Sejam quais forem os efeitos da turbulência política na Tailândia, estes não irão contribuir para a causa da democracia na China. As imagens de protestantes pró-democracia e da consequente repressão militar no centro de Banguecoque foram transmitidas pelos meios de comunicação chineses sem nenhuma parcialidade aparente. De facto, a China não precisava de embelezar a mensagem política que chegava da Tailândia.
Se um país religioso, relativamente próspero e conhecido como a "terra dos sorrisos" pode tão rapidamente degenerar numa sangrenta guerra de classes, o que ocorreria se o Partido Comunista Chinês perdesse o seu monopólio no poder? Não é difícil imaginar uma rebelião de "camisolas vermelhas" ao estilo chinês, com dirigentes populistas que exploram o ressentimento e jovens exaltados a incendiar símbolos do poder e do privilégio de Pequim.
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Poderá a China tornar-se num país mais aberto sem seguir a via do multipartidarismo? De facto, o grande pensador político britânico do século XIX, John Stuart Mill, defendia um governo liberal sem multipartidarismo. No seu clássico "Considerations on Representative Government", argumenta que numa democracia é mais provável que o partido da maioria seja constituído por aqueles que "se agarram com maior tenacidade ao exclusivo interesse da classe".
Em vez de diversos partidos políticos, Mill defendia eleições democráticas submetidas a um mecanismo como votos extra para pessoas com estudos e mecanismos institucionais para proteger os direitos das minorias. Na opinião de Mill, uma sociedade aberta governada, principalmente, por elites educadas é a forma de governo mais conveniente.
Da mesma forma, a tradição confuciana destaca, há muito tempo, o valor da meritocracia política. O próprio Confúcio sublinhou que todos devem ter igualdade de oportunidades no acesso à educação. Mas nem todos acabarão por ter a mesma capacidade para formular juízos morais e políticos bem fundamentados.
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O Partido Comunista chinês está a tornar-se mais meritocrático. Desde os anos 80, uma percentagem cada vez maior dos dirigentes tem grau universitário e as promoções têm em conta os exames realizados. Mas escolher elites educadas é apenas uma parte da história.
É suposto as elites governarem em prol do interesse de todos e permitir que as suas vozes sejam ouvidas. Na prática, significa um sistema político mais aberto e representativo, mas não necessariamente multipartidário.
Excertos do texto de Daniel A. Bell que pode ser lido AQUI
Hoje já ninguém tem dúvidas sobre as perversões que afectam a democracia multipartidária. Eu sou levado a pensar que se trata de uma criação notável do espírito humano que os homens, pelo menos nos dias que correm, não sabem usar e de certa forma não merecem.
A democracia tal como a praticamos hoje em Portugal maximiza, sem dúvida, a liberdade de acção política; mas cada vez se mostra mais impotente para assegurar que somos governados pelos melhores e que a governação se faz para atender ao interesse geral.
Se a isto juntarmos as dúvidas sobre a validade da sua aplicação mecânica a todas as circunstâncias e a todas as culturas, fácilmente saudamos qualquer discussão que se proponha equacionar alternativas ao modelo rígido que vem sendo usado no "Ocidente" e exportado, nem sempre de forma pacífica, para o resto mundo.
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6 comentários:
Concordo com uma revisita às ideias de Stuart Mill, e se calhar não perdemos nada com isso, antes pelo contrário.
Este espectáculo da demagogia das lideranças partidárias faz parte da aprendizagem das massas. Bem pior tem sido a sua ausência; aqui, antes de 74, e por todo o lado, ainda hoje. Tendemos a confundir os seus excessos com a ausência de virtudes. O grande problema reside na corrupção e na falta de independência e na ineficácia da justiça, que torna os poderosos impunes..
A bondade do partido único é uma ilusão, que acabará por ser paga bem cara. A vida tem-no confirmado; o comunismo foi a última dessas grandes ilusões; e a China, como resto desse mundo concentracionário, não é excepção. Assim como não está sendo excepção para o capitalismo, também não o será para a democracia pluripartidária, que é o seu melhor reverso.
A situação actual na China, em que o PC ainda se julga imbuído de alguma da fé da profecia redentora do comunismo e, por isso, se arroga a exclusividade da representação dos interesses, particulares e nacional, sendo embora já um partido multiclassista, constituirá uma situação transitória. Durará enquanto os interesses das diversas fracções da classe dominante e dos trabalhadores convergirem sem grandes clivagens nesta fase de acumulação rápida. Depois, se verá.
Não há-de ser pelo multipartidarismo, e pela conflitualidade social e política com ele mais visível, que o grande Império se desmoronará. Eventualmente, a médio prazo, poderá ter de encontrar novas expressões políticas para as diversas nacionalidades, mas isso não implicará o desmembramento enquanto Estado soberano; aumentará a diversidade e, com isso, a melhoria da resolução dos problemas.
A conflitualidade social existe, é uma realidade, e na China, devido à fase desenvolvimentista acelerada, tenderá a agudizar-se. Ocultá-la ou disfarçá-la pela inexistência de representação partidária diversa seria como tentar tapar o Sol com a peneira. E uma situação desse tipo, não nos iludamos, favorece sempre os mais fortes.
Desde sempre que a democracia multi-partidária foi reconhecidamente o pior dos sistemas políticos, com excepção de todos os outros.
Um sistema em que os líderes são escolhidos pelos seus méritos é infinitamente melhor. Que a história nunca tenha confirmado esta evidência esmagadora, é um mistério inexplicável.
A não ser que nos sistemas baseados no mérito e não na concorrência entre partidos o mérito seja "cozinhado" dentro do partido único...
Manuel,
atendendo ao evidente impasse a que o multi-partidarismo, na sua forma actual, está a chegar faríamos bem em inventar qualquer coisa melhor.
Até porque se trata de um sistema velho, anterior às tecnologias de que hoje dispomos.
Se o não fizermos a realidade o fará, com a emergência de mais uma ditadura indesejável.
"A conflitualidade social existe", sem dúvida, mas a luta partidária pelo poder é muito mais do que luta de classes.
Acrescenta uma camada artificial, inutil e mistificadora, à "conflitualidade social".
As pessoas são canalisadas eleitoralmente para votar em "personalidades" e a ter fé que elas resolverão os seus problemas.
Os conteúdos e soluções são completamente subalternizados no autêntico concurso "miss simpatia" que são as campanhas; veja-se como Sócrates se fez eleger omitindo em Setembro qualquer referência à dívida externa que nos arrasa actualmente.
A mediatização da política, e a fulanização daí resultante, são um componente da sociedade do espectáculo em que vivemos, em que a futilidade e o efémero deslumbram a maioria do pessoal. E este prefere o espectáculo em que participa à panaceia da felicidade pregada pelas religiões, sejam sagradas ou profanas.
Pouco há a fazer contra isso. O pessoal irá apercebendo-se do que servirá menos mal os seus interesses. Mesmo que seja pela crueza da falência e da bancarrota dos regimes económico-sociais, como foi e está sendo o caso do comunismo e dalgumas sociedades capitalistas dependentes. Só se aprende pela prática. Não há iluminados, nem máquinas adivinhadoras que tomem decisões virtuosas. Isso, só nas nossas cabeças.
Neste regime do trabalho assalariado, a classe dominante ainda não arranjou melhor para se ir governando. E para se ir governando tem de nos ir governando. Por isto, não estou, tampouco, tentado a concordar que a democracia burguesa representativa tenha esgotado as suas virtualidades e não possa ainda ser melhorada. Ainda que com muito espectáculo à mistura.
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