Costumo concordar com aquilo que António Guerreiro escreve. Tal não acontece desta vez.
A interessante questão que o seu texto levanta é a seguinte: em que base se deve nortear a acção de um governante entre o momento da votação que o elegeu e o momento da votação que no futuro julgará o seu trabalho durante o mandato?
Os mais apressados dirão, é claro, que se deve nortear pela vontade popular. O problema está em determinar qual é essa vontade.
Todos sabemos que hoje, na rua e nos jornais, há uma multidão de opiniões manifestadas por indivíduos, grupos de pressão e instituições mas elas, em muitos casos, parecem reflectir apenas interesses particulares.
Quem leia tudo o que se diz pode evidentemente formar uma opinião sobre o que será a vontade colectiva da maioria. Os governantes podem fazer outro tanto, mas será sempre uma opinião subjectiva que só as próximas eleições eventualmente confirmarão.
Deverá então a acção governativa depender dessa falível premissa ?
A única coisa sobre a qual há certeza é quem foi escolhido pela maioria para governar durante um certo período. Mas no acto de votar não podem ser previstas todas as peripécias do mundo e, portanto, o mandato é por natureza um cheque em branco contrabalançado pelos mecanismos que constitucionalmente balizam a acção do governo.
Ora se quem vota se limita a entregar um mandato geral e se, posteriormente, antes de nova eleição, é impossível conhecer com rigor o que pensam os cidadãos da acção dos governantes, então em que bases deve nortear-se o governo das nações?
Em minha opinião qualquer governo em funções, com base na legitimidade constitucional, só pode reger-se por aquilo que ele próprio considera ser o interesse mais geral do país.
Realmente o país é muito mais do que a opinião conjuntural dos residentes no território num dado momento eleitoral. O país tem uma história, uma trajectoria cultural, e inclui também muitos dos cidadãos portugueses emigrados que pouco ou nada participam no processo eleitoral.
Por tudo isto os residentes no território num dado momento eleitoral, enquanto grande colectivo, têm apenas o poder constitucional de escolher quem vai governar na legislatura seguinte. Durante a legislatura, e enquanto um determinado governo continuar legítimamente em funções, resta a cada pessoa ou grupo manifestar opiniões parcelares.
Aquilo que Passsos Coelho disse pode, portanto, ser criticado se se pensar que se trata de demagogia e que ele não tem a intenção de fazer o que proclamou.