
Aposto que não.
Até penso que grande parte dos votantes dos partidos de esquerda nem sequer associam o PSD e o CDS ao governo Santana/Portas que tão claramente mostraram rejeitar. Grande parte dos dirigentes do PSD saem até prestigiados pela mão da esquerda desta curta experiência “santanista” (lembramos Pacheco Pereira, Marcelo, Cavaco, Manuela Ferreira Leite, António Borges e muitos outros) e constituem-se como perigosos inimigos futuros.

A culpa disto tem que ser atribuída àqueles que, por sofreguidão do poder, concentraram todos os trunfos eleitorais na exploração, até à náusea, das “peripécias santanistas”, tirando partido de uma fama longamente construída do “play-boy” e explorando a tendência portuguesa para a inveja (como explica José Gil).

A exploração fácil do “santanismo” foi, pelo sim pelo não, complementada pelo elenco habitual de “medidas sociais” em que cada partido tenta sempre superar os concorrentes esmerando-se no “caderno reivindicativo” (Sócrates considerou Bagão populista por baixar as taxas de IRS mas considera responsável prometer “tirar 300.000 idosos da miséria” e a “criação de 150.000 postos de trabalho”).

Alguns dirão que sem este oportunismo a esquerda não teria vencido as eleições mas cabe perguntar se esta vitória serve para alguma coisa. Cabe perguntar se vencer sem um claro programa de transformações progressistas não redundará, como no passado, numa nova machadada na esperança que os portugueses deveriam depositar na esquerda (a desilusão que percorre a sociedade brasileira na sequência da eleição de Lula da Silva é ilustrativa deste perigo).

Quando falo de transformações progressistas estou a pensar na definição de esquerda apresentada mais acima, numa mudança de paradigma sócio-económico, e não do “Estado Social” que é hoje, por falta de imaginação, a bandeira de todos os partidos à esquerda do PSD. Temos em Portugal um partido que se chama “social-democrata”, o PSD, mas aqueles que realmente defendem a social-democracia, entendida como “capitalismo+estado social”, são o PS, o PCP e o BE.

Por muito que invoquem o “marxismo-leninismo” ou as “propostas fracturantes” quer o PCP quer o BE (do PS nem vale a pena falar) têm vindo a capitular perante o modelo da social-democracia. Desapareceram as referências à superação do capitalismo que é cada vez mais contestado com base nas injustiças da redistribuição e não por constituir um empecilho para o desenvolvimento da espécie humana.
Trata-se mais de “cuidar dos pobrezinhos” do que de abrir caminho para um novo patamar da humanidade em que os “pobrezinhos” sejam um anacronismo.

Para aqueles que duvidem do que eu digo deixo um desafio: imaginem que a maioria absoluta tinha sido dada não ao Sócrates mas ao Louçã, ou ao Jerónimo e pensem, no vosso íntimo, se eles realmente estão preparados, se têm vindo a criar as condições políticas para transformar profundamente a nossa sociedade.

Em suma: venceu a “esquerda” que temos e perdeu a esquerda que devíamos ter.

Veja o debate no DOTeCOMe Forum

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terça-feira, fevereiro 22, 2005

A “política” como ópio do povo





Parafraseando Marx procuramos compreender como certas formas de fazer política têm o mesmo efeito alienatório que era atribuído à religião.

Paradoxalmente, ao longo do século XX, assistiu-se a todo o tipo de abastardamentos da política que fizeram dela, apesar do aviso de Marx, um conjunto de comportamentos de tipo religioso; os pseudo-messias, a crença na redenção longínqua e em uma nova vida “pós-qualquer coisa”, a permanente busca e castigo dos “hereges”, e outros.

A política era uma forma de escapar aos tormentos de cada dia e projectar-se num futuro ideal.
Aqueles que não eram “tocados por essa luz” precisavam de ser catequizados. Um dos maiores equívocos consistia em não se pôr sequer a hipótese de alguém não querer ou de alguém não considerar viável o mundo radioso que se almejava.

Essas perversas semelhanças entre a política e a religião já foram objecto de muitos e variados estudos e anátemas.

Na sequência da queda do muro de Berlim a política começou a parecer-se cada vez menos com a religião e a parecer-se cada vez mais com o futebol; a transcendência deu lugar ao primarismo, os “horizontes que cantam” desapareceram dos discursos, em vez de Messias passámos a ter os habilidosos “bons de bola” e em vez de hereges temos apenas as “claques” da outra cor.

Temos também o “offside” do Santana quando foi nomeado PM, as mudanças de treinador com “chicotada psicológica” protagonizada recentemente por Paulo Portas, as “transferências milionárias” do tipo Freitas do Amaral e os laivos de “apito doirado” atribuídos à dissolução do Parlamento à qual se seguiu uma “goleada” da equipa do Sócrates.

Os comentadores políticos já são pelo menos tão famosos como os comentadores desportivos e alguns até transitam elegantemente de uma condição para a outra (vide Santana e Seara, por exemplo).
Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa são as “irmãs Lúcia” destes novos tempos.

Enquanto que na sua “fase religiosa” a política se movia por grandes objectivos gerais, nesta “fase futebolística” a política é o reino dos cadernos reivindicativos de efeitos imediatos.
Mesmo os partidos com tradições revolucionárias, como o PCP, já só propõem os aumentos das pensões, e do salário mínimo em vez do “mundo novo” e do “homem novo”.
A esquerda moderna, ou seja da moda, adiciona umas pitadas de ervas “fracturantes” para ganhar as vanguardas do Bairro Alto.

A melhor distinção direita-esquerda que conheço é: todos dizem desejar o bem público mas para a direita ele é alcançável sem acabar com o capitalismo e a esquerda pensa que para isso é imprescindível a transformação radical do sistema.

Mas já ninguém fala do sistema excepto aqueles que, sintomaticamente, dizem que “outro mundo é possível”.
Notem bem: “é possível” e não “é desejável”, “é urgente” ou “deverá ser assim”.

Ninguém parece querer alterar profundamente as regras do sistema (do campeonato), as vitórias e as derrotas emanam dos fait-divers (dos dribles) amplificados pela comunicação social (pelas claques).
O leque de escolhas políticas disponíveis é demasiado estreito.

Estamos condenados ao clubismo mais delirante e ao “síndrome do penalti” que é uma forma de cegueira que nunca permite admitir os castigos contra a nossa equipa.

As campanhas eleitorais que estamos a viver são como um jogo de futebol em que, após 90 minutos de invectivas à mãe do árbitro e dos adversários, a vitória se decidisse não pelas bolas entradas na rede mas por votação dos adeptos presentes no estádio.

Infelizmente a política não é um jogo “a feijões”.

Veja o debate no DOTeCOMe Forum

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quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Cenas dos próximos capítulos





...como nas telenovelas.

Deixem-me fazer de advogado do diabo, como é costume, e olhar por cima das próximas eleições para um horizonte de dois anos.

- no dia 20 de Fevereiro de 2005 o PS ganha as eleições (como verão é indiferente se tem maioria absoluta ou não) e forma governo com pompa e circunstância. Passa imediatamente a governar na bissetriz das pressões das várias corporações que participaram da vitória eleitoral.

- as condições económicas e sociais, já de si bastante difíceis à partida, são atiradas pela conjuntura depressiva europeia para a quase ruptura

- A direita que se tinha libertado do Santana Lopes, entretanto substituído pelo Prof. António Borges, vai capitalizando todos os descontentamentos e consegue criar um consenso tecnocrático com base nas recomendações do "Compromisso Portugal"

- O Prof. Cavaco Silva, entretanto eleito Presidente da República decide, perante os indicadores catastróficos, dissolver o Parlamento mesmo que o Governo tenha o apoio de uma maioria (o precedente foi criado por Sampaio)

- Os partidos da direita ganham por maioria absoluta com base num programa que recupera todas as teses do liberalismo económico que o PS era suposto desmontar com a sua eleição em Fevereiro 2005. O amigo de Cavaco, Prof. António Borges, forma um governo recheado de gestores e académicos de grande reputação técnica.

- As "reformas estruturais" há tanto reclamadas pela direita, agora referendadas pelo voto, são finalmente executadas. Cavaco apoia tudo isso da sua cadeira presidencial.

- A esquerda vê-se de novo remetida para um degrau mais abaixo na sua interminável luta defensiva.

Esta história, cujo triste fim lamento, deve-se ao facto de a esquerda ter ido atrás do engodo do Santana.

Santana foi um brinde caído dos céus, um adversário demasiado fácil.

A esquerda concentrou-se na sucessão de pretextos que Santana fornecia e argumentou como se o problema estivesse nos defeitos de Santana em vez de estar no sistema económico e nos interesses de classe.

Como a vitória nas eleições parecia inevitável tornou-se suspeito quem argumentasse, como eu fiz, que essa vitória se devia basear num projecto de esquerda consistente em vez de ser construída sobre a rejeição dos adversários.

Quem viu o debate de ontem percebeu que Socrates vai ganhar estas eleições mas não tem ideia nenhuma de como vencer os enormes problemas que o esperam. O "choque tecnológico", mesmo que tenha sucesso, só pode apresentar resultados daqui a meia dúzia de anos. Os problemas não podem esperar tanto tempo.

O PCP e O BE defendem causas sociais meritórias mas a sua preocupação é essencialmente eleitoral (um não pode perder mais votos e o outro cedeu ao "cheiro a palha").

Sem coragem para romper o falso dilema que opôe o liberalismo ao "assitencialismo do Estado", incapazes de inventar um novo quadro de escolhas e de decisões, os partidos de esquerda caminham para uma "vitória de Pirro".

Por tudo isto, profundamente desiludido, decidi não votar em qualquer partido.


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terça-feira, fevereiro 15, 2005

Eleições na sociedade da meta-informação





Antes de mais convém explicar o que é a sociedade da meta-informação. É a sociedade actual em que recebemos muito mais meta-informação do que informação.

E o que é meta-informação ? É informação que se destina a principalmente a condicionar a forma como “lemos” a informação.

Vejamos um exemplo simples: alguém que viva numa sociedade agrícola numa região remota pode encontrar durante uma jornada no campo, em contacto directo com a natureza, vários factos que não sabe interpretar (informação). Quando chega a casa poderá eventualmente consultar os mais velhos ou, se tal não resultar, colocar a questão na aldeia quando for à missa no Domingo seguinte. As explicações obtidas, certas ou erradas, que passarão provavelmente a servir de padrão de “leitura do real” constituem meta-informação. Verifica-se uma proporção entre informação e meta-informação que é largamente favorável à primeira.

Hoje vivemos quase todos em ambientes urbanos, com grande intensidade tecnológica na área da comunicação, e pode dizer-se que a “invasão” da meta-informação é quase inescapável; o “outdoor”, o jornal, a televisão e quase tudo o que nos rodeia emite meta-informação para nós praticarmos, consumirmos, votarmos, em suma, para obter de nós comportamentos em resultado de uma determinada “leitura” do mundo que nos é proposta.

As tecnologias digitais vieram, pela facilitação brutal da produção de réplicas, acelerar este processo que está ainda em desenvolvimento.

É claro que toda a vida em sociedade pressupõe esse condicionamento mas na época actual, com o surgimento de actividades e sectores económicos especializados e dedicados, a meta-informação alcançou proporções esmagadoras.

Os pobres humanos, que se debatem há milénios com os limites das suas percepções na captação do mundo real, são assim ainda mais desmoralizados por mensagens que constantemente se propõem ensinar-lhes a ver o que parecia óbvio.

E o que tem isso a ver com as eleições ?

Os políticos são alguém que considera ter a missão levar-nos a determinados comportamentos sociais, nomeadamente a determinadas escolhas eleitorais.
A persuasão baseia-se no pressuposto de que tais pessoas apreenderam a realidade social (e até a natural) de forma mais completa e mais fidedigna do que nós e se propõem trazer-nos vantagens com base nisso. É um processo em que nós somos convidados a ver o real pelos olhos de outrem em troca de hipotéticos benefícios.

Como se tal não bastasse existem os comentadores políticos.
Estes propõem-se ensinar-nos a “ler” aquilo que os políticos dizem.

Acontece frequentemente o cidadão assistir a uma intervenção produzida por um político, com a duração de dez minutos, e depois estar durante uma hora a escutar três comentadores que caridosamente lhe “explicam” aquilo que acabou de ouvir. É caso para dizer que deveríamos passar a votar nos comentadores.

Recapitulando: o político “explica-nos” o mundo em que vivemos e o comentador “explica-nos” a explicação produzida pelo político. Estamos portanto a receber meta-informação de segundo grau, pelo menos, porque também há comentadores que discorrem sobre as “explicações” dadas por outros comentadores e assim sucessivamente.

Por este processo o mundo real vai ficando cada vez mais longe, soterrado em camadas sucessivas de “explicações” e a sua existência torna-se, no essencial, uma matéria de fé.
Trata-se da mais forte ameaça ao materialismo de que há memória.

Os comentadores estão no mesmo patamar dos videntes.
Se é verdade que não “viram” uma qualquer divindade também é verdade que se lhes “revelou” o mundo, o que não é feito menor. E também eles, como os videntes, são comentadores por razões que escapam aos comuns mortais, são por que são.

No ponto a que as coisas chegaram podemos vir a deparar com uma situação em que os políticos deixam de se preocupar em agradar ao povo e passam a concentrar-se na tarefa de “ganhar” os comentadores; o resto virá por acréscimo.

Já não estamos longe. Já há quem assista a um atropelamento no Rossio mas precise de se convencer da existência do facto dando um “salto” ao blog do Pacheco Pereira.

Na fase final poderemos até correr o risco de ver o Sócrates decretar dois dias de luto nacional pela morte do ABRUPTO (Vá de retro Santanaz !!!).


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sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Lonjuras

A Joana fez duas grandes viagens.
Para ver as fotos da Patagónia e da China clique na imagem:




sexta-feira, fevereiro 04, 2005

ALELUIA ! Temos de novo liberdade de expressão





Fiquei comovido quando ouvi hoje dizer, no Telejornal, que o Professor Marcelo vai voltar; na RTP 1 terá um programa carinhosamente intitulado "as escolhas de Marcelo".

Para dizer o que lhe vai na alma, em horário nobre, ainda receberá concerteza uns cobres.

Nós, que não temos pulpito nem avença, devemos afastar toda a inveja e alegrar-nos; como nos explicaram os clarividentes dirigentes dos partidos de esquerda o que está em causa, mesmo que não pareça, é a liberdade de expressão.

Libertemo-nos pois...

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Eu não critico o Marcelo mas confesso que tenho inveja.

Quem eu não suporto são aqueles que, por não saberem fazer melhor, têm o arrojo de usar politicamente o caso Marcelo invocando o perigo de o Santana acabar com a liberdade de expressão. Trata-se de uma irresponsabilidade do tipo "vem aí o lobo".

O ridículo de tal tese é patente; como poderia acabar com a liberdade de expressão um governo que foi acossado pela maior campanha mediática de sempre e que, como ficou demonstrado, não tinha a menor influência na comunicação social.

Como dizia Alain Minc na entrevista de ontem ao Público:

É Berlusconi quem pode, não é Berlusconi quem quer

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Reformas por onde e quem começar ?

Reformas por onde e quem começar ?
"A nossa vontade reformista está prisioneira de uma certa 'forma de vida'"

por Miguel Poiares Maduro in DN



Em Portugal estamos todos de acordo são necessárias reformas. Não sei até porque se fala tanto de pactos. Uma vez que todos parecem estar de acordo, não é necessário pactuar nada. Dos senadores aos políticos no activo, dos taxistas aos professores, este país está embalado de uma enorme vontade reformista.

Não esperem reformas no entanto. No que concerne às reformas, somos um pouco como aquele grupo de "acção" que no filme dos Monty Python A Vida de Brian planeava libertar Brian ( "representando" a figura de Cristo)

"- Temos de o libertar.

- Sim, não podemos esperar mais, tem de ser agora.

- É isso mesmo, temos de agir.

- Basta de conversa e vamos libertá-lo.

- Sim, temos de passar das palavras aos actos.

- É isso mesmo, vamos agir."

E assim continuavam infinitamente sem darem um passo e com Brian a apodrecer na cadeia.






Mas se estamos todos de acordo quanto à necessidade de mudar, o que impede a reforma em Portugal? Simples as reformas trazem custos e benefícios e mesmo que os benefícios sejam superiores aos custos, estes tendem a ser concentrados e facilmente perfectíveis pelos seus destinatários, enquanto os benefícios são difusos e dilatados no tempo. Enquanto os custos têm frequentemente uma "identidade" que mobiliza quem os sofre, os benefícios das reformas são anónimos (ou pela sua projecção no futuro ou porque não se sabe quem os virá a merecer). Logo, as reformas mobilizam muito mais facilmente contestação do que apoios.

Há alguns aspectos-chave para entender a dificuldade de um projecto reformista. O primeiro tem a ver com aquilo que um Nobel da Economia (Douglas North) designou de path dependence (dependência histórica). Num sentido amplo, este conceito ilustra como qualquer instituição social fica depen- dente da sua história. Num sentido mais simples, corresponde à nossa conhecida frase de que "as coisas são assim porque sempre assim foram". Esta frase não é apenas produto da preguiça. Pelo contrário, ela reflecte os custos envolvidos em qualquer mudança, mesmo uma mudança para muito melhor. Um exemplo há muito que se sabe que os teclados que usamos não são os melhores para permitir uma escrita mais rápida e saudável. Acontece que os teclados surgiram com as máquinas de escrever mecânicas e que a sua concepção técnica não permitia outro teclado. Hoje, tal seria possível. Só que a nossa dependência do teclado clássico (a que todos estamos historicamente habituados) dissuade qualquer mudança para um teclado mais eficiente.

Estes custos de transição associados a qualquer reforma não são insignificantes. Além disso, eles podem ter um impacto redistributivo capaz de mobilizar enorme oposição. Nalguns casos, essa redistribuição é perfeitamente justa mas não deixa de ser difícil de implementar. Imaginemos que a nossa sociedade deixa de ser organizada de acordo com aquilo que já designei, nestas páginas, de princípio da fidelidade (recompensa pela fidelidade ao grupo, ao chefe, aos amigos) para passar a ser organizada com base no mérito. É obvio que isto iria premiar os melhores e penalizar os piores uma redistribuição justa. Acontece que os piores facilmente compreenderiam os riscos que correm e opor-se-ão. Quanto aos melhores, decorre da própria política de mérito a incerteza quanto aos que por ela serão premiados. Logo, uma reforma deste tipo sofre de uma assimetria clara entre os custos e benefícios de um lado e aqueles que deles têm consciência do outro. Consequência: embora os benefícios sejam superiores aos custos, a contestação será superior aos apoios. Há aqui, igualmente, um primeiro paradoxo: quanto mais profundo seja este problema e a necessidade de reforma, maior será esta assimetria e logo mais difícil a reforma.

Noutros casos, os custos de transição inerentes a uma reforma podem ter um impacto redistributivo negativo que exigiria medidas de compensação que garantissem uma efectiva justiça distributiva. Um exemplo pode ser retirado da globalização e liberalização do comércio. O consenso entre os economistas sobre as vantagens de tal liberalização não é seguramente produto de uma qualquer conspiração entre eles para dominarem o mundo (seria interessante dissertar sobre a razão pela qual a análise económica ganhou uma caracterização marcadamente pejorativa). Independentemente das contrapartidas resultantes da abertura de outros mercados aos nossos produtos e por muito anti-intuitivo que tal pareça, a simples sujeição dos nossos produtos à concorrência externa aumenta potencialmente a nossa riqueza! Imaginemos que em Portugal se produz um certo bem mais caro que noutro Estado com que vamos agora ter de concorrer. A consequência para a nossa economia não se limita ao facto de as empresas portuguesas que produzem esse bem terem de fechar. Há contrapartidas que se traduzem num aumento da riqueza nacional.

Em primeiro lugar, os consumidores portugueses vão pagar menos pelo mesmo (ou melhor) produto, ficando dessa forma com mais dinheiro para consumir ou investir noutros bens. Em segundo lugar, o dinheiro que era utilizado na pro- dução ineficiente daquele produto pode agora ser investido na produção de outros bens ou serviços que, por exemplo, não se baseiem tanto em mão-de-obra barata. A lógica é simples ao comprarmos um bem mais barato ficamos com mais dinheiro para comprar outros bens e investir. O problema é que a passagem de um estado económico ao outro não é inócua. Ela tem custos de transição com potenciais impactos redistributivos significativos: aqueles que perdem o emprego com o fim de uma certa produção não são necessariamente os mesmos que vão ganhar com produtos mais baratos ou empregos em novos sectores de actividade. O paradoxo da liberalização do comércio é que, embora ela seja não apenas inevitável mas, igualmente, desejável (não só pelas vantagens que nos traz mas também para promover um desenvolvimento global mais solidário), ela exige, ao mesmo tempo, um reforço dos instrumentos de justiça distributiva. Embora o País enriqueça, há portugueses que podem empobrecer. Acontece que são precisamente aqueles com menos meios que tendem a ser mais afectados por estes custos de transição. Numa sociedade como a nossa, em que os critérios de justiça distributiva ainda são pouco credíveis, é natural que este tipo de reforma suscite oposição.

Este último exemplo permite perceber o último grande obstáculo às reformas em Portugal um problema de acção colectiva. Por onde (ou por quem) se começa? Muitos aceitam a necessidade de reformas mas todos temem que, começando por eles, tais reformas se transformem apenas numa forma de transferir o seu relativo bem-estar para os outros. Esta é a justificação clássica que qualquer português dá para procurar fugir aos impostos, ao mesmo tempo que contesta a evasão fiscal generalizada. É isto que leva, igualmente, a uma imediata contestação de qualquer primeiro passo, no sentido de reformar algum aspecto do sistema fiscal (porquê começar por mim?). A falta de legitimidade global do sistema fiscal leva a contestar qualquer reforma parcial, da mesma forma que a falta de credibilidade dos nossos instrumentos de justiça distributiva leva a contestar qualquer iniciativa de liberalização económica.

As reformas em Portugal dificilmente se farão de forma endógena. Os portugueses querem reformas mas não estão dispostos a passar por um processo de reforma. Estamos demasiados habituados a certos processos de vida para correr o risco de mudar. Há demasiados interesses constituídos que sabem bem os custos da mudança e poucos são aqueles que têm a percepção dos seus potenciais benefícios. A nossa vontade reformista está prisioneira de "certa forma de vida" e de um problema de acção colectiva.

Só através de estímulos externos é que nos reformámos e penso que assim vai continuar a ser. Integração europeia e globalização vão ser os factores exógenos em que vai assentar a energia reformista. Há dias, Rui Ramos defendia que seria possível promover reformas através do nosso sistema político num contexto de efectiva estabilidade política. Só que, como ele reconhecia, tal pressupõe uma atitude cívica que aceite como legítimas reformas que contestamos. Acontece que, em Portugal, o direito à indignação confunde-se com o direito à revolução a oposição a uma determinada política transforma-se facilmente numa oposição ao regime (com cortes de estradas, etc.).

É neste contexto que se compreendem os apelos ao pacto de regime. Consistiria em retirar certas questões do discurso político corrente instituindo uma forma de autodisciplina de todos os actores políticos e sociais. Pessoalmente, penso que este tipo de autodisciplina tem o seu mecanismo próprio numa sociedade democrática é a Constituição. É nela que podemos e devemos concentrar o nosso esforço na procura de combater as assimetrias democráticas identificadas que impedem projectos de reforma.

Miguel Poiares Maduro
miguel.maduro@curia.eu.int

segunda-feira, janeiro 31, 2005

Para Mudar a sério ?






Entrevista do Jerónimo de Sousa ao Expresso em 29 de Janeiro 2005.

Como estou farto de dizer as coisas não são nada claras...

- agora luta-se por uma "democracia avançada", mas não se sabe quando estará pronta...
Na "democracia avançada" as "eleições e a democracia são intrísecas" (como não podia deixar de ser).
Na "democracia avançada", tal como hoje, há a "coexistência do sector público, privado e cooperativo".
Não se pode dizer que seja grande definição.

- depois da "democracia avançada" vem o socialismo.
A definição de socialismo é: "um sistema que vem depois da democracia avançada" ou, se quisermos, um "horizonte"

- como se isto não bastasse o comunismo só vem depois do socialismo.
No dia de São Nunca ?

Acho tudo isto confrangedor.

Mas não pensem que o digo contra o Jerónimo de Sousa ou o PCP.
Não há ninguém nos partidos de esquerda que esteja a dizer mais ou melhor do que isto.