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sábado, agosto 15, 2020

La Strada

 

La Strada

Em Agosto o Nimas está a mostrar vários filmes de Fellini. Hoje fui ver "La Strada", que já não via há décadas, pois não gosto de ver filmes em casa.
A música de Nino Rota e os olhos de Giulietta Masina constroem um ambiente poético irresistível, numa Itália do pós-guerra, que lutava pelo pão de cada dia com a energia brutal de Anthony Quinn.
A fotografia a preto e branco, rugosa e áspera, é a mais adequada quer para a poesia quer para a miséria.
Tocou-me muito.
O filme foi feito quando eu tinha nove anos.
Eu ainda conheci pessoas assim, eu tinha na família histórias daquele tipo e em ambientes similares.
Um mundo que desapareceu para sempre.
Claro que ainda hoje há miséria, mas não é aquela miséria.
Claro que ainda há violência, mas não é aquela violência.
Claro que ainda hoje há poesia, mas não é aquela poesia.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Porgy and Bess

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Há muito que conheço a banda sonora do "Porgy and Bess", de Otto Preminger, realizado em 1959.
Considero aliás que esta é a mais encantadora realização musical da obra-prima de Gershwin.
Só hoje descobri no youtube imagens do filme que nunca vira. Sinto-me obrigado a partilhar.

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quarta-feira, junho 24, 2009

AFARI

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Há exactamente 50 anos, durante o Verão de 1959, fui caixeiro e moço de recados na AFARI. A AFARI ainda lá está, na Rua Augusta, e ainda é uma loja de fotografia. Eu é que já não sou caixeiro.
A minha carreira escolar sofreu no ano lectivo 1958/1959 um grande sobressalto que terminou num estrondoso chumbo de quase todos os compinchas da rambóia (entre os quais o meu amigo Luís Maia que reencontrei na blogoesfera).
O meu pai (tirano) decretou que eu trabalharia durante as férias "para aprender", já que durante o ano escolar eu pouco aprendera pelo menos daquilo que ensinavam então no equivalente do 8º ano.
No Diário de Notícias, se não falho, encontrei um anunciozinho que me apressei a responder e que me rendeu, naquelas férias, a astronómica quantia de trezentos escudos (a que hoje se chama um euro e meio).


Ocorreu-me tudo isto recentemente quando bebia uma limonada na Rua Nova do Almada, exactamente como há 50 anos, num cafézito junto à Boa-Hora que, dizem os jornais, está em perigo de vida. A limonada, excelente, lembrou-me aquelas que eu bebia quando era mandado entregar uns pacotes mais acima, na Instanta do Chiado (suponho que eram negativos para revelar ou coisa quejanda).
Na loja eu, apesar da cabulice, falava o melhor francês e inglês o que fazia de mim alguém quando entrava algum estrangeiro, trazido pelo esparso turismo de então. Nesses momentos eu justificava o meu salário e percebia finalmente o alcance da escola.
De toda aquela experiência ficou-me a descoberta da fotografia e um embrião da consciência de classe. E os trezentos paus, bem entendido.
Talvez também uma certa ligação à Baixa que me fez chorar de raiva quando ouvi, algures no Minho, que o Chiado estava a arder.

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segunda-feira, maio 25, 2009

A mentira das imagens (2)

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Eu cresci numa casa onde os livros eram um objecto raro. Teria eu uns cinco ou seis anos (nasci em 1945) a Editorial Século, ligada ao jornal que então ostentava esse nome, publicou dois grandes e grossos volumes intitulados "50 Anos da História do Mundo, 1900-1950".

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Por razões que desconheço o meu pai, que fazia comércio com artigos de segunda-mão, adquiriu estes enormes livros, que eu tinha dificuldade em mover, e resolveu levá-los para casa. Foram aquelas 1400 páginas pejadas de fotografias que fizeram as vezes da televisão que então não existia.
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O primeiro volume era integralmente dedicado à política internacional enquanto que o segundo continha vários capítulos dedicados às artes e terminava com a parte relativa ao meio século português.
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Vem tudo isto a propósito de algumas reflexões que tenho feito acerca da minha atracção pelas imagens e da importância que lhes atribuo no processo da comunicação em competição ou complemento com os textos. Tenho-me interrogado sobre as razões de tal sortilégio.
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Creio que o meu contacto com este enorme livro ilustrado, numa fase do meu desenvolvimento em que não conseguia compreender o alcance dos textos e não tinha ninguém que me ajudasse a descodificá-los, deve ter estado na origem do meu interesse pela imagem e, em particular, pela fotografia.
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Passei a vida a reencontrar as imagens que descobrira nas longas horas que passava a folhear o livro e, ainda hoje, algumas dessas imagens são referenciais para mim. Quadros de Picasso ou Klee, rostos de compositores ou poses de bailarinos, ficaram impressas na minha memória com enorme força, numa época em que as imagens ainda não proliferavam por todo o lado.
Quando perante uma imagem sou atacado pelo "déjà vu" suspeito sempre de que seja apenas mais um afloramento do calhamaço.
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Em Abril iniciei estas deambulações sobre as imagens e o seu significado (ver aqui).
Dentro em breve voltarei a este tema que me interessa bastante.
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quarta-feira, abril 08, 2009

Batalha de Sombras

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Colecção de fotografia Portuguesa dos anos 50. Em exibição no Museu do Neo-Realismo em V. Franca de Xira.

Uma viagem comovente à sempre repetida batalha das imagens, do seu sentido, da sua missão na sociedade.

Uma oportunidade para lembrar e rever fotógrafos como Carlos Calvet, Gérard Castello-Lopes, Carlos Afonso Dias, Franklin Figueiredo, Eduardo Harrington Sena, Fernando Lemos, Adelino Lyon de Castro, João Martins, António Paixão, Victor Palla, Varela Pécurto, Frederico Pinheiro Chagas, Sena da Silva e Fernando Taborda.

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quarta-feira, abril 01, 2009

O mundo antes da vitimização

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"Tudo isto me veio à cabeça quando fui ver esse filme bem escrito e inteligente que é “Gran Torino”, de Clint Eastwood (e a América de Eastwood dava um livro). O filme não é sobre violência urbana nem tolerância nem racismo nem nenhum dos temas modernaços. O filme é sobre os anos 50 e o que deles sobra. Sobre um modelo de sociedade em que a pessoas eram responsáveis por si e não dependiam dos outros nem do Estado. Em que não precisavam de ser salvas e conviviam com os seus erros e fracassos sem desculpas. A vitimologia ainda não tinha sido inventada. Muito menos o reality show e a venda da dignidade. Nem os antidepressivos para curar a mania das compras ou do sexo. Do the right thing. Faz a coisa certa. Andámos um longo caminho. E agora, que perdemos tantas coisas, talvez fosse bom recuperar algumas. Respeitar mais as concretas mãos e menos o dinheiro abstracto. Deitar menos coisas fora. Consertar outras. Respeitar o planeta e a rua, deixando de os usar como lixeira à espera que o Estado venha atrás com o aspirador (já olharam para uma fotografia de rua de Lisboa nos anos 50?). Poupar os carros. Comprar menos tecnologias que nos despersonalizam e nos tornam twittering pardais afogados em pios irrelevantes. Escrever com a mão. Ler um livro com páginas de papel. Mexer na terra. Cozinhar com tachos e com colheres de pau. E contratar a melancolia do amola-tesouras para nos afiar as navalhas. Vamos precisar delas. "
Clara Ferreira Alves, Expresso 28.03.2009
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quinta-feira, agosto 28, 2008

O Amolador


FR, Lisboa 27.08.2008


O som da gaita de beiços não enganava: fui à janela e lá em baixo, conduzindo pela mão a sua “bicicleta” cheia de ferramentas e chapéus de chuva, lá estava ele, o amolador.
Corri a buscar uma faca e fui ter com ele. O homem pôs o seu avental de couro, subiu para a bicicleta e começou a pedalar, fazendo girar a roda de afiar onde ia com movimentos estratégicos, encostando o gume da faca.
Fiquei fascinada a olhar, a ver as pequenas chispas que saltavam.
E lembrava-me: o amolador vinha com a sua musica/pregão que, segundo se dizia anunciava as chuvas, e as vizinhas traziam as facas e tesouras para amolar, as panelas de alumínio para pôr “pingos” nos buracos, os tachos de barro estalados para consertar com “gatos”, e os chapéus de chuva para qualquer vareta nova.
Por 4 euros, durante uns minutos, eu tinha outra vez 10 anos.


P. S. Quanto à “lenda” de os amoladores anunciarem o regresso das chuvas, eu não sei nada, mas as previsões meteorológicas anunciam chuva para hoje a partir do fim da tarde...


(da nossa "enviada especial à praceta", Maria Rosa Redondo)



(um amolador em 1900)

terça-feira, maio 20, 2008

50º Aniversário da Candidatura de Humberto Delgado a Presidente da República


Sei que estes posts também se fazem de memórias e que nem sempre sou obrigado a escrever prosa “séria”, mal de que muitas vezes padeço.

Tinha 14 anos quando Humberto Delgado se candidatou às “eleições” presidenciais de 1958. Faria 15 anos pouco depois da sua “derrota”.

O que fazia e o que sabia sobre a Oposição.

Vivia em Lisboa, sempre vivi, e estudava no Liceu Gil Vicente. Estava no 4º ano do liceu, com um atraso de um ano escolar em relação à idade. Era filho de uma família oposicionista, que me mantinha mais ou menos bem informado sobre as notícias que fervilhavam na Baixa lisboeta. Os meus pais trabalhavam no Terreiro do Paço. Estava pois a par dos mexericos, dos reboliços, dos abaixo-assinados, das cartas-abertas e de alguns comunicados da Oposição Democrática. Nunca por minha casa, que eu visse, passou o papel de bíblia dos comunicados do Partido Comunista.

Não me lembro se fui informado antecipadamente da chegada do Humberto Delgado à Estação de Santa Apolónia, regressado da sua visita triunfal ao Porto. Soube depois da repressão sobre aqueles que o tinham ido esperar. Um amigo meu contou-me mais tarde que tinha ido com a sua mãe, como quem vai esperar um familiar, à Estação ver o General.

O clima estava criado, todos os dias iríamos ouvir falar daquelas eleições e de Humberto Delgado. Nem eu, nem os meus pais, participámos em qualquer manifestação ou comício, mas todos os dias o tan-tan das notícias me chegava da Baixa.

Os meus amigos à época, que eram colegas de escola, não se interessavam por política. Eram jovens entre os 14 e 15 anos, mais virados para catrapiscar as raparigas que saíam da Escola Voz de Operário, que, na altura, era uma Escola Comercial para o sexo feminino, ou então para jogar bilhar no Largo da Graça. Eu, um pouco mais espigadote intelectualmente, já era mais dado a leituras.

Sei, no entanto, que o furacão Delgado impressionou a todos, foi motivo de conversa e de apoio. Mesmo aqueles que estavam a leste de qualquer preocupação política não deixaram de se entusiasmar com a personagem.

Não me recordo de muitas mais coisas, sei, no entanto, que alguns dos meus amigos foram ou tentaram ir ao célebre comício do Liceu Camões, aquele em que Santos Costa, pôs a tropa na rua. Tive depois a descrição de repressão e do que se passou nas imediações da praça José Fontana.

Lembro-me também que havia um grupo no meu liceu, em que participava o Mário Vieira de Carvalho, que tempos depois se tornou um bom amigo, muito desenvolto, que fazia às claras propaganda do General. Fui avisá-los, com a minha proverbial prudência, que não se expusessem demasiado.

Recordo-me igualmente de uma tia que tinha visto passar Humberto Delgado em Almada e que vinha excitadíssima com a loucura que tinha sido a sua recepção naquela localidade.

Pouco me recordo da campanha do Arlindo Vicente, outro dos candidatos da Oposição, que desistiu a favor do Delgado. Sabia que este tinha sido apoiado pelo Partido Comunista, enquanto que Delgado inicialmente não tinha sido.

Os meus pais, que me recorde, não foram votar, porque não achavam as eleições livres e tinham provavelmente medo de represálias nos seus locais de trabalho. É preciso dizer que os votos estavam separados e facilmente, dada a cor do papel, se distinguia o voto na Situação do da Oposição.

Tudo isto terminou de um modo muito triste para mim e para a Nação. Recordo que fui passar umas férias, das muitas que tínhamos, a casa de um tio, um fascista um pouco encapotado, que no dia em que a Oposição decidiu protestar contra a fraude eleitoral – devia ser Julho –, propondo que todos pusessem luto, não fossem a espectáculos e tomassem outras medidas que ilustrassem a sua indignação, me propôs irmos ao cinema para verificarmos in loco se as pessoas tinham aderido ao boicote. A minha ingenuidade e o desejo de ir ao cinema levaram-me a participar, um pouco a contra gosto, na farsa.

No ano escolar seguinte, acho que mudei de amigos, passei a reunir-me com eles ao cimo da R. Angelina Vidal, facto que já comentei num post anterior. Encontrava-me, para o Fernando Penim Redondo que os conhece, como Victor e o Osvaldo. Um dia, primeiro a medo e depois claramente, começaram-me a falar do “nosso homem”. Este não era outro senão o general Humberto Delgado. A partir daí criou-se entre nós uma amizade, a que depois se juntaram muitos outros, também adeptos do “nosso homem”, que durou para o resto da vida. Todos esses jovens aos poucos foram entrando para o Partido Comunista, alguns, como eu, já lá não estão, mas mantiveram sempre com a esquerda uma forte relação.
PS.: Este texto foi publicado igualmente em http://trix-nitrix.blogspot.com/