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sábado, dezembro 17, 2016

Cuidado




CUIDADO
Há 11 anos a euforia da esquerda e a desorientação da direita eram ainda muito maiores.
Sem querer ser desmancha-prazeres tenho no entanto que dizer o seguinte: o homem que teve 45% em 2005, o famoso "engenheiro" Sócrates, acabou como arguido por corrupção. E deixou-nos uma Troika como herança.

domingo, fevereiro 27, 2005

A "esquerda" que ganhou e a esquerda que perdeu





Muito se tem comemorado a retumbante “vitória da esquerda”.
Sem querer ser desmancha-prazeres sempre vos digo que seria prudente moderar os ímpetos e passo a explicar por quê.

A melhor distinção direita-esquerda que conheço é: todos dizem desejar o bem público mas para a direita ele é alcançável sem acabar com o capitalismo e para a esquerda é imprescindível a transformação radical do sistema. É portanto à luz desta definição que eu avalio os resultados de 20 de Fevereiro.

A pergunta que deve ser formulada é: havia no dia 20 de Fevereiro mais portugueses convencidos da necessidade da superação do capitalismo, dispostos a propiciar a emergência de uma nova forma de produzir em sociedade, do que no dia 20 de Janeiro ?
Aposto que não.
Até penso que grande parte dos votantes dos partidos de esquerda nem sequer associam o PSD e o CDS ao governo Santana/Portas que tão claramente mostraram rejeitar. Grande parte dos dirigentes do PSD saem até prestigiados pela mão da esquerda desta curta experiência “santanista” (lembramos Pacheco Pereira, Marcelo, Cavaco, Manuela Ferreira Leite, António Borges e muitos outros) e constituem-se como perigosos inimigos futuros.

A culpa disto tem que ser atribuída àqueles que, por sofreguidão do poder, concentraram todos os trunfos eleitorais na exploração, até à náusea, das “peripécias santanistas”, tirando partido de uma fama longamente construída do “play-boy” e explorando a tendência portuguesa para a inveja (como explica José Gil).

A exploração fácil do “santanismo” foi, pelo sim pelo não, complementada pelo elenco habitual de “medidas sociais” em que cada partido tenta sempre superar os concorrentes esmerando-se no “caderno reivindicativo” (Sócrates considerou Bagão populista por baixar as taxas de IRS mas considera responsável prometer “tirar 300.000 idosos da miséria” e a “criação de 150.000 postos de trabalho”).

Alguns dirão que sem este oportunismo a esquerda não teria vencido as eleições mas cabe perguntar se esta vitória serve para alguma coisa. Cabe perguntar se vencer sem um claro programa de transformações progressistas não redundará, como no passado, numa nova machadada na esperança que os portugueses deveriam depositar na esquerda (a desilusão que percorre a sociedade brasileira na sequência da eleição de Lula da Silva é ilustrativa deste perigo).

Quando falo de transformações progressistas estou a pensar na definição de esquerda apresentada mais acima, numa mudança de paradigma sócio-económico, e não do “Estado Social” que é hoje, por falta de imaginação, a bandeira de todos os partidos à esquerda do PSD. Temos em Portugal um partido que se chama “social-democrata”, o PSD, mas aqueles que realmente defendem a social-democracia, entendida como “capitalismo+estado social”, são o PS, o PCP e o BE.

Por muito que invoquem o “marxismo-leninismo” ou as “propostas fracturantes” quer o PCP quer o BE (do PS nem vale a pena falar) têm vindo a capitular perante o modelo da social-democracia. Desapareceram as referências à superação do capitalismo que é cada vez mais contestado com base nas injustiças da redistribuição e não por constituir um empecilho para o desenvolvimento da espécie humana.
Trata-se mais de “cuidar dos pobrezinhos” do que de abrir caminho para um novo patamar da humanidade em que os “pobrezinhos” sejam um anacronismo.

Para aqueles que duvidem do que eu digo deixo um desafio: imaginem que a maioria absoluta tinha sido dada não ao Sócrates mas ao Louçã, ou ao Jerónimo e pensem, no vosso íntimo, se eles realmente estão preparados, se têm vindo a criar as condições políticas para transformar profundamente a nossa sociedade.

Em suma: venceu a “esquerda” que temos e perdeu a esquerda que devíamos ter.

Veja o debate no DOTeCOMe Forum

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terça-feira, fevereiro 22, 2005

A “política” como ópio do povo





Parafraseando Marx procuramos compreender como certas formas de fazer política têm o mesmo efeito alienatório que era atribuído à religião.

Paradoxalmente, ao longo do século XX, assistiu-se a todo o tipo de abastardamentos da política que fizeram dela, apesar do aviso de Marx, um conjunto de comportamentos de tipo religioso; os pseudo-messias, a crença na redenção longínqua e em uma nova vida “pós-qualquer coisa”, a permanente busca e castigo dos “hereges”, e outros.

A política era uma forma de escapar aos tormentos de cada dia e projectar-se num futuro ideal.
Aqueles que não eram “tocados por essa luz” precisavam de ser catequizados. Um dos maiores equívocos consistia em não se pôr sequer a hipótese de alguém não querer ou de alguém não considerar viável o mundo radioso que se almejava.

Essas perversas semelhanças entre a política e a religião já foram objecto de muitos e variados estudos e anátemas.

Na sequência da queda do muro de Berlim a política começou a parecer-se cada vez menos com a religião e a parecer-se cada vez mais com o futebol; a transcendência deu lugar ao primarismo, os “horizontes que cantam” desapareceram dos discursos, em vez de Messias passámos a ter os habilidosos “bons de bola” e em vez de hereges temos apenas as “claques” da outra cor.

Temos também o “offside” do Santana quando foi nomeado PM, as mudanças de treinador com “chicotada psicológica” protagonizada recentemente por Paulo Portas, as “transferências milionárias” do tipo Freitas do Amaral e os laivos de “apito doirado” atribuídos à dissolução do Parlamento à qual se seguiu uma “goleada” da equipa do Sócrates.

Os comentadores políticos já são pelo menos tão famosos como os comentadores desportivos e alguns até transitam elegantemente de uma condição para a outra (vide Santana e Seara, por exemplo).
Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa são as “irmãs Lúcia” destes novos tempos.

Enquanto que na sua “fase religiosa” a política se movia por grandes objectivos gerais, nesta “fase futebolística” a política é o reino dos cadernos reivindicativos de efeitos imediatos.
Mesmo os partidos com tradições revolucionárias, como o PCP, já só propõem os aumentos das pensões, e do salário mínimo em vez do “mundo novo” e do “homem novo”.
A esquerda moderna, ou seja da moda, adiciona umas pitadas de ervas “fracturantes” para ganhar as vanguardas do Bairro Alto.

A melhor distinção direita-esquerda que conheço é: todos dizem desejar o bem público mas para a direita ele é alcançável sem acabar com o capitalismo e a esquerda pensa que para isso é imprescindível a transformação radical do sistema.

Mas já ninguém fala do sistema excepto aqueles que, sintomaticamente, dizem que “outro mundo é possível”.
Notem bem: “é possível” e não “é desejável”, “é urgente” ou “deverá ser assim”.

Ninguém parece querer alterar profundamente as regras do sistema (do campeonato), as vitórias e as derrotas emanam dos fait-divers (dos dribles) amplificados pela comunicação social (pelas claques).
O leque de escolhas políticas disponíveis é demasiado estreito.

Estamos condenados ao clubismo mais delirante e ao “síndrome do penalti” que é uma forma de cegueira que nunca permite admitir os castigos contra a nossa equipa.

As campanhas eleitorais que estamos a viver são como um jogo de futebol em que, após 90 minutos de invectivas à mãe do árbitro e dos adversários, a vitória se decidisse não pelas bolas entradas na rede mas por votação dos adeptos presentes no estádio.

Infelizmente a política não é um jogo “a feijões”.

Veja o debate no DOTeCOMe Forum

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quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Cenas dos próximos capítulos





...como nas telenovelas.

Deixem-me fazer de advogado do diabo, como é costume, e olhar por cima das próximas eleições para um horizonte de dois anos.

- no dia 20 de Fevereiro de 2005 o PS ganha as eleições (como verão é indiferente se tem maioria absoluta ou não) e forma governo com pompa e circunstância. Passa imediatamente a governar na bissetriz das pressões das várias corporações que participaram da vitória eleitoral.

- as condições económicas e sociais, já de si bastante difíceis à partida, são atiradas pela conjuntura depressiva europeia para a quase ruptura

- A direita que se tinha libertado do Santana Lopes, entretanto substituído pelo Prof. António Borges, vai capitalizando todos os descontentamentos e consegue criar um consenso tecnocrático com base nas recomendações do "Compromisso Portugal"

- O Prof. Cavaco Silva, entretanto eleito Presidente da República decide, perante os indicadores catastróficos, dissolver o Parlamento mesmo que o Governo tenha o apoio de uma maioria (o precedente foi criado por Sampaio)

- Os partidos da direita ganham por maioria absoluta com base num programa que recupera todas as teses do liberalismo económico que o PS era suposto desmontar com a sua eleição em Fevereiro 2005. O amigo de Cavaco, Prof. António Borges, forma um governo recheado de gestores e académicos de grande reputação técnica.

- As "reformas estruturais" há tanto reclamadas pela direita, agora referendadas pelo voto, são finalmente executadas. Cavaco apoia tudo isso da sua cadeira presidencial.

- A esquerda vê-se de novo remetida para um degrau mais abaixo na sua interminável luta defensiva.

Esta história, cujo triste fim lamento, deve-se ao facto de a esquerda ter ido atrás do engodo do Santana.

Santana foi um brinde caído dos céus, um adversário demasiado fácil.

A esquerda concentrou-se na sucessão de pretextos que Santana fornecia e argumentou como se o problema estivesse nos defeitos de Santana em vez de estar no sistema económico e nos interesses de classe.

Como a vitória nas eleições parecia inevitável tornou-se suspeito quem argumentasse, como eu fiz, que essa vitória se devia basear num projecto de esquerda consistente em vez de ser construída sobre a rejeição dos adversários.

Quem viu o debate de ontem percebeu que Socrates vai ganhar estas eleições mas não tem ideia nenhuma de como vencer os enormes problemas que o esperam. O "choque tecnológico", mesmo que tenha sucesso, só pode apresentar resultados daqui a meia dúzia de anos. Os problemas não podem esperar tanto tempo.

O PCP e O BE defendem causas sociais meritórias mas a sua preocupação é essencialmente eleitoral (um não pode perder mais votos e o outro cedeu ao "cheiro a palha").

Sem coragem para romper o falso dilema que opôe o liberalismo ao "assitencialismo do Estado", incapazes de inventar um novo quadro de escolhas e de decisões, os partidos de esquerda caminham para uma "vitória de Pirro".

Por tudo isto, profundamente desiludido, decidi não votar em qualquer partido.


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terça-feira, fevereiro 15, 2005

Eleições na sociedade da meta-informação





Antes de mais convém explicar o que é a sociedade da meta-informação. É a sociedade actual em que recebemos muito mais meta-informação do que informação.

E o que é meta-informação ? É informação que se destina a principalmente a condicionar a forma como “lemos” a informação.

Vejamos um exemplo simples: alguém que viva numa sociedade agrícola numa região remota pode encontrar durante uma jornada no campo, em contacto directo com a natureza, vários factos que não sabe interpretar (informação). Quando chega a casa poderá eventualmente consultar os mais velhos ou, se tal não resultar, colocar a questão na aldeia quando for à missa no Domingo seguinte. As explicações obtidas, certas ou erradas, que passarão provavelmente a servir de padrão de “leitura do real” constituem meta-informação. Verifica-se uma proporção entre informação e meta-informação que é largamente favorável à primeira.

Hoje vivemos quase todos em ambientes urbanos, com grande intensidade tecnológica na área da comunicação, e pode dizer-se que a “invasão” da meta-informação é quase inescapável; o “outdoor”, o jornal, a televisão e quase tudo o que nos rodeia emite meta-informação para nós praticarmos, consumirmos, votarmos, em suma, para obter de nós comportamentos em resultado de uma determinada “leitura” do mundo que nos é proposta.

As tecnologias digitais vieram, pela facilitação brutal da produção de réplicas, acelerar este processo que está ainda em desenvolvimento.

É claro que toda a vida em sociedade pressupõe esse condicionamento mas na época actual, com o surgimento de actividades e sectores económicos especializados e dedicados, a meta-informação alcançou proporções esmagadoras.

Os pobres humanos, que se debatem há milénios com os limites das suas percepções na captação do mundo real, são assim ainda mais desmoralizados por mensagens que constantemente se propõem ensinar-lhes a ver o que parecia óbvio.

E o que tem isso a ver com as eleições ?

Os políticos são alguém que considera ter a missão levar-nos a determinados comportamentos sociais, nomeadamente a determinadas escolhas eleitorais.
A persuasão baseia-se no pressuposto de que tais pessoas apreenderam a realidade social (e até a natural) de forma mais completa e mais fidedigna do que nós e se propõem trazer-nos vantagens com base nisso. É um processo em que nós somos convidados a ver o real pelos olhos de outrem em troca de hipotéticos benefícios.

Como se tal não bastasse existem os comentadores políticos.
Estes propõem-se ensinar-nos a “ler” aquilo que os políticos dizem.

Acontece frequentemente o cidadão assistir a uma intervenção produzida por um político, com a duração de dez minutos, e depois estar durante uma hora a escutar três comentadores que caridosamente lhe “explicam” aquilo que acabou de ouvir. É caso para dizer que deveríamos passar a votar nos comentadores.

Recapitulando: o político “explica-nos” o mundo em que vivemos e o comentador “explica-nos” a explicação produzida pelo político. Estamos portanto a receber meta-informação de segundo grau, pelo menos, porque também há comentadores que discorrem sobre as “explicações” dadas por outros comentadores e assim sucessivamente.

Por este processo o mundo real vai ficando cada vez mais longe, soterrado em camadas sucessivas de “explicações” e a sua existência torna-se, no essencial, uma matéria de fé.
Trata-se da mais forte ameaça ao materialismo de que há memória.

Os comentadores estão no mesmo patamar dos videntes.
Se é verdade que não “viram” uma qualquer divindade também é verdade que se lhes “revelou” o mundo, o que não é feito menor. E também eles, como os videntes, são comentadores por razões que escapam aos comuns mortais, são por que são.

No ponto a que as coisas chegaram podemos vir a deparar com uma situação em que os políticos deixam de se preocupar em agradar ao povo e passam a concentrar-se na tarefa de “ganhar” os comentadores; o resto virá por acréscimo.

Já não estamos longe. Já há quem assista a um atropelamento no Rossio mas precise de se convencer da existência do facto dando um “salto” ao blog do Pacheco Pereira.

Na fase final poderemos até correr o risco de ver o Sócrates decretar dois dias de luto nacional pela morte do ABRUPTO (Vá de retro Santanaz !!!).


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sexta-feira, fevereiro 04, 2005

ALELUIA ! Temos de novo liberdade de expressão





Fiquei comovido quando ouvi hoje dizer, no Telejornal, que o Professor Marcelo vai voltar; na RTP 1 terá um programa carinhosamente intitulado "as escolhas de Marcelo".

Para dizer o que lhe vai na alma, em horário nobre, ainda receberá concerteza uns cobres.

Nós, que não temos pulpito nem avença, devemos afastar toda a inveja e alegrar-nos; como nos explicaram os clarividentes dirigentes dos partidos de esquerda o que está em causa, mesmo que não pareça, é a liberdade de expressão.

Libertemo-nos pois...

_______________________________________________


Eu não critico o Marcelo mas confesso que tenho inveja.

Quem eu não suporto são aqueles que, por não saberem fazer melhor, têm o arrojo de usar politicamente o caso Marcelo invocando o perigo de o Santana acabar com a liberdade de expressão. Trata-se de uma irresponsabilidade do tipo "vem aí o lobo".

O ridículo de tal tese é patente; como poderia acabar com a liberdade de expressão um governo que foi acossado pela maior campanha mediática de sempre e que, como ficou demonstrado, não tinha a menor influência na comunicação social.

Como dizia Alain Minc na entrevista de ontem ao Público:

É Berlusconi quem pode, não é Berlusconi quem quer

domingo, janeiro 23, 2005

Em Estado de Choque






CHOQUE FISCAL (psd)...

CHOQUE TECNOLÓGICO (ps)...

CHOQUE DE GESTÃO (psd)...

CHOQUE DE VALORES (cds)...

...

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Como responder à erosão da política e dos políticos ?

A política tem vivido, em Portugal, uma sequência de ciclos desgostantes e desgastantes.
Não vale de nada insinuar, com ar superior, que as massas ao desinteressar-se da política estão apenas a revelar a sua debilidade cultural e cívica que os trinta anos passados sobre a Revolução já não disfarçam.





Não, os responsáveis por esse “alheamento cívico” são principalmente os “agentes políticos”, o establishment cultural e jornalístico e, de modo geral, os que gravitam à volta das cadeiras (e orçamento) do poder.

As festividades dos 80 anos do Dr. Mário Soares juntaram num banquete a quase totalidade desse establishment e mostrataram como, apesar das guerras violentas em que se envolvem regularmente, os seus membros sabem reconhecer o essencial das suas solidariedades. O povo assistiu atónito ao desfile de figuras que julgava serem incompatíveis (aqueles 2000 notáveis que ocupam 90% do tempo opinativo das televisões e que estão sempre a ser nomeados para qualquer coisa).

O Dr. Mário Soares é o exemplo mais acabado de uma forma de fazer política que já se começa a tornar intolerável: o partidarismo como um clubismo, o “ser amigo do seu amigo”, a “leadalde” acima da verdade e do interesse público, uma lógica impiedosa de poder de grupo em que os princípios já não parecem ser o cimento aglutinador.

O Dr. Mário Soares não é o único a praticar estas artes mas é notável que os seus 80 anos não lhe tenham ensinado a moderar-se e a ver a relatividade e precaridade das “glórias bélicas” a que não consegue resistir.

E é por causa dessa lógica que os partidos principais se vêm alternando no poder, ciclicamente. Sempre que um alcança o voto maioritário do povo assume as rédeas da governação para ser de imediato sujeito aos tratos de polé da oposição.

Numa primeira fase, quando ainda subsistem algumas ideias mais arrojadas do programa eleitoral, a oposição trata de arregimentar todos os interesses e corporações que se sentem ameaçados por qualquer das propostas do governo.
Iniciam uma táctica que inclui barragens de artilharia na imprensa a cargo do batalhão dos comentadores de serviço, algumas chantagens económicas, a divulgação de meia dúzia de escândalos fiscais ou processuais da autoria dos ministros, tudo com o objectivo de paralisar o adversário.

Quando o efeito paralisante foi conseguido e o governo fica com o ar de já não se poder mexer em qualquer direcção inicia-se a segunda fase que consiste em glosar a inoperância dos ministros, as contradições detectadas nas suas declarações, e em geral trata-se da preparação do funeral político.

Uma vez feitas as eleições, sempre apresentadas como grandes viragens decisivas para o futuro do país, os partidos que foram imolados no governo do ciclo anterior passam ao papel de oposição e, dada a violência e irracionalidade com que foram tratados, sentem-se no direito de ser ainda mais demagógicos do que os seus adversários.

Como os adversários são sistematicamente diabolizados e as suas tentativas de realizar algo sempre apresentadas como absolutamente injustificadas e prejudiciais segue-se que cada novo governo começa, em regra, por destruir ou ignorar as obras do anterior. A intenção de destruir as decisões dos governos em funções inicia-se aliás ainda durante a fase de oposição e é prometida para o ciclo seguinte da “alternância” assegurando-se assim que os cidadãos não possam considerar “estável” qualquer legislação mesmo que regularmente aprovada e publicada.

Não é claro quando, nem como, a esquerda se deixou resvalar para esta desgraçada situação mas a “superioridade moral dos comunistas” ou a seriedade “laica e republicana” tendem a converter-se em fórmulas de que só os mais velhos se recordam ainda.

Hoje, mesmo à esquerda, impera o fulanismo, os “fait-divers”, os golpes de teatro mediáticos, os trocadilhos, a dramatização ou exagero das situações numa verdadeira versão tablóide da política.
A reacção de Ana Gomes à decisão de Sampaio de empossar Santana, a maior parte das declarações de Louçã sobre o caso Marcelo, o estilo de Bernardino Soares ao comentar as questões orçamentais, são apenas alguns exemplos em que a demagogia, a falta de sentido de Estado, e mesmo as graçolas de baixo estofo tornam a esquerda irreconhecível para aqueles que, como eu, sempre acreditaram que ela se distinguia pela nobreza e elevação quer dos propósitos quer dos comportamentos.

A história mostra que os comportamentos descritos levam à destruição da democracia. Tem que tocar algures um sino a rebate para que se verifique uma mudança radical de atitude por parte daqueles que querem preservar a liberdade.

É preciso acreditar que a dignidade dos comportamentos também acabará por fazer a diferença e “render” politicamente. Quando um jornalista rasteiro vem com uma pergunta rasteira, verdadeiramente tentadora para entalar o adversário mas irrelevante do ponto de vista do interesse público, é preciso recusar o engodo, reduzir a intriga às suas diminutas proporções, falar de outra coisa.

Só quando se mostrar coragem para rejeitar a chicana política, para perder as eleições se for esse o preço das verdades incómodas, para tirar o chapéu ao adversário quando as suas acções são positivas é que poderá começar um novo ciclo na política portuguesa.

Para isso faltará talvez encontrar uma alternativa para os partidos como base em que assenta a democracia. Os partidos, pela sua própria natureza, geram clubismo, cegueira sectária e distribuição de favores.

Não seria muito mais natural as pessoas associarem-se a causas e projectos, de acordo com as suas inclinações, do que filiarem-se em instituições com as quais nunca se identificam completamente. Quem, por exemplo, seja simultaneamente contra a liberalização do aborto e contra o pacote laboral não encontra nenhum partido com que se identificar.

Virá o dia, estamos certos, em que as pessoa serão militantes de causas e projectos e não de partidos. Em que os boletins de voto pedirão a cruzinha não em bandeiras partidárias mas sim em causas e projectos.


quarta-feira, dezembro 22, 2004

Repensar radicalmente uma alternativa de esquerda (1)






Repensar radicalmente uma alternativa de esquerda (1)


Porque é tão importante repensar hoje uma alternativa de esquerda ?

Assistimos neste momento pela primeira vez no Portugal de Abril, se exceptuarmos o caso restrito da Madeira, a um braço de ferro entre a esquerda e o populismo ou, para sermos mais rigorosos, entre o populismo e um conjunto de influentes interesses corporativos enquadrados pela esquerda.

É preciso encarar com seriedade esta ameaça; a guerra contra o populismo, com Santana ou sem Santana, é sempre uma guerra perdida a prazo se a política não souber responder aos problemas sociais de fundo.

A emergência aqui e agora deste afloramento populista é, ela própria, um sintoma da falência continuada do sistema político que já se vinha manifestando na evolução do abstencionismo eleitoral.

O populismo de Santana (com réplicas em Paulo Portas) não soube (ou não teve tempo) para negociar certos apoios e viu-se acossado de forma violenta pelos media, pela classe política, por certos interesses poderosos do sector financeiro e acabou por ser travado “administrativamente”. A esquerda não deve embandeirar em arco pois esta vitória, obtida “na secretaria”, está longe de eliminar a ameaça se a esquerda não souber repensar e executar o seu novo projecto numa janela de oportunidade bastante estreita.

Para se entender a gravidade da situação basta considerar que ao reagir a Santana como a um “corpo estranho” à “política normal”, ao atacá-lo pelo lado picaresco e processual, ao deixá-lo privado de apoios que não sejam os resultantes de uma quase impossível vitória eleitoral, está-se em verdade a pôr na panela todos os ingredientes venenosos; imagine-se o cataclismo que se abateria sobre o sistema político caso ocorresse uma vitória de Santana, agora ou após um novo fracasso, perfeitamente previsível, do PS.

Precisamente por ser um “outsider”, por ter sido atacado e rejeitado por quase todos, desde o Presidente até aos seus amigos íntimos, se algum dia alcançar uma vitória eleitoral ela significará, nessa mesma medida, a derrota de quase todos e projectará o seu poder numa escala muito maior.

Para aqueles que pensam que este cenário é impossível eu sugiro que recordem o que pensavam quando Cavaco foi finalmente derrotado e parecia ter acabado para a política; agora é citado com reverência até pela esquerda, e perfila-se como um candidato muito forte à Presidência.
Até o Guterres, que abandonou o Governo e abriu caminho à maioria de direita, vilipendiado por quase todos há tão pouco tempo, aparece agora como principal opção da esquerda para Belém. Como dizia alguém o tempo reabilita as prostitutas e os prédios feios e, diria eu, também os políticos.

Como se tal não bastasse a direita tem ainda outras opções mais ou menos polidas, mais ou menos prestigiadas nos meios académicos ou empresariais, o que significa que pode articular a sua resposta de acordo com as circunstâncias.

O desafio para a esquerda é, como desenvolveremos em próximas ocasiões, passível de enunciação em três planos:

- o que é ser de esquerda hoje ?
- como responder à erosão da imagem da política e dos políticos ?
- quais as grandes linhas de um projecto de esquerda para poder ser uma verdadeira alternativa política e não uma mera plataforma eleitoral ?

Sem uma resposta adequada a estas questões qualquer vitória eleitoral do Partido Socialista, coligado ou não, terá um carácter transitório, será apenas mais um ciclo da espiral descendente que pode acabar com o nosso sistema democrático.

(clique aqui para ver o texto completo)