quinta-feira, março 21, 2024

Política de ficção




O regresso às urnas de milhares de portugueses, em 2024, provocou um cataclismo político. Percebemos subitamente que o “cenário” político em que temos vivido é uma ficção.
Um partido que, ainda há pouco, se temia pudesse perpetuar-se no poder com a sua maioria absoluta foi reduzido aos 28% de um momento para o outro.
Tudo isso se deve ao facto de termos, durante demasiado tempo, interpretado a abstenção como um sinal de desinteresse e apatia política; agora ficou claro que, pelo menos em parte, a abstenção resulta de irritação e impotência dos eleitores que se cansaram dos partidos “velhos” e não se revêem nos partidos “novos”.
Quando olhamos para o gráfico do número de votantes ao longo do século XXI podemos portanto perceber, pelo afastamento ou regresso dos eleitores, que governos os afastaram e que oposições os trouxeram de volta.
Nas eleições legislativas de 2005 verificou-se uma grande participação eleitoral (5.713.640) presumivelmente resultante da retórica com que Sócrates se candidatou, um tanto fora da caixa, com laivos de justiceiro contra os interesses instalados.
A partir de 2005 o número de votantes baixou sempre, atingindo o seu valor mais baixo em 2019 (5.251.064), logo a seguir ao governo da “Geringonça”.
Digamos que em 2019 a “gaveta” dos irritados e impotentes estava a abarrotar; talvez não por acaso foi nesse ano que se constituiu o partido Chega.
O aumento de votantes em 2022 (5.389.705) e a explosão da participação eleitoral em 2024 (6.473.789) não podem deixar de ser associados à emergência e afirmação do Chega.
Bem ou mal, os irritados e impotentes abstencionistas tinham finalmente encontrado uma forma de se expressar politicamente, e fizeram-no com estrondo.
A democracia adormecida que durante muito tempo varrera a contestação para debaixo do tapete, acordou do seu sonho. De repente já nada é como era, e percebemos todos que a nossa vida política tinha bases instáveis.
Mais perturbante ainda é o facto de na “gaveta” da abstenção ainda estarem muitas centenas de milhares de portugueses que esperam não sabemos o quê para voltar a votar.

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