quinta-feira, novembro 29, 2007

Ódio e auto-destruição

Revi "Sweeney Todd" há dias, no Teatro Aberto. Trata-se de uma história que pela sua complexidade ganha bastante em ser vista sem estar sujeito à ansiedade do suspense que atinge inevitavelmente a primeira vez. O belíssimo musical de Stephen Sondheim, na presente encenação de João Lourenço, vai manter-se em cena até ao fim de Dezembro.
A história, que sob várias formas se converteu em mito urbano desde meados do século XIX, supostamente ocorreu por volta de 1800.
Opõe Todd, barbeiro que trabalha por conta própria, a dois representantes da burocracia judicial. O poder do estado é usurpado e exercido por estes contra Todd para, remetendo-o a um degredo injusto, se apropriarem sexualmente da sua mulher e da sua filha.

É portanto a impunidade desta casta de servidores do estado que desencadeia a revolta brutal de Sweeney Todd. Um tema moderno em certo sentido.Passa assim ao lado da visão mais comum sobre a luta de classes. Não há propriamente exploradores e explorados no sentido directamente económico do termo.

Impotente nas suas tentativas para castigar os agressores e enlouquecido pelo ódio, Todd decide massacrar indiscriminadamente qualquer homem que ponha o pescoço ao alcance da sua navalha. Essa produção constante de carne fresca excita o faro comercial da senhora Lovett, senhoria de Todd. Assim nasce uma florescente parceria empresarial que usa a matéria-prima criada na barbearia do primeiro andar para encher as empadas da senhora Lovett no rés-do-chão. É o período mais feliz e divertido do espectáculo.

Os espectadores dão por si a simpatizar não só com um "serial killer", que Mário Redondo serve de forma emocionante ao colocar a voz num registo sombrio, mas também com uma actividade hoteleira que mereceria, sem qualquer dúvida, ser visitada pelos piquetes inspectivos da ASAE. Somos portanto obrigados a interrogar-nos sobre as razões dessa simpatia.

Nós sabemos que não se trata de verdadeiros crimes, apenas a sua representação, e portanto a simpatia por Todd demonstra que se obteve neste ponto um efeito de distanciação. As atrocidades cometidas contra "cidadãos inocentes", feitas desta forma distanciada, poderão também introduzir a ideia de que ninguém é inocente quando a violência da burocracia campeia. Tal violência devia ser por todos denunciada e contestada.

A simpatia pelo negócio da senhora Lovett, suscitada por "árias" engraçadíssimas e pela excelente representação de Ana Ester Neves, radica talvez no puro gozo de ver nascer, ao vivo, uma inovação comercial. Inovar, inovar sempre, é o grande mote dos tempos de hoje. A senhora Lovett mostra que tal receita pode ter muito que se lhe diga mesmo quando as vendas disparam, como é o caso.

A cenografia introduz um "mundo" que é tanto estrutura em ferro como labirinto. A movimentação mecânica remete adequadamente para a época retratada.
O nível geral dos cantores é excelente e inclui o consagrado Carlos Guilherme bem como Marco Alves dos Santos, Sílvia Filipe, Carla Simões, José Corvelo e Henrique Feist, sob a direcção do maetro João Paulo Santos que dispensa apresentações.
O meu único reparo a este espectáculo é o subaproveitamento dos belos coros por falta de amplificação das vozes.

Quanto ao mais recomendo vivamente.
No Teatro Aberto mostra-se, musicalmente, como o ódio indiscriminado às pessoas e à sociedade não passa afinal de um processo de auto-destruição.

quarta-feira, novembro 28, 2007

O que importa é morder o cão

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O Vítor Dias queixou-se recentemente, a propósito da Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais, da pouca atenção dada pela comunicação social.
Na altura esbocei, sem ofensa, umas explicações:
- o homem do PCP não morde no cão da novidade.
- também já não come criancinhas, que é tema da moda.
- agora o catastrofismo alimenta-se do aquecimento do planeta e dos acidentes rodoviários e não já do "espectro do comunismo", a pairar.
Entretanto a cobertura mediática do caso Luísa Mesquita suscitou-me uma outra grande ideia para garantir a atenção dos meios: expulsar alguém todas as semanas. Parece excessivo mas, pelo que sei, candidatos habilitados não faltarão.
Esta proposta só é válida enquanto não for possível recrutar Santana Lopes e nomeá-lo líder do grupo parlamentar.

terça-feira, novembro 27, 2007

Faz sentido falar de Socialismo ?

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El ministro del Interior y Justicia Jesse Chacón negó que durante el gobierno liderado por el Presidente Hugo Chávez se hayan cometido 90 mil decesos en todo el territorio nacional como consecuencia de la inseguridad, tal como lo señalan algunos sectores de la oposición.Según el titular del MIJ el número real de muertes es de 60 mil, de acuerdo a cifras suministradas por la Ong Centro por la Justicia y la Paz. “Es mentira que en este período es donde más ha aumentado el delito y eso ha quedado demostrado a través de las estadísticas”.Precisó que fue durante el segundo gobierno de Carlos Andrés Pérez cuando se incrementó el delito en casi un cien por ciento. “En ese momento se pasó de 13 a 21 homicidios por cada 100 mil habitantes; y entre los años 1997 y 2000 pasamos de 19 delitos a 33 por cada 100 mil habitantes”.Chacón explicó que entre el 2001 y 2005 el delito por cada 100 mil habitantes creció de 35 a 37. “Hubo un aumento en los años 2002 y 2003 que elevó a 44 homicidios por cada 100 mil habitantes, pero no por errores en la política de Estado, aquí está inmerso el golpe de Estado y el paro petrolero”.


Radio Nacional de Venezuela, 7 Noviembre 2006



La policía judicial venezolana registró 9,568 homicidios, la mayoría a tiros, en los primeros nueve meses del año, 852 más que en igual periodo de el 2006, según datos divulgados ayer por la prensa caraqueña.La cifra explica la razón por la que casi todas las encuestas hechas en el transcurso del año indican que la inseguridad es para los venezolanos el principal problema del país, por encima del desempleo, la corrupción o la falta de vivienda.

Venezuela Real, 25 de octubre de 2007

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Estou certo de que os assassinatos não começaram com Chavez nem seria justo exigir-lhe que resolvesse o problema no tempo em que esteve no poder.
Estes 30 assassinados por dia levantam outra questão.
Sendo as coisas como são na Venezuela, numa sociedade com tais níveis de insegurança e falta de respeito pela vida humana, faz algum sentido falar de "Socialismo do Século XXI" ou mesmo de Democracia ?

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segunda-feira, novembro 26, 2007

O Regresso do Malabarismo





O simples facto de Mário Soares ter sido figura proeminente do regime explica quase tudo sobre o sistema político português e o estado a que chegou.

Trata-se de alguém que maneja muito bem a cartilha dos direitos humanos, quando isso lhe dá jeito, mas a quem não me lembro de ter ouvido alguma vez uma ideia que fosse simultâneamente interessante e original.

A falta de rigor, a inconsistência, a volubilidade, a malbaratada capacidade para cavalgar os ares do tempo fizeram dele um monumento que os portugueses só em 2006 foram capazes de apear.

Só ele poderia dissertar sobre o "comunismo duro e puro" da China, tão puro que segundo ele se mistura com o já famoso "capitalismo selvagem", na mesma entrevista ao DN em que relata como agenciou negócios do petróleo, a partir de relações políticas, em favor de uma empresa que paga uma avença à sua Fundação.

Só ele "gostaria que o PS agora se voltasse um bocadinho mais para a esquerda" frase que é, só por si, um verdadeiro tratado de oportunismo e de falta de rigor. Se fosse proferida por Santana Lopes daria chacota durante um mês. Assim se compreende porque não o incomodam as relações "de simpatia e de amizade" com Chavez.

Como se isto não bastasse temos agora a "reacção" do PS, pela voz do inacreditável Vitalino Canas: "À medida que os problemas forem sendo ultrapassados, é claro que a dimensão à esquerda poderá ser mais visível, isso virá com o tempo".

Duma penada, aprofundando a tese de Soares, confirma que a resolução dos problemas do país só pode ser obtida com "políticas de direita" e que depois, quando já houver recursos, cabe às "políticas de esquerda" desbaratá-los.

Que é esta a teoria vigente, em surdina, já todos sabíamos. Infelizmente não é só no PS e na direita tradicional.
Agora dizê-lo com esta candura, com esta inconsciência... é obra.

É o regresso do Grande Malabarista. A verdade é que chegou a época dos circos de Natal...

A melhor da semana passada - 15

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Um bocadinho mais para a esquerda ?



O primeiro-ministro Sócrates é uma pessoa que me surpreendeu muito positivamente. Quando entrou no Partido Socialista, jovem, era eu líder do partido. Pensei que ele fosse uma criatura do Guterres... Era a minha ideia, mas era uma ideia falsa. Estava errado. Ele não é uma criatura do Guterres. Ainda agora em Madrid disse isso ao Guterres.
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É assim: eu acho que passados estes dois anos - ele [José Sócrates] tem mais quatro até às próximas eleições em 99 [Mário Soares engana-se pois quereria dizer mais dois anos, até 2009] -, deve ter grandes preocupações, a partir de agora, com o mundo do trabalho. Deve dialogar com o mundo do trabalho.
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Bem, os grupos económicos são necessários. Mas eu acho que houve uma vaga neoliberal vinda da América. E essa vaga neoliberal é uma ideologia. Quando disseram que acabaram as ideologias... realmente acabou o comunismo por implosão, acabou o nazi-fascismo porque foi derrotado, mas veio o neoliberalismo, que é uma outra ideologia perniciosa para a América, em especial, e para o mundo, também para a Europa. Houve uma vaga que entrou...
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Não fui, não fui eu, porque eu nunca aceitei que tenha metido o socialismo na gaveta. Quem inventou isso, claro, foi o Partido Comunista, que disse que eu estava a meter o socialismo na gaveta. Porque, realmente, há tempos para tudo.
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E eu respondi-lhe: "Olhe, ó meu caro amigo, o senhor governador faça favor, para a próxima vez, não me acorde às duas da manhã, porque se é a bancarrota eu tenho de estar lúcido amanhã de manhã e, portanto, preciso de dormir agora. Deixe- -me lá dormir." Bem, não houve bancarrota. Mas estivemos muito próximo, realmente.
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A China preocupa-me mais do que a Rússia, curiosamente. Porque a China, infelizmente, é a combinação de dois regimes, os piores. Tirou o pior do comunismo, que é um comunismo duro e puro, dominado pelo Politburo. E tirou do capitalismo o pior que tem, que é o capitalismo selvagem que não se interessa pelas pessoas. Só se interessa em que a taxa de crescimento suba.
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E depois há outra coisa: é que os chineses apostaram e puseram a sua economia a comprar os títulos de dívida pública dos EUA. E isso parece muito inteligente à primeira vista. Mas a verdade é que eles agora estão cheios de títulos do Tesouro dos EUA, mas os EUA entrando numa situação difícil, de crise financeira, de crise de inflação, de aumento do desemprego, e, com o dólar a descer todos os dias, é evidente que isso cria um problema à China imenso.
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Acho que o aparecimento de novos partidos é possível. Apareceu o Bloco de Esquerda, pode aparecer outro bloco de direita. Podem estar em gestação muitas coisas, não sei se estão. Relativamente ao PS, eu gostaria que o PS agora se voltasse um bocadinho mais para a esquerda.
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Considero que tem sido uma figura discreta (refere-se a Cavaco) e que tem tido bastante bom senso na sua actuação. Aliás, era de esperar que assim acontecesse. Tem feito o seu papel com discrição. E bem. Até aqui.
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Ficámos (MS e Chavez) com relações bastante cordiais.Até posso dizer, talvez, de simpatia e de amizade. E eu falei uma vez nisso com o presidente da GALP, o engenheiro Ferreira de Oliveira. Ele é que foi verdadeiramente o cérebro e o herói desta coisa. Fez realmente a negociação e muito bem. É um grande técnico de petróleos e eu não percebo nada de petróleos,como é evidente.
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A Fundação Mário Soares tem as suas contas em dia mas não recebe dinheiro público. Ou, por outra, já tem recebido algum de empresas públicas mas não recebe propriamente dinheiro...A Fundação precisa de subsídios.
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Nós temos várias empresas, bancos e não bancos, que ou nos dão coisas pontuais ou se comprometem e dão um tanto por mês para a Fundação. A GALP está nesta categoria.

Extractos da entrevista de Mário Soares ao DN de 25 de Novembro 2007

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Se, como dizem, o Mário Soares é o pai da democracia portuguesa então confirma-se o velho ditado: "Tal pai, tais filhos..."

domingo, novembro 25, 2007

25 Sim, 25 Não

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Socialismo Pimba

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ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO


Miguel Sousa Tavares diz, no Expresso desta semana, "Eu prefiro o Chavez":

"É verdade que um demagogo é sempre perigoso, mas um demagogo no poder num país como a Venezuela, mesmo com o petróleo, não pode fazer grande mal ao mundo. Um mentiroso, no poder num país como os Estados Unidos, pode fazer e faz".

MST está equivocado, a questão não é essa.
É precisamente para quem não gosta de Bush e do que ele representa que Chavez constitui um problema. Quase faz o Bush parecer um ser civilizado, uma pessoa de bem.

O Chavez e o seu socialismo pimba, movido a petróleo, é o pior compagnon de route que a esquerda podia desejar; é a demonstração mais cruel do impasse em que a esquerda se encontra.
É o equivalente do Alberto João para o PSD. Uma coisa que preferíamos que não existisse.

Basta ver uma conferência de imprensa de Chavez, em que só falta dar biberon ao neto, para perceber tudo. Faz esmola ao povo com as riquezas naturais do país como se se tratasse de uma magnanimidade pessoal que lhe desse o direito a presidir para sempre.



sexta-feira, novembro 23, 2007

Os novos f.ONG.cionários públicos



Correio da Manhã, 21 de Novembro:

A Polícia Judiciária está a investigar a venda de bilhetes para jogos do Benfica numa banca do El Corte Inglés a um preço substancialmente inferior ao praticado no Estádio da Luz, noticiou ontem a SIC. Enquanto no estabelecimento comercial os ingressos eram negociados a cinco euros, nas bilheteiras do estádio eram vendidos a 20 euros. Ou seja, quatro vezes mais.
Neste ‘esquema’, o Benfica disponibilizava graciosamente mil bilhetes cuja receita revertia para a ADDHU, uma Organização Não Governamental cuja presidente, Laura Vasconcellos, é amiga do administrador do Benfica, Domingos Soares Oliveira.


Diário Digital, 20 de Novembro

Depois de ter denunciado uma possível intenção do Governo de levar ao encerramento dos ATL nas instituições de solidariedade social, o Padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS), anunciou, esta terça-feira, o fim do bloqueio do Governo, que terá «manifestado vontade» de resolver a situação.
Protagonista de acusações de «concorrência desleal» por parte das autarquias, o Padre Lino Maia reuniu entretanto com o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, ficando com a certeza, conforme afirmou à TSF, de que «vamos encontrar soluções bastante favoráveis que permitiram a permanência do ATL, não exactamente nos moldes em que se encontra, mas com serviços importantes para a família»
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Diário Digital, 22 Novembro

A Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados pondera avançar com um queixa-crime contra o secretário de Estado da Protecção Civil por «ofensa ao bom-nome», caso este não retire declarações que fez sobre apoios do Governo à associação.
Em causa estão declarações do secretário de Estado da Protecção Civil, Ascenso Simões, proferidas há 10 dias, quando disse à agência Lusa que o «Governo apoiou [a associação] com 108.900 euros, no âmbito do Concurso de Segurança Rodoviária, que não foram gastos na íntegra».
Ascenso Simões disse ainda tratar-se da única instituição que não deu conhecimento do Ministério da Administração Interna das iniciativas a realizar.


De repente tomamos consciência da miríade de "organizações não governamentais" que nos rodeiam e dos problemas de dinheiros que lhes andam associados.

Todas estas ONG's parecem responder à paranóia catastrofista de uma civilização, a nossa, que funciona como se estivesse a extinguir-se, tema que já tratámos neste blog.
Instalou-se uma total incapacidade para lidar com assimetrias e riscos, como se uns e outros fossem passíveis de erradicação absoluta.
Por outro lado parece que qualquer tipo de "vítima" serve para lançar "iniciativas" neste tempo de falta de empregos e de caça ao subsídio.

Ou muito me engano ou aquilo que seriam, em teoria, manifestações saudáveis da sociedade civil acabam por ser, em muitos casos, formas encapotadas de agenciar interesses particulares dos mais variados tipos. Com financiamento pelo erário público.

Considero a este propósito paradigmático o testemunho "Na pele de um sem-abrigo" publicado no dia 17 de Novembro. Um repórter do «Expresso» introduziu-se num grupo de sem-abrigo na Estação de Santa Apolónia, em Lisboa. Durante 48 horas dormiu na rua e comeu na sopa dos pobres.
Numa só noite os sem-abrigo foram abastecidos de comida e agasalhos por três organizações diferentes: a "Comunidade Vida e Paz", a "Unidos pela Paz" e a "Legião da Paz e da Boa Vontade". Há qualquer coisa neste afã que não me cheira bem; no mínimo grassam a desorganização e a redundância.

Para quem quiser aprofundar deixo aqui uma pequeníssima lista, para dar um vislumbre da extraordinária variedade de organizações existente :

Associação A Nossa Âncora
Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento
Associação Nacional de Segurança e Socorro Rodoviário
Associação para a Promoção da Segurança Infantil
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Associação Portuguesa de Famílias Numerosas
Associação de Utilizadores do IP4
GARE Associação para a Promoção de uma Cultura de Segurança Rodoviária
Rodar - Associação Portuguesa de Lesionados Medulares
APBA - Associação Portuguesa de Business Angels
APA - Associação Portuguesa dos Adeptos
APAI - Associação Portuguesa de Avaliação de Impactes
API - Associação Portuguesa de Iridologia
APPA - Associação Portuguesa de Pesca do Achigã e Defesa da Natureza
APS - Associação Portuguesa de Satanismo
APVGN - Associação Portuguesa do Veículo a Gás Natural
Associação Gaita-de-Foles
AMA - Associação Mulheres em Acção
APG - Associação Portuguesa de Greenkeepers
APPCPC - Associação Portuguesa de Psicoterapia Centrada na Pessoa e de Counselling
ASSOCIAÇÃO TAMPA AMIGA
CEPO - Associação dos Cépticos de Portugal

Estou a pensar inscrever-me nesta última...


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quarta-feira, novembro 21, 2007

As ambições da Europa


A crónica de António Barreto no Público do dia 18 continha esta excelente síntese sobre as "ambições da Europa" (clicar para ler).
Contra as minhas expectativas o autor abandona a questão para passar, no resto do texto, a dissertar sobre o tratado e a bondade de o fazer votar pelo povo.
Bem mais interessante, quanto a mim, teria sido desenvolver a crítica implícita na forma como as ditas ambições são listadas no texto.
Serão elas desejáveis ? viáveis ? coerentes ? contraditórias ? Alguém terá feito o exercício de explicar como tantos e tais objectivos se podem vir a materializar ?
Ou esta lista é apenas um repositório de todos os anseios ou modas que pairam nos céus da Europa ?
Ninguém parece estar preocupado com isto e portanto eu também não me vou estar a ralar. Quanto ao tratado, já agora, posso desde já anunciar que dispenso que me consultem.
A consulta por referendo neste caso, além de ser um incómodo, poderia criar a ilusão perigosa de que o povo tinha compreendido, escolhido e decidido.
O povo inocente até podia correr o risco de vir a ser responsabilizado.

terça-feira, novembro 20, 2007

Há sempre um maçarico que se atravessa no nosso caminho


O DN noticia "o maçarico-de-bico-direito , uma ave que voa em grandes bandos, pode inviabilizar a construção do novo aeroporto em Alcochete...o LNEC considera que a opção de Alcochete tem vantagens, mas adverte que as aves podem colidir com os aviões. Apesar de a ave não estar em Portugal nesta altura, o laboratório recomenda a continuação da avaliação dos riscos".
Entretanto como se estes maçaricos não bastassem o chamado Grupo de Coimbra diz à TSF que o estudo a que procedeu «... tem novos dados, nomeadamente o problema do fluxo humano que dará acesso ao aeroporto. Porque uma das grandes falácias do estudo da CIP é que não tem em conta que a grande maioria dos portugueses e dos estrangeiros que aterram em Portugal, vão para o norte do país». O Grupo de Coimbra acrescenta ainda «Além disso, há o estudo do território, porque se o aeroporto fosse na margem sul, seria obrigatório, com custos enormes, construir as coisas (comércio, localidades) que não existem no outro lado do Tejo», retomando a saudosa tese de Mário Lino sobre o deserto da margem sul.
Nesta conformidade várias ideias me assaltam. Desde logo uma sugestão para o protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros: montem a tenda do Kadafi em Alcochete que o homem vai rejubilar.
Estou intrigado com o paradeiro do maçarico mas pelo que diz o Grupo de Coimbra deve ter rumado ao Norte. Como voa em grandes bandos podemos ter aí uma boa explicação para a vaga de assaltos a bancos e caixas automáticas.
O grande problema deste país é haver sempre um maçarico que se atravessa no nosso caminho...
Dadas as vantagens de Alcochete talvez fosse de aceitarmos a criação, por mutação, de uma nova espécie: o "maçarico-de-bico-levemente-amolgado".

segunda-feira, novembro 19, 2007

A melhor da semana passada - 14



Dilemas do pão
Público 16.11.2007


Passam a vida a assustar-nos e muitas das vezes com razão. Então não é que agora se descobriu que o pão, o nosso pão, a vulgar carcaça que há muito nos povoa as mesas e as mais variadas dietas, pode ser uma ameaça à nossa saúde? É verdade. Não tanto pelo pão, mas pelo excesso de sal com que o carregam. O dobro do que é habitual nos países europeus, esses nossos imaculados vizinhos de continente, todos eles plenos de regras, normas, medidas, padrões sadios e recomendações cumpridas a preceito. Portugal não, habituámo-nos a excessos e adoramo-los. Não nos basta andar tensos, também temos que ser hipertensos e como isso nem sempre nos está na massa do sangue, como é hábito dizer-se, foi parar à massa do pão. Pãezinhos sem sal, nunca. Por aqui, só com muito sal. Um estudo apresentado ontem, e a que o PÚBLICO já se referiu no início da semana, conclui que a maior parte do pão vendido em Portugal tem cerca de dez gramas de sal por quilo, o que significará que qualquer criatura que coma duas carcaças atinge facilmente a dose máxima de sal recomendada pelos médicos: 5,5 gramas. Como junto às carcaças vai sempre mais qualquer coisa (fiambre, presunto, queijo, manteiga) e como nas refeições mais substanciais do dia há quem chocalhe o saleiro com o vigor de um sino a toque de rebate, escusado será dizer que é como se bebêssemos directamente dos oceanos. Sal, na verdade, não nos falta. Fosse ele dinheiro e seríamos riquíssimos. Falando em dinheiro: parece que é por causa dele que o pão tem mais sal. Assim, retém mais líquido na fabricação, exige menos farinha e pode exibir o requerido peso sem grandes gastos. Por outro lado, também dá jeito a quem vende cerveja ou afins. Um dia ainda o põem em cubinhos ao lado dos tremoços. Quanto ao dinheiro poupado nestes artifícios, pode sempre ser gasto em cardiologistas. Se ainda se for a tempo, claro. "Ó pão salgado, quanto do teu sal são doenças de Portugal?" O jeito que nos dá a poesia...Jeito não é coisa que possa ser invocada para o problema que se segue, também ele relacionado com o pão. Por causa dos nossos imaculados vizinhos de continente, os tais das regras, medidas & etc., vai ser um problema continuar a fazer açorda. Uma norma qualquer, decerto higiénica e ponderada, proíbe que se deixe pão a secar de um dia para o outro e que se faça comida com ele. Por causa disso, e de outras normas igualmente severas, a Misericórdia de Faro teve de deixar a dieta mediterrânica e aderir à cozinha "plástica", onde tudo tem carimbo e certificado de garantia, pode não saber a nada, mas ao menos tem inscrita a validade. Os idosos, que remédio, lá tiveram que habituar-se. O problema é que havia o hábito semanal de fazer açorda. Mas como, se o pão seco vai contra as normas? Ou fazem açorda com pão mole ou deixam de comê-la.O sal é um problema, já se sabe. Mas banir a açorda ou as migas é uma calamidade cultural sem nexo. Um conselho: tirem sal ao pão mas deixem-no secar.E não digam a Bruxelas.

Nuno Pacheco

domingo, novembro 18, 2007

As metamorfoses da propriedade



"O leitor recorda-se da IBM? Há poucos anos, as autoridades norte-americanas antimonopólio convenceram-se de que a IBM "fechara" a indústria de computadores às próximas gerações. Desde então, empresas como a Microsoft e a Intel lideraram revoluções tanto no software como no hardware, ocupando um espaço que a IBM e outras não souberam explorar e que, por essa razão, votaram a IBM ao esquecimento. E quando as autoridades reguladoras dos dois lados do Atlântico decidiram debruçar-se sobre o monopólio do Windows, já a Microsoft estava a braços com a concorrência de equipamentos portáteis e modelos computacionais disponibilizados online pela Google, e a Intel enfrentava ameaças semelhantes de fabricantes rivais de chips e hardware. "

Este excerto do artigo de Wayne Crews e Alberto Mingardi "A política dos preços predadores" parece-me importante para se perceber o ritmo e profundidade das transformações a que estamos a assistir.
Ainda há dias Eduarda Dionísio, a propósito do que é ser comunista, voltava à velha ideia da abolição da propriedade como se este novo mundo não existisse, como se a propriedade no sentido antigo fizesse algum sentido no mundo actual. Hoje tornou-se claro que destruir a propriedade é inventar outra.

Bem pode o Sócrates andar a distribuir computadores ao domicílio.
O Governo e a UE parecem ainda não ter compreendido que a sociedade digital está muito para lá da questão tecnológica.

sábado, novembro 17, 2007

Um muro nas cabeças ?



A minha passagem por Berlim Leste, nos anos 80, deixou-me duas memórias principais: o museu Pergamon e os relógios da Porta de Brandeburgo.
O museu é inesquecível pela grandiosidade e aura dos seus conteúdos; os muros de Babilónia e o o grande altar de Pergamon (onde estive mais tarde, quando visitei a Turquia, e pude observar o local original de onde foi roubado).
Os relógios vendidos em bancas na rua, por tuta-e-meia, eram peças interessantíssimas quer pelas decorações iconográficas quer pela concepção relojoeira. Ainda guardo um, cujo mostrador marca as 24 horas do dia em vez das habituais 12.
Vem isto a propósito da iniciativa do Der Spiegel por altura do 18º aniversário da "queda" do emblemático muro. Resolveu questionar os alemães dos dois lados da barreira acerca da reunificação.
Para o efeito criou quatro grupos: jovens do oeste, jovens do leste, e pessoas de meia-idade do oeste e do leste. Veja AQUI o resultado que deu pois tem piada.
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sexta-feira, novembro 16, 2007

Continuamos a ignorar as causas dos acidentes

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Na sexta-feira 2 de Novembro ocorreu o trágico atropelamento junto ao Terreiro do Paço. Na segunda-feira seguinte, 5 de Novembro, mais dois terríveis acidentes em Tires e na A23 fizeram disparar, anormalmente, em poucos dias, o número de mortos para 45.Faz hoje duas semanas e continuamos sem saber o que realmente aconteceu.

A extraordinária cobertura mediática explica-se pela violência dos acidentes com desmembramento dos corpos, pelo envolvimento de idosos e crianças e pela existência de relações de parentesco entre as vítimas. Mas não têm surgido descrições objectivas e explicações racionais para o que realmente aconteceu. "As causas do acidente estão a ser estudadas" e receamos que nunca venham a ser claramente enunciadas para o grande público.

Esse enorme vazio propicia as teorias fantasiosas e os exageros de quem pretende aterrorizar a população apesar de saber que esta "semana negra" não tem qualquer significado estatístico. Tem-se feito uma exploração despudorada dos sentimentos dos portugueses, usando as vítimas como bandeiras de propaganda, apesar de tal ser moralmente inadmissível.Em vez de se estudar as causas dos acidentes e procurar os remédios em conformidade tem-se feito da culpabilização abstracta dos cidadãos comuns a chave que tudo justifica.
Cada vez que morre um português na estrada há fornecedores de radares e de lombas e "especialistas" consultores que aumentam as suas previsões de vendas.

A verdade é que os acidentes de viação em Portugal estão em linha com o nosso nível de desenvolvimento económico e social. Têm mesmo vindo a reduzir o seu número de forma continuada e acentuada nos últimos anos. De acordo com estudos universitários recentes morrem três vezes mais pessoas por ingestão exagerada de sal do que em acidentes de viação.

O que importa é compreender para prevenir, desdramatizar em vez de culpabilizar.Na prevenção dos acidentes rodoviários o mais importante é o "como" e o "porquê" e não o "quem". As causas e não as culpas. Não é possível prevenir o que se desconhece ou aquilo que não se compreende.

Os abaixo-assinados vêm por esta forma exigir que a Autoridade Nacional de Prevenção Rodoviária ponha cobro à presente indefinição e avance com relatórios para cada um dos acidentes, em que fiquem claramente estabelecidos os aspectos factuais, apurados e confirmados, os factores propiciadores ou causadores e o grau da sua influência.
Estes relatórios devem tornar-se obrigatórios sempre que há vítimas graves e ter publicação na internet. Todos os cidadãos poderão dessa forma esclarecer-se sobre os acidentes ocorridos e aprender a evitar os factores de risco.


Se concorda assine a petição on-line AQUI


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quinta-feira, novembro 15, 2007

Para quando o spaghetti à portuguesa ?

O Senado italiano adiou para hoje à noite ou amanhã de manhã a votação final do Orçamento do Estado, de que depende a sobrevivência do Governo de Romano Prodi. A coligação de centro-esquerda tem uma maioria tangencial e está dependente da incerta coesão dos seus senadores. Se a Lei Financeira passar, será uma derrota para Silvio Berlusconi. Se for chumbada, a demissão de Prodi é inevitável. Deverá suceder-lhe um governo "técnico" e um período dominado pelo debate da reforma da lei eleitoral. A fragilidade da maioria governamental foi ilustrada na terça-feira, quando os três liberais-democratas, do antigo primeiro-ministro Lamberto Dini, fizeram aprovar uma emenda da oposição sobre o financiamento da investigação universitária. Dini ameaça agora chumbar outra disposição, a limitação do salários dos gestores das empresas públicas, por a considerar antiliberal. Mantém em segredo o voto final sobre o orçamento.Também entre os aliados comunista há ameaças veladas. Todos têm presente a queda do anterior executivo de Prodi, numa votação sobre a política externa, em Fevereiro passado, graças à "deserção" de três senadores da maioria.

"Uma lei não escrita da política italiana diz que os governos nunca caem no dia do juízo. (...) A emboscada, para ser eficaz, deve ser inesperada e fulminante: se foi anunciada, perde subitamente grande parte da sua força". Por isso, os bookmakers apostam na vitória de Prodi sobre Berlusconi

A campanha de Berlusconi para fazer cair Prodi nesta votação pode transformar-se num bumerangue contra ele. O seu partido, Força Itália, convocou manifestações em várias cidades para obter cinco milhões de assinaturas a exigir eleições antecipadas. Mas os seus aliados, Gianfranco Fini, da Aliança Nacional, e Pierferdinando Casini, da União dos Democratas Cristãos e do Centro, não estão interessados em eleições antes da aprovação de uma nova lei eleitoral, que reduza a dispersão do leque partidário e o poder de chantagem dos micropartidos sobre o primeiro--ministro, de direita ou de esquerda. Mas permanecem em desacordo sobre o sistema a adoptar.A revisão da lei eleitoral interessa também ao novo Partido Democrático (centro-esquerda), que tem estado refém do impasse, pois o seu líder, Walter Veltroni, só se poderá afirmar depois do desfecho da questão orçamental.

O debate decorre num certo tom de farsa, pois o que está em causa não é propriamente o orçamento, ou as reformas, mas subtis jogadas para ganhar vantagens políticas.
"Uma maioria deficiente, uma oposição estéril. O Parlamento é o reflexo de uma política inerte".A opinião pública está obcecada por outros temas. Um é a questão dos imigrantes ilegais romenos, acusados de fazerem subir a criminalidade. Outro é a violência e a crescente politização das claques desportivas: foi ontem o funeral do jovem Gabriele Sandri, morto pela polícia durante um confronto entre adeptos da Lazio e da Juventus.

Esta trapalhada respigada da imprensa dá-me vontade de parafrasear o dixote que os ingleses aplicam aos franceses: "ao menos não somos italianos".
Abre-se no entanto outro campo de dúvidas, estudos e previsões: quanto tempo demoraremos em Portugal a atingir um caos semelhante ?

terça-feira, novembro 13, 2007

Sopranos "do berde e da vola"






O filme CORRUPÇÃO sofre de um problema grave: a realidade é maior do que a ficção.
Dito de outra maneira: aquilo que é possível imaginar, e já se imaginou, sobre a realidade retratada no filme ultrapassa as possibilidades ficcionais quando espartilhadas por referências a pessoas concretas.
Ao pretender explorar o sucesso, e os lucros, do livro de Catarina Salgado o filme impôs a si próprio muitos limites para evitar ser alvo de perseguição judicial.

Estes Sopranos "do berde e da vola" são sem dúvida um tema portentoso para uma superprodução entre a farsa e a tragédia. O "engenheiro" do Herman e o presidente de Vila Nova da Rabona de Ricardo Araújo Pereira já o demonstraram.

Salvam-se as excelentes interpretações dos protagonistas que são Margarida Vila-Nova, no papel de Sofia, e Nicolau Breyner que incarna (e carne não lhe falta) a personagem do Sr. Presidente.

segunda-feira, novembro 12, 2007

A melhor da semana passada - 13

Público 10.11.2007

A polícia encontrou na posse do chefe da máfia Salvatore Lo Piccolo, detido na segunda-feira, uma série de pequenos recadinhos que no conjunto constituirão como que o "Decálogo" da Cosa Nostra, de acordo com a imprensa italiana. Os papéis por pouco não acabaram deitados numa sanita. O diário La Repubblica chamam-lhe mesmo os "Dez Mandamentos" da organização siciliana, e vão da unidade dos membros ao ódio à polícia, passando pelo respeito e o amor à mulher. Um dos papelitos - chamados "pizzini", todos escritos à máquina - diz que "é preciso estar a todo o momento disponível para a Cosa Nostra, mesmo que a tua mulher esteja quase a deitar-se". Outro insta os membros a não "cobiçarem" as mulheres dos amigos. Os destinatários das mensagens são ainda convidados a não frequentarem "bares e casas de jogo" ou a simpatizarem com a polícia, sendo terminantemente proibido que façam parte das forças de segurança. As autoridades italianas apreenderam ainda a descrição do que pensam ser a hierarquia da organização criminosa e as suas regras de funcionamento. Os investigadores admitem que o conjunto dos pizzini constitua uma espécie de "manual de iniciação" para os novos mafiosos. Segundo o Corriere della Sera, Lo Piccolo estaria a recrutar candidatos no momento da detenção.Uma leitura mais atenta das pequenas mensagens, que o chefe mafioso esteve a ponto de deitar numa sanita, revela ainda, de acordo com a agência Ansa, nomes de empresas e de comerciantes que pagam o pizzo, o imposto exigido pela organização. Os agentes apreenderam além dos pizzini nove pistolas, várias imagens piedosas e crucifixos. As autoridades italianas pensam ter decapitado a máfia siciliana com a detenção de Salvatore Lo Piccolo. O mafioso era o último do triunvirato que a dirigia na ilha, formado ainda por Bernardo Provenzano e Antonino Rotolo, detidos há um ano. A acreditar no ministro do Interior, Giuliano Amato, no prefeito de Palermo, Giuseppe Caruso, e no procurador antimáfia Piero Grasso, reunidos em Roma, numa conferência de imprensa, o "polvo" já não é senão uma sombra dele mesmo. Enfraquecida pelas prisões, "desestruturada" dentro de si mesma e rejeitada por um número cada vez maior de sicilianos dispostos a não pagar o pizzo, a Cosa Nostra irá entrar provavelmente num período de "ajustes de contas", prognosticou Caruso. Salvatore Piccolo, 63 anos, frequentemente apresentado como o sucessor de Provenzano, detido em Abril de 2006, figurava num "pizzino" apreendido a este, onde constavam ainda outros nomes. Provenzano escreveu então num papelito que "já não restavam senão ele, Rotolo e Lo Piccolo", declarou Piero Grasso.


1 - Ninguém se pode apresentar por si mesmo a outro dos nossos amigos. Terá de ser uma terceira pessoa a fazê-lo.
2 - Não cobiçar as mulheres dos amigos.
3 - Nunca ser visto com polícias.
4 - Não frequentar bares
5 - Estar sempre disponível para a Cosa Nostra.
6 - As nomeações devem ser absolutamente respeitadas.
7 - As mulheres devem ser tratadas com respeito.
8 - Quando interrogados, responder sempre com verdade.
9 - O dinheiro não pode ser apropriado se pertencer a outros ou a outras famílias.
10 - Não é possível ter relações com a polícia.
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É à bala mas não é à balda...
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domingo, novembro 11, 2007

Para além do espectáculo

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É certo que os jornalistas hipervalorizaram o reencontro frente-a-frente entre Sócrates e Santana. É verdade que muitas vezes a comunicação social se fica pela espuma dos dias, aborda a rama dos assuntos e não vai fundo na substância dos mesmos. Mas é também uma realidade indesmentível que, neste caso concreto, no primeiro dia de debate parlamentar do Orçamento do Estado para 2008, quer o primeiro-ministro, quer o líder parlamentar da oposição fugiram às suas responsabilidades políticas de debate e de aprofundamento das respectivas propostas orçamentais e resvalaram para um mediatismo básico e oco.
A responsabilidade primeira nesta fuga ao debate político de substância é do primeiro-ministro, que logo ao abrir a sessão parlamentar, para além de apresentar algumas medidas concretas de governação, como lhe competia, optou por puxar à colação a governação do seu antecessor. O recurso usado por José Sócrates é básico e tem como finalidade desviar a discussão daquilo que poderia dificultar-lhe o dia no Parlamento, ou seja, a discussão das suas medidas e das suas opções orçamentais.
O que é certo é que Santana Lopes, bem como a comunicação social em geral, dançaram a música que José Sócrates quis.Mas o facto de José Sócrates ter conseguido condicionar o debate, e ter por isso ganho no plano mediático, não quer dizer que o tenha ganho do ponto de vista político. No plano da discussão política, o primeiro-ministro perdeu a sessão de abertura do debate parlamentar sobre o Orçamento do Estado para 2008. E perdeu porque na substância não respondeu às questões que lhe foram colocadas.
Exemplifiquemos. José Sócrates preferiu atacar Santana Lopes e achar que o colocava mal, amesquinhando-o por ter sido por si derrotado nas legislativas de 20 de Fevereiro de 2005. E ficou-se em jogos florais e acusações inconsequentes sobre o passado, sem responder às duas questões que Santana Lopes lhe colocara. Uma sobre o facto de existirem, segundo dados do Estado espanhol, 80 mil portugueses a descontar para a Segurança Social espanhola. A outra sobre o facto de, no passado, José Sócrates ter dito que não se podiam mexer nos direitos adquiridos, mas tê-lo feito ao aprovar a reforma da Segurança Social.Mas o problema das respostas de José Sócrates neste debate não se ficou apenas pelo embate com Santana Lopes. O primeiro-ministro respondeu demasiadas vezes ao lado. Quando Paulo Portas o interrogou sobre fiscalidade, José Sócrates falou do Estatuto do Aluno. Perante as perguntas de Jerónimo de Sousa e de Francisco Louçã, José Sócrates insistiu na tese de que estes dois líderes partidários não estavam satisfeitos e achavam pouco as medidas de carácter social do Governo. É pena que tenha sido perdida uma oportunidade de debater a sério não só as propostas do Governo, como também as propostas alternativas da oposição. E que a discussão sobre o Orçamento tenha começado apenas no segundo dia de debate.
São José Almeida, Público 10.11.2007
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Subscrevo isto

sábado, novembro 10, 2007

Os desvarios ideológicos de um militante do PCP


Publicou o Fernando Penim Redondo um texto controverso sobre Os 90 anos da Revolução de Outubro e entre os comentários ao artigo apareceu um de António Vilarigues (AV), que eu penso que é assumidamente militante do PCP, que indicava um conjunto de endereços electrónicos. Descobri que todos eles remetiam para o seu blog pessoal, onde tinha vindo a publicar um conjunto de post sobre a Revolução de Outubro, que eram quase todos retirados do Militante e do Jornal da ORL do PCP, mas havia um que me despertou particular atenção, a posição do PC Grego sobre a Revolução Socialista de Outubro e que era recomendado por AV.
Fiquei estarrecido, depois da leitura daquele texto, que tinha sido inicialmente publicado em ODiario.info, traduzido pelo próprio Vilarigues, quase que se poderia enviar uma mensagem ao Francisco Martins Rodrigues, um dissidente do PCP no início do conflito sino-soviético (anos 60), e um crítico pela esquerda da orientação do PCP, para que voltasse, porque estava perdoado.
Naquele texto dizem-se coisas tão espantosas, do ponto de vista da ideologia ainda oficial do PCP, como esta: “No Ocidente capitalista, os partidos comunistas não puderam elaborar uma estratégia de transformação da guerra imperialista ou da luta de libertação numa luta pela conquista do poder operário. Eles remeteram o objectivo do socialismo para mais tarde e definiram tarefas que se limitavam a luta na frente contra o fascismo. O ponto de vista que prevalecia na altura, sustentava que era possível a existência de uma forma intermédia de poder, entre o poder burguês e o poder da classe operária revolucionária, com a possibilidade de vir a evoluir para um poder operário.” Ou então, esta outra: “A política seguida por um bom número de partidos comunistas que consistia em colaborar com a social-democracia, fez parte da estratégia da «governação anti monopolista», uma espécie de estado intermédio entre o capitalismo e o socialismo, que se expressava igualmente através de governos que tentaram administrar o sistema capitalista.”
Ou seja, quer queira o AV ou não, isto é a negação das posições desde sempre assumidas pelo PCP na luta anti-fascista, que mereceram sempre uma vigorosa crítica dos, à época, chamados esquerdistas.
Eu acredito que se possa mudar de orientação política, fazer a crítica do passado, não se pode é, quando nada se disse sobre o assunto, assumir que estas posições sempre foram as defendidas pelo PCP. Duma penada deita-se pela borda fora o Rumo à Vitória do Álvaro Cunhal, que explicitamente se referia a As Tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional ou então, o próprio Programa PCP para Uma Democracia Avançada no limiar do Século XXI, que defende aquilo que é criticado pelo PC Grego.
Mas o mais espantoso de tudo isto é que o site onde esta tradução aparece pela primeira vez é dirigido pelo Miguel Urbano Rodrigues e conta com a colaboração de dirigentes do Sector Intelectual da ORL do PCP, como o Filipe Diniz. Portanto gente que ao divulgar um texto destes deve saber o que está publicar.
Poder-se-ia pensar que afinal há liberdade no PCP para exprimir externamente aquilo que se quer. Penso que isto não é o reflexo da pluralidade de opiniões que existiriam naquele Partido, mas sim, que o PCP já não é capaz de distinguir o que eram as suas posições unitárias e anti-fascistas do passado, da sua posição actual de partido sectário e pouco amigo da unidade. Eu diria que o desvario ideológico tomou conta do Partido.

PS: concordo que este tipo de discussões, que se assemelham àquelas que católicos e protestantes travam a propósito da interpretação de alguns textos da Bíblia, não diga nada a quem sobre esta matéria é completamente leigo ou demasiado jovem para perceber os conflitos ideológicos que se travaram nos anos 60. Alguns eram mesmo guerras de alecrim e manjerona, sem qualquer significado para os dias de hoje. No entanto, há necessidade de certa precisão ideológica para que no debate das ideias não valha tudo e não se venda gato por lebre.

sexta-feira, novembro 09, 2007

Também eu estou cansado do Apocalipse

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"Estou cansado do Apocalipse" é a frase inicial do livro "Les prêcheurs de l’apocalypse" que tem como subtítulo "pour en finir avec les délires écologiques et sanitaires".

O autor, Jean de Kervasdoué, é de um ecletismo desconcertante, saltita com facilidade da economia para a saúde e desta para a ecologia. Tem-se dedicado principalmente à sociologia da medicina e, de 1981 a 1986, foi responsável por todos os hospitais de França. Diz-se que já publicou duas centenas de artigos científicos, investiga e ensina no CNAM.

A sua entrevista recente ao Notícias Sábado interessou-me apesar dos óbvios erros de tradução. Sem medo de ir contra a corrente diz coisas como:

"Os ecologistas fizeram-nos olhar para o nuclear em vez do carvão: provavelmente a razão é porque, na origem, eram a URSS e a Alemanha do Leste que o fabricavam."
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"Factualmente, o nuclear faz menos mortos do que o carvão e não produz gases que contribuam para o efeito de estufa. Da mesma forma, os transgénicos foram criados por razões ecológicas, para evitar a utilização dos pesticidas."
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"Quatro ecologistas de Long Island, nos EUA, ganharam um processo porque afirmavam que (o DDT) fragilizava a casca dos ovos dos falcões selvagens locais. Isso interditou a uso de DDT. No entanto, no Bangladesh, antes do DDT havia um milhão de pessoas que morriam da malária; durante o DDT, menos de mil; e sem DDT a epidemia voltou a matar um milhão. É um conflito entre os animais do Norte e os homens do Sul."

Estas tomadas de posição desassombradas, cuja validação não está ao meu alcance (ver texto interessante), vieram encontrar-me num momento de acentuado enjoo, diria mesmo nojo, quando sou bombardeado com manifestações do politicamente correcto.

O tabaco, o aquecimento global, os transgénicos, os acidentes na estrada e outros tantos assuntos respeitáveis têm vindo a tornar-se fonte de autênticas obsessões quando não de fanatismos.
Os processos do fanatismo, como já tenho dito, seguem sempre o mesmo padrão: empolamento e absolutização de um problema, fé inquestionável num conjunto de soluções e consequente justificação da violência, mesmo que só na forma insinuada, contra todos os que as não pratiquem.

Curiosamente quatro dias depois, a 7 de Novembro, o Público inseria um artigo de Rui Ramos intitulado "Depois do Fim", dedicado a dois romances "apocalípticos" americanos, onde faz esta acutilante análise:

"Entrámos no século XXI predispostos para o apocalipse. No primeiro dia, houve logo quem esperasse uma devastação provocada pela suposta incapacidade dos computadores para registar a nova data. Depois, foi a vez dos militantes do islamismo radical aparecerem como agentes do fim do mundo. Mal se percebeu que Bin Laden poderia ficar por massacres localizados, logo o clima tomou o seu lugar. Aguardamos agora que secas e inundações nos arrastem à extinção. E para o caso da meteorologia desiludir, já temos em carteira a gripe das aves. Passámos a viver num mundo que está para acabar. Nas discussões políticas, não há hoje proposta, por mais ínfimo que seja o seu alcance, que não nos seja vendida como o único meio de evitar o colapso iminente da nossa prosperidade ou segurança. O abismo espreita-nos por todo o lado. "
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O catastrofismo em voga quer assustar com fins educativos. Parte do pressuposto de que o futuro está nas nossas mãos, como em tempos esteve nas de Deus. Basta substituir as emissões de carbono pelas emissões de boa vontade, e as guerras pelas operações humanitárias. Gerações antigas souberam que havia, no mundo e nos seres humanos, forças e tendências para além do controle de qualquer ciência ou bom senso. Hoje, tudo o que corre mal é por nossa culpa: a doença deve-se ao estilo de vida, o acidente à imprevidência, e a catástrofe, quando vier, terá a ver com os nossos abusos. O que quer dizer que tudo pode ser evitado e corrigido, se nos arrependermos a tempo. É o evangelho dos caixeiros-viajantes da desgraça. Nos alicerces de tudo isto, está um cristianismo sem Deus, ou melhor, em que a humanidade tomou o lugar de Deus, embora ainda imperfeitamente: já é omnipotente, mas ainda não dispõe da sabedoria divina que terá de extrair do livro de Al Gore ("obrigatório", como diz o anúncio do PÚBLICO).

Permito-me acrescentar que se, como ele diz, agora "o futuro está nas nossas mãos" não é certamente no sentido de o construirmos mas sim no sentido de sofrermos por ele. Os pregadores do Apocalipse não esperam de nós qualquer golpe de inteligência mas sim que paguemos pelos nossos "pecados".

Numa mistura inusitada do atávico pecado original com a orfandade das utopias políticas cada vez maior número de fanáticos procura o sofrimento e fazer-nos sofrer com eles. Não visam a solução de qualquer problema mas sim a expiação.

Até os "temas fracturantes", a que tanto se dedicam, não são apenas um sinal da incapacidade para desenhar futuros alternativos. Valem acima de tudo por chocarem e escandalizarem os "burgueses" que se atrevem a continuar vivendo no mundo da injustiça global.

O passo seguinte é a fogueira para os hereges. O MAI está a estudar uns dísticos, a três cores, para exibir em público os automobilistas prevaricadores com base nas estatísticas da sinistralidade rodoviária. O próximo passo poderá ser uma chupeta na lapela para os fumadores e depois, talvez, um chapéu especial para os maiores de 50 que não tenham feito um toque rectal nos ultimos 5 anos (justificados pelo facto de, quer o cancro do pulmão quer o cancro da próstata, matarem muito mais do que os acidentes de viação).

A revista VISÃO dedicou um dos seus últimos números à ecologia, ufanamente verde e um pouco ridículo. O que mais me chocou foi a pergunta, feita a torto e a direito: Qual é a sua "pegada ecológica" ?
Perante o espanto dos visados, pessoas com responsabilidades públicas, passava-se ao interrogatório sobre os seus hábitos para avaliação do comportamento; se separavam o lixo, se usavam transportes públicos, se tinham lâmpadas de baixo consumo, e por aí fora.

Já não estamos no domínio da sugestão, do aconselhamento ou mesmo da educação mas sim da ameaça velada de exposição à execração colectiva. Este e outros tipos de chantagem têm permitido a muitas idiotices bem-pensantes penetrar nos centros de decisão políticos. Pode até admitir-se que certos interesses económicos joguem também neste tabuleiro.

Tal como nos tratos de polé do Santo Ofício, quando esmiuçava os costumes e as intimidades dos suspeitos, parece até ouvir-se já o grito "só preciso que me digam o que devo confessar".

Voltando ao artigo de Rui Ramos:

...Cormac McCarthy caracterizou com uma frase toda esta literatura e a actual cultura secular do Ocidente: "There is no God and we are his prophets" (p. 143). Deus não existe e nós somos os seus profetas.

quarta-feira, novembro 07, 2007

Os 90 anos da Revolução de Outubro


Já se disse tudo sobre as "realizações" e as "violências" da Revolução de Outubro.
Eu volto sempre à minha pergunta: porque é que não nasceu na URSS um novo sistema económico auto-sustentável e com capacidade para se auto-reproduzir ?

É verdade que nas primeiras décadas havia um gigantesco deficit tecnológico mas, a partir dos anos 70, o deficit passou a estar essencialmente na vitalidade do partido e da sociedade.
Em contrapartida a URSS era um país imenso, dos poucos no mundo que poderia sobreviver mesmo em isolamento, dotado pela natureza de fantástica variedade e quantidade de recursos naturais, em especial os energéticos.

A "Russia Unida" de Putin regista 67 % das intenções de voto nas próximas eleições demonstrando que sabe aproveitar a seu favor as exportações de gás natural e de petróleo, construindo um apoio popular esmagador. O Partido Comunista prevê-se que venha a ter 17 % dos votos. 90 anos depois da Revolução de Outubro o partido de quem nós esperámos um mundo novo tem um resultado idêntico ao PCP. Fala-se pouco da Russia que sobrou após a queda da experiência soviética.

Até uma figura caricata como Chavez sabe usar a riqueza do petróleo para granjear, nem que seja a prazo, um grande apoio popular. É pois forçoso colocar este falhanço do PCUS no plano da inépcia ou do apodrecimento. Ao menos podiam ter sabido "comprar", com o petróleo e o gás, o tempo necessário para se renovar, saltar para a sociedade da informação e tentar aí uma economia de novo tipo.

A experiência chinesa desperta-nos, a esta luz, um enorme interesse.
Os os líderes chineses parecem, a certa altura, ter-se convencido do famoso TINA, conceito Thatcheriano sobre o liberalismo económico que significa "There Is No Alternative".
Então, obedecendo a uma sofisticação milenar, arranjaram forma de pôr os capitalistas a transformar a China numa grande potência mundial e a encher os cofres do estado com reservas gigantescas.
Enquanto isso o Partido Comunista continua a ser uma força formidável que em qualquer momento pode lançar centenas de milhões de chineses numa nova revolução de contornos inimagináveis.

É aqui que reside o suspense; algum dia o fará ? ou vai apenas usá-lo como espada de Damocles sobre a cabeça das empresas privadas ? Qual é o ponto de chegada de tudo isto ?

terça-feira, novembro 06, 2007

Opera Buffa




A política italiana não pára de me surpreender.
Agora surge a notícia da venda iminente do histórico L'Unitá a uma "holding" financeira, a Tosinveste, da família romana Angelucci.
É como se o Avante fosse vendido ao Joe Berardo.
Fundado por Antonio Gramsci, que deve estar às voltas no túmulo, foi o orgão oficial do PCI, nos bons velhos tempos, e depois apoiou o PDS e o DS.
Deve ter acabado por se baralhar com tanta sigla e tanto oportunismo.
Agora o PD (esta tem conotações equívocas), também conhecido por Partido Democrata, que se auto-define como de centro-esquerda, diz que não tem dinheiro para sustentar o velho jornal.

Uma verdadeira opera buffa...

segunda-feira, novembro 05, 2007

A melhor da semana passada - 12

CADA CIDADÃO DEVIDAMENTE CERTIFICADO





A ideia arrisca-se a ter filhotes. Basicamente trata-se de atestados de cidadão. Propõe-se que cada carro tenha um distintivo com cores que classificam o perigo do seu condutor: verde (pouco), amarelo (médio) e vermelho (muito). Porquê só o condutor? Devia anunciar-se, com dísticos, outros comportamentos. Em casas de violência doméstica deveria ser obrigatório, à porta de entrada, um letreiro com uma moca. E o caloteiro deveria ter ao peito um zé-povinho e o lema: "Queres fiado? Toma!"... E assim por diante. Acabava-se com esse aborrecimento de não sabermos nada sobre os indivíduos que nos cercam. Às vezes, vou no elevador e pergunto-me: será que este tipo à minha esquerda tem os impostos em dia? É horrível a dúvida. Saber tudo de todos é o futuro. Felizmente já há quem se adiante. Vejo Luís Filipe Vieira na TV e, em rodapé, a legenda respectiva: "No Benfica só têm lugar excelências". Esse afixa nas suas frases o que é: mais excelência era impossível.
Ferreira Fernandes, DN 3 de Novembro 2007

domingo, novembro 04, 2007

Estudos aéreos

A questão da localização do novo aeroporto ameaça converter-se no atoleiro do governo em 2008.
Os jornais já dizem que a oposição pede a cabeça de Mário Lino. Os autarcas do Oeste juram que vão pedir uma indemnização pelas espectativas goradas. Vital Moreira, um resistente, diz que os custos previstos para Alcochete estão sub-dimensionados pois não compreendem a deslocalização do campo de tiro. Alguns especialistas em túneis põem dúvidas à solução da CIP. As aves migratórias também.
No meio de toda esta algazarra, que vai continuar a crescer, há um tópico injustamente esquecido: a credibilidade dos estudos e das instâncias que os produzem.
O povo que ainda não tinha adormecido viu no "Prós e Contras", com os seus próprios olhos, como baterias de especialistas de eminentes universidades e consultoras internacionais, conseguiam defender óptimos tão diferentes uns dos outros. Isso já era perturbante. A exactidão da engenharia e a cientificidade dos santuários académicos tremeram.
Porém o estudo da CIP, a confirmar-se a sua bondade, vem mostrar que afinal uma hipótese que nem sequer estava a ser considerada é melhor em todos os aspectos. O que é muito mais grave.
Centenas de especialistas, académicos e burocratas, incluindo o ministro Mário "Jamais" Lino, mesmo depois de alertados juraram a pés juntos durante meses que não havia nada melhor do que a Ota.
Será que vão devolver ao estado português os enormes honorários que receberam durante os últimos anos ?
(ilustração obtida em http://raim.blogspot.com/)

sexta-feira, novembro 02, 2007

Furadouro 1967

O post anterior, do Jorge, desencadeou uma série de memórias com 40 anos.

Como ele refere a minha reportagem "Furadouro: mudar de vida, sim... mas como?" publicada no Boletim do CCUL em 1967, que me permitiu conhecer os pescadores e os seus maravilhosos miúdos, resolvi publicar aqui algumas das fotos que a constituíam.










Museu do neo-realismo, pateadas e cine-clubismo

No sábado passado, a minha filha, acompanhada de um grupo de amigos, desafiou-me a ir assistir a uma palestra ao Museu do Neo-realismo em Vila Franca de Xira, que tinha sido recentemente inaugurado pelo Presidente da República. Como tinha curiosidade em conhecer o museu e a conferência era proferida pelo Pacheco Pereira dispus-me a ir. Dei por bem empregue o meu tempo.

1 - A conferência
Integradas na exposição Batalha pelo Conteúdo do Movimento Neo-realista Português realizam-se mensalmente, naquele museu, palestras subordinadas ao tema Encontros e Desencontros com o Neo-realismo, cuja primeira foi abrilhantada pelo Pacheco Pereira.
O convidado começou primeiro por falar dos desencontros com o neo-realismo e daí arrancou para a sua experiência pessoal, principalmente da geração que passou pelos bancos da universidade em meados dos anos 60, afirmando que na maioria dos casos a juventude universitária da época não lia os livros dos autores neo-realistas porque tinha começado a despontar para outras leituras, rompendo com os conceitos quer estéticos quer ideológicos que enfermavam o movimento neo-realista e por tabela com a influência que o Partido Comunista Português (PCP) exercia no meio intelectual português.
Um dos vários exemplos apresentados foi a pateada que teve lugar numa sessão de cinema do Cine-Clube Universitário de Lisboa (CCUL), quando estava a ser projectado o filme Os Cavaleiros Teutónicos e da polémica que essa pateada provocou na altura, tendo havido mesmo um abaixo-assinado a defender o direito à pateada, apesar do cine-clube ser uma associação eleita democraticamente. Aquele abaixo-assinado foi subscrito por jovens universitários que viriam a integrar a actual intelectualidade portuguesa, dando como exemplos Eduardo Prado Coelho, Jorge de Silva Melo e Ivete Centeno. Pacheco Pereira afirmaria que a actividade dos cine-clubes, e do CCUL em particular, era dominada pelo PCP, que só exibiam filmes do Vittorio De Sica, de alguns realizadores americanos, como Elia Kazan, ou de origem soviética ou de Leste, fossem bons ou maus, o que, segundo ele, era o caso do filme referido. Esta pateada seria pois o pronuncio de um novo gosto cinematográfico e de uma maior abertura no campo do cinema.
Depois falou do advento dos maoistas, a que ele, Pacheco Pereira, pertenceu, e do estreitamento ideológico e estético que esse movimento político causou na formação cultural dos universitários no final dos anos 60 e início de 70 e, por último, abreviando muito, dos seus encontros com o neo-realismo, agora já homem feito e por dever de ofício leitor daquelas obras, e do valor que atribuía a algumas das opções estético-ideológicas dos seus autores. Conferência feita, passámos às perguntas e respostas.

2 - A pateada
Mal pensava Pacheco Pereira que na sala estava um dos dirigentes à época do CCUL e que viveu com grande intensidade este problema, ou seja, eu próprio, que era vice-presidente do cine-clube.
Já se sabe que pedi a palavra e respondi a Pacheco Pereira. Mas no calor da intervenção e passados tantos anos sobre a pateada já não me recordava de todos os pormenores da mesma. Chegado a casa fui retirar do armário os programas das sessões e os boletins do CCUL e tentei organizá-los de modo a que pudesse, com alguma fidelidade descrever o sucedido. Lamentavelmente não encontrei o abaixo-assinado referido, nem qualquer comunicado do cine-clube ou dos defensores da pateada a relatar os acontecimentos.
No entanto, tal como o afirmei na minha intervenção, o filme pateado não foi Os Cavaleiros Teutónicos (1960), que era de facto de um realizador polaco, Aleksander Ford, e que fazia igualmente parte do ciclo de cinema então apresentado – que decorreu entre Outubro de 1966 a Janeiro de 1967 –, mas sim Ventos de Revolta (1959), Sonatas no título original, do espanhol Juan Antonio Bardem, com o actor Francisco Rabal e que foi exibido em 21/12/66.
Aceito, no entanto, que o espírito orientador do ciclo levado a efeito pelo cine-clube é, aos olhos de hoje e provavelmente aos da época, intragável. Chamava-se O Cinema e a Sociedade, cuja primeira parte, onde se integravam os dois filmes referidos, era O Cinema e a História. No segundo boletim dedicado ao ciclo, e publicado provavelmente a seguir à pateada, eu próprio escrevi que aquele tinha a intenção de “percorrer as principais etapas da história da humanidade”, em que “os filmes servir-nos-iam não só para ilustrar determinadas relações económica, sociais e políticas, como, ao mesmo tempo, nos permitiam estudar a cultura... dessas épocas”, garantindo, no entanto, “que todos os filmes levados, além de servirem para ilustrar determinados factos históricos, tinham também interesse cinematográfico. Contudo, este aspecto foi em parte obscurecido pelo realce que demos à sua função ilustrativa do tema do ciclo.” E o boletim termina com um artigo justificativo da inclusão do filme pateado, em que se pergunta “pode-se ainda (1964) – data do artigo escrito para a revista espanhola Nuestro Cine – falar da validade da obra de Bardem?” e termina respondendo que não se pode “destruir de uma assentada a obra de um dos nossos poucos realizadores que manifestaram ao longo de toda a sua carreira uma atitude de total honestidade”.


Integravam este ciclo dois filmes soviéticos então muito exibidos pelos cine-clubes D. Quichote e Othelo, os dois já referidos, mas igualmente O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, um filme japonês muito visto à época, Harakiri, Tom Jones, de Tony Richardson, Vanina Vanini”, de Rossellini, e o Senimento de Visconti, o que demonstra alguma preocupação pela qualidade e uma pluralidade ideológica razoável.
É evidente que houve diferentes razões para realizar aquela pateada. Primeiro o filme de Bardem, por muito estimável que o seu autor fosse, era fraquinho, com rodriguinhos pouco aceitáveis para o gosto já da época e foi isso, seguramente, a principal razão para que a pateada tivesse tanto êxito. Segundo, uma certa juventude intelectual, oriunda na sua maioria da Faculdade de Letras, despontava nessa altura para outro tipo de cinema. Não aceitava o convencionalismo estético dos soviéticos, nem as boas intenções do Bardem e daí, provavelmente, os protestos de alguns dos nossos futuros intelectuais. Por último, e tenho a certeza que teve um peso bastante importante, as manifestações de esquerdismo-maoismo, que começavam por essa época a invadir a universidade. Deve provir daí a recordação do Pacheco Pereira de que a pateada teria sido ao filme polaco e não ao filme de Bardem.
Perante a pateada a direcção do cine-clube reagiu indignada. Penso que logo à saída, no átrio do cinema, houve uma troca de opiniões mais exaltada, tendo de seguida a Direcção do CCUL promovido uma discussão sobre o filme, na sede do cine-clube, em que o principal orador foi António Marques de Almeida, actualmente professor universitário e historiador, mas na altura, julgo, ainda a frequentar a universidade. Apareceram centenas de estudantes numa sede minúscula. Houve gente que se espalhou pelas escadas do prédio e, como era previsível, a análise histórica e cinematográfica do filme foi completamente substituída por meia dúzia de chavões e de ataques a quem tinha promovido a exibição daquele filme. Posteriormente, a Direcção do CCUL convoca uma Assembleia Geral onde este tema foi abordado, mais a discussão relativa ao direito à pateada. Penso que a PIDE esteve presente nessa Assembleia Geral, que, de acordo com a minha memória, foi um claro confronto entre facções próximas do PCP e dos esquerdistas-maoistas.
Reconheço, no entanto, e sem ter em meu poder os comunicados emitidos e o abaixo-assinado recolhido, que é muito difícil rememorar as diferentes opiniões em confronto. Seria interessante que o Pacheco Pereira, que me afirmou que os possuía, os pusesse à disposição do público num dos blogs onde escreve.

3 – Algumas conclusões muito a posteriori
O ciclo exibido correspondia a uma preocupação geral, no tempo do fascismo, dos cine-clubes e de outras associações culturais e até recreativas de procederem, com as limitações próprias da censura e da repressão, à formação ideológica dos seus associados. Como de um modo geral isso era feito por grupos influenciados pelo PCP, os grupos esquerdistas-maoistas reagiam negativamente. Daí muitas vezes as provocações, as pateadas e os insultos. No entanto, quando estes grupos detinham o poder, a sua política cultural e a formação ideológica ministrada era muito mais estreita e vesga. O próprio CCUL quando foi tomado, no início dos anos 70, por esses grupos foi muito mais sectário do que em anos anteriores.
O grupo dirigente do CCUL dos anos 1966/67, na altura da pateada, soube posteriormente escolher uma equipa para a Direcção seguinte, dirigida pelo Joaquim Brás, em que alguns dos subscritores do abaixo-assinado foram chamados à Direcção, estou-me a lembrar do Garcia de Abreu. Por outro lado, iniciou o seu mandato com a apresentação de um ciclo do cinema americano em que se exibiram filmes como a As duas feras, de Howard Hawks, A Corda, de Alfred Hitchcock, Serenata à Chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly, Pistoleiros da Noite, de Sam Peckinpah e Jerry 8 ¾, do próprio Jerry Lewis. O que denota portanto uma clara percepção de que, ao contrário do que afirmou o Pacheco Pereira, era sensível à crítica e desejava dirigir-se a novos públicos e criar novos gostos, facto que foi posteriormente desvirtuado pelos maoistas que tomaram conta do cine-clube.

P.S. – Na pesquisa que fiz nos boletins do cine-clube verifiquei que o dono deste blog, o Fernando Penim Redondo, integrou como tesoureiro quer a Direcção da pateada (1966/67), quer a seguinte (1967/68), do Joaquim Brás. O Fernando poderá confirmar ou desmentir algumas das minhas afirmações.
Por outro lado, fui descobrir que um boletim do CCUL, editado em Junho de 67, tem uma reportagem do Fernando chamada Furadouro: mudar de vida, sim... mas como?, que era complementar a uma crítica ao filme do Paulo Rocha, Mudar de Vida, que se passava naquela localidade.Por último, recomendo vivamente uma visita ao Museu, já que me parece ser uma peça arquitectónica interessante, e com três andares dedicados à exposição referida inicialmente.