quarta-feira, outubro 26, 2011

Sangue do meu sangue




"Sangue do meu sangue", o novo filme de Canijo, tem recebido muitos elogios da crítica (apesar de algumas excepções) e parece estar a fazer uma boa carreira de bilheteira. Diga-se desde já que o produto está bem acabado e que todos os elogios que têm sido feitos quer aos actores quer à soberba "banda sonora" são absolutamente merecidos.

Mas há neste tipo de filmes sobre a "realidade tal como ela é", para além de uma mistura de bons sentimentos e de voyeurismo, alguma coisa mais? As ideias do realizador acerca da classe média baixa, que povoa os imensos suburbios, e a forma como filmou o quotidiano de um caso pertensamente exemplar, adiantam alguma coisa aos lugares comuns sobre esta matéria?

Durante a exibição do filme fui levado a recordar "Feios, porcos e maus" rodado por Ettore Scola em 1976. De certa forma "Sangue do meu sangue" é um equivalente do filme italiano, transposto para o "estado social" do século XXI.

Mas o filme português, ao contrário do italiano que mostrava desapiedadamente a degradação das relações familiares pela miséria, mostra as relações familiares, "de sangue", como a única fonte de segurança num mundo sem horizontes de futuro (é surpreendente esta recuperação do tema da família pois estamos habituados a vê-lo no discurso de certa direita) .

A desesperança, e o bloqueamento sem fim à vista na ascensão social, é o elemento mais forte do filme. As relações laborais, ou de exploração, não estão de forma alguma em primeiro plano. Os habitantes do bairro social praticam várias formas de pequenos serviços ou tráficos. A narrativa tradicional da esquerda, a luta contra o patronato, não faz muito sentido em tal contexto. O que explica muita coisa do insucesso eleitoral da esquerda nas últimas décadas.

As pessoas, mais do que objectos da exploração de um patrão, são "vítimas" de um sistema que as mantém prisioneiras da sua falta de horizontes e das suas modas (lá estão os telemóveis, as roupas de marca,as nails e os implantes mamários, as telenovelas e os Karaokes).

E neste pântano mostrado por "Sangue do meu sangue", Canijo diz-nos que só o amor da família, depositária da memória de um outro tempo, constitui porto seguro de refúgio contra a desgraça.




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