sábado, julho 03, 2010

Yes, we can't

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Por Clara Ferreira Alves


Desde a revolução que Portugal é governado à esquerda em matéria de Estado e prestações sociais. Apesar das maiorias absolutas, Cavaco tinha dinheiro da Europa para manter o Estado e quis mantê-lo. A sua direita, dotada de consciência social, não era a direita pura que hoje existe em Portugal. Esta nova direita é mais jovem, mais estrangeirada, mais academicamente preparada do que a velha direita. É mais ideológica e está disposta a romper de vez com o Estado social. Nascida em democracia, formada nos cursos de Economia e Gestão das universidades, é também constituída por um núcleo de quadros e recém-licenciados, futuros regentes da pátria, que nada têm a ver com as negociatas de restaurante e o bloco central de interesses. Conservadores, pró-americanos, dotados de certo puritanismo, crentes na virtude absoluta do mercado e do capitalismo, acham (protegidos pela inexperiência) que a sua oportunidade para mudar Portugal de vez está a chegar. Tencionam, no poder, construir um sistema que proteja os empreendedores, desmantele a máquina estatal, agilize a justiça e privatize a economia agilizando os seus instrumentos, desde os financeiros aos legais; o que significa que pretendem rever a Constituição e a legislação laboral.
Não acreditam nos sindicatos, acham os comunistas e socialistas um anacronismo e consideram que só a criação de riqueza possibilita a prosperidade geral. A sua agenda política é liberal ou ultraliberal. O que quer dizer que não se revêem no PSD do cavaquismo nem no seu provincianismo. Desprezam adquiridos à esquerda como a existência de uma televisão pública, "intelectuais subsidiados" ou um Ministério da Cultura.
Em Portugal, estes jovens turcos, agastados por serem a geração "sacrificada" com a despesa pública, estão a chegar ao poder. E o seu homem vai ser Passos Coelho. Tudo os separa da velha direita de Freitas do Amaral e de Adriano Moreira, e nem para Paulo Portas e o seu populismo defensor de velhos e agricultores têm muita paciência. Serão para Portugal o que a direita foi e vai voltar a ser em Espanha: os agentes da liberalização. Os socialistas já se aperceberam que vão ser apeados nas urnas e apenas tentarão evitar uma votação humilhante. Os jovens turcos sabem que chegou a sua hora e que a crise é a sua oportunidade de pôr em prática as teorias que admiraram nos livros e nas escolas que frequentaram. Por essa Europa, a esquerda social-democrata e socialista não se repensou nem se preparou. A Europa de Willy Brandt, de Mitterrand, de Olof Palme e de Mário Soares, a Europa descendente da II Guerra Mundial e das ditaduras acabou. Calcificou. A sua sucessão tecnocrata não formou brilhantes quadros políticos e contratou demasiados oportunistas e medíocres serviçais.
O futuro da Espanha e de Portugal discutiu-se nesse encontro Aznar/Passos Coelho. E é de direita. À esquerda, só um partido vai capitalizar com a decadência do PS: o Bloco. Porque tem pensamento, ideologia, quadros e ideias. Porque não descansa. Porque prefere combater a governar. A derradeira campanha eleitoral da velha esquerda europeia foi a eleição de um Presidente americano negro. Yes, we can't.
 
Clara Ferreira Alves, Expresso 12.06.2010 (ler aqui o texto completo)

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6 comentários:

Anónimo disse...

Logo,deveremos 'amar' cavaco,soares e toda a cleptocracia.Ainda havemos de ter sódades(!) do coelho,dias loureiro,cardoso e cunha ,oliveira costa e quejandos?

F. Penim Redondo disse...

O texto é da Clara Ferreira Alves. Eu publico porque, embora não concorde com boa parte das ideias, acho que merece ser lido.

Luis disse...

Ah! Acha que merece ser lido. Extraordinário mas previsível. Não é, Fernando?

Vitor M. Trigo disse...

Penso perceber Anónimo e Luis.
O Ratzinger tb só citou... se concordava ou não, vá lá saber-se.
Mas que deu jeito, lá isso deu.

F. Penim Redondo disse...

Vitor,

como vocês percebem tudo tão facilmente e parecem já me ter rotulado eu acho que não vale a pena explicar mais.
O essencial não é aquilo que vocês pensam de mim.

viajantes disse...

Dá que pensar...
voupartilhar no face
Abraço.