sexta-feira, março 11, 2005

José Gil e os portugueses (II)




Em 27 de Fevereiro, "inscrevi" neste blog algumas considerações que tiveram como ponto de partida a leitura de "Portugal Hoje - O Medo de Existir", de José Gil. Continuo agora.

Diz o autor que, em nome do "bom senso", continuamos a defender alguns baluartes do salazarismo: ausência de excessos, mediania, defesa da coesão civil, recusa de enfrentamentos. "A norma é a estabilidade social, a não conflitualidade, o bom senso", num centro que é "o espaço nuclear da norma invisível, da moralidade aceitável, a esfera do possível e do desejável".

Como reler isto sem pensar na recente campanha eleitoral, com os argumentos - que resultaram - sobre o voto indispensável no PS para assegurar uma maioria absoluta e, portanto, "estável"? Depois de garantida a expulsão de Santana Lopes, o mais importante passou a ser evitar o confronto das esquerdas num entendimento necessário se a maioria do PS fosse apenas relativa. Deu-se como adquirido que, em Portugal, este exercício seria votado ao fracasso, precisamente porque não se acredita nas virtualidades dos conflitos, mas sim na bondade indiscutível dos consensos (como se fossem estes os motores da História...). Nunca saberemos se foi assim perdida uma ocasião única para o amadurecimento da nossa democracia. Ficamos reduzidos a considerações genéricas sobre o que eram os futuríveis - ou futuros possíveis, como se preferir.

Mas aí a temos, a maioria estável. Aproveitemo-la então: agora que as direitas esfarrapadas tentam refundar-se e que o PS não precisa de ninguém e se organiza para tomar conta de nós, seria bom que as esquerdas aproveitassem a pausa para se debruçarem sobre questões de fundo, em vez de continuarem entretidas com outras bem mais desinteressantes e que não lhes dizem verdadeiramente respeito, como as possíveis lideranças do PSD e do PP ou as subtis diferenças nos perfis dos governantes de José Sócrates.

Um exemplo: a questão da Europa. Neste ponto, o grande “centrão” – PS, PSD e PP – estará sempre de acordo no fundamental. Vamos todos os outros assistir passivamnente a esta fase histórica, tão crítica, do continente europeu? Somos pessimistas ao ponto de acreditarmos que, de tão velho, está mais ou menos moribundo e que não vai resistir a invasões de chineses e outros? Partilhamos as convicções e as esperanças de Manuel Castells (não perder a importante entrevista ao “Público” de hoje, 10.3.2005)? Desejamos, no máximo, uma Europa mais “social oriented” que os EUA, mais finlandesa do que californiana? Há lugar para algum contraditório ideológico à esquerda? Não vale a pena, pelo menos, discutir? Onde e como?

Nesta e noutras questões, a blogosgera pode desempenhar um papel importante, ajudando mesmo a passar o debate para os grandes meios de comunicação social.

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