quarta-feira, dezembro 22, 2004

Repensar radicalmente uma alternativa de esquerda (1)






Repensar radicalmente uma alternativa de esquerda (1)


Porque é tão importante repensar hoje uma alternativa de esquerda ?

Assistimos neste momento pela primeira vez no Portugal de Abril, se exceptuarmos o caso restrito da Madeira, a um braço de ferro entre a esquerda e o populismo ou, para sermos mais rigorosos, entre o populismo e um conjunto de influentes interesses corporativos enquadrados pela esquerda.

É preciso encarar com seriedade esta ameaça; a guerra contra o populismo, com Santana ou sem Santana, é sempre uma guerra perdida a prazo se a política não souber responder aos problemas sociais de fundo.

A emergência aqui e agora deste afloramento populista é, ela própria, um sintoma da falência continuada do sistema político que já se vinha manifestando na evolução do abstencionismo eleitoral.

O populismo de Santana (com réplicas em Paulo Portas) não soube (ou não teve tempo) para negociar certos apoios e viu-se acossado de forma violenta pelos media, pela classe política, por certos interesses poderosos do sector financeiro e acabou por ser travado “administrativamente”. A esquerda não deve embandeirar em arco pois esta vitória, obtida “na secretaria”, está longe de eliminar a ameaça se a esquerda não souber repensar e executar o seu novo projecto numa janela de oportunidade bastante estreita.

Para se entender a gravidade da situação basta considerar que ao reagir a Santana como a um “corpo estranho” à “política normal”, ao atacá-lo pelo lado picaresco e processual, ao deixá-lo privado de apoios que não sejam os resultantes de uma quase impossível vitória eleitoral, está-se em verdade a pôr na panela todos os ingredientes venenosos; imagine-se o cataclismo que se abateria sobre o sistema político caso ocorresse uma vitória de Santana, agora ou após um novo fracasso, perfeitamente previsível, do PS.

Precisamente por ser um “outsider”, por ter sido atacado e rejeitado por quase todos, desde o Presidente até aos seus amigos íntimos, se algum dia alcançar uma vitória eleitoral ela significará, nessa mesma medida, a derrota de quase todos e projectará o seu poder numa escala muito maior.

Para aqueles que pensam que este cenário é impossível eu sugiro que recordem o que pensavam quando Cavaco foi finalmente derrotado e parecia ter acabado para a política; agora é citado com reverência até pela esquerda, e perfila-se como um candidato muito forte à Presidência.
Até o Guterres, que abandonou o Governo e abriu caminho à maioria de direita, vilipendiado por quase todos há tão pouco tempo, aparece agora como principal opção da esquerda para Belém. Como dizia alguém o tempo reabilita as prostitutas e os prédios feios e, diria eu, também os políticos.

Como se tal não bastasse a direita tem ainda outras opções mais ou menos polidas, mais ou menos prestigiadas nos meios académicos ou empresariais, o que significa que pode articular a sua resposta de acordo com as circunstâncias.

O desafio para a esquerda é, como desenvolveremos em próximas ocasiões, passível de enunciação em três planos:

- o que é ser de esquerda hoje ?
- como responder à erosão da imagem da política e dos políticos ?
- quais as grandes linhas de um projecto de esquerda para poder ser uma verdadeira alternativa política e não uma mera plataforma eleitoral ?

Sem uma resposta adequada a estas questões qualquer vitória eleitoral do Partido Socialista, coligado ou não, terá um carácter transitório, será apenas mais um ciclo da espiral descendente que pode acabar com o nosso sistema democrático.

(clique aqui para ver o texto completo)

1 comentário:

Manel disse...

Absolutamente de acordo. Infelizmente há pouca gente a perceber isto mesmo e a sementeira da demagogia vai-se fazendo. Sobretudo quando está claro para cada vez mais gente que há trinta anos que atiramos ao ar a mesma moeda. Já percebemos qual é a cara e qual é a coroa. Já mudámos de divisa e tudo. Mas a moeda continua a mesma...

Bom ano, Fernando!