quarta-feira, dezembro 05, 2007

“Lenine e a Revolução” de Jean Salem – Uma análise crítica – Parte I

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Foi lançado com pompa e circunstância o livro das Edições Avante!, de Jean Salem, Lenine e a Revolução. Contou coma presença de José Barata Moura e de Francisco Melo, responsável por aquela editora e membro do Comité Central do PCP. Já sabe que este último, na linha da rubrica Opinião, do jornal Avante!, não se eximiu de dar as ferroadas do costume à esquerda, tendo dito que “no PCP «não alinhamos» na moda de apresentar «os anais do comunismo como um itinerário de erros e tragédias». Até porque, para a história da derrota do socialismo real, contribuíram também «pretensos renovadores que sepultaram com isso a sua própria identidade de comunistas»".
Este livro já tinha sido antecedido de uma entrevista ao seu autor, publicada no referido jornal , bem como de um artigo de opinião de Miguel Urbano Rodrigues, ainda relativo à edição francesa, e publicado inicialmente em ODiário.info e transcrito por Resistir.info , juntando assim dois sites que pensava que estavam de candeias às avessas.
Jean Salem já tinha apresentado este livro ou pelo menos o seu prefácio no II Encontro Internacional de Serpa, que decorreu a 5, 6 e 7 de Outubro, sob o lema Civilização ou Barbárie. O encontro foi organizado pelo site de ODiario.info ao contrário do primeiro que tinha sido pelo Resistir.info . Este, segundo consta, não teve o beneplácito oficial da Direcção do PCP, pois só depois de ele se ter realizado é que apareceu uma notícia minúscula no Avante! . No entanto, e reconhecendo que tudo isto é pequena intriga, quero desde já sublinhar a qualidade de muitos dos intervenientes internacionais, em que se destaca a presença de Samir Amim ou de István Mészáros e simultaneamente o caracter quase confidencial deste Encontro. Pela qualidade dos participantes e pelos assuntos a discutir esta realização mereceria outra divulgação, que suspeito nada tem a ver com o boicote dos media, mas com o local escolhido para a sua concretização e o sectarismo dos organizadores, que são incapazes de pôr em confronto, numa discussão aberta, as diversas correntes da esquerda.
Mas voltemos ao livro. Este é constituído por três partes, de valor e tamanho desigual. Uma primeira, o prefácio, que visa desmascarar a operação a que se tem dedicado a intelectualidade dominante relativamente ao movimento comunista, à Revolução de Outubro e à URSS. A segunda, a mais controversa, que retoma o título do livro e em que o autor pretende em seis teses descrever o que Lenine pensava sobre a Revolução e a última, em forma de posfácio, muito sintético, a que o autor chama pomposamente “Dez minutos para acabar com o capitalismo”, tenta desmascarar algumas das ideias dominantes da sociedade capitalista.
No prefácio ficamos a saber que o autor é filho de um velho comunista franco-argelino Henri Alleg, que se tornou célebre porque durante a Guerra da Argélia denunciou num livro, La Question, a tortura a que tinha sido submetido pelos pára-quedistas franceses, quando foi preso na Argélia ainda sob domínio francês. Posteriormente, já em França evadiu-se da cadeia e fugiu para a Checoslováquia, o que levou o autor a ter passado parte da sua infância na Rússia, tal como muitos dos filhos dos clandestinos portugueses.
No prefácio, igualmente, o autor denuncia “aquilo que, em 2006, se diz geralmente da URSS antes e durante a Segunda Guerra Mundial; aquilo que se diz sobre os setenta anos soviéticos, que se staliniza inteiramente; aquilo que se diz acerca do “totalitarismo”, conceito onde cabe tudo; e aquilo que se diz... sobre o fim da União Soviética”.
Para cada um destes pontos referidos dá, entre outros, os seguintes exemplos: segundo uma sondagem a maioria dos jovens franceses considerava que a URSS tinha sido aliada da Alemanha hitleriana durante a II Guerra Mundial, vítimas da referência constante nos media dominantes ao pacto germano-soviético. Recorda igualmente um artigo de Moshe Lewwin, em que este fala da impostura que consiste em “stalinizar” a totalidade da história da URSS, “a qual, do princípio ao fim, nunca teria sido mais do que um imenso “gulag”, uniforme e recomeçado.” Ou ainda relembra Hannah Arendt (As Origens do Totalitarismo - Dom Quixote) que escreve “que os sistemas nazi e bolchevique” não são mais do que “duas variantes do mesmo modelo”. O que leva o historiador Ernest Nolte a perguntar “O assassino por pertença de classe” perpetrado pelos bolcheviques não será o precedente lógico e factual do “assassino por pertença racial perpetrado pelos nazis?” Afirmando depois aquele historiador, porque “Auschwitz” resultaria “principalmente... de uma reacção, ela própria fruto da angústia suscitada pelos actos de extermínio cometidos pela revolução russa”.
Termina este prefácio com a parte mais controversa ao recusar explicitamente a tese de Moshe Lewin que “não foi a corrida aos armamentos... que causou a morte da URSS, embora tenha tido influência”. O “factor decisivo” devia ser procurado “nos mecanismos próprios do sistema soviético”. Para Jean Salem a causa não poderia “ser separada da formidável pressão exercida pelo campo adverso”. E neste caso, o nosso autor não recorre, como o homem do Comité Central, citado no início, aos «pretensos renovadores que sepultaram com isso a sua própria identidade de comunistas».
Posso afirmar que este prefácio faz uma crítica despretensiosa, apesar de nem sempre muito bem estruturada, à ofensiva ideológica contra o comunismo expressa pela literatura política dominante, hoje rapidamente vertida para português. É que presentemente, sem cairmos na defesa do estalinismo e dos seus crimes e tendo sempre uma visão crítica daquilo em que se tornou o “socialismo real”, há a necessidade, muitas vezes contra outras correntes de esquerda, de esclarecer e valorizar o que foi a Revolução de Outubro e o papel que Lenine e os outros chefes revolucionários, como Trotski ou Bukharine, desempenharam na sua concretização e nas orientações seguidas nos primeiros anos do Estado Soviético.
A análise e a crítica à parte dedicada ao Lenine e a Revolução ficam para um segundo artigo.

7 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Ultimamente tenho encontrado, aqui e ali, esta "explicação" para o colapso da URSS e do socialismo real; teria sido a resistência feroz dos adversários.

Parece-me uma ideia muito fraca.
Seria razoável
esperar o contrário ?
Não foi sempre assim ?
Não faz parte da teoria marxista a luta de classes ?
O desenvolvimento capitalista inicial foi apadrinhado pelos senhores feudais ?

o castendo disse...

Caro Fernando,
Estive no II Encontro Internacional de Serpa e deixa-me que te diga três coisa.
Acho muito bem a escolha do local (tem de ser tudo no litoral, ou em Lisboa???). Sei que não é isso que pensas, mas é isso que se pode deduzir do que escrevestes. Quanto à intriga é mesmo intriga e fica-te mal. Quem do PCP quis participar, participou e ponto final.Como diria o outro «não havia nexexidade». Já agora o que não faltou lá foi confronto de ideias entre marxistas, quer nas intervenções escritas, quer nas discussões que se lhes seguiram.
Finalmente houve mesmo boicote da comunicação social. Mas depois de se constatar a «cobertura» da Conferência do PCP sobre Questões Económicas e Sociais e das suas iniciativas (análises sectoriais) preparatórias não há nada a dizer.

F. Penim Redondo disse...

Caro Castendo,

o teu comentário é certamente dirigido ao autor do post, o Jorge Nascimento Fernandes

o castendo disse...

Caro Fernando,
É o que dá ler sem ver o autor...
As minhas desculpas aos dois

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Lamento mas não percebo as objecções do Fernando. Parece-me que resulta claro do meu texto que eu perfilho a opinião de Moshe Lewin que o “factor decisivo” devia ser procurado “nos mecanismos próprios do sistema soviético” e não a do autor do livro que a causa não poderia “ser separada da formidável pressão exercida pelo campo adverso”. Entendo eu que não sendo a URRS um Estado socialista, mas que poderíamos caracterizar como de capitalismo de Estado, a sua classe dirigente prosseguiria melhor os seus objectivos em regimen capitalista, com a apropriação individual das mais-valias do que com a ficção e os entraves externos de se chamar socialista. Foram os próceres da nomenclatura que em poucos meses se transformaram em milionários.
Quanto ao António Vilarigues. Como o Partido me excluiu do seu seio não tenho obrigação estatutária de não divulgar aquilo que o Partido não gosta de ouvir, apesar de ter sentido crítico suficiente para achar que o que disse pode ser considerado como pequena intriga.
Quanto à liberdade do que se lá disse e das opiniões manifestadas não tenho a mais pequena dúvida, até porque sublinhei a grande qualidade dos intervenientes internacionais. Quanto ao local, que me desculpem os de Serpa, mas a realização do encontro lá terá sempre muito menor audiência que qualquer realização numa zona mais acessível. No entanto, tudo depende do objectivo que se pretende alcançar com a iniciativa: se, aproveitando um local aprazível, se pretende pôr um pequeno grupo a discutir temas interessantes ou se quer obter uma ampla participação. Quanto ao sectarismo não me estou a referir ao dos participantes, mas sim ao dos organizadores que não procuram tornar isto extensivo a outras correntes de esquerda, mas isto é o mal geral da nossa esquerda, que se acantona cada uma na sua capelinha.

F. Penim Redondo disse...

Caro Jorge, eu não disse que tu pensavas isto ou aquilo, percebi que estavas a citar o Salem.
Só disse que nos ultimos tempos esse argumento me tem surgido no caminho.

Anónimo disse...

"Como o Partido me excluiu do seu seio"? Não terá sido antes o Jorge Nascimento Fernandes a afastar-se?