terça-feira, dezembro 26, 2006

Pollicino (O Pequeno Polegar)



Escrita a pensar nas crianças, Pollicino é uma adaptação do conto tradicional, popularizado por Joseph Jacobs, Perrault, Irmãos Grimm ou Hans Christian Andersen . "Na verdade, a história do Polegarzinho nunca me atraiu muito", confessa o encenador. "Mas a versão de Henze é de um grande optimismo. Exalta-se a renovação da natureza e das gerações, a cumplicidade e a solidariedade. Neste mundo de pessimismo, de terrorismo e de velhos do Restelo sempre a dizer que as novas gerações não prestam, faz falta uma obra assim."

Na verdade, em O Pequeno Polegar o mau da fita não é só o Ogre (interpretação pouco cantada mas muito divertida de Luís Miguel Cintra), mas são todos os adultos, "incapazes de lidar com os seus problemas", como explica Eugénio Sena. Os pais de Polegarzinho (Ana Brandão e Mário Redondo) não têm dinheiro nem comida e preferem abandonar os filhos na floresta a procurar outra solução; e a mulher do Ogre (Sílvia Filipe) sofre calada a violência do marido.

Todo o restante elenco é composto por crianças, quase 50 divididas por dois elencos, e que representam o lado bom desta história: Polegarzinho e seus irmãos, as filhas do Ogre, os animais do bosque. Todos juntos, numa lição de entre-ajuda, os mais pequenos vão conseguir atravessar o rio e sobreviver à maldade dos "grandes". Quem sabe eles, com as suas vozes afinadas, consigam também contrariar a profecia enunciada pelo pai, logo no início, de que "quem é rico continua sempre mais rico, quem é pobre continuará sempre a pagar".

Ficha Técnica
Estreia em Portugal da única ópera infantil de Hans Werner Henze
em co-produção com o Teatro Nacional de São Carlos.
Direcção Musical João Paulo Santos
Versão portuguesa e Encenação Eugénio Sena
Cenografia e Figurinos Pedro Proença
Desenho de luz Horácio Fernandes
Interpretação Ana Brandão (Mãe de Pollicino), Luis Miguel Cintra (Ogre), Sílvia Filipe (Mulher do Ogre), Mário Redondo (Pai de Pollicino) e cerca de 40 crianças e jovens
Elementos da Orquestra Sinfónica Portuguesa


Na Culturgeste
até 28 de Dezembro

1 comentário:

Anónimo disse...

Depois de Help, Help, The Globolinks, de Menotti, em 2000, e de Cinderella, de Maxwell Davies ( 2002), a ópera para crianças regressou à Culturgest, com mais uma encenação de Eugénio Sena. Desta vez a obra eleita foi Pollicino, de Henze, e a produção que estreou na sexta-feira foi acolhida com merecido entusiasmo e um silêncio revelador da parte das muitas crianças da assistência durante a hora e meia que durou o espectáculo.
Escrita em 1980 para as crianças de Montepulciano (na Toscânia), onde Henze tinha criado em 1976 o festival Cantiere Internazionale d"Arte que pretendia envolver participantes de todas as idades e níveis artísticos, Pollicino inspira-se no conhecido conto O Pequeno Polegar. Henze baseia-se sobretudo na versão de Collodi, mas confere-lhe um final distinto simbólico. A principal lição é a solidariedade entre as crianças (no final Polegarzinho e os seus irmãos fogem com as filhas do Ogre) que têm que passar uma grande prova (o rio) sem a ajuda da magia e se libertam do mundo dos adultos (exemplos pouco edificantes, instalados na rotina) para começar uma nova vida.
Como é habitual em Henze, referências musicais ecléticas (populares e eruditas) são habilmente colocadas ao serviço da dramaturgia, ainda que abuse um bocadinho de certos clichés nos recitativos. A música de Pollicino é melodicamente apelativa e possui uma instrumentação muito colorida, com instrumentos da orquestra sinfónica, guitarra, órgão eléctrico e instrumental Orff (flautas de bisel e percussões). Excelente a ideia de usar o cromorne associado ao Ogre.
Sob a direcção de João Paulo Santos, alguns músicos da Sinfónica Portuguesa e vários convidados ofereceram uma interpretação com texturas claras (se bem que com uma certa falta de brilho nas cordas) e souberam transmitir a variedade de ambientes da partitura.
Um dos maiores trunfos desta produção é, porém, a fantástica cenografia de Pedro Proença e os figurinos (de Pedro Proença e Maria Gonzaga). Em articulação com a inteligente encenação de Eugénio Sena (ver PÚBLICO de 21-12) captam em permanência a atenção do espectador e compensam alguns momentos mais estáticos em que se notou uma certa perda de energia teatral e musical mas que provavelmente ganharão maior fluidez nas próximas récitas. São pequenos detalhes a olear num trabalho de louvável profissionalismo que coordena quase 40 crianças.
Nos quatro papéis de adultos, Henze preferia actores que cantassem em vez de cantores profissionais. Na Culturgest contámos com dois intérpretes com formação na área do canto e do teatro (Mário Redondo, um óptimo Pai de Pollicino e a excelente Sílvia Filipe como a Mulher do Ogre). A actriz Ana Brandão (mãe de Pollicino), que já gravou um CD com o contrabaixista Carlos Bica, conciliou bem as duas vertentes e tivemos a surpresa de ver Luís Miguel Cintra fazer um papel quase sempre cantado (ainda que quase sempre em recitativo), que deu ao Ogre uma engraçada dimensão caricatural.
Quanto ao desempenho vocal das crianças, o destaque vai para Pollicino (Manuel Ferrer) e os seus irmãos (bonitas vozes, aprumo técnico, musicalidade), mas as restantes prestações de conjunto dos mais jovens evidenciaram também a sólida preparação efectuada por Vítor Paiva, que conta com uma longa e bem sucedida experiência neste campo.