terça-feira, abril 19, 2022

O IMPLICADO


 

O IMPLICADO

Fui ver, há dias, o filme com este título dedicado à vida de Salgueiro Maia e, em particular, à forma como o "regime" lidou com a sua "rebeldia".

Não é fácil retratar um homem que carrega o fardo da pureza revolucionária, na morte tal como em vida.
Tenho muitas dúvidas acerca da atribuição destes epítetos, como se estivéssemos a estabelecer um padrão ideal de comportamento.

As escolhas que Maia fez na sua vida, são legítimas e mesmo louváveis; mas delas não pode resultar uma condenação em abstracto de quem tenha tomado caminhos diferentes.
Depois de uma revolução realizada por militares não é própriamente um crime que alguns de entre eles queiram ter carreira política na fase posterior. O que eles fizerem, e a forma como eles o fizerem, deverão ser a base de qualquer julgamento que deles queiramos ter.

Da mesma forma se procedeu quanto à "antiguidade" da militância política. Mesmo quando se dizia: "este acordou para a política quando tal deixou de ser perigoso e passou até a ser uma forma de vingar na vida".
Mesmo nesses casos não passou de um dichote sem consequências notórias.

Outra "clivagem", que nunca teve efeitos nefastos, poderia ter ocorrido entre os militantes políticos clandestinos que lutaram durante décadas contra o fascismo, e os militares que o derrubaram num acto súbito e de curta duração. Nunca houve grandes queixas por terem sido os militares a receber os louros do 25 de Abril apesar de os militantes políticos também terem feito um longo e silencioso sacrifício para o alcançar.

Voltando ao nosso Salgueiro Maia, o filme retrata-o como alguém que assumia com veemência os "valores militares" embora de forma crítica que não fechava os olhos a injustiças.
Havia nele também as qualidades e os defeitos do provincianismo, uma reprovação tácita dos gestos mundanos e cosmopolitas.
A sua convicção, e a sua coragem, tinham algo de telúrico. A sua coragem em momentos chave pode realmente ter decidido a sorte do 25 de Abril.

Em consequência desta renovada atenção dada ao Salgueiro Maia acabei por descobrir algumas afinidades e coincidências.

Ele, tal como eu, chamava-se Fernando José. Uma fórmula que há muito passou de moda. Hoje não conheço nenhum jovem com tal nome.

Tínhamos quase a mesma idade, ele nasceu em 1944 e eu em 1945. Ele nasceu imediatamente antes e eu depois de a Grande Guerra terminar.

Ele, tal como eu, fez a guerra da Guiné. Chegou lá dois anos depois de eu ter regressado a Lisboa.

Mas o que mais me encantou foi descobrir uma fotografia de Salgueiro Maia quando era criança e compará-la com outra que me foi tirada na mesma idade (eu sou o da esquerda).

O penteado, a roupa, o sorriso e a postura são extremamente parecidos, quiçá obedecendo às mesmas regras de um ritual da época (meados dos anos cinquenta).

Um toque irresistível é dado pelos emblemas na lapela. Ele era do Benfica e eu, já então, do Sporting.
Nesse plano estávamos em lados opostos mas algo me diz que ele seria um daqueles benfiquistas com quem até gosto de trocar brincadeiras.

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