António Vitorino, um homem com as ideias bem arrumadas, produziu no DN de 6/6/2008, um texto intitulado "Separação de águas". Referindo-se à "crise energética", à "crise alimentar" e à "crise do subprime" diz, entre outras coisas, o seguinte:
É evidente que, nos três casos, estamos perante crises típicas do sistema capitalista que dão origem a leituras distintas e efectivamente contrapostas em vários quadrantes políticos.
Há quem nelas identifique a entrada numa fase terminal do sistema capitalista, logo centrando as suas preocupações e o seu discurso na procura de um outro modelo económico alternativo.
Por contraste, há quem nelas veja a convergência de três bolhas do sistema que crescem e explodem, gerando uma crise de macrodimensão que vai determinar a entrada num novo ciclo de transformação do próprio sistema capitalista.
Há nestas duas visões uma clara separação de águas não apenas na perspectiva das orientações políticas a prosseguir no quadro da resposta à crise mas também no plano ideológico mais geral.
O sistema capitalista tem a inegável vantagem comparativa de ser o único até hoje que passou a prova dos factos, contemplando ao mesmo tempo liberdade e desenvolvimento económico. Mas isso não o isenta de perversões e excessos, que estão na base de ciclos de crise onde as contradições conhecem momentos de explosão que conduzem à reconfiguração de variáveis essenciais do próprio sistema.
...
A este dilema uns respondem com a exigência de mais liberdade de mercado, vendo a crise como um momento de "destruição criativa" do próprio sistema e outros colocam o acento tónico na necessidade de reformulação e refinação dos mecanismos regulatórios à escala planetária. Aqui se separam os liberais puros dos socialistas e sociais-democratas.
Já para os que vêem nesta tripla crise o "canto do cisne" do capitalismo global, sendo prudentes na formulação de um tal modelo económico alternativo, por forma a evitarem identificações embaraçosas com outros bem recentes que levaram à implosão da União Soviética, colocam o acento tónico numa "cidadania global" que deveria fundar a prevalência dos valores de solidariedade e de coesão sobre os valores da liberdade de circulação dos capitais e da iniciativa económica privada. Mas no meio da nebulosa deste posicionamento político e ideológico, as águas também se separam entre os que procuram sobretudo respostas globais (do tipo "taxa Tobin" para as transacções financeiras internacionais em nome de valores de redistribuição global) e os que preconizam pura e simplesmente o retorno ao proteccionismo nacional (reforçado pela nacionalização dos sectores económicos estratégicos).
E é aqui que também as águas se separam entre as esquerdas... Mesmo entre as esquerdas da esquerda!
A "taxa Tobin" vem sempre à baila nestas situações como a ideia mais radical apesar de não passar das cócegas ao sistema.
É natural que António Vitorino não fique chocado com a inexistência de alternativas claras para quando ocorrer o tal "canto do cisne" do capitalismo, como o texto explica não é essa a opção dele.
Mas nas "esquerdas da esquerda" não há mesmo ninguém que se revolte contra estas águas turvas ?
P.S. Na mesma linha Ver aqui como Rui Tavares confessa que "a verdadinha é que toda a gente é hoje mais ou menos reformista e social-democrata"
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Um outro Tony Blair e de fancaria
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*Kyiv agora usa mísseis britânicos Storm Shadow para atacar a Rússia. Esta
“estratégia anti-Trump” carece extremamente de visão.*
Fonte: Responsible Sta...
Há 1 hora
2 comentários:
E a super-estrutura política da nova base económica pós-capitalista: chamar-se-á ainda Democracia, democracia, ou... outra coisa?
cumps
nelson anjos
Caro Nelson Anjos,
ainda estamos na fase de tentar perceber como funcionará uma economia alternativa.
Penso que a tecnologia, que está em vias de tornar o capitalismo obsoleto, nos dará também os instrumentos para votações descentralizadas e frequentes.
O maior desafia será articular e preservar a coerência do novo sistema.
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