domingo, setembro 04, 2022
O Facebook é a antítese do Marx.
O Facebook é a antítese do Marx.É uma "fábrica" que trabalha com matéria prima gratuita (que nós damos) e cujos trabalhadores se limitam a criar e manter a infraestrutura. Vendem publicidade mas no seu produto não há incorporação de trabalho vivo.
As televisões também vendem publicidade mas, para isso, todos os dias têm que produzir programas (a maior parte dos quais são realmente deploráveis, mas envolvem trabalho).
O Facebook pode aumentar as vendas para o dobro sem ter que contratar mais trabalhadores. Ou seja, não vive da exploração dos próprios trabalhadores mas sim dos otários que publicam fotografias e textos. Como no caso deste post, que deve ter feito Marx revolver-se no túmulo.
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quarta-feira, março 14, 2018
135 anos sobre a morte de Karl Marx
Cumprem-se hoje, 14 de Março, 135 anos sobre a morte de Karl Marx.
Quase todas as comemorações giram à volta de saber se ele "está de volta" ou se isso é apenas um boato lançado pelos seus fanáticos.
Quanto a mim o que seria interessante era comparar o mundo em que viveu Marx e o mundo em que nós vivemos. É que ele viveu num mundo que já só existe de forma residual.
No tempo de Marx, numa fase muito jovem da industrialização e do próprio capitalismo, verificava-se por exemplo que:
- Os produtos industriais, bastante simples, eram quase sempre totalmente produzidos, da matéria prima até ao produto final, nas mesmas instalações industriais. Hoje é comum a produção decorrer em múltiplas fábricas e em vários países.
- Quase todo o trabalho era repetitivo e, portanto, o volume produzido era proporcional ao tempo trabalhado. Quase todo o "trabalho vivo" acontecia durante a produção.
- Não existia, ou era incipiente, quer a concepção e o desenho prévio à produção, quer o marketing pós-produção.
- Cada unidade dos produtos consumia obrigatóriamente trabalho vivo. Hoje temos produtos em que unidades adicionais podem ser produzidas sem qualquer intervenção humana.
- Havia, de tempos a tempos, crises de sobreprodução. Hoje há sempre produção em excesso. O sucesso no mercado e as manobras para o alcançar são a preocupação essencial dos empresários. Eles estão preocupados com o lucro e não com a mais-valia.
Esta é uma lista não exaustiva das questões que os admiradores de Marx, como eu, deviam ter em consideração para melhor o homenagear.
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sábado, novembro 09, 2013
O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 4)
A nossa imagem do Estado está bastante deformada.
O Estado, puro e duro, esconde-se sempre atrás do “Estado Social” como se tudo o que faz tivesse um carácter benfeitor.
O próprio “Estado Social”, no seu gigantismo, refugia-se sempre por trás da ideia sedutora de que só existe para acorrer aos desvalidos sem outra salvação. Mas os números mostram que as prestações sociais entregues aos muito carenciados (idosos pobres, desempregados, doentes sem meios próprios) são uma gota de água no Orçamento do Estado.
Procura-se convencer os incautos de que o “Estado Social” é pago pelos ricos, a quem "foi imposto pela justa luta das classes trabalhadoras", e beneficia de forma decisiva “os mais desfavorecidos”. Mas a verdade dos números é bem diferente: quem o paga são os próprios trabalhadores já que, no seu conjunto, entregam muito mais em impostos, e todo o tipo de contribuições, do que recebem.
O grosso do Orçamento é gasto com empresas fornecedoras de bens e serviços, com os funcionários do próprio Estado e em prestações sociais entregues a cidadãos que teriam, se necessário, rendimentos suficientes para as pagar.
E para onde vai a diferença entre aquilo que os cidadãos entregam ao Estado e o valor dos serviços dele recebidos?
Os jornais estão cheios de notícias sobre
- Entidades públicas redundantes, ou mesmo prejudiciais, que se eternizam sem produzir nada de útil. Os incontáveis institutos, comissões, observatórios, altas autoridades, etc.
- Obras públicas que custam três ou quatro vezes mais do que o valor ajustado
- Medicamentos e exames de diagnóstico redundantes ou comprados por preços leoninos (quando não em claro esquema mafioso)
- Ordenados exorbitantes de gestores de empresas públicas que os próprios se auto-atribuem (sempre acompanhados de uma miríade de complementos como cartões de crédito, seguros de vida, prémios de gestão, despesas de representação 14 meses por ano e outros)
- Pensões de reforma cujos elevados montantes não têm qualquer correspondência com os descontos efectuados pelos beneficiários
- Múltiplos ordenados dos “eleitos locais” obtidos nas empresas municipais por eles criadas
- Subvenções mensais vitalícias e subsídios de reintegração atribuídas aos políticos.
Estes exemplos, entre muitos outros, configuram aquilo que podemos designar como uma exploração de segundo nível.
Marx explicou a exploração como a apropriação pelos capitalistas da diferença entre o valor produzido e o montante dos salários mas não podia adivinhar que em pleno século XXI um segundo nível de exploração se viria sobrepor.
O salário que os trabalhadores deveriam levar para casa, já amputado da mais-valia, é ainda “assaltado” pelo IRS e pelas contribuições para a Segurança Social, quando metem gasolina ou compram tabaco, quando compram casa, quando vão ao supermercado, em suma, constantemente.
Em muitos casos este segundo nível de exploração é ainda mais intenso do que a exploração laboral convencional.
Os beneficiários desta exploração configuram uma casta, complementar das tradicionais classes possidentes, que se apoderou da nossa democracia e que, pelos seus erros e cupidez, acabará por a destruir.
É por isso que a reforma do Estado nunca passará de um guião.
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segunda-feira, outubro 28, 2013
O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)
O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 3)
Parece estranho o percurso que levou a esquerda a transformar-se numa defensora acérrima do Estado, depois de Marx o ter caracterizado como a expressão do domínio classista.
Esta tese do Marx foi muito facilmente assimilada por mim, na juventude, pois na minha família, ao longo de pelo menos cinco gerações nunca ninguém viveu do erário público, nem como empregado, nem como subsidiado nem como fornecedor.
Para uma família como esta, que na minha infância rondava o neo-realismo, o Estado era o polícia e a multa, o guichet mal encarado, a repressão política, a arrogância do médico e do professor perante a modéstia do doente e do aluno.
O Estado é sempre o espelho da sociedade onde existe. Não é a sociedade que espelha o Estado que tem.
Mas a Revolução Soviética de 1917, operando num país atrasado e imenso, recuperou uma deriva utópica e apoderou-se do Estado para, diziam, melhor poder gerir a transição para o Socialismo e o Comunismo. Andou setenta anos a dizer que o Estado um dia acabaria, mas a verdade é que enquanto a URSS existiu o Estado não parou de engordar. Ainda hoje a esquerda está ensopada de ilusões acerca de insurreições que, derrubando os símbolos do poder, darão acesso instantâneo a um “mundo novo”.
A sensação de impotência para levar as pessoas a produzir riqueza e a distribuí-la em novos moldes é que leva o vanguardismo a refugiar-se no Estado para, a partir dessa trincheira, obrigar a sociedade a adoptar as suas ideias iluminadas. Essa quimera ficou definitivamente desmentida quando na China, o país mais preparado e adequado para o exercício do poder absoluto, o Partido Comunista reconheceu a necessidade de recorrer a métodos “capitalistas” para seguir em frente, até que a situação amadureça.
Na Revolução Francesa de 1789, apesar de tudo, a transformação de fundo económica e social já estava madura quando a superestrutura política foi revolucionada. Mas na Rússia de 1917 e na China de 1949, tal não era o caso. O Estado deveria então operar “em cesariana” aquilo que, em “parto natural”, demora séculos.
Mas o Estado não é uma espécie de “modo de produção” que, através do voluntarismo, interferindo a todos os níveis da sociedade, se possa substituir ao livre jogo dos interesses e à criatividade dos cidadãos.
Sempre que tal aconteceu os resultados foram perversos.
A crescente incapacidade para lidar com as metamorfoses do capital, por um lado, e a importância eleitoral do funcionalismo público, por outro, convergiram com o saudosismo da URSS.O resultado foi esta amálgama em torno do “Estado Social” a que estamos a assistir.
Uma social democracia indiferenciada e contra-natura em que mergulharam todas as forças de esquerda, mesmo as revolucionárias e radicais.
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O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 2)
O Estado e o impasse da esquerda actual (texto 2)
O genial Marx ainda hoje é uma referência para quase toda a gente, mesmo para quem o combate ou para quem nem conhece o seu nome.
Ele anteviu o fim do capitalismo na sequência de uma brutal proletarização e pauperização da sociedade, mas a realidade seguiu outros caminhos. A invenção do Estado Social impediu uma pauperização extrema e, hoje, a revolução tecnológica proporciona lucros sem trabalho vivo, atirando para fora do assalariamento milhões de trabalhadores. O fim do capitalismo acabará provávelmente por resultar não da total proletarização, como ele dizia, mas sim do definhamento do trabalho assalariado.
A crise do assalariamento na produção, levou à transferência do grosso da criação de mais-valias para a fase da distribuição das mercadorias e para a especulação financeira. Era preciso garantir que os cidadãos, com cada vez menos empregos assalariados, continuassem apesar disso a ser explorados enquanto consumidores (se possível compulsivos).
Esta aparente “quadratura do círculo” foi resolvida pela manipulação do Estado pelas classes dominantes.
O Estado faz "redistribuição" de rendimentos através dos impostos, ou seja, transfere recursos das classes médias que podem não gastar tudo o que ganham para aqueles, mais pobres, que gastarão tudo o que receberem.
Como isto não é suficiente o Estado endivida-se para injectar dinheiro na economia (ou seja criar clientes para a empresas) lançando as consequências e os pagamentos para as gerações futuras.
O tão incensado Estado Social tem neste processo um papel muito importante; ao convencer as pessoas de que não precisam de amealhar para a velhice, desemprego ou doença reforça a propensão para o consumo imediato.
O consumismo, o crédito e a especulação financeira têm portanto que ser compreendidos como um recurso do capitalismo para se perpetuar apesar da relação em que se baseia, o assalariamento, atravessar uma crise profunda.
A esta luz é mais fácil compreender por que é que as associações patronais concordam com o aumento do salário mínimo; não se importam que os patrões industriais paguem mais para que os patrões do comércio, da distribuição e da banca, que são quem manda, possam ter mais clientes.
Pela mesma razão mantêm há décadas o congelamento das rendas para que os inquilinos em vez de darem o dinheiro aos senhorios o possam gastar nos hipermercados.
Por trás de toda a retórica igualitária, no quadro do sistema económico, é este o papel do Estado burguês. Como Marx, aliás, ensinou.
Hora da publicação: 22:13 0 comentários
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segunda-feira, outubro 21, 2013
A questão do Estado e o impasse da esquerda actual
A revolução tecnológica e a globalização acelerada estão a fazer emergir lentamente, inexorávelmente, uma nova formação económica e social (para usar um termo de Marx). Ela trará consigo um novo tipo de Estado, pós-capitalista.
A esquerda actual, em vez de trabalhar para influenciar tal processo, gasta todas as suas energias a tentar controlar o Estado capitalista ou mesmo, na versão mais infantil, o próximo governo. Como alguém que se esmerasse a arrombar uma porta sem saber o que de lá vai surgir (e de cada vez sai algo pior).
A esquerda actua como se a relação de trabalho assalariado fosse durar para sempre. Como se a sua missão se resumisse ao aperfeiçoamento das actuais relações de produção, usando o Estado para obrigar as empresas capitalistas a portar-se bem.
A questão do Estado foi sempre muito importante e constitui hoje, pela forma acrítica como está a ser abordada (alavanca do vanguardismo, bastião e trincheira), a causa fundamental do impasse em que a esquerda se encontra.
(aviso, ou ameaço, que isto é apenas a introdução a um texto muito mais longo que virá)
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quarta-feira, outubro 17, 2012
Slavoj Zizek - Just think
Como eu o compreendo depois de vários anos a dizer coisas do mesmo tipo...
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quarta-feira, fevereiro 29, 2012
As desventuras da esquerda pós-marxista
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sábado, fevereiro 18, 2012
A clivagem
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No mundo marxista, a grande clivagem era a nível nacional, entre capitalistas e trabalhadores. Dependia da classe. Hoje, a grande clivagem dá-se entre países. A desigualdade tem, sobretudo, a ver com o local onde se nasce. E a migração é o meio mais poderoso para reduzir a desigualdade global.
Entrevista a Branko Milanovic, autor de "The Haves and the Have-Nots", na VISÃO de 16.02.2012
(*) a data indicada para a publicação está errada, não sabemos se por responsabilidade de Branko ou do entrevistador.
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terça-feira, setembro 14, 2010
Excedentes necessários
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Do ponto de vista ecológico, a diminuição da população devia ser vista como um dado positivo, sendo negativos apenas os desequilíbrios na sua distribuição. Mas um sistema baseado no crescimento imparável, como é o sistema capitalista, não é compatível com o emagrecimento demográfico.
Se a vida de todos nós se alimenta de um endividamento que vai sendo transportado para o futuro (de modo que cada vez é maior a fatia de futuro hipotecado), se não houver no futuro mais gente para pagar a dívida, o sistema colapsa. Marx, que desprezava abertamente Malthus, mostrou como a questão da sobrepo-pulação emergiu "de um modo que não encontramos em nenhum outro período anterior da humanidade", isto é, de um modo coerente com "o grande papel histórico do capital". A que papel histórico se refere Marx? Digamos, em síntese: o de criar trabalho excedente.
Trabalho excedente e população excedente estão numa relação de dependência e ambos são um produto necessário da acumulação capitalista. Mais do que isso: são a sua própria condição de existência. Atualmente, esta condição entrou numa fase que engendrou o metatrabalho, bem conhecido de muitos "precários" (o precariado, esse novo sujeito da História...). Trata-se do trabalho não remunerado a que muitos se sujeitam, na esperança de arranjar trabalho, as formas de trabalho para arranjar trabalho. É, em suma, uma forma de contrair uma dívida cuja única garantia de pagamento é o próprio tempo de vida do indivíduo.
Este interessantíssimo texto, publicado por António Guerreiro no Expresso desta semana, refere justamente o sistema económico actual como dependente de uma contínua expansão do mercado. Isso pressupõe a existência de um "exército de reserva" que se possa ir incorporando na produção, sob a forma de novos trabalhadores e de novos consumidores.
É por essa razão que a China tem podido manter há tanto tempo uma expansão "capitalista", a taxas muito elevadas, há já várias décadas. Explica também o impasse europeu onde, à falta de crescimento demográfico, a poupança se reduziu perigosamente e o crédito teve que atingir níveis incomportáveis.
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quarta-feira, março 10, 2010
O Google contra Marx (2)
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.clicar a imagem para ampliar
Na continuação de um post anterior sobre o mesmo tema, O Google contra Marx (1), voltamos para desenvolver um pouco mais a compreensão do modelo de negócio Google.
À primeira vista o modelo de negócio do Google parece idêntico ao dos media tradicionais; captação de receitas de publicidade atraídas pelas garantias de audiências dadas aos anunciantes, com base na disponibilização, por vezes gratuita, de informação. Mas essa semelhança é ilusória pois o Google não disponibiliza um determinado bloco finito de informação; em vez disso proporciona aos seus utilizadores, que são os destinatários da publicidade, uma ferramenta com a qual podem aceder às mais variadas informações, ao sabor de propósitos pessoais e particulares.
Ao contrário da publicidade dos grandes meios de difusão, como as televisões que também alcançam milhões de espectadores, a publicidade do Google não é igual para todos os destinatários como acontece com um spot televisivo. Cada utilizador do Google recebe publicidade específica de acordo com os interesses e perfil que a sua utilização do Google revela.
Em certo sentido o negócio do Google é mais parecido com qualquer aluguer de ferramentas ou de veículos. Pode-se estabelecer a analogia com um aluguer de automóveis dotados de GPS, sem outro custo para o utilizador que não fosse o de levar o rádio sempre ligado e fazer a condução ao som de anuncios publicitários. O condutor podia portanto levar o automóvel pelas estradas que entendesse pagando para o efeito a gasolina necessária (como paga a energia e os serviços de rede que permitem ao seu computador executar pesquisas no Google).
O negócio descrito atrás nunca seria viável por causa do custo do automóvel comparativamente com as verbas que os anunciantes estariam dispostos a pagar para influenciar as preferências de consumo de uma só família. Ao invés os custos da ferramenta que o Google "aluga", que são enormes, permitem influenciar não uma mas centenas de milhões de famílias e empresas. As "estradas" a que essa ferramenta dá acesso, as informações indexadas pelo Google, foram criadas gratuitamente pelos próprios cidadãos e pelas empresas.
A figura publicada no topo deste post mostra a diferença entre o esquema de valor tradicional e o esquema próprio do Google. No primeiro caso, a partir de capital constante (maquinaria, instalações, matérias primas, etc) e de capital variável (trabalho humano) obtém-se um determinado "valor de uso" que o vendedor cede ao comprador com base no "valor de troca". O esquema típico do Google parte apenas de capital constante (o hardware onde reside o repositório de indexação e o software de armazenamento e pesquisa) já que não há trabalho específicamente envolvido no atendimento das "encomendas" (os próprios anúncios publicados pelo Google são quase sempre comprados em regime de "self-service").
O Google produz "valor de uso" para três tipos de intervenientes:
a. os que acedem à informação com base no repositório de referência do Google
b. os que publicam e difundem informação através da referenciação pelo Google
c. os que pagam para aumentar a probabilidade de ser vistos nos acessos à informação proporcionados pelo sistema de referenciação
É forçoso constatar que os intervenientes do tipo c., uma minoria portanto, pagam o suficiente para manter a gigantesca infraestrutura do Google e garantir à empresa uma invejável rentabilidade.
O grosso do "valor de uso" disponibilizado pelo Google é entregue à sociedade que nada paga por ele. Trata-se de uma situação sui generis pois o "valor de uso" só numa pequena parte é cedido de forma onerosa, o que não encaixa no modelo de análise forjado por Marx.
A extensão do repositório do Google e a sua dimensão geográfica, a intensidade da sua utilização e a variedade de consequências que a sua utilização arrasta são verdadeiramente incomensuráveis. Quando oiço criticar o Google, com base em supostos perigos ou no excesso dos lucros, sou levado a pensar que a maioria de nós nunca pensou no valor proporcionado à sociedade pelas ferramentas que ele nos tem facultado.
Mesmo que involuntáriamente esta actividade empresarial do Google tem uma dimensão social enorme. É difícil, é mesmo impossível, imaginar tudo aquilo que teríamos perdido se o Google não tivesse sido inventado.
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Hora da publicação: 22:57 15 comentários
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terça-feira, março 02, 2010
O Google contra Marx (1)

- Os seus trabalhadores actuam maioritáriamente em processos criativos destinados a facilitar o acesso à informação ou na motivação dos consumidores da informação
- Uma pequena parte dos seus trabalhadores actuam nos processos de manutenção e administração da gigantesca infraestrutura tecnológica onde reside o gigantesco repositório de informação
- Todo o sucesso se baseia na invenção de algoritmos de pesquisa e na capacidade técnica de armazenar e gerir quantidades gigantescas de informação
Do que atrás ficou dito resulta que o GOOGLE constitui como que uma enorme instalação "fabril" que processa uma "matéria" prima que lhe é entregue gratuitamente.
Estamos perante uma empresa que só tem, em termos marxistas, "capital fixo" pois cada unidade do produto que vende não depende de trabalho vivo, ou "capital variável", que tenha sido incorporado para que ela exista. É como uma fábrica que só tivesse engenheiros de produção, técnicos de manutenção e vendedores mas não tivesse qualquer operário.
Os conceitos de exploração pela apropriação de mais valia, de valor de troca criado pelo trabalho vivo aplicado na execução, tal como os definiu Marx, não se lhe aplicam. A própria mercadoria é apenas latente e potencial pois só passa a existir se, e quando, o comprador decide comprar publicidade.
Trata-se de uma ilustração eloquente da nova economia do Digitalismo que tardamos em compreender e integrar na análise do mundo actual.
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sexta-feira, dezembro 26, 2008
E nós ?
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"A previsão confirmou-se, o ano ainda não chegou ao fim e só nos Estados Unidos já foram feitos mais de mil milhões de downloads legais de músicas. Até ao final de Dezembro, estima-se que o número ascenda aos 1040 milhões.A Nielsen SoundScan, um sistema de informação que segue as vendas de música e vídeos nos EUA e no Canadá, já tinha previsto em Abril deste ano que 2008 ia ver ultrapassada a barreira psicológica dos mil milhões de downloads (o billion inglês).A cada ano que passa, o formato físico de venda de músicas – o Compact Disc (CD) –, vai sendo cada vez menos comprado. Entre 2000 e 2007 a venda de CDs caiu 45 por cento, e prevê-se que a queda vá continuar ao ritmo de oito por cento a cada ano. Ao mesmo tempo o negócio virtual de música aumenta sete por cento anualmente.Segundo o El País, em 2007 as vendas de música digital nos Estados Unidos alcançaram 1275,5 milhões de dólares (892 milhões de euros) de um negócio total de 10.370 milhões de dólares (7250 milhões de euros), apenas 12,3 por cento das vendas. Mas, de acordo com as tendências, estima-se que em 2011 esta percentagem passe para metade."
Público 19.12.2008
Aqui está mais um exemplo da galopante desmaterialização das mercadorias. Com ela vem também a infinita replicação sem necessidade de trabalho humano vivo adicional.
Em tempo de retorno a Marx há que convir que isto nunca lhe passou pela cabeça (que era sem dúvida brilhante).
E nós ? e as novas esquerdas ? que consequência teóricas extraímos destes novos factos ? Eis uma questão para respondermos em 2009.
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segunda-feira, dezembro 22, 2008
Marx e os seus retornados
.Na verdade, aquilo que é o conteúdo do "regresso a Marx" resume-se ao facto de o Estado estar a intervir para tentar remendar os efeitos da crise financeira e minimizar os efeitos dessa crise na chamada "economia real", como se a outra fosse "irreal", ou seja, Bush quando decide injectar no sistema financeiro uns milhões de dólares, ou Obama quando quer salvar a General Motors, Sócrates quando reforça o capital da CGD com fundos públicos, ou os governos quando avançam com variantes nacionais de programas como o Tennessee Valley Authority de Roosevelt para combater o desemprego estão a propor uma solução "marxista" para os problemas da crise. Mais intervenção do Estado, menos "mão invisível", menos mercado livre, logo mais Marx. Para quem conheça Marx esta ilação é completamente absurda.
..."Só por ignorância de Marx, e de Engels como intérprete "legítimo" de Marx, é que se pode considerar que o reforço do papel do Estado na economia, através quer de nacionalizações, quer de "regulação", correspondem ao programa político marxista. Quer Marx, quer Engels, quando confrontados com as primeiras formulações de um programa "mínimo" por aqueles que hoje conhecemos como os fundadores do Partido Socialista Alemão, nos chamados "programas de Gotha e Erfurt", não fizeram outra coisa senão mostrar como a ilusão da intervenção do Estado era mais uma adaptação do capitalismo do que um passo na sua destruição, mais uma extensão do Estado prussiano e da política de Bismarck do que algo que revolucionários pudessem aceitar. Apesar de algumas ambiguidades dos "programas mínimos", mais presentes em Engels do que em Marx, a rejeição das ideias de Lassalle é radical, perguntando-se Engels na crítica ao Programa de Erfurt se a reivindicação de serviços públicos estatais (justiça, saúde, etc.) era compatível com "a rejeição do socialismo do Estado". E, por fim, a cereja no bolo marxista: é criticando o Programa de Gotha que Marx se refere a que entre "a sociedade capitalista e a sociedade comunista" está a "ditadura do proletariado".
..."Depois, nada há de menos marxista do que confundir a "luta de classes" com o discurso genérico e ambíguo dos ricos e dos pobres, o que faria Marx tremer de raiva. Na verdade, um dos grandes combates políticos de Marx como "marxista", depois de ser hegeliano, foi insistir que o papel do proletariado não vinha da vontade nem do irredentismo operário (bem menor em muitos países do que o da pequena-burguesia ou do campesinato), mas da condição proletária, ou seja, de um dado "científico" inscrito na relação de exploração."
Pacheco Pereira no "Abrupto"
É pena ter que ser um militante do PSD a vir dizer estas coisas.
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quarta-feira, novembro 26, 2008
Ainda o Congresso Internacional Karl Marx (3)
Resolvi divulgar que a CULTRA disponibiliza online (aqui) os resumos das comunicações apresentadas no Congresso e que tinham sido publicadas também em papel para os congressistas.
Ao fazê-lo, e ao rememorar a experiência vivida no Congresso, ocorrerem-me sabe-se lá porquê as seguintes ideias interligadas:
- não vale a pena perder muito tempo a discutir se é possível, ou em que medida é possível, prever o futuro. Seja qual for a resposta a essa pergunta a verdade é que, todos os dias, cada um de nós tem inevitavelmente que tomar decisões que envolvem alguma antecipação de como o futuro será.
- alguém, não recordo quem, disse que os humanos se dividem em dois tipos base: os que acham que nada muda nunca, mesmo quando as transformações são profundas, e os que estão sempre a detectar mudanças mesmo quando estas são só epidérmicas ou cosméticas. Isso leva-me a pensar que o mais importante é sempre tentar perceber quais são as modificações que têm realmente importância.
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quinta-feira, novembro 20, 2008
Ainda o Congresso Internacional Karl Marx (2)
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quarta-feira, novembro 19, 2008
Ainda o Congresso Internacional Karl Marx
No Congresso Internacional Karl Marx, que teve lugar de 14 a 16 de Novembro na Universidade Nova, apresentámos uma comunicação intitulada "Do Capitalismo para o Digitalismo". Tratava-se de desenvolver as teses do nosso livro com o mesmo nome.
Aqui fica, para quem possa estar interessado, uma reprodução das imagens de suporte da comunicação (para ver em full screen clicar aqui)
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segunda-feira, novembro 17, 2008
Pensamento de Marx continua a ser conhecido por clichés
.No último dia do Colóquio Internacional Karl Marx, que terminou ontem na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, José Barata-Moura elogiou a iniciativa que reuniu 150 investigadores nacionais e estrangeiros ao longo de três dias, notando que ela permitiu ler, debater e analisar o pensamento de Marx, "que continua a não ser bem conhecido ou a ser apenas conhecido por clichés que o deitam abaixo ou que o louvam". "Espero que a prática do estudo se enraíze e se desenvolva", disse ao PÚBLICO o ex-reitor da Universidade de Lisboa, no final da sua comunicação sobre "materialismo e dialéctica".
Na concorrida "lição" de Barata-Moura, professor da Faculdade de Letras, o orador lembrou uma frase de Marx, confidenciada a um amigo em 1843, na qual o filósofo alemão explicava que não era a sua intenção "antecipar dogmaticamente o mundo". "Queremos encontrar, a partir da crítica do mundo velho, o mundo novo", citou. Ao longo de 30 minutos, Barata-Moura "esmagou" a assistência com uma intervenção que sustentou o contraste entre Marx e o idealismo hegeliano. "Os campeões da ideologia, contra os quais Marx e Engels investem, não se convertem em objecto de reparo por serem os produtores de representações da consciência social. São atacados por considerarem o mundo dominado por ideias e por encararem as ideias como princípios determinantes, susceptíveis de revelar o mistério do mundo." Marx rejeita esta "autonomização das ideias em relação à materialidade do viver", uma vez que, explicou, "a consciência é o ser consciente" e "o ser dos homens é o seu processo de vida real".
A elevada afluência de público nos três dias do colóquio acabou por exceder as expectativas dos organizadores, notou o historiador Fernando Rosas, membro da comissão organizadora. Esta adesão reflectiu, afinal, aquilo que se pode encontrar na imprensa mundial, onde a análise das teorias marxistas está na ordem do dia. Mesmo em publicações insuspeitas como o jornal The Financial Times e as revistas Standpoint e The Spectator - foi nesta última, aliás, que o arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, escreveu, em Setembro último, um artigo de opinião no qual defendeu que Marx tinha razão, ainda que "parcial", sobre o capitalismo. Numa altura em que os livreiros alemães afirmam ter vendido mais obras de Marx nos últimos dois meses do que nos últimos dois anos, Rosas reiterou que o colóquio pretende ser um "fórum fundador" de debate sobre a actualidade do marxismo. Neste sentido, o Instituto de História Contemporânea (IHC) quer repetir o encontro científico em torno da "galáxia marxista", organizando colóquios bienais. Utilizando a instituição universitária como pólo de ligação a outras iniciativas e organizações, o IHC poderá avançar com a criação de um espaço, semelhante a um think tank mas com uma "participação aberta", que preencha as lacunas da "reflexão teórica à esquerda". "Poderá ser um local de reflexão regular e institucionalizada, regida por uma agenda prática e teórica."
Público, 17.11.2008
segunda-feira, outubro 27, 2008
O Estado no Manifesto
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Este momento parece adequado para ressuscitar "o papel do Estado" na vida económica. Para tanto alguns fazem tábua rasa das experiências históricas e vão ao ponto de se considerarem seguidores da ortodoxia marxista. Parece assim interessante transcrever duas passagens do "Manifesto do Partido Comunista", publicado pela Editorial "Avante!", que referem o Estado:
"Dos servos da Idade Média saíram os Pfahlbürger das primeiras cidades; desta Pfahlbürgerschaft desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia [Bourgeoisie].
O descobrimento da América, a circum-navegação de África, criaram um novo terreno para a burguesia ascendente. O mercado das Índias orientais e da China, a colonização da América, o intercâmbio [Austausch] com as colónias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, à navegação, à indústria, um surto nunca até então conhecido, e, com ele, um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário na sociedade feudal em desmoronamento.
O modo de funcionamento até aí feudal ou corporativo da indústria já não chegava para a procura que crescia com novos mercados. Substituiu-a a manufactura. Os mestres de corporação foram desalojados pelo estado médio [Mittelstand] industrial; a divisão do trabalho entre as diversas corporações [Korporationen] desapareceu ante a divisão do trabalho na própria oficina singular.
Mas os mercados continuavam a crescer, a procura continuava a subir. Também a manufactura já não chegava mais. Então o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. Para o lugar da manufactura entrou a grande indústria moderna; para o lugar do estado médio industrial entraram os milionários industriais, os chefes de exércitos industriais inteiros, os burgueses modernos.
A grande indústria estabeleceu o mercado mundial que o descobrimento da América preparara. O mercado mundial deu ao comércio, à navegação, às comunicações por terra, um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez, reagiu sobre a extensão da indústria, e na mesma medida em que a indústria, o comércio, a navegação, os caminhos-de-ferro se estenderam, desenvolveu-se a burguesia, multiplicou os seus capitais, empurrou todas as classes transmitidas da Idade Média para segundo plano.
Vemos, pois, como a burguesia moderna é ela própria o produto de um longo curso de desenvolvimento, de uma série de revolucionamentos no modo de produção e de intercâmbio [Verkehr].
Cada um destes estádios de desenvolvimento da burguesia foi acompanhado de um correspondente progresso político. Estado [ou ordem social — Stand] oprimido sob a dominação dos senhores feudais, associação armada e auto-administrada na comuna, aqui cidade-república independente, além terceiro-estado na monarquia sujeito a impostos, depois ao tempo da manufactura contrapeso contra a nobreza na monarquia de estados [ou ordens sociais — ständisch] ou na absoluta, base principal das grandes monarquias em geral — ela conquistou por fim, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, a dominação política exclusiva no moderno Estado representativo. O moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa."
Como se pode ver Marx nunca esperaria do "moderno poder de Estado" qualquer "regulação" passível de prejudicar os negócios de "toda a classe burguesa". Convém relembrar que é nesse Estado que nos encontramos. Mas continuemos:
"O proletariado usará a sua dominação política para arrancar a pouco e pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção na mão do Estado, i. é, do proletariado organizado como classe dominante, e para multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças de produção.
Naturalmente isto só pode primeiro acontecer por meio de intervenções despóticas no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas, através de medidas, portanto, que economicamente parecem insuficientes e insustentáveis mas que no decurso do movimento levam para além de si mesmas e são inevitáveis como meios de revolucionamento de todo o modo de produção.
Estas medidas serão naturalmente diversas consoante os diversos países.
Para os países mais avançados, contudo, poderão ser aplicadas de um modo bastante geral as seguintes:
1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego das rendas fundiárias para despesas do Estado.
2. Pesado imposto progressivo.
3. Abolição do direito de herança.
4. Confiscação da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes.
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, através de um banco nacional com capital de Estado e monopólio exclusivo.
6. Centralização do sistema de transportes nas mãos do Estado.
7. Multiplicação das fábricas nacionais, dos instrumentos de produção, arroteamento e melhoramento dos terrenos de acordo com um plano comunitário.
8. Obrigatoriedade do trabalho para todos, instituição de exércitos industriais, em especial para a agricultura.
9. Unificação da exploração da agricultura e da indústria, actuação com vista à eliminação gradual da diferença entre cidade e campo.
10. Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das crianças nas fábricas na sua forma hodierna. Unificação da educação com a produção material, etc.
Desaparecidas no curso de desenvolvimento as diferenças de classes e concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perde o carácter político. Em sentido próprio, o poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de uma outra. Se o proletariado na luta contra a burguesia necessariamente se unifica em classe, por uma revolução se faz classe dominante e como classe dominante suprime violentamente as velhas relações de produção, então suprime juntamente com estas relações de produção as condições de existência da oposição de classes, as classes em geral, e, com isto, a sua própria dominação como classe."
O Estado é tomado pelo proletariado para destruir o poder dos capitalistas e não para se constituir em novo modo de produção. O novo modo de produção, "concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos associados", não está muito bem definido no seu funcionamento mas não é certamente comandado pelo Estado já que, nesta fase e nas palavras de Marx "o poder público perde o carácter político".
O que nós verificámos durante o Século XX foi que revolução de 1917 originou um Estado que, durante 70 anos, não deu mostras de querer mirrar e desaparecer. Todos sabemos que estava rodeado de inimigos e que, mesmo que outras razões não houvesse, tal impediria o progressivo desaparecimento do Estado como foi previsto por Marx.
Em suma, estas questões são demasiado complexas para serem tratadas de forma ligeira por aqueles que julgam poder resultar da crise financeira actual uma nova economia tutelada pelos ministérios.
Tanto quanto sei o Estado nunca foi modo de produção e penso que nunca o será. O Estado é um produto de cada sociedade; o Estado não resume nem substitui a sociedade e as formas de organização da produção sejam elas quais forem.
P.S. Claro que este texto dá "pano para mangas" e levanta muitas e interessantes questões. Onde está hoje o proletariado ? como se nacionalizam coisas como as redes mundiais de comunicação ? será que o "desparecimento das classes" conduz automáticamente a uma sociedade de paz celestial ? etc, etc.
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terça-feira, outubro 21, 2008
Congresso Internacional Karl Marx
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Vai ter lugar entre 14 e 16 de Novembro o "Congresso Internacional Karl Marx", organizado pelo Instituto de História Contemporânea, Cooperativa Culturas do Trabalho e Socialismo.
Vou apresentar, em co-autoria com a Maria Rosa, no Domingo dia 16, uma comunicação cujo resumo reproduzo:
Propomo-nos aprofundar, na esteira do nosso livro "DO CAPITALISMO PARA O DIGITALISMO" (ed. Campo das Letras, 2003), o debate sobre a fase actual do Capitalismo baseada em "conhecimento" e nas tecnologias digitais.
Trata-se de saber se ela constitui uma ruptura suficientemente profunda para poder conter o embrião de um novo "modo de produção".
A esquerda de raiz marxista, tende a misturar a transição do "modo de produção" com a luta pelo poder do Estado, como se tal fosse suficiente para a emergência de uma "sociedade sem classes". Por isso subestima o significado das anomalias que a realidade vai apresentando em relação ao seu paradigma.
Mas é necessário avaliar permanentemente os sintomas da emergência de um novo "modo de produção". A pedra de toque deverá ser a decadência e retrocesso do assalariamento, enquanto "relação de produção" identitária do Capitalismo.
Temos vindo a assistir à emergência de uma nova "base material" digital que propicia graus inéditos de automatização do trabalho e de replicação e virtualização das mercadorias. A produtividade das tecnologias actuais provoca superabundância permanente de enorme variedade de mercadorias, tangíveis e intangíveis, que competem pelo mesmo recurso finito: a bolsa do consumidor.
O sistema tem procurado encontrar soluções para alargar os mercados, quer a nível interno quer a nível externo. Por um lado a exportação para economias emergentes, que muitas vezes obriga à deslocalização da produção, e por outro o sobre-endividamento das famílias induzido pelo sistema financeiro. A crise mundial que estamos a viver é apenas a eclosão dramático das suas consequências.
A concorrência leva as empresas a centrar-se no design e no marketing, que se baseiam crescentemente em “trabalho não repetitivo”,em detrimento das actividades produtivas tradicionais. O trabalho é cada vez menos um "capital variável" e mesmo as mercadorias tangíveis, feitas "por mil mãos em cem países", escapam cada vez mais à "teoria do valor".
A efectiva criação de valor pelo “trabalho não repetitivo” tem carácter imprevisível e independente da duração,o que torna desadequado o típico contrato de assalariamento em que o patrão compra força e tempo de trabalho e sabe com alguma probabilidade, à partida, que o que vai pagar é inferior ao que vai obter.
Por isso assistimos a uma tendência generalizada de redução e descaracterização do contrato tradicional de assalariamento substituído por relações precárias, de subcontratação, ou à tarefa nos projectos.
As perguntas a que importa dar resposta são pois:
- Será que o irremediável desequilibrio entre oferta e procura, e a prevalência do “trabalho não-repetitivo” atirarão o assalariamento, e portanto o Capitalismo, para o baú da história ?
- Uma vez que um novo Modo de Produção não trará automaticamente uma sociedade mais justa, como hão-de as forças progressistas aproveitar a janela de oportunidade apresentada pela transição para tentar influenciá-lo?
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