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terça-feira, dezembro 28, 2021

Num Futuro perto de si

 


Num Futuro perto de si

segunda-feira, novembro 05, 2018

Kubrik e a Web saloiice



Kubrik e a Web saloiice

Fui ontem ao CCB ver novamente "2001 Odisseia no Espaço", o filme do Kubrik.
Quando ele foi estreado em Portugal eu estava na guerra, na Guiné, por isso só pude vê-lo mais tarde, quando em 1970 entrei para a IBM.
As pessoas de hoje devem ter dificuldade em imaginar o impacto do filme naquela época, ao mostrar um computador que conversava com os astronautas e que acaba por "tomar o freio nos dentes".
Para se ter uma ideia desse impacto basta dizer que na IBM em Lisboa, na maior empresa do ramo das TIC, os computadores com que eu trabalhava eram alimentados com cartões perfurados, faziam (lentamente) uma tarefa de cada vez e comunicavam com o operador escrevendo na impressora (não havia qualquer terminal com écran).
O filme era assumidamente especulativo e, pelo que li, científicamente credível.
Quis o acaso que esta nova projecção do filme ontem no CCB coincidisse com o Web Summit, que os nossos tecnológicamente iletrados governantes cavalgam como "a última Coca-Cola no deserto".
Será que fazem ideia do número de coisas do género, muito em voga nos anos 80 e 90 do século passado, que já aconteceram por esse mundo fora?
Eu próprio frequentei alguns em Berlin, Nova York , São Paulo e São Francisco (por exemplo), o que era aliás comum para todas as pessoas profissionalmente envolvidas nas questões da computação.
A memória é curta embora a dos computadores não pare de embaratecer e expandir-se.
Algumas das buzzwords actuais têm barbas. Há décadas que se anuncia para breve a explosão da "inteligência artificial" e dos robots em casa a limpar o pó. Hoje a IA voltou a estar na moda embora, em muitos casos, não passe da mera exploração de gigantescos bancos de dados.
O mal destas coisas é o sensacionalismo com que são apresentadas não só pelos jornais, o que seria compreensível, mas até por pessoas com cargos importantes nas empresas de tecnologia e na política.
Fogem, uns e outros, do debate sério e fundamentado que nos faça compreender as consequências laborais e sociais da revolução tecnológica iniciada com a invenção da representação binária da informação.
Essa raiz digital da gigantesca árvore tecnológica que hoje presenciamos não é convenientemente explicada nas escolas, para que se perceba de onde surgiu tudo o que hoje nos maravilha.
Uma das coisas que mais me divertiu no filme do Kubrik foi ver como os objectos de uso comum em 2001 era imaginados em 1968.
Lá estava a video-chamada, mas não ao nível do telemóvel como hoje temos. A máquina fotográfica usada numa das cenas não tinha nada a ver com as que usamos desde o princípio do século XXI.
Isso não é de espantar num filme de ficção. A verdade é que ninguém previu alguns dos desenvolvimentos mais marcantes da nossa época; as redes sociais, o mapeamento do mundo conjugado com GPS e até o advento da maior fonte de automação actual os "utilizadores/funcionários". Quase todos nós acabamos por preencher formulários on-line para abastecer os bancos de dados das grandes corporações privadas e organismos públicos.

sexta-feira, novembro 04, 2016

O Estado a que isto chegou


O Estado a que isto chegou
A esquerda tem no seu ADN o sonho de criar um tipo de sociedade radicalmente novo. Quando eu cheguei à política, há mais de 50 anos, a utopia estava ainda bem viva.
Se considerarmos as brutais transformações tecnológicas das últimas décadas tal ideia em vez de utópica pode até ser vista como necessária.
No entanto a ressaca do desmoronamento da URSS produziu uma evolução noutro sentido.
Os partidos anteriormente revolucionários foram-se submetendo à lógica social-democrata e aos encantos do "estado social".
Hoje já ninguém fala de uma nova sociedade.
Isso foi substituído pela invasão dos centros do poder político em troca da manutenção da sociedade capitalista tal como ela é.
Imbuídos de um espírito pretensamente vanguardista os partidos de esquerda tratam de gerir o sistema tomando medidas para que ele, apesar de anacrónico, não seja demasiado insuportável.
De caminho engordam as estruturas do Estado, quantas vezes com amigos e colegas do partido, sugando a sociedade com impostos.
Gera-se então uma contradição fatal; a economia nem é verdadeiramente capitalista nem é outra coisa qualquer.
Por essas e por outras a economia estagna e ninguém sabe muito bem como pô-la a crescer.
O Estado mete o bedelho em tudo e atabafa com os seus milhares de regulamentos grande parte das iniciativas e empreendimentos.
Meio dúzia de génios, inventados nas juventudes partidárias, sentam-se nas cadeiras do poder como se pudessem e soubessem manipular as alavancas de uma economia cada vez mais complexa.
É no Estado que se cruzam os grandes negócios e, com a desculpa da retórica republicana, põe-se os cidadãos a pagar rendas às corporações, falências dos bancos, e todo o tipo de fraudes que diáriamente aparecem nos jornais (hoje é na Força Aérea mas também no SNS às dezenas, na Segurança Social, etc).
Vende-se aos cidadãos a ilusão de que o Estado, e o que é do Estado (por ex. a CGD) garante por natureza a prossecução do interesse público. Apesar de a realidade andar há décadas a mostrar o contrário.

sexta-feira, março 13, 2015

O meu strip-tease político



O meu strip-tease político
(dedicado a todos aqueles que continuam a chorar lágrimas de crocodilo pela “unidade de esquerda” e a sonhar com ela como panaceia para Portugal).
Soares e Otelo foram os coveiros da Revolução portuguesa e representam a antítese daquilo que desde jovem me levou a envolver-me na política.
Unidos pela megalomania distinguem-se nas motivações: um move-se pela ambição de poder e o outro pelo romantismo pateta.
Quando o fascismo foi derrubado só existia uma força política organizada e implantada no terreno; o PCP. A sua hegemonia no campo da esquerda era não só inevitável como natural. Nesse momento fundador, em vez do espírito de colaboração fraterna, quer o PS, por um lado, quer os esquerdistas, por outro, cavaram irresponsávelmente as fracturas que nunca mais se sararam na esquerda portuguesa.
O PS, capitaneado por Mário Soares, aliado com as forças mais retrógradas da sociedade portuguesa, sob a batuta do ciático Carlucci, isolou o PCP da classe média assustando-a com as tiradas extremistas dos esquerdistas.
Otelo serviu de pivot a todo esse tipo de concepções infantis e inconsequentes, nomeadamente quando se candidatou à Presidência da República, dessa forma dividindo e confundindo uma boa parte da juventude progressista. Os erros foram tantos e tais que ainda hoje não há espaço em Portugal para qualquer “Syriza” ou “Podemos”.
Por muito equivocadas que fossem as concepções do PCP nessa época elas não eram irremediáveis, como se provou ao longo das últimas décadas de integração no sistema democrático português. O seu isolamento político alienou o contributo da única força política coerente, determinada e consequente da esquerda portuguesa.
Seguiram-se longos anos de “normalização” em que o PS se converteu numa espécie de partido do regime, totalmente envolvido no “bloco central de interesses” e abandonando todas as suas referências ideológicas.
Os esquerdistas, por sua vez, passaram o tempo a cindir-se e a “reinventar-se”, sempre prontos para ir atrás de qualquer foguete de ocasião (Chavez ou Obama, Hollande ou Tsipras, etc,etc), incapazes de aprender com as sucessivas “desilusões”. Fico espantado com a perseverança com que esses velhos “revolucionários”, que eu tive que aturar durante a campanha do Otelo em 1980, continuam a cultivar hoje os seus radicalismos de café.
O PCP, por sua vez, não conseguiu ficar imune ao que se passava na esquerda à sua volta. Assimilou acriticamente a patranha do “Estado Social”, pactuou com muitas das bandeiras “fracturantes” dos esquerdistas e, lamentávelmente, deixou de cultivar a sua vocação chave para uma nova sociedade.
É hoje apenas uma espécie de super central sindical, e autárquica, de todas queixas e queixosos, sem cuidar sequer de prevenir incompatibilidades.
Dito isto, que vivi ao longo de décadas e acompanhei com empenhamento desinteressado, o que é que eu espero?
Espero uma regeneração do PCP, o meu partido de sempre, que eu abandonei por desilusão.
Continuo a acreditar num dia futuro em que a coragem de re-equacionar os princípios, e modernizar a teoria, gerem uma nova dinâmica de transformação social para o século XXI.
Os principios básicos de seriedade, dedicação e disciplina continuam lá. Só falta adicionar o racionalismo e a visão de futuro.

sexta-feira, março 06, 2015

Michio Kaku



Mais um cientista que se pronuncia sobre o futuro. 
Michio Kaku comete um erro comum nos seus pares; apesar das enormes transformações que imagina e preconiza não consegue conceber um quadro socio-económico de novo tipo. Fala de "Capitalismo Perfeito" como se as transformações tecnológicas em catadupa não tivesse que resultar em novas relações sociais e de produção

quinta-feira, março 27, 2014

THE SECOND MACHINE AGE




THE SECOND MACHINE AGE
Há dias um político da nossa praça, que escreve nos jornais, citava este livro sobre as maravilhas do novo mundo.
Os autores, Erik Brynjolfsson and Andrew McAfee, são nomes sonantes do MIT o que dá sempre um toque de credibilidade.
Mas eu, que trabalhei desde 1970 nas tecnologias da informação já estou "careca" de ouvir discursos ditirâmbicos sobre as tecnologias, que depois se revelam miragens (há 10 anos até escrevi um livro sobre isso http://digital-ismo.blogspot.pt/)
Todos sabemos que tem havido enormes desenvolvimentos tecnológicos mas constatar isso não nos adianta grande coisa se não se compreender a interligação com a criação de valor e com a matriz das relações de produção.
A ideia bacoca de que o crescimento exponencial das tecnologias nos fará deslizar para um mundo de abundância e lazer é bastante irrealista.
As transformações dramáticas no plano tecnológico não podem deixar de provocar correspondentes transformações dramáticas no significado e organização do trabalho bem como nas organizações e instituições que ainda hoje temos, herdadas que foram da Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX.
Isso é que deve ser discutido, compreendido, e, na medida do possível, controlado e dirigido.
http://www.washingtonpost.com/opinions/review-the-second-machine-age-by-erik-brynjolfsson-and-andrew-mcafee/2014/01/17/ace0611a-718c-11e3-8b3f-b1666705ca3b_story.html

quinta-feira, dezembro 26, 2013

Depois do Futuro por Rui Ramos




Um grande texto a não perder

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segunda-feira, dezembro 09, 2013

É um equívoco propor o derrube imediato do governo

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- É um equívoco propor o derrube imediato do governo ? 
- É ! 
- Porquê ?


Por duas razões evidentes:
1. Não sabemos o que fazer a seguir
2. Faz supor que a remoção do governo, só por si, resolveria os nossos problemas o que impede de nos concentrarmos nas questões fulcrais.

É incrível o número de pessoas sérias e inteligentes que continuam a acreditar na narrativa infantil que nos diz que os nossos problemas se devem:

1. À ganância do capital e aos desmandos da banca.
Eles realmente existem, mas já existem há muito tempo e em todas as latitudes. Se fosse essa a única causa dos problemas actuais ela ter-se-ia feito sentir anteriormente e em todos os países, e não só em alguns.

2. Aos erros do actual governo, motivados pela incompetência e fanatismo ideológico.
O governo actual cometeu sem dúvida muitos erros e, como não podia deixar de ser, governa de acordo com a sua ideologia.
Mas ninguém ignora que os problemas já existiam quando tomou posse e que nunca conseguiria, em pouco mais de dois anos, pôr o país no estado em que ele está mesmo aplicando uma ideologia por mais hedionda que ela fosse.

Quais são então os factores, para além da proverbial ganância capital e dos erros do governo, que devíamos ter em conta:

1. A globalização
A procura e a oferta tornam-se cada vez mais globais, todos concorrem com todos na obtenção de encomendas, matérias primas, mão-de-obra barata e investimento.
As gigantescas disparidades criadas pelo sistema colonial, e pelas suas sequelas, geraram uma espécie de vórtice gigantesco que aspira a actividade económica dos países ricos para os países emergentes. A escassez de capitais para investir e portanto a subida dos juros, bem como o desemprego, são as consequências mais notáveis que se traduzem no empobrecimento gradual do “ocidente”
  
2. A revolução tecnológica
É uma das forças por trás da globalização, mas tem outras consequências menos óbvias.
A automatização do trabalho repetitivo, quer manual quer intelectual, levou ao aparecimento de produtos cuja quantidade não depende directamente do trabalho aplicado.
Por outro lado as novas potencialidades da comunicação transformaram a relação dos consumidores com as mercadorias; deixaram de ser presenciais e baseiam-se agora na “imagem”, fazendo transitar o conceito de criação de valor da actividade produtiva/industrial para a área da concepção/marketing.
Estas poderosas tendências lançam em crise profunda o modelo de relações de produção do capitalismo tradicional, baseado no assalariamento.

3. Os erros acumulados nas últimas décadas
Há muito que a globalização e a revolução tecnológica deveriam ter estado no centro de importantes decisões estratégicas que os sucessivos governos, nas últimas décadas, não tomaram.
Instalados confortavelmente na “Europa” pensávamos estar protegidos do tsunami que se estava a formar; com arrogância invocávamos a superioridade dos nossos sistemas sociais, como se alguma entidade superior os pudesse garantir mesmo quando a nossa economia soçobrasse.
As questões da tecnologia eram vistas só como questões do ensino e da “qualificação” sem perceber que o que está em causa é a necessidade de um novo quadro de relações na produção.
Quando os capitais debandaram para oriente, chamados por rentabilidades muito superiores, de repente a política de projectos para “encher o olho”, não reprodutivos, entrou em acelerada decomposição.
Foi assim que caímos na crise actual; por não fazermos os investimentos necessários e por fazermos os investimentos com que nos endividámos.

Conclusão
O equilíbrio das contas públicas e das trocas com o exterior é imprescindível mas não garante nada.
Se não houver a compreensão dos desafios globais e tecnológicos, se não houver  congregação de esforços e disciplina, o empobrecimento e a decadência do nosso país (tal como de muitos outros na Europa) é apenas uma questão de tempo.
Concentrar as atenções e as motivações no derrube do governo é não só uma trapaça como também uma condenação ao insucesso.


sexta-feira, novembro 29, 2013

Equívocos



Há dois tipos de equívocos que atrasam o avanço da humanidade para um novo patamar nas relações sociais e no desenvolvimento:
1. Não conseguir imaginar a produção em sociedade sem ser na base do trabalho assalariado; sentir-se perdido quando falta um patrão a quem entregar o esforço e a inteligência.
2. Pensar que tudo se resolve substituindo as empresas por um super-patrão universal chamado Estado, de quem todos os cidadãos seriam empregados em troca de um salário

sábado, novembro 09, 2013

O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 4)



O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 4)

A nossa imagem do Estado está bastante deformada.
O Estado, puro e duro, esconde-se sempre atrás do “Estado Social” como se tudo o que faz tivesse um carácter benfeitor.
O próprio “Estado Social”, no seu gigantismo, refugia-se sempre por trás da ideia sedutora de que só existe para acorrer aos desvalidos sem outra salvação. Mas os números mostram que as prestações sociais entregues aos muito carenciados (idosos pobres, desempregados, doentes sem meios próprios) são uma gota de água no Orçamento do Estado.

Procura-se convencer os incautos de que o “Estado Social” é pago pelos ricos, a quem "foi imposto pela justa luta das classes trabalhadoras", e beneficia de forma decisiva “os mais desfavorecidos”. Mas a verdade dos números é bem diferente: quem o paga são os próprios trabalhadores já que, no seu conjunto, entregam muito mais em impostos, e todo o tipo de contribuições, do que recebem.

O grosso do Orçamento é gasto com empresas fornecedoras de bens e serviços, com os funcionários do próprio Estado e em prestações sociais entregues a cidadãos que teriam, se necessário, rendimentos suficientes para as pagar.

E para onde vai a diferença entre aquilo que os cidadãos entregam ao Estado e o valor dos serviços dele recebidos?
Os jornais estão cheios de notícias sobre
- Entidades públicas redundantes, ou mesmo prejudiciais, que se eternizam sem produzir nada de útil. Os incontáveis institutos, comissões, observatórios, altas autoridades, etc.
- Obras públicas que custam três ou quatro vezes mais do que o valor ajustado
- Medicamentos e exames de diagnóstico redundantes ou comprados por preços leoninos (quando não em claro esquema mafioso)
- Ordenados exorbitantes de gestores de empresas públicas que os próprios se auto-atribuem (sempre acompanhados de uma miríade de complementos como cartões de crédito, seguros de vida, prémios de gestão, despesas de representação 14 meses por ano e outros)
- Pensões de reforma cujos elevados montantes não têm qualquer correspondência com os descontos efectuados pelos beneficiários
- Múltiplos ordenados dos “eleitos locais” obtidos nas empresas municipais por eles criadas
- Subvenções mensais vitalícias e subsídios de reintegração atribuídas aos políticos.

Estes exemplos, entre muitos outros, configuram aquilo que podemos designar como uma exploração de segundo nível.
Marx explicou a exploração como a apropriação pelos capitalistas da diferença entre o valor produzido e o montante dos salários mas não podia adivinhar que em pleno século XXI um segundo nível de exploração se viria sobrepor.

O salário que os trabalhadores deveriam levar para casa, já amputado da mais-valia, é ainda “assaltado” pelo IRS e pelas contribuições para a Segurança Social, quando metem gasolina ou compram tabaco, quando compram casa, quando vão ao supermercado, em suma, constantemente.
Em muitos casos este segundo nível de exploração é ainda mais intenso do que a exploração laboral convencional.

Os beneficiários desta exploração configuram uma casta, complementar das tradicionais classes possidentes, que se apoderou da nossa democracia e que, pelos seus erros e cupidez, acabará por a destruir.
É por isso que a reforma do Estado nunca passará de um guião.

segunda-feira, outubro 28, 2013

O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)



O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)

Parece estranho o percurso que levou a esquerda a transformar-se numa defensora acérrima do Estado, depois de Marx o ter caracterizado como a expressão do domínio classista. 

Esta tese do Marx foi muito facilmente assimilada por mim, na juventude, pois na minha família, ao longo de pelo menos cinco gerações nunca ninguém viveu do erário público, nem como empregado, nem como subsidiado nem como fornecedor.
Para uma família como esta, que na minha infância rondava o neo-realismo, o Estado era o polícia e a multa, o guichet mal encarado, a repressão política, a arrogância do médico e do professor perante a modéstia do doente e do aluno.

O Estado é sempre o espelho da sociedade onde existe. Não é a sociedade que espelha o Estado que tem.
Mas a Revolução Soviética de 1917, operando num país atrasado e imenso, recuperou uma deriva utópica e apoderou-se do Estado para, diziam, melhor poder gerir a transição para o Socialismo e o Comunismo. Andou setenta anos a dizer que o Estado um dia acabaria, mas a verdade é que enquanto a URSS existiu o Estado não parou de engordar. Ainda hoje a esquerda está ensopada de ilusões acerca de insurreições que, derrubando os símbolos do poder, darão acesso instantâneo a um “mundo novo”.

A sensação de impotência para levar as pessoas a produzir riqueza e a distribuí-la em novos moldes é que leva o vanguardismo a refugiar-se no Estado para, a partir dessa trincheira, obrigar a sociedade a adoptar as suas ideias iluminadas. Essa quimera ficou definitivamente desmentida quando na China, o país mais preparado e adequado para o exercício do poder absoluto, o Partido Comunista reconheceu a necessidade de recorrer a métodos “capitalistas” para seguir em frente, até que a situação amadureça.

Na Revolução Francesa de 1789, apesar de tudo, a transformação de fundo económica e social já estava madura quando a superestrutura política foi revolucionada. Mas na Rússia de 1917 e na China de 1949, tal não era o caso. O Estado deveria então operar “em cesariana” aquilo que, em “parto natural”, demora séculos.

Mas o Estado não é uma espécie de “modo de produção” que, através do voluntarismo, interferindo a todos os níveis da sociedade, se possa substituir ao livre jogo dos interesses e à criatividade dos cidadãos.
Sempre que tal aconteceu os resultados foram perversos.

A crescente incapacidade para lidar com as metamorfoses do capital, por um lado, e a importância eleitoral do funcionalismo público, por outro, convergiram com o saudosismo da URSS.O resultado foi esta amálgama em torno do “Estado Social” a que estamos a assistir.
Uma social democracia indiferenciada e contra-natura em que mergulharam todas as forças de esquerda, mesmo as revolucionárias e radicais.

O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 2)



O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 2)

O genial Marx ainda hoje é uma referência para quase toda a gente, mesmo para quem o combate ou para quem nem conhece o seu nome.
Ele anteviu o fim do capitalismo na sequência de uma brutal proletarização e pauperização da sociedade, mas a realidade seguiu outros caminhos. A invenção do Estado Social impediu uma pauperização extrema e, hoje, a revolução tecnológica proporciona lucros sem trabalho vivo, atirando para fora do assalariamento milhões de trabalhadores. O fim do capitalismo acabará provávelmente por resultar não da total proletarização, como ele dizia, mas sim do definhamento do trabalho assalariado.

A crise do assalariamento na produção, levou à transferência do grosso da criação de mais-valias para a fase da distribuição das mercadorias e para a especulação financeira. Era preciso garantir que os cidadãos, com cada vez menos empregos assalariados, continuassem apesar disso a ser explorados enquanto consumidores (se possível compulsivos).

Esta aparente “quadratura do círculo” foi resolvida pela manipulação do Estado pelas classes dominantes.
O Estado faz "redistribuição" de rendimentos através dos impostos, ou seja, transfere recursos das classes médias que podem não gastar tudo o que ganham para aqueles, mais pobres, que gastarão tudo o que receberem.
Como isto não é suficiente o Estado endivida-se para injectar dinheiro na economia (ou seja criar clientes para a empresas) lançando as consequências e os pagamentos para as gerações futuras.
O tão incensado Estado Social tem neste processo um papel muito importante; ao convencer as pessoas de que não precisam de amealhar para a velhice, desemprego ou doença reforça a propensão para o consumo imediato.

O consumismo, o crédito e a especulação financeira têm portanto que ser compreendidos como um recurso do capitalismo para se perpetuar apesar da relação em que se baseia, o assalariamento, atravessar uma crise profunda.
A esta luz é mais fácil compreender por que é que as associações patronais concordam com o aumento do salário mínimo; não se importam que os patrões industriais paguem mais para que os patrões do comércio, da distribuição e da banca, que são quem manda, possam ter mais clientes.
Pela mesma razão mantêm há décadas o congelamento das rendas para que os inquilinos em vez de darem o dinheiro aos senhorios o possam gastar nos hipermercados.

Por trás de toda a retórica igualitária, no quadro do sistema económico, é este o papel do Estado burguês. Como Marx, aliás, ensinou.

segunda-feira, outubro 21, 2013

A questão do Estado e o impasse da esquerda actual




A revolução tecnológica e a globalização acelerada estão a fazer emergir lentamente, inexorávelmente, uma nova formação económica e social (para usar um termo de Marx). Ela trará consigo um novo tipo de Estado, pós-capitalista.

A esquerda actual, em vez de trabalhar para influenciar tal processo, gasta todas as suas energias a tentar controlar o Estado capitalista ou mesmo, na versão mais infantil, o próximo governo. Como alguém que se esmerasse a arrombar uma porta sem saber o que de lá vai surgir (e de cada vez sai algo pior).
A esquerda actua como se a relação de trabalho assalariado fosse durar para sempre. Como se a sua missão se resumisse ao aperfeiçoamento das actuais relações de produção, usando o Estado para obrigar as empresas capitalistas a portar-se bem.

A questão do Estado foi sempre muito importante e constitui hoje, pela forma acrítica como está a ser abordada (alavanca do vanguardismo, bastião e trincheira), a causa fundamental do impasse em que a esquerda se encontra.

(aviso, ou ameaço, que isto é apenas a introdução a um texto muito mais longo que virá)

sábado, fevereiro 23, 2013

Os sound bites da esquerda

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Quando se olha para a política, tal como ela é feita nos nossos dias, tem-se a sensação de estar perante uma sucessão de "casos mediáticos" oportunamente construídos e logo abandonados. De "garotadas" inconsequentes, mais ou menos cantadas.
Já ninguém pensa ? Já ninguém tem ideias e utopias ?
A esquerda, apesar do seu riquíssimo passado de reflexão e teorização, está reduzida às reacções epidérmicas e conjunturais. Já não tem referências nem líderes históricos, tudo se sumiu nas mãos dos "inorgânicos".
Já nada promete para o futuro e não concebe outra alegria que não seja a de infernizar a vida dos Relvas.

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quarta-feira, outubro 17, 2012

Slavoj Zizek - Just think

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Como eu o compreendo depois de vários anos a dizer coisas do mesmo tipo...

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quarta-feira, junho 27, 2012

Congresso Democrático das Alternativas




Congresso Democrático das Alternativas
Nos últimos 30 anos, de vez em quando, aconteceram erupções ou dissidências deste género. Muitas. Todas morreram de inanição, já não são sequer notícia. Porquê? Porque não partem de propostas e utopias. Limitam-se a mastigar vagas ideias de unidade como se fossem panaceia para a renascença de uma esquerda que se deixou cercar pelo anacronismo.

sexta-feira, maio 25, 2012

Os limites do Capitalismo

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in EXPRESSO Actual, 19.05.2012



Um texto e um livro importantes. 
Jappe defende nele algumas teses que eu já tinha enunciado em 2003, embora com uma lógica diferente (no livro "Do Capitalismo para o Digitalismo").
Em vez da fórmula genérica "lucro obtido em cada produto cada vez menor" como explicação da crise actual do capitalismo, indicada por Jappe, eu defendo que o desaparecimento do trabalho vivo no acto da produção põe cada vez mais em causa a sustentabilidade da procura.
Esse efeito foi mascarado por doses maciças de crédito, para permitir gastar já hipotéticos rendimentos futuros, mas esse processo conduziu à crise actual cuja saída ninguém parece conhecer.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

Os amanhãs cantarão façamos nós o que fizermos.





A grande questão da actualidade é o desaparecimento de uma sociedade sonhada, de um eldorado futuro, um sonho como aquele que alimentou a minha geração. Quase toda a agitação a que se assiste de há uns anos a esta parte tem um carácter defensivo, sindical. 
Neste momento, por exemplo, a esquerda resume-se a três mensagens.


1. indignar-se com declarações avulsas (do presidente, do relvas, da ferreira leite. etc) o que é inútil como a história mostra. Se estas denúncias funcionassem Cavaco não teria obtido quatro maiorias absolutas. 
2. defender que se pode sair do buraco em que estamos fazendo menos sacrifícios. Acho que nem os próprios acreditam nisso, e o povo muito menos. Qualquer pessoa percebe que se trata de um oportunismo que nunca passaria à prática no caso de os seus defensores chegarem ao governo.
3. invocar a falta de equidade nos sacrifícios. Esta linha de argumentação é válida mas vê limitado o seu efeito, em muitos casos, pela forma como é exercida. Ou por falta de credibilidade de quem a invoca, ou por fazer a defesa de classes que o povo vê como privilegiadas ou por apoiar a penalização de estratos sociais com base em preconceitos (como acontece por exemplo com os senhorios). 


Em suma, mesmo perante a falência do "antigo regime", não há uma única utopia redentora.

A utopia é um ingrediente fundamental. Não foram as utopias que nos atraiçoaram durante o século XX mas sim os fanatismos. Não há só Hitlers e Estalines, há também o sonho sereno dos Gandhis e dos Mandelas. 

Os sofrimentos de hoje só podem ser minorados pela caridade ou pela segurança social, o papel da política é outro: desenhar uma sociedade futura onde os sofrimentos actuais não mais possam ocorrer. 

Não devemos descartar a hipótese vir a ter uma sociedade pós-capitalista sem assalariamento mas, apesar de tudo, com as classes correspondentes às novas relações de produção que entretanto se desenvolvam (esperemos que mais justas). Novas classes e também novas formas de exploração, tal como sucedeu quando o capitalismo substituiu o feudalismo. 

A total ausência de classes e de desigualdades podemos deixá-las para um futuro incerto e mítico. 
Mas não devemos nunca esquecer que para criar uma sociedade nova não basta distribuir pelos pobres a riqueza dos ricos como parece implícito em quase toda a propaganda de uma esquerda sem visão.

Não se trata de inventar, à pressa, novos “amanhãs que cantam”. Os amanhãs cantarão inevitavelmente façamos nós o que fizermos; trata-se de saber se ainda queremos participar na escolha da melodia e do poema.





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sábado, dezembro 10, 2011

Sonhos ideológicos que acabam mal

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Na minha curta vida de 66 anos a UE é já a segunda grande narrativa a cujo fim eu assisto.
Na juventude prometeram-me "amanhãs que cantam" e na velhice prometeram-me uma reforma sossegada, mas nenhuma delas se cumpriu. 
A URSS, durante décadas, prometia um mundo novo mas acabou por se desmoronar inglóriamente em 1991.
A União Europeia não prometia um "homem novo" mas sim um "país novo", os resultados estão à vista de todos. Os egoísmos nacionais, tal como os individuais, levaram ao tapete mais uma construção baseada em optimismos ideológicos sem fundamento.
Decididamente nem os homens, nem os países, são como os pintamos nos nossos sonhos.


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sábado, novembro 19, 2011

Sem tempo e sem saída



"IN TIME", traduzido em Portugal para "Sem Tempo", é um filme de Andrew Niccol sobre uma distopia situada no ano 2161. Aos 25 anos todos os homens e mulheres vêem iniciar-se uma contagem decrescente  no relógio que lhes foi implantado no braço e que, se nada fizerem, provocará a sua morte ao fim de um ano. 
Para o evitar é preciso trabalhar e ganhar mais "tempo de vida", a moeda corrente em tal mundo. Enriquecer é, por consequência, acumular tanto tempo potencial de vida que dispense o seu detentor de uma permanente correria pela sobrevivência e fazer todo o tipo de transacções com essa espécie de novo dinheiro. É possível aos ricos viver durante séculos, ou milénios, mantendo sempre a aparência física dos 25 anos, de quando o relógio começou a desandar.


Não é difícil perceber nesta história uma translação metafórica da sociedade actual baseada no assalariamento. De facto a engenhosa situação que o filme inventa não é mais do que a concretização futurista da tese de Marx segundo a qual o salário está "socialmente calibrado" para permitir a renovação da força de trabalho:
“Poderia responder com uma generalização e dizer que, tal como com todas as outras mercadorias, também com o trabalho, o seu preço de mercado, a longo prazo, se adaptará ao seu valor; que, por conseguinte, apesar de todos os altos e baixos e faça o que fizer, o operário só receberá, em media, o valor do seu trabalho, que se resolve no valor da sua força de trabalho, o qual é determinado pelo valor dos meios de subsistência requeridos para o seu sustento e reprodução, o qual valor dos meios de subsistência é finalmente regulado pela quantidade de trabalho necessário para os produzir (Salário, Preço e Lucro, trad. portuguesa, Ed. AVANTE, 1983, pag.. 65-67)”.
No filme, os trabalhadores em vez de ser pagos com dinheiro que lhes permita comprarem a sua subsistência são pagos directamente em tempo.


O filme tem uma fase descritiva inicial bem organizada e que prende o espectador à expectativa. Mas o autor, depois de mostrar o cerne da inventiva, parece desamparado sem saber como prosseguir e concluir o enredo criado.
Passa então para um registo de tipo policial, com laivos de Robin dos Bosques que rouba tempo ao ricos para dar aos pobres e reminiscências de Bonny and Clyde (o herói da fita anda a roubar na companhia da elegante filha do vilão rico).


Não há ninguém que tente parar, quanto mais reverter, os ponteiros do relógio fatídico. Na ficção, como na vida real, falta imaginação para travar a injustiça.


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