segunda-feira, outubro 27, 2008

O Estado no Manifesto

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Este momento parece adequado para ressuscitar "o papel do Estado" na vida económica. Para tanto alguns fazem tábua rasa das experiências históricas e vão ao ponto de se considerarem seguidores da ortodoxia marxista. Parece assim interessante transcrever duas passagens do "Manifesto do Partido Comunista", publicado pela Editorial "Avante!", que referem o Estado:

"Dos servos da Idade Média saíram os Pfahlbürger das primeiras cidades; desta Pfahlbürgerschaft desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia [Bourgeoisie].

O descobrimento da América, a circum-navegação de África, criaram um novo terreno para a burguesia ascendente. O mercado das Índias orientais e da China, a colonização da América, o intercâmbio [Austausch] com as colónias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, à navegação, à indústria, um surto nunca até então conhecido, e, com ele, um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário na sociedade feudal em desmoronamento.

O modo de funcionamento até aí feudal ou corporativo da indústria já não chegava para a procura que crescia com novos
mercados. Substituiu-a a manufactura. Os mestres de corporação foram desalojados pelo estado médio [Mittelstand] industrial; a divisão do trabalho entre as diversas corporações [Korporationen] desapareceu ante a divisão do trabalho na própria oficina singular.

Mas os mercados continuavam a crescer, a procura continuava a subir. Também a manufactura já não chegava mais. Então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. Para o lugar da manufactura entrou a grande indústria moderna; para o lugar do estado médio industrial entraram os milionários industriais, os chefes de exércitos industriais inteiros, os burgueses modernos.

A grande indústria estabeleceu o mercado mundial que o descobrimento da América preparara. O mercado mundial deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez, reagiu sobre a extensão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, os caminhos-de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais, empurrou todas as classes transmitidas da Idade Média para segundo plano.

Vemos, pois, como a burguesia moderna é ela própria o produto de um longo curso de desenvolvimento, de uma série de revolucionamentos no modo de produção e de intercâmbio [Verkehr].
Cada um destes estádios de desenvolvimento da burguesia foi acompanhado de um correspondente progresso político
. Estado [ou ordem social — Stand] oprimido sob a dominação dos senhores feudais, associação armada e auto-administrada na comuna, aqui cidade-república independente, além terceiro-estado na monarquia sujeito a impostos, depois ao tempo da manufactura contrapeso contra a nobreza na monarquia de estados [ou ordens sociais — ständisch] ou na absoluta, base principal das grandes monarquias em geral — ela conquistou por fim, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, a dominação política exclusiva no moderno Estado representativo. O moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa."

Como se pode ver Marx nunca esperaria do "moderno poder de Estado" qualquer "regulação" passível de prejudicar os negócios de "toda a classe burguesa". Convém relembrar que é nesse Estado que nos encontramos. Mas continuemos:

"O proletariado usará a sua dominação política para arrancar a pouco e pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção na mão do Estado, i. é, do proletariado organizado como classe dominante, e para multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças de produção.

Naturalmente isto só pode primeiro acontecer por meio de intervenções despóticas no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas, através de medidas, portanto, que economicamente parecem insuficientes e insustentáveis mas que no decurso do movimento levam para além de si mesmas e são inevitáveis como meios de revolucionamento de todo o modo de produção.

Estas medidas serão naturalmente diversas consoante os diversos países.
Para os países mais avançados, contudo, poderão ser aplicadas de um modo bastante geral as seguintes:


1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego das rendas fundiárias para despesas do Estado.
2. Pesado imposto progressivo.
3. Abolição do direito de herança.
4. Confiscação da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes.
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo.
6. Centralização do sistema de transportes nas mãos do Estado.
7. Multiplicação das fábricas nacionais, dos instrumentos de produção, arroteamento e melhoramento dos terrenos de acordo com um plano comunitário.
8. Obrigatoriedade do trabalho para todos, instituição de exércitos industriais, em especial para a agricultura.
9. Unificação da exploração da agricultura e da indústria, actuação com vista à eliminação gradual da diferença entre cidade e campo.
10. Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma hodierna. Unificação da educação com a produção material, etc.


Desaparecidas no curso de desenvolvimento as diferenças de classes e concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perde o carácter político. Em sentido próprio, o poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de uma outra. Se o proletariado na luta contra a burguesia necessariamente se unifica em classe, por uma revolução se faz classe dominante e como classe dominante suprime violentamente as velhas relações de produção, então suprime juntamente com estas relações de produção as condições de existência da oposição de classes, as classes em geral, e, com isto, a sua própria dominação como classe."

O Estado é tomado pelo proletariado para destruir o poder dos capitalistas e não para se constituir em novo modo de produção. O novo modo de produção, "concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos associados", não está muito bem definido no seu funcionamento mas não é certamente comandado pelo Estado já que, nesta fase e nas palavras de Marx "o poder público perde o carácter político".
O que nós verificámos durante o Século XX foi que revolução de 1917 originou um Estado que, durante 70 anos, não deu mostras de querer mirrar e desaparecer. Todos sabemos que estava rodeado de inimigos e que, mesmo que outras razões não houvesse, tal impediria o progressivo desaparecimento do Estado como foi previsto por Marx.
Em suma, estas questões são demasiado complexas para serem tratadas de forma ligeira por aqueles que julgam poder resultar da crise financeira actual uma nova economia tutelada pelos ministérios.
Tanto quanto sei o Estado nunca foi modo de produção e penso que nunca o será. O Estado é um produto de cada sociedade; o Estado não resume nem substitui a sociedade e as formas de organização da produção sejam elas quais forem.

P.S. Claro que este texto dá "pano para mangas" e levanta muitas e interessantes questões. Onde está hoje o proletariado ? como se nacionalizam coisas como as redes mundiais de comunicação ? será que o "desparecimento das classes" conduz automáticamente a uma sociedade de paz celestial ? etc, etc.
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1 comentário:

Anónimo disse...

Ha sido llamado el "historiador vivo más influyente" por la revista New York Review. Marxista, el británico Eric Hobsbawm es autor de una brillante producción académica sobre los últimos tres siglos de historia occidental. A sus 91 años, afirma que la debacle financiera es "el equivalente al colapso de la URSS y el final de una era". "Sabemos que se terminó una era pero no sabemos qué vendrá", comentó días atrás en un largo reportaje concedido a la BBC de Londres, donde reside. Éste es un fragmento del diálogo.

'Regresará el estatismo?

Ciertamente es la más grave crisis del capitalismo desde la década del 30. Creo que esta crisis es más dramática por los más de 30 años de una cierta ideología "teológica" del libre mercado. Porque como Marx, Engels y Schumpeter han previsto, la globalización -que está implícita en el capitalismo- no sólo destruye una herencia de tradición sino también es increíblemente inestable: opera a través de una serie de crisis. Y esto está siendo reconocido como el fin de una era específica. Sin dudas, se hablará más de John Keynes y menos de Milton Friedman. Todos están de acuerdo en que habrá un mayor rol para el Estado. Ya hemos visto al Estado como el prestamista de última instancia. Quizás regresaremos a la idea del Estado como el empleador de última instancia, que es lo que fue bajo el "New Deal" en EE.UU. Lo que sea, será un emprendimiento público de acción e iniciativa, algo que orientará, organizará y dirigirá también la economía privada. Será mucho más una economía mixta que lo que ha sido.

'Y qué del Estado como redistribuidor?

Creo que será pragmático de la forma que era antes. Lo que ha estado pasando es que en los últimos 30 años el capitalismo global ha operado de una forma inestable, excepto -por varias razones- en los países desarrollados. Ellos se han mantenido, hasta un cierto punto, al margen, y por ello lo han minimizado. En Brasil, en los '80; en México en los '90; en el sudeste asiático y Rusia en los '90; en Argentina en 2000: todos sabían que estas cosas podían traer catástrofes en el corto plazo. Y para nosotros eso implicaba caídas tremendas en la Bolsa de Londres pero luego, seis meses después, recomenzábamos de nuevo. Ahora, tenemos los mismos incentivos que habían en los '30: si no se hace nada, el peligro político y social es profundo.

Usted estuvo en Alemania cuando Hitler llegó al poder. 'Podría darse algo remotamente parecido?

En los años '30 el efecto político neto a corto plazo de la Gran Depresión fue el fortalecimiento de la derecha, con dos excepciones. Una fue Escandinavia y -curiosamente- Estados Unidos, donde reacccionaron a quien sería el equivalente de Bush. A la izquierda no le fue bien en los '30 hasta que llegó la guerra. Entonces, creo que ése es el principal peligro. La izquierda está virtualmente ausente. Entonces, a mí me parece que el principal beneficiario de este descontento, otra vez con la posible excepción -al menos eso espero- de Estados Unidos, será la derecha.

'Lo que vemos ahora es el equivalente de la caída de la URSS para la derecha?

Sí, así lo creo, creo que éste es el equivalente dramático al colapso de la Unión Soviética. Ahora sabemos que se terminó una era. No sabemos qué vendrá. Tenemos un problema intelectual: solíamos pensar que habían dos alternativas, o una o la otra: o el libre mercado o el socialismo. Creo que tenemos que dejar de pensar en una o la otra y debemos pensar en la naturaleza de la mezcla.

'Cree que regresaremos al lenguaje del marxismo?

Hasta un cierto punto, lo hemos hecho. Encuentro bastante extraño que el redescubrimiento de Marx lo han generado los hombres de negocios, ya que no hay izquierda. Desde la crisis de los '90, son los hombres de negocios quienes empezaron a hablar en términos de decir: "Bueno, Marx predijo esta globalización y podemos pensar que el capitalismo está planteado como una serie de crisis". No creo que el lenguaje marxista políticamente será prominente; pero intelectualmente, la naturaleza del análisis marxista sobre la forma en la que el capitalismo opera verdaderamente será importante.