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O Arquivo Fotográfico Municipal revelou-se-me recentemente. É uma mina onde podemos redescobrir a rua da nossa da infância.
Lá fui encontrar, entre outros tesouros para a memória, fotografias do velho "Cine Oriente" onde fiz a minha iniciação ao cinema no fim dos anos cinquenta.
Eu morava então na Av. General Roçadas ao fundo da qual, num desvio ladeado de muros altos, se erguia (se ergue ?) a sala do Cine Oriente.
A miudagem pegava numa dúzia de "livros aos quadradinhos", já lidos, e vendia-os à porta do "piolho", que era a alcunha do cinema, angariando assim o dinheiro para o bilhete.
Podia acontecer, e acontecia, que um matulão qualquer se apropriasse do espólio e nos obrigasse a voltar para casa, de mãos a abanar, sem direito a ver o filme. Com a semana arruinada.
As sessões do "piolho" não tinham rival na fruição física do cinema, o ar chegava a ser irrespirável, as paredes escorriam humidade e o ruído era ensurdecedor.
As cenas de suspense provocavam enorme gritaria com que se pretendia avisar o herói prestes a ser atacado pelas costas. As cadeiras de pau, basculantes, eram usadas como instrumentos de percussão que levavam os decibéis a níveis insuportáveis.
Tal animação só a reencontrei, em Bissau, no fim dos anos 60 quando os miudos negros, precariamente sentados quase em cima do ecran, vibravam com o heroismo dos índios contra os cowboys.
As boazonas de então e as "cenas de sexo", cuja ousadia à época todos podem imaginar, desencadeavam pelo escuro esquivas formas de masturbação que me dispenso de esmiuçar.
No ecran havia o Tarzan, os filmes sobre a segunda guerra, e também os fimes de episódios que entretanto caíram em desuso. Se bem me lembro havia um "mascarilha" cujas aventuras e pancadarias se sucediam sob a forma de vários episódios curtos. Ao longo da tarde víamos suceder-se, numerados, uma porrada deles.
Se calhar, mas não garanto, também lá vi filmes de que ainda hoje gosto muito como "A queda de um corpo" (The Harder They Fall) de Mark Robson, "O mundo é um manicómio" (Arsenic and Old Lace) de Capra e "O quinteto era de cordas" (The lady killers) de Mackendrick.
quinta-feira, dezembro 06, 2007
O Cine Oriente, mais conhecido por "o piolho"
Publicado por
F. Penim Redondo
Hora da publicação: 12:34
Etiquetas: afectos, cidade-autarquias, cinema-cineclubismo, curiosidades, Fernando Penim Redondo, memorias-biografias, museus-patrimonio
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4 comentários:
“Piolho” eram todos eles. Havia um no Martim Moniz que também era o piolho, penso que também havia outro na Calçada do Combro. Não sei se o "Promotora" em Alcântara também se designava genericamente por piolho. Para os mais novos, o nome piolho vem precisamente porque se apanhavam estes interessantes insectos naqueles cinemas.
Eu acho que só uma vez fui ao Cine Oriente. A memória que eu tenho é de que os filmes eram intragáveis. Provavelmente os que referes nunca os viste lá. O cinema que eu frequentava mais era o Royal, na Rua da Graça, e aí por vezes apanhavam-se algumas preciosidades. Havia também a Voz de Operário, onde eu passei pela primeira vez por 18 anos, quando ainda tinha 14. Fui ver a “Gilda”, nunca mais me esqueci.
Se houve alguma coisa que mudou muito em Portugal foi a maneira de ver cinema. Poderíamos passar aqui horas a falar deste assunto, pois hoje tudo é diferente.
Fernando, estas descobertas são giríssimas. Continua.
Até porque, tarde ou cedo, chega-se ao revivalismo - até tu!
Para o Jorge:
Fazes bem em lembrar que "piolho" era uma designação mais geral.
Também tenho muitas dúvidas sobre se terá sido lá que vi os filmes mencionados.
Hei-de ver se encontro o Royal, qu eu também frequentava, no Arquivo.
Para a Joana:
Vais ter que me explicar esse "até tu"...
A designação do cinema "piolho" era atribuída ao Salão Lisboa no Martim Moniz.Outros cinemas de bairro, casos do Cine Oriente, Max e outros tinham também más condições. A partir de 1956 e durante alguns anos eu e a malta do bairro(morávamos na Barão de Sabrosa) em pleno bairro do Alto do Pina, íamos semanalmente, ao domingo, ao Cine Oriente. Os bilhetes da plateia custavam 2$50, 2º balcão 3$00 e o 1ºbalcão, que era apenas uma fila, era 3$50. Para ter bilhete garantido, dávamos 1$00 ao porteiro(mínimo exigido) que nos deixava entrar antecipadamente, para o interior, que dava acesso à bilheteira.Eram sempre dois filmes, de cowboys, de aventuras ou de guerra.Ao intervalo havia um indivíduo a vender "esticas" uma espécie de chupa chupas, envoltos num papel, que colávamos nas costas da cadeira do parceiro da frente e quando alguém metia os pés nos assentos das cadeiras, lá vinha o porteiro avisar"tirem daí as patas".Quando saíamos do cinema, lá íamos nós para as barracas que havia nos terrenos circundantes, beber uns pirolitos e jogar aos matraquilhos.Depois regressávamos a casa felizes e contentes da vida. No lugar do cinema existe uma estação dos correios.O Max, na Barão de Sabrosa que também frequentava na altura, é hoje uma igreja evangélica.O Imperial, o Liz, o Star,o Roxy, o Império, o Estúdio, o Roma , o Alvalade e o Londres, foram fechando e já fazem parte do passado.Tempos que já lá vão... Cumprimentos a todos
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