Mostrar mensagens com a etiqueta cinema 2024. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cinema 2024. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, dezembro 25, 2024

O QUARTO AO LADO


 

O QUARTO AO LADO
é um grande filme de Almodóvar.
O ponto de partida é simples; uma amiga dispõe-se a acompanhar a eutanásia de uma mulher relativamente jovem.
Este primeiro plano da trama, sem dúvida emocionante, deixa perceber em "backstage" um emaranhado de histórias de vida afluentes, de parentes, amantes ou conhecidos.
São tão "extraordinárias" que parecem ficções de um autor sobrenatural que se entretem a inventá-las.
O filme ajuda-nos a perceber que nós, espectadores, vivemos também na condição de personagens de uma ficção que nos é alheia. E que, tal como no filme, passamos a vida a tentar escrever também um pouco do enredo. Martha, ao querer escolher a sua forma de morrer, está a tentar fazê-lo até ao fim.
Não é por acaso que as duas amigas (Ingrid e Martha) são, respectivamente, escritora de ficção e correspondente de guerra; uma no reino da pura invenção e a outra no estrito respeito dos "factos".
Mas os factos e a ficção vivem paredes meias. Os factos nunca são totalmente conhecidos e é nesse espaço vazio que nasce a ficção.
Quer as actrizes quer os textos/diálogos são de primeiríssima qualidade

sexta-feira, novembro 15, 2024

ANORA


 

ANORA
O filme conta uma grande história e, como todos os bons filmes, diverte e emociona.
Uma striper novaiorquina é pedida em casamento pelo filho de uns mafiosos milionários russos.
O filme mostra a trabalheira que é anular um casamento, mesmo em Las Vegas. Uma boa surpresa para quem, como eu, pensava ir só ver um thriller.
(Anora é o nome da noiva e nada tem a ver com o parentesco embora ela seja "a nora" dos russos)

segunda-feira, fevereiro 05, 2024

Pobres Criaturas


Pobres Criaturas
A história, cruamente, é a seguinte: uma mulher grávida atira-se de uma ponte. Um cirurgião, ele próprio uma versão do Frankenstein, recupera os corpos recém falecidos e transplanta o cérebro do feto para o crânio da mãe.
Um percurso feito ao contrário; todos nós, no processo de crescer, recebemos algum do “cérebro dos pais” e não dos filhos.
Este estratagema inverosímil, criado pelo grego Yorgos Lanthimos, a partir de um livro de Alasdair Grey, vagamente situado no virar do século XIX para o XX, faz-nos percorrer uma via sacra de consequências exóticas e chocantes. Um cérebro infantil, que acaba de descobrir o mundo num corpo de mulher adulta, permite-nos espreitar o que somos antes de sermos o indivíduo social.
A trama desafia-nos ao longo de duas horas e meia para temas como a educação, o erotismo e o sexo, a parentalidade, as imposições da sociedade, a ética médica, a manipulação, o livre arbítrio, a “perversidade” infantil, etc, etc.
Presenciar “Pobres Criaturas” pode ser considerado uma experiência, mais do que um espectáculo, tão íntimas são as questões em que nos obriga a remexer.
Uma experiência da qual ninguém sairá como entrou.
Os ambientes criados para o filme são oníricos, talvez por pretenderem mostrar a maneira infantil de ver o mundo.
A certa altura a criança/mulher Bella Baxter (Emma Stone), escapa ao seu criador Godwin Baxter (Willem Dafoe), a quem sempre trata por God, para descobrir o mundo.
Nesse percurso passa por Lisboa com o seu amante, meramente instrumental, já que Bella não estabelece qualquer relação entre sexo e afectividade. A cidade que ela vê é fabulosa, com carros eléctricos pelo céu, e uma fonte compulsiva de pastéis de nata. Curiosamente, é num navio que parte de Lisboa para novas aventuras.
Quis o acaso que eu visse “Pobres Criaturas” quando estava a ler “A Civilização do Espectáculo”, de Vargas Llosa, e concretamente o capítulo “IV. O desaparecimento do erotismo”.
Uma parte substancial do filme são as peripécias resultantes da atracção sexual que Bella, uma bela mulher, desperta nos incautos masculinos; mostra como eles estão impreparados para um jogo em que a parceira, para seu desespero, quebra todas as regras.
O cérebro infantil ainda não tem a maturidade suficiente para perceber toda a teia de questões psicológicas e sociais que envolvem a actividade sexual, muito para além da componente meramente física e, no limite, meramente animal.
Ao ver como Bella descobre o seu corpo percebemos melhor as reservas postas por Llosa, no seu livro, relativamente aos “workshops de masturbação” organizados pela Junta da Estremadura, para meninos e meninas a partir dos 14 anos, com o delicioso nome “O Prazer Está nas Tuas Mãos”.
Termino com palavras de Vargas Llosa extraídas do livro acima mencionado:
“O sexo desempenhou um papel de destaque na criação do indivíduo e, como mostrou Sigmund Freud, nesse domínio, o mais recôndito da soberania individual, forjam-se as características distintivas de cada personalidade, o que nos é próprio e nos torna diferentes dos outros. Esse é um domínio privado e secreto e deveríamos procurar que continue a sê-lo se não quisermos tapar uma das fontes mais intensas do prazer e da criatividade, isto é, da civilização”.