terça-feira, abril 29, 2014

Eu vou nos 16790



Fiz ontem as contas e foram mais de trinta mil os dias em que adormecemos e acordámos juntos, na cama onde agora te escrevo e de onde espero sair para ir de novo até ti. Trinta mil dias a olhar-te dormir, a saber o frio ou o calor do teu corpo, a perceber o que te doía por dentro, a amar cada ruga a mais que ia aparecendo. Trinta mil dias de eu e tu, desta casa que um dia dissemos que seria a nossa (que será de uma casa que nos conhece tão bem quando já aqui não estivermos para a ocupar?), das dificuldades e dos anseios, dos nossos meninos a correr pelo corredor, da saudade de nos sabermos sempre a caminho de sermos só nós. Trinta mil dias em que tudo mudou e nada nos mudou, das tuas lágrimas tão bonitas e tão tristes, das poucas vezes em que a vida nos obrigou a separar (e bastava uma tarde longe de ti para nem a casa nem a vida continuarem iguais). Trinta mil dias, minha velha resmungona e adorável. Eu e tu e o mundo, e todos os velhos que um dia conhecemos já se foram com a velhice. Nós ainda aqui estamos, trinta mil dias depois, juntos como sempre. Juntos para sempre. Trinta mil dias em que desaprendi tanta coisa, meu amor. Menos a amar-te.

Pedro Chagas Freitas,
in "Prometo Falhar"


Encomenda de exemplares autografados exclusivamente através do e-mail
pedrochagasfreitas1@gmail.com

domingo, abril 27, 2014

Um grande texto

.




Um grande texto 

que o pessoal "de esquerda" vai, erradamente, ostracizar

sexta-feira, abril 25, 2014

A Revolução dos cravos


Memórias na Visão




domingo, abril 20, 2014

Entrevista ao Expresso


sexta-feira, abril 18, 2014

18 de Abril de 1974

.






Há exactamente 40 anos, a 18 de Abril de 1974, por esta hora, fui preso pela Pide. 
Quando saía de casa para o emprego, na praceta adjacente, fui interceptado por cinco ou seis homens que me forçaram a subir de novo ao terceiro andar.
Obrigaram-nos a sentar, a mim e à minha mulher, enquanto passavam a casa a pente fino perante o espanto do meu filho Mário, de três anos. Encontraram vários livros, tanto romances como ensaios, que consideraram suspeitos e que apreenderam. Também apreenderam algumas fotografias de índole pessoal.
Numa incompetência que então me pareceu miraculosa manipularam e acabaram por deixar intacto um enorme pacote, amarrado com uma corda, que continha centenas de Avantes.
Depois disso ordenaram-me que os acompanhasse para me fazerem algumas perguntas.
Uma hora depois tive a horrível experiência de ouvir a chave da cela a rodar metálicamente nas minhas costas. Contara sem dar por isso, uma a uma, todas as portas que se tinham fechado desde que entrara em Caxias.
À tarde a minha mulher, que deixara o nosso filho com os avós, foi à António Maria Cardoso perguntar por mim e levaram-na também para uma cela em Caxias.

quinta-feira, abril 17, 2014

A instrumentalização dos Capitães de Abril



A instrumentalização dos Capitães de Abril
Desde o primeiro dia, desde o próprio 25 de Abril e da acção revolucionária dos "capitães", começaram as tentativas de instrumentalizar os militares para os pôr ao serviço de várias ideologias. Tanto durante o PREC como no 25 de Novembro, e depois já na fase de "normalização" democrática.
A forma mais comum que essas tentativas apresentam é a do elogio desmesurado e da absolutização.
Como a apropriação da "pureza" do 25 de Abril continua nos nossos dias, podemos assistir a coisas repugnantes como o último escrito de Mário Soares na Visão, publicado hoje.
Na linha do que se está a tornar lugar comum, Mário Soares atreve-se a atribuir, em exclusivo, aos "capitães de Abril" a autoria da nossa libertação.
Como se, por absurdo, tudo se resumisse a um acto insurrecional dos miltares, sem passado e sem antecedentes.
Mas a verdade é que antes dos "capitães" houve gerações de militantes comunistas, e não só, que dedicaram as suas vidas a combater o fascismo. Com sacrifícios enormes, por vezes dando a sua vida ou comprometendo o direito a uma vida normal.
Sem esses abnegados lutadores não teria havido 25 de Abril nenhum.
Primeiro porque o regime não teria atingido a decadência em que se encontrava e segundo porque os militares de Abril não teriam dentro das suas cabeças as ideias que lhes permitiram fazê-lo (uma boa parte moveu-se aliás por razões corporativas e profissionais).
Mas o mais importante é perceber que o simples acto militar não teria assustado o regime se, desde o primeiro minuto, o povo não tivesse saído para a rua demonstrando a sua adesão e desencorajando qualquer tentativa de resposta contrária.
Essa onda popular contra o fascismo não surgiu de geração espontânea, custou muitas vidas ao longo de décadas.
Os "capitães de Abril", que eu também respeito e admiro, foram apenas a ponta fulminante de um enorme iceberg. E isso não os diminui, pelo contrário.

segunda-feira, abril 14, 2014

No território da Esquerda

.



No território da Esquerda
há hoje uma enorme abundância de poetas e filósofos, sacerdotes e missionários, advogados e fiscais.
Infelizmente escasseiam matemáticos e contabilistas, engenheiros e arquitectos, carpinteiros e pedreiros (que não se designem em francês).

Parábola Indiana (onde se lê "elefante" leia-se "crise")

.




Parábola Indiana
(Onde se lê "elefante" leia-se "crise")
Seis homens sábios, cegos, estavam sentados à beira de uma estrada.
Aproximou-se deles um homem conduzindo um elefante, que era domesticado e bastante dócil. 
Impossibilitados de o ver, decidiram conhecê-lo pelo tacto.
O primeiro cego apalpou o elefante na barriga e disse: Já sei! o elefante é tal e qual um muro, forte e áspero.
O segundo passou as mãos pelas presas e afirmou: O elefante é mais parecido com as lanças do que com muros; é redondo, liso e agudo nas extremidades.
O terceiro correu os dedos pela tromba do paquiderme e declarou: Estão ambos enganados. O elefante é parecido com uma grande cobra.
O quarto cego, porém, estendeu os braços, abraçou uma das pernas do animal e disse: O pior cego é o que não quer ver. O elefante é roliço e alto como um coqueiro.
O quinto cego, homem de elevada estatura, tocou a orelha do elefante e afirmou categoricamente: O elefante é um grande abanador
Adiantou-se, finalmente, o sexto cego, e, segurando o elefante pela cauda exclamou: O elefante nada tem de parecido com muro, lança, cobra, coqueiro ou abanador! O elefante é apenas um pedaço de corda.
O homem continuou a viagem e os seis cegos ficaram à beira da estrada discutindo, exaltados, insultando-se uns aos outros com palavras azedas, porque não chegavam a um acordo sobre a forma exacta do elefante.





quinta-feira, abril 10, 2014

Perda AUDItIVA

.



.

quarta-feira, abril 09, 2014

APACHE



APACHE

- Despacha-te. Já estamos a ficar atrasados…
O tenente tentava apressar a sua jovem esposa que se alongava à frente do espelho.
O quarto tinha chão de cerâmica e mobiliário rudimentar, em grande parte desencantado nos armazéns do quartel. O que não se encontrara tinha sido inventado com caixotes de munições, primorosamente pintados, e garrafas grandes de Perrier atafulhadas de flores.
Uma esteira na parede exibia Che Guevara, fixado com dois punaises, de charuto entre os dedos e sorriso largo, ao lado da imagem icónica do vietcong, de mãos atadas, a ser alvejado na cabeça por um polícia. O tenente e a mulher tinham vindo directamente dos meios progressistas da universidade para a guerra na Guiné.
Enquanto ele comandava um pelotão de fuzileiros ela tentava garbosamente explicar os feitos de Afonso Henriques aos jovens mandingas e balantas que frequentavam o liceu.
As janelas da casa eram guarnecidas por mosquiteiros e davam para um esboço de alpendre.
Na sala acantonavam-se os livros que a bagagem militar tinha permitido e o gira discos de plástico com os seus long playings. Um recanto de cultura com que tentavam resistir aos dois anos de desterro.
- Despacha-te!
A sessão no cinema dedicada ao pessoal da Armada era sempre ao Domingo de manhã e estava prestes a começar.
Da casa do tenente numa transversal até à Avenida da República, onde se situava o cinema, não se demorava mais de dez minutos.
Saíram à pressa e seguiram, rua fora, contornando os montes de insectos que os varredores tinham arrumado contra os muros das casas, naquela zona quase toda habitada por brancos.
Quando chegaram à Avenida da República em vez de virarem para a esquerda, na direcção do palácio cor de rosa do Governador, giraram em sentido oposto e atravessaram para o lado de lá, onde se erguia o cinema.
Foi então que notaram algo inusitado. O tenente que, dado o seu atraso, esperava chegar já com a projecção a decorrer avistava magotes de fardas brancas agitando-se nas escadarias de acesso à sala.
Depois começou também a ouvir-se a algazarra.
Quando viram o primeiro tipo conhecido perguntaram-lhe o que se passava.
- Os marinheiros e grumetes querem levar também as mulheres para o balcão, como fazem os sargentos e os oficiais.
Não eram muito numerosos aqueles que estavam em comissão acompanhados pela mulher mas, até por causa disso, não se sentiam à vontade numa plateia cheia de homens sempre prontos para dixotes e calduços.
O balcão, onde assistiam circunspectos os oficiais, sobrevoava aquela balburdia como se ela não existisse.
Era então por causa disso que o átrio do cinema fervilhava; a arraia miúda recusava-se a ocupar os lugares na plateia enquanto os seus colegas casados não tivessem permissão para se sentar no balcão com as caras metade.
- A mulher de um oficial não é mais nem menos do que a mulher de um marinheiro
Gritava o enorme cabo João, barbudo como um apóstolo, para o capitão-de-fragata, segundo comandante da Guiné, que lhe segurara o braço e que, no minuto seguinte, sacudido pelo João, se estatelava nos degraus.
Foi nesse instante que o tenente percebeu que as coisas estavam fora de controle.
As tensões tinham vindo a acumular-se nos úlimos meses.
Não havia talheres suficientes no refeitório nem ventoinhas nas casernas.
No quartel, junto ao Geba, os protestos tinham vindo a suceder-se sem que o Comando Naval tomasse medidas para os obviar.
O cinema tinha sido o rastilho para soltar todos os ressentimentos.
Entretanto o capitão-de-fragata recompôs-se da queda e deu ordem ao cabo da guarda, em serviço de patrulha, que detivesse o cabo João.
O que se passou a seguir foi confrangedor, ou seja, não se passou nada. O cabo da guarda fez de conta que não tinha ouvido qualquer ordem e desandou no jipe sob as invectivas do superior.
De um momento para o outro, sem se perceber como, centenas de fuzileiros começaram a descer a avenida da República, a mais importante da cidade, como uma onda branca ululante que nenhuma força se atreveria a deter.
Alguns subordinados do tenente, com quem privava mais frequentemente, aconselharam-no a regressar a casa e a passar o Domingo calmamente em família.
Lá mais para a tarde o tenente soube pelos colegas que beberam lá em casa umas cervejas que no quartel, tomado nessa manhã pelos fuzileiros, a hierarquia deixara de vigorar e que o oficial de serviço, mais recalcitrante, tivera que deixar o seu posto correndo à frente das garrafas de Cuca que os marinheiros lhe atiravam.
O capitão-de-mar-e-guerra, a maior autoridade do comando naval, vira-se forçado a visitar o quartel e a contemporizar com a rapaziada. No essencial atendera todos os seus pedidos.
O tenente soube de todos estes desenvolvimentos com visível satisfação já que se tratava da coisa mais parecida com uma insurreição que lhe fora dado observar nos vinte e dois anos que levava de vida. E não sabia ele então para o que estava guardado.
Para comemorar tomaram a decisão de ir ao cinema, em grupo, depois do jantar.
O filme em exibição era o “Apache” do Robert Aldrich, coisa que o tenente nunca mais esqueceu.
Como de costume, no espaço que medeia entre a primeiras cadeiras da plateia e o écran, tinham sido colocados uns bancos corridos, de madeira, para a ganapagem que se dedicava a transportar as marmitas da messe e outros pequenos serviços ao domicílio.
Os garotos negros, em grande algazarra, aplaudiram todas as flechas e machadadas com que os índios brindaram a cavalaria durante aquela hora e meia.
O índio Burt Lancaster deve ter povoado os seus sonhos infantis quando, já noite alta, regressaram à tabanca.

terça-feira, abril 08, 2014







BOTÂNICA
Vasco Araújo no
Museu Nacional de Arte Contemporânea
A arte fala, cada vez mais, sobre si própria. A principal pergunta continua a ser "por que é que ele fez isto desta maneira?".
Pega-se num tema sério, acrescenta-se algumas ideias gerais a propósito, e depois o fruidor que se avenha com a originalidade da apresentação e da sua relação com o tema proposto.

.

segunda-feira, abril 07, 2014

"Palácio das Necessidades"



"Palácio das Necessidades"
Fui ver o filme de Bertrand Tavernier que se inspirou numa banda desenhada, ao que dizem.
Embora seja demasiado extenso, e repise algumas poucas ideias interessantes, constitui uma excelente ilustração da precariedade e falta de substância do poder nas democracias actuais.
Os actores políticos com altos cargos, que aparecem todos os dias nos noticiários televisivos, podiam dizer, como disse Sócrates recentemente, "eu não vinha preparado para isto".
A volatilidade e imprevisibilidade das lotarias eleitorais podem ser comparadas com outras formas de seleccionar os detentores de cargos de responsabilidade. Num país como a China, por exemplo, há uma longa decantação por vários níveis de filtragem que obriga os dirigentes a um processo de formação que é garantia da coerência do sistema e dos seus pressupostos.
Dito isto, tiro o meu chapéu a Thierry Lhermitte que nos dá um ministro frenético mas que nunca descai para o inverosímil.

domingo, abril 06, 2014

Sines

.



Sines
.