sexta-feira, março 30, 2018

O primeiro troféu



Rafaela Redondo com o 
troféu de "Melhor Jogadora"(sub 11) 
no torneio de Almeirim (30.03.2018)

domingo, março 25, 2018

A mochila




Os homens tinham descoberto uma nascente a cerca de 50 metros do rio. Do lado esquerdo do pontão onde atracavam as lanchas.
Começou por ser uma curiosidade naquele fim do mundo, onde pouco mais acontecia do que o rio a passar, umas vezes para juzante, durante a maré vazia, outras vezes para montante quando quando ela enchia. E à noite, claro, os ataques da chusma dos mosquitos.
Depois aguém se lembrou de fazer a “piscina”. Um nome megalómano que servia para designar um rectângulo, balizado por tijolos, onde a nascente empoçava nuns abissais setenta centímetros de profundidade.
Ao fim da tarde assistia-se sempre a um cortejo algo ridículo, de calções e toalhas de banho, que se propunha disputar um recanto da “piscina”. Mais do que refrescar-se o que eles pretendiam era ter a sensação de uns momentos de lazer, mesmo correndo o risco de ser mordido pelas sanguessugas, que arrancavam de perna alçada para gáudio dos colegas.
Naquele dia o tenente também lá foi. Que raio, não era por se misturar com os marujos que lhe caíam os parentes na lama. Ele já aprendera que a camaradagem não resultava, só por si, em faltas de respeito ou desobediências. Podia até reforçar a disciplina, por razões que não cabe aqui desenvolver.
Ouviu alguma piadas amistosas e lá meteu os pés na água morna, beneficiando da boa vontade devida a quem comandava aquele improvisado “aquartelamento”.
Tinham desembarcado ali um mês antes com toneladas de equipamento e víveres, debaixo de uma chuvada diluviana, e do nada que existia tinham feito nascer o “aquartelamento”. Adjacente ao rio e ao velho pontão, que ali ficara, dizia-se, dos tempos em que a CUF lá carregava a mancarra.
E lá ficaram a “ocupar a posição”, sem saberem bem porquê, ouvindo de quando em quando o canhão-sem-recuo do inimigo a fazer tiro de exploração a que o tenente não deixava responder. Na verdade, em termos de eficácia militar, nem tinham com que o fazer.
Foi então que surgiu a “piscina” e o referido banho do tenente.
Estava ele virado para o rio quando lhe pareceu ver um corpo vogando para montante. Saltou da água e aproximou-se da margem, fixando a vista. Não era a primeira vez que passavam animais, a boiar. Até um hipopótamo, inchado, se tal se pode dizer de um animal tão gordo, andara para baixo e para cima.
Farto daquela cena tétrica, meteu-se num bote de borracha e foi retirar o corpo da água. Era um guerrilheiro fardado e equipado.
Informado o QG, via rádio, ficou a saber-se que um grupo do PAIGC fora interceptado, quando atravessava o Cacheu numa piroga, e bombardeado. Ordenaram que se procedesse a uma tentativa de identificação do cadáver. O tenente recebeu ordens para comunicar o que encontrasse e guardar o cadáver até que chegasse o helicóptero para o levar.
Na mochila o tenente encontrou uma máquina fotográfica e muitas fotografias de reuniões políticas nas tabancas. O morto, percebia-se pelas imagens, seria uma espécie de comissário político que teria vindo fazer o seu trabalho de recrutamento e organização da resistência armada.
Num outro compartimento, encharcado, surgiu um livro: "Filosofia Marxista - Compêndio Popular", V. G. Afanassiev, Editorial Vitória, Rio de Janeiro. Nada mais nada menos que o último livro que o tenente andara a ler antes de embarcar para a guerra.
Um livro que ficara na sua casa de Lisboa. Um livro que ainda está na sua casa de Lisboa.

sábado, março 24, 2018

Os incêndios e o senso comum



Os incêndios e o senso comum
faz-me pena ver como este importante tema continua a ser discutido nos jornais e TVs. Normalmente mistura-se tudo; as causas, os meios, as medidas de longo prazo, as medidas de emergência, os responsáveis, a educação das vítimas potenciais e o diabo a quatro.
Por outro lado temos um ministro que é uma caricatura de estadista, que legisla para salvar a pele sem cuidar das particularidades ou das prioridades.
Será razoável fazer legislação genérica para todo o país e para todas as circunstâncias?
O bom senso recomendaria algo muito diferente.
Em primeiro lugar separar as medidas estratégicas, de longo prazo, das medidas de emergência para prevenir as catástrofes do próximo verão.
Depois, identificar as grandes massas florestais que ainda não arderam e atribuir a cada uma um comando encarregado das medidas de prevenção para 2018. Esquecendo as fronteiras municipais pois as florestas não respeitam tais limites.
Tais zonas de risco máximo deveriam ser a prioridade absoluta dado que é nelas que existe maior probabilidade de fogos incontroláveis.
Uma vez definidas 30 ou 50 áreas de risco máximo o comando responsável por cada uma delas devia concentrar-se antes de mais na seguinte questão:
se ocorrer em 2018 um incêndio que não consigamos controlar como garantimos o socorro e/ou a fuga de todas as comunidades que habitam o território.
Só depois de resolver esta questão é que se devia passar às estratégias e meios de combate para o ano em curso.

sexta-feira, março 16, 2018

Foi neste mesmo cais do Cacheu



Foi neste mesmo cais do Cacheu
que se passou a história que eu vou contar.
Chegáramos extenuados depois de andar a fugir aos baixios na foz do Cacheu. Que já lá tínhamos encalhado das outras vezes.
Logo por azar fomos encontrar o cais sobrecarregado de lanchas e batelões. Tivemos que atracar ao último, que chegara antes de nós, e para ir a terra era preciso saltitar de embarcação em embarcação.
A noite veio depressa e depressa se foi a janta à roda do tabuleiro comunitário, de onde toda a tripulação picava o seu pedaço de frango comprado na tabanca.
Não havia disposição para serões e não tardou que cada um armasse o respectivo "burro" de lona e pés de madeira, e se cobrisse com uma manta que prevenia o frio noturno e algum ataque da mosquitada.
Noite alta soou o brado "fujam...fujam..." que em tais paragens, e circunstâncias bélicas, resultava ainda mais urgente do que é normal. Só sei que abri os olhos e deparei com labaredas a cerca de três metros.
Saltei como uma mola, atirei com a manta, e lá fui como os outros aos pinotes por cima dos batelões na direcção da terra firme. Metros adiante lembrei-me que deixara para trás a minha amada e fiel Pentax e voltei a buscá-la, aos encontrões dos que ainda fugiam.
Acabámos todos no pontão a ver a lancha arder e logo percebemos que era necessário tirá-la dali, para não propagar o fogo às outras embarcações.
Lá fomos, receosos, soltámos amarras e atirámos a lancha contra o lodo da margem uns cem metros mais para juzante. As chamas iam alteando e não tínhamos com que apagar.
O sargento foi mandado em busca de uma bomba de água e por milagre voltou com ela. Começou então o trabalho de a pôr a chupar a água do rio, de um lado, e a lançar a água sobre as chamas do outro.
A chapa queimava-nos os pés, mesmo calçados com sola, e não sabíamos quanto tempo teríamos antes que o combustível ou as munições provocassem alguma explosão.
Estivemos naquela luta até ao nascer do dia, com o credo na boca, até que finalmente murcharam as últimas labaredas. A lancha estava devastada e dos nossos pertences pouco havia sobrado.
Mas não podíamos sossegar pois os cunhetes fixos de munições, em ferro, tinham sido sujeitos a enormes temperaturas.
A tampa fechava sob pressão e, depois de forçar a mola, espreitámos para o interior. Havia granadas de mão, projécteis de 20mm da peça Oerlikon, e munições de G3. Fumegavam.
Tínhamoss consciência da imprevisibilidade da situação. E também da inevitabilidade de encontrar uma solução.
Começámos então um tráfico sinistro.
Enchíamos um caixote com granadas, passávamos o caixote para um bote de borracha e íamos despejá-lo no meio do rio. Uma vez e outra.
Confiando na sorte.
À cabra-cega com a morte.

quinta-feira, março 15, 2018

Imagens com história

Imagens com história - Mudar de Vida
No princípio de 1967, com 21 anos, eu cursava Economia no antigo ISCEF e dava aulas na Escola Comercial Patrício Prazeres em Lisboa.
Era também membro da direcção do Cineclube Universitário de Lisboa.
Impressionado pelo filme "Mudar de Vida", do Paulo Rocha, decidi fazer uma reportagem, no Furadouro, para o Boletim do Cineclube.
Chegámos ao Furadouro debaixo de mau tempo, talvez nas férias da Páscoa, e alguém teve que ir abrir o Hotel para nos alojar.
Andei por lá dois dias, a fotografar os palheiros e os barcos. Entrevistei crianças, pescadores e lojistas para um pequeno gravador.
Junto ao areal destacava-se este edifício em ruínas, a que chamam "Chalé do Matos", cuja construção parece ter ocorrido em 1914. Foi usado como cenário neste retrato de um garoto com pistola de pau.
O material recolhido foi também publicado no Diário de Lisboa Juvenil, a 20 de Junho de 1967, tendo ganho um prémio de reportagem.

quarta-feira, março 14, 2018

135 anos sobre a morte de Karl Marx



Cumprem-se hoje, 14 de Março, 135 anos sobre a morte de Karl Marx.
Quase todas as comemorações giram à volta de saber se ele "está de volta" ou se isso é apenas um boato lançado pelos seus fanáticos.
Quanto a mim o que seria interessante era comparar o mundo em que viveu Marx e o mundo em que nós vivemos. É que ele viveu num mundo que já só existe de forma residual.
No tempo de Marx, numa fase muito jovem da industrialização e do próprio capitalismo, verificava-se por exemplo que:
- Os produtos industriais, bastante simples, eram quase sempre totalmente produzidos, da matéria prima até ao produto final, nas mesmas instalações industriais. Hoje é comum a produção decorrer em múltiplas fábricas e em vários países.
- Quase todo o trabalho era repetitivo e, portanto, o volume produzido era proporcional ao tempo trabalhado. Quase todo o "trabalho vivo" acontecia durante a produção.
- Não existia, ou era incipiente, quer a concepção e o desenho prévio à produção, quer o marketing pós-produção.
- Cada unidade dos produtos consumia obrigatóriamente trabalho vivo. Hoje temos produtos em que unidades adicionais podem ser produzidas sem qualquer intervenção humana.
- Havia, de tempos a tempos, crises de sobreprodução. Hoje há sempre produção em excesso. O sucesso no mercado e as manobras para o alcançar são a preocupação essencial dos empresários. Eles estão preocupados com o lucro e não com a mais-valia.
Esta é uma lista não exaustiva das questões que os admiradores de Marx, como eu, deviam ter em consideração para melhor o homenagear.

domingo, março 11, 2018

Um violino no Cacheu



Um violino no Cacheu
Era uma daquelas intermináveis subidas do Cacheu. As lanchas ronronavam rio acima, quase paradas quando a corrente da maré era vazante.
Uma outra parte do combóio de batelões ainda não nos alcançara e foi decidido fazer uma paragem e pernoitar, fundeando, onde pudessem mais tarde encontrar-nos.
Escolhemos uma curva do rio onde o tarrafo era alto e denso; as margens despidas das clareiras eram locais de emboscadas e tiroteios. Só suicidas se atreveriam a fazer um ataque a partir da precariedade das raízes inclinadas do tarrafo. Ou quem nunca as tivesse experimentado.
Lançámos então o ferro e a corrente virou-nos a proa para a foz. Assim ficámos no silêncio que só as aves cortavam e sem acender gambiarras. Uma vez desligados os motores, sinal que dávamos a contra gosto, a nossa presença devia ser ocultada por todas as formas. Até tínhamos o cuidado de esconder as pontas dos cigarros.
O Cacheu é um rio avantajado e o mar sobe por ele quando a maré enche, como era o caso. Sentíamos um grande volume de águas passar por nós, rio acima, pondo à prova a firmeza do ferro no leito do rio.
A mais de cem metros estava a Canopus, que era comandada pelo meu amigo Henrique. Eramos ambos daquela geração de 60 que partiu muitos tabús e que fazia frente à ditadura. Quizera o acaso que a guerra nos fizesse reencontrar no Cacheu depois de nos termos conhecido nos convívios universitários de Lisboa.
Estava eu com os meus pensamentos quando percebi que a Canopus lançara um bote à água. Fiquei alertado, pelo inusitado, e vi o bote aproximar-se com o grumete a acenar e a dizer “o senhor comandante manda perguntar se o senhor tenente quer ir beber um café à Canopus”.
A Canopus era um navio de maior envergadura e, apesar de tudo, com mais habitabilidade e espaço do que a lancha em que eu viajava. Por isso, e especialmente pela conversa saborosa que me esperava, não demorei a aceitar o convite e a saltar para o bote de borracha.
O Henrique recebeu-me com bonomia, como era do seu natural, e instalámo-nos num compartimento da proa a beber um café e a conversar. O navio oscilava docemente e parecia que estávamos numa bolha, muito longe de um teatro de guerra.
A certa altura o Henrique propôs que víssemos um filme feito por ele. Lá montou um pequeno ecran e as imagens surgiram. O que elas mostravam eram apenas as águas de um rio, paradas como um espelho, e as margens deslizando, à esquerda e à direita, interminávelmente.
As imagens, belíssimas, eram quase hipnotizantes. Foi então que reparei que para tal contribuía também a maravilhosa música de violino que as acompanhava.
Foi assim que descobri o concerto do Tchaikovsky.
Ainda hoje, passados cinquenta anos, sempre que encontro o Henrique nunca deixo de lhe agradecer.

sexta-feira, março 09, 2018

segunda-feira, março 05, 2018

A capacidade humana de ler rostos,



A capacidade humana de ler rostos,
tratada neste interessante artigo do Público, (https://www.publico.pt/2018/03/05/ciencia/noticia/um-sorriso-como-resposta-nem-sempre-e-bom-e-pode-causar-stress-1805185) levanta várias questões em áreas a que dedico alguma atenção; a fotografia e a automatização.
Muitos retratos feitos na rua pelos fotógrafos, de improviso, podiam constituir um compêndio de expressões daqueles que são confrontados com as câmaras fotográficas.
Antes do disparo há, quase sempre, uma troca de olhares entre o fotógrafo e o fotografado; avaliam-se mutuamente, nas suas intenções, e a fotografia é a consequência de um entendimento tácito de contornos muito complexos.
É essa complexidade que ainda distingue os humanos dos "robots", que não conseguem lidar com a multiplicidade de expressões faciais possíveis e muito menos interpretá-las à luz das circunstâncias possíveis, elas também muito numerosas.
É por isso que o rosto humano sempre foi, e continua a ser, uma fonte inesgotável de imagens de que nunca nos cansamos.
O retrato mostra-nos o outro, que no fundo é sempre um espelho de nós próprios.

sexta-feira, março 02, 2018

A campanha para "limpeza das matas"



A campanha para "limpeza das matas", 
feita nos moldes em que está a ser feita, tem como objectivo principal transferir a responsabilidade pelos fogos para os proprietários e para as autarquias.
Só assim se explica que, perante um problema gigantesco o governo esteja a omitir prioridades, a omitir o planeamento dos meios e a estabelecer prazos incumpríveis. 
A limpeza das bermas de estrada, só por si, é uma tarefa imensa. Mas devia ser a principal prioridade não só porque foi nas estradas que se verificaram mais vítimas mortais mas também porque a segurança das estradas é essencial para fazer chegar socorro aos locais das emergências.
Por isso este ano todos os meios deviam ter sido concentrados nesta prioridade, começando por fazer um levantamento das estradas onde o risco é maior e garantindo até ao verão elas fossem corrigidas. Tal permitiria ter neste verão a certeza de que nenhuma região de catástrofe ficaria isolada e inacessível aos meios de socorro.
Este objectivo, que parece limitado quando comparado com a "ambição" da campanha do ministro Cabrita, exigiria apesar de tudo uma focagem e um esforço enormes.
Não faz qualquer sentido lançar uma campanha a nível nacional quando se sabe que os grandes incêndios ocorrem nas grandes manchas florestais e à volta delas?
Vinte ou trinta árvores, mesmo que estejam perto das casas, não constituem um risco importante se estiverem rodeadas por quilómetros de campos lavrados. Ou seja, a simples proximidade das árvores não é um bom critério.