segunda-feira, março 28, 2005

Florence Béal-Nénakwé


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Uma artista africana em França...
"Affirmant ses racines africaines à travers son art, l'artiste Florence Béal-Nénakwé peint les réminiscences de son enfance camerounaise. Elle nous livre un travail pictural riche en couleurs: celles de l'Afrique. Seule l'énergie intérieure liée à son Cameroun natal et à sa vie personnelle, lui fait jeter sur une toile cette gaieté et cette espérance."

sábado, março 26, 2005

O Doutor


O Doutor

por Miguel Poiares Maduro


Por favor, esta semana «escreve algo ligeiro», pediram-me. O problema é que, ultimamente, só me ocorrem ideias «pesadas». Deve ser o peso da responsabilidade, já que a consciência não a tenho pesada. Pensei em aligeirar algo sério mas temia que me chamassem pouco sério. O que se pretendia era algo ligeiro escrito sem ligeireza. Acho que acabei por escrever sobre algo pesado com grande ligeireza.

Somos um país de doutores diz-se. É um equívoco: somos um país de drs. e engenheiros. E está tão vulgarizado que basta entrar num qualquer restaurante desconhecido para obtermos o título: «Sai um bacalhau à Braz para o doutor». Já tenho uns 20 doutoramentos honoris causa concedidos por diferentes restaurantes. Em Portugal, o serviço ao cliente vai ao extremo de nos licenciarem antes de começar a refeição! Mas este dr. não tem doutoramento e a nossa obsessão com títulos é tanta que logo se encontrou uma distinção: quem é doutor por extenso é Professor Doutor, seja ou não professor. E os professores que não são doutores, são apenas «sotores». Substituímos a sociedade de classes pela sociedade de títulos.

Somos «marcados» pelo título. Durante muitos anos em Portugal, ministros só doutores. Um título abre muitas portas em Portugal. Por isso é que não deve parecer (parecer é tudo neste caso) nada fácil obtê-lo. O valor do «título» está no acesso que comporta a um círculo restrito (ser um dos poucos) e na autoridade que comporta («quem fala, fala a título de_»). E nada é mais exemplar a este respeito que o «título» de doutor e a forma como se lhe acede: com uma tese de doutoramento. Eu que sou doutor tenho de saber com certeza.

Em primeiro lugar, a tese de doutoramento deve comprovar a adesão do candidato ao grupo: a sua fidelidade à escola que lhe concede o título. Ao contrário do que afirmam alguns, a tese não tem de constituir uma contribuição original para a ciência. Deve sim consistir numa contribuição original sobre as ideias do orientador da tese (em particular se forem as minhas!). Na medida do possível, o candidato deve abster-se de tomar posição própria, pois tal é sinal de arrogância científica. Pode sim adoptar a posição anteriormente expressa pelo orientador da tese. Se o orientador da tese não tiver posição, o candidato pode adoptar uma posição sui generis. Esta deve congregar elementos de todas as teses anteriores, de tal forma que não possa ser associada a nenhuma nem criticada por se lhes opor. É desejável que o candidato apresente a sua tese (se quiser arriscar ter uma) no meio de 350 outras pretensas teses. Pode ser que, desta forma, a tese passe despercebida.

Em segundo lugar, a tese deve transpirar autoridade científica. Mas esta não resulta das ideias (essas são subjectivas e como tal contestáveis). A autoridade resulta da forma. Desde logo, como ouvi algumas vezes, uma tese deve ter aspecto de tese. Começa com o peso: uns bons cinco quilos são o mínimo aconselhável. Segue-se uma boa organização sistemática. Em Direito, p. e., aconselho a seguinte estrutura: 1) introdução; 2) introdução ao Direito (com referência a elementos de Filosofia, História, Economia e Ciência Política); 3) excurso sobre a importância da definição do objecto da tese; 4) definição do objecto da tese (remissão da sua análise para momento posterior); 5) excurso sobre a importância do instituto jurídico objecto de estudo; 6) introdução ao instituto jurídico estudado; 7) história do instituto jurídico; 8) distinção de todos os institutos jurídicos similares; 9) estudo desses outros institutos; 10) classificação do instituto; 11) categorias e tipos que o compõem; 12) distinção de categorias e tipos similares; 13) distinção entre categorias e tipos (tipos de categorias e categorias de tipos); 14) último capítulo: análise do instituto jurídico em causa (remissão para segundo volume a publicar logo que os nossos trabalhos científicos - leia-se preparação de pareceres - nos permitirem).

Segue-se a linguagem. Deve procurar-se ser o menos claro possível (a clareza é geralmente entendida como um sinal de pouca profundidade intelectual). Ex.: a afirmação «existe, neste caso, um conflito de direitos fundamentais» deve ser substituída por «as jurisdições dos espaços de liberdade normativamente concretizados nas posições jurídicas subjectivas constitucionalmente garantidas estão, neste caso, numa situação de concorrência normativa na prossecução dos objectivos constitucionalmente consagrados».

Particular atenção deve ser dada às notas de rodapé e bibliografia (é por aqui que muitos membros de júris de tese iniciam - e, em muitos casos, terminam - a sua leitura). O texto em notas de rodapé deve exceder o texto do corpo da tese (tal circunstância demonstra que a erudição do candidato excede em muito as fronteiras do tema estudado). Por fim, a bibliografia deve conter todas as obras consultadas (por consulta entende-se a consulta do título em qualquer base de dados existente) e incluir referências a obras nunca antes citadas (de preferência, mas não necessariamente, relacionadas com o tema da tese).

Pouco sério? Apenas uma ligeira provocação para recordar que nem sempre o facto das coisas serem tratadas de forma muito séria é sinal de grande seriedade. O importante não devia ser o título mas a tese. Isto vale para os doutores e outros títulos. Em vez de comparar títulos devemos é trocar ideias.

por Miguel Poiares Maduro

sexta-feira, março 25, 2005

Lendo "PORTUGAL, HOJE - O medo de existir"

Acabei de ler o livro do José Gil.
Confesso que era um dos livros da lista que eu tencionava não ler (junto com O Código Da Vinci e Equador) por se terem tornado best sellers de citação obrigatória, apoiados numa forte máquina de marketing e/ou na mediatização prévia dos seus autores.
Mas ofereceram-mo e li; e dei o tempo por bem usado porque pensei bastante, a propósito e despropósito do que ia lendo, acontecendo esta ultima situação quando, por falta de preparação ou de apetência para elucubrações filosóficas mais abstractas, deixava a vista ir percorrendo alguns parágrafos enquanto me questionava sobre onde é que tudo aquilo me levaria.

Interessou-me bastante a questão do “espaço publico” ou melhor, da sua ausência, e do preenchimento pelos media do vazio ruidoso que ele deixa. É um “fraseamento” excelente de algumas ideias que me surgiam empìricamente.
A propósito, encontrei no EXPRESSO do dia 19 este “boneco” que ilustra bem esta ideia (e do qual me aproprio, como deve acontecer em espaço público, dando-lhe um novo uso, com a devida vénia para o autor).





Tenho sentido “na pele” as manifestações da sombra branca ao tentar lançar para discussão pública algumas ideias novas ou pelo menos fora dos contextos estabelecidos. Mesmo quando se consegue ultrapassar algumas barreiras materiais para chegar às outras pessoas, depara-se no geral com o silêncio; não se é criticado, nem sequer achincalhado, é-se pura e simplesmente ignorado; como se nada tivesse acontecido. E tal coisa não tem nada a ver com a qualidade da mensagem; tem que ver com o incómodo por ela causado.
José Gil reconhece isso e honestamente engloba neste sistema o que se passou com ele: o êxito mediático das suas teses deve-se não à sua qualidade mas à notoriedade que lhe foi dada pela tal revista francesa....

Embora o salazarismo e a sua envolvente melíflua de medo possam aparecer como os “ladrões que nos roubaram o espaço público”, penso que a coisa tem raízes mais fundas; aliás 50 anos são muito pouco tempo para cimentar no inconsciente cultural de um povo moldes tão infra-estruturantes como a “não inscrição”.
O espaço público foi-nos roubado quando se instalou a Inquisição. Neste caso não me refiro às fogueiras, à privação da liberdade física, à tortura ou à morte; tudo isso era comum nas “justiças” da época. Refiro-me ao risco de pensar pela própria cabeça, ao receio do novo e do diferente, à desconfiança pelo que vem de fora, à dissimulação, ao fingir que não se vê o que não se pode suportar, ao anseio pela segurança que será garantida se se seguir em tudo a “cartilha oficial” e se respeitar as hierarquias e a ordem estabelecidas.
E não esqueçamos que por sua vez, a Inquisição (não como “instituição” mas como “sistema cultural”) se instaurou numa sociedade de características senhoriais muito resistentes. Os descobrimentos e o comércio ultramarinos eram monopólio da coroa que os usava e distribuía como “feudos”. Dos senhores, com o rei no seu vértice, vinha a justiça e a tirania, a riqueza e a espoliação, a orientação e a proibição, a recompensa e o castigo, a salvação e a morte. Tudo muito longe de sociedades onde os mercadores eram plebeus auto-organizados e os cristãos eram incentivados a interpretar a bíblia...

Se olharmos para a História de Portugal desde então até aos nossos dias perceberemos que as “vigas mestras” do edifício social continuaram praticamente as mesmas: mudou a decoração... O sebastianismo, a acção do Marquês de Pombal, o papel de Pina Manique, as lutas liberais, o período da monarquia constitucional, a 1ª republica, o salazarismo e finalmente a democracia em que vivemos, tudo ganha novos contornos quando examinado a esta luz. Era uma tarefa que merecia a pena empreender!

Tudo isto a propósito de José Gil considerar (penso eu!) que o período salazarista é a causa das realidades sócio-psicológicas que ele tão bem caracteriza .
Eu considero que o “sistema” salazarista mais do que causa foi uma encarnação dessas realidades subjacentes; o que aliás explica o grande sucesso que teve na implementação do seu projecto e a aceitação de que gozou junto de largas camadas da população, principalmente nos primeiros tempos. Por mais que isto nos desagrade, é uma realidade que não devemos escamotear.


Até ao fim fiquei na expectativa de José Gil ir dar uma pista de saída do “nevoeiro branco”.
Não a encontrei; ou então talvez não tenha percebido o que quer ele exactamente dizer com “a nossa capacidade de fluir entre dois estratos, entre duas forças que nos prendem” e com “o nosso sentido lúcido do real, do pensamento claro” (pag. 139).
É verdade que não fizemos o luto do salazarismo. Como não fizemos ainda o luto do feudalismo, nem o luto da inquisição.
Por vezes penso que vamos ter de fazê-los todos de uma vez juntamente com o luto do regime democrático....
E com esta afirmação de “bradar aos céus” penso que é altura de terminar por agora este texto politicamente incorrecto que já está a ficar muito longo!

quarta-feira, março 23, 2005

O modelo escandinavo





O modelo escandinavo
por MacGuffin (7 de Março 2005) em Contra a Corrente

O modelo escandinavo… Ah, o modelo escandinavo! Havia tanta coisa para dizer sobre o modelo escandinavo… mas agora não tenho tempo. Apelo ao meu poder de síntese e arrisco comentário parco. Então é assim: a forma como, um pouco por todo o lado (blogosfera lusa incluída), se deitam olhares de basbaque à Europa do Norte, revela bem da ignorância que grassa por entre os «especialistas» da paróquia. Longe de mim perturbar um auditório esperançado. Não seria de bom tom fazê-lo. Limito-me a lançar na engrenagem um microscópico grãozinho de areia: o modelo escandinavo – o tal dos impostos altíssimos e do Estado Providência musculado - só resulta em sociedades em que: a) a capacidade de criação autónoma de riqueza (autónoma e independente em relação ao Estado) é a modos que brutal; b) os níveis de produtividade são mais do que suficientes; c) a mobilidade de pessoas em pleno mercado de trabalho é uma constante; d) a evasão fiscal é residual; e) a elevada carga fiscal não belisca nem coloca em causa elevados níveis de rendimento disponível; e) o modelo de desenvolvimento foi aprioristicamente liberal/capitalista e continua a sê-lo; f) a carga burocrática não sufoca o empreendorismo e a vida dos cidadãos; g) não existem tabus e receios em misturar sistemas públicos com sistemas privados. Em países ricos, portanto. Países que se permitiram criar e suportar um Estado Providência forte e prestador de serviços de qualidade, nos quais os níveis de eficiência e eficácia (coisas diferentes, como sabeis) nos fazem corar. O modelo escandinavo de Estado Providência não foi a causa, mas sim a consequência. Não foi pela adopção de um putativo «modelo» de solidariedade e protecção social que aqueles países se tornaram ricos. Por serem ricos ou potencialmente ricos é que puderam abraçar aqueles instrumentos de apoio social. Dito de outra forma: aplicar o modelo escandinavo a Portugal - instrumentalizando, nesse sentido, a política fiscal - seria tão desastroso como começar a construir uma casa pelo telhado.

por MacGuffin (7 de Março 2005) em Contra a Corrente

sexta-feira, março 18, 2005

Xesús da Galiza





María Xesús Díaz

Divulgamos, com prazer, trabalhos de uma amiga da Galiza (clique na foto para ver galeria)
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Estudios de Decoración e iniciación a la pintura en la Escuela de Artes de A Coruña. alumna del escultor y pintor Antonio López y la pintora Antonia Villaverde.
En estos últimos años, mi dedicación a la pintura es absoluta en mi estudio. El cual
Comparto también como escuela taller, impartiendo clases de dibujo artístico y pintura.

EXPOSICIONES INDIVIDUALES:
1996- Hércules Coruñés - A Coruña
1996- Sociedad cultural de Sada - A Coruña
1997- Casino de A Coruña
1997- Liceo de Betanzos - A Coruña
1999- Asociación de Artistas - A Coruña
1999- Restaurante Bania - A Coruña
2000- Sala Goya - A Coruña
2000- Casa de la Cultura de Quiroga - Lugo
2002- Xunta de Galicia - Lugo
2003- Tekaoba - A Coruña
2004- Casino Mercantil - Pontevedra
2004-Hotel Pazo de Mendoza, Baiona – Pontevedra
2004- Galería Aires – Córdoba
2005- Sala Alberto Sánchez - Madrid
2005- Asociación de Artistas - A Coruña
EXPOSICIONES COLECTIVAS:
1987- Unión Fenosa, Madrid
1987- Excelentísimo Ayuntamiento de A Coruña
1996- Casino de A Coruña
1996-1997-1998-1999-2004 Asociación de Artistas, A Coruña
2002- Balconadas de Betanzos, A Coruña
2002- Casa da Cultura de Bueu, Pontevedra.
2003- Centro cultural José Domínguez Guizán , Begonte, (Lugo)
PARTICIPACIÓN EN EDICIONES:
Guía cultural 2002 de artistas gallegos. (Xunta de Galicia)
Guía cultural 2004 de artistas gallegos. (Xunta de Galicia)
Anuario de pintura contemporánea 2005 (Francisco Arroyo Ceballos). Córdoba

terça-feira, março 15, 2005

"Million Dollar" parábola






Levei um murro no estomago e saí do cinema a cambalear interiormente. Million Dollar Baby é o filme mais triste que já vi.
Tenho que dizer isto ainda que seja um lugar comum.

O filme de Clint Eastwood é uma espantosa e impiedosa parábola.
A vida é um exercício solitário, num mundo inóspito que só alguns seres especiais amenizam enquanto não somos atingidos pelo soco fatal.

A única redenção, espiritual e não social, consiste em perseguir teimosamente os nossos sonhos.
Uma porta estreita e remota aonde só nós cabemos.

segunda-feira, março 14, 2005

Memórias do 11 de Março

Passaram 30 anos sobre o “11 de Março”, o golpe derrotado de Spínola que continuamos a comemorar com discursos “românticos”. Já seria tempo de tentar perceber o PREC em bases mais críticas.

Infelizmente somos incapazes de atribuir responsabilidades e de nos auto-criticarmos; inventamos sempre entidades demasiado genéricas como causa das nossas desgraças (a reacção, o imperialismo e outras) pelo que raramente aprendemos com os nossos erros e com as nossas derrotas.

O “11 de Março” foi pretexto para os jornais e as televisões publicarem textos, entrevistas e filmes que, vistos hoje, causam alguma estranheza e deveriam motivar um saudável debate na esquerda portuguesa. Não parece ser o caso, parece que ninguém quer “acordar” as perguntas incómodas que os factos históricos justificam.

Para ir contra a corrente aqui vão algumas memórias pessoais:





MOÇÃO APROVADA EM ASSEMBLEIA GERAL DE 12 DE MARÇO 1975

As forças dos monopólios e dos latifundiários lançaram mais um ataque contra o processo revolucionário iniciado no 25 de Abril.

Aproveitando-se da impunidade com que actuaram no 28 de Setembro e da presença entre nós de agitadores internacionais ao serviço dos potentados económicos, tentaram mais uma vez fazer regressar o fascismo com todo o seu cortejo de crimes de exploração e opressão.

Mais uma vez os trabalhadores se ergueram aos milhares, com os seus sindicatos e.com os partidos verdadeiramente democráticos e defenderam, na rua, a liberdade de levar a Revolução até às ultimas consequências.

Os trabalhadores da IBM, pondo-se ao lado,da massa dos trabalhadores portugueses, exigem:

1 - Castigo exemplar para os contra-revolucionários.

2 - Expulsão dos agitadores estrangeiros que tentam levar o nosso
país para a guerra civil.

3 - Aplicação imediata de medidas económicas e sociais que retirando aos monopólios e latifundiários o poder de que ainda efectivamente dispõem, tornem realmente irreversível o processo revolucionário.

4 - Proibição de todos os partidos que efectivamente estão do lado da reacção.

sexta-feira, março 11, 2005

José Gil e os portugueses (II)




Em 27 de Fevereiro, "inscrevi" neste blog algumas considerações que tiveram como ponto de partida a leitura de "Portugal Hoje - O Medo de Existir", de José Gil. Continuo agora.

Diz o autor que, em nome do "bom senso", continuamos a defender alguns baluartes do salazarismo: ausência de excessos, mediania, defesa da coesão civil, recusa de enfrentamentos. "A norma é a estabilidade social, a não conflitualidade, o bom senso", num centro que é "o espaço nuclear da norma invisível, da moralidade aceitável, a esfera do possível e do desejável".

Como reler isto sem pensar na recente campanha eleitoral, com os argumentos - que resultaram - sobre o voto indispensável no PS para assegurar uma maioria absoluta e, portanto, "estável"? Depois de garantida a expulsão de Santana Lopes, o mais importante passou a ser evitar o confronto das esquerdas num entendimento necessário se a maioria do PS fosse apenas relativa. Deu-se como adquirido que, em Portugal, este exercício seria votado ao fracasso, precisamente porque não se acredita nas virtualidades dos conflitos, mas sim na bondade indiscutível dos consensos (como se fossem estes os motores da História...). Nunca saberemos se foi assim perdida uma ocasião única para o amadurecimento da nossa democracia. Ficamos reduzidos a considerações genéricas sobre o que eram os futuríveis - ou futuros possíveis, como se preferir.

Mas aí a temos, a maioria estável. Aproveitemo-la então: agora que as direitas esfarrapadas tentam refundar-se e que o PS não precisa de ninguém e se organiza para tomar conta de nós, seria bom que as esquerdas aproveitassem a pausa para se debruçarem sobre questões de fundo, em vez de continuarem entretidas com outras bem mais desinteressantes e que não lhes dizem verdadeiramente respeito, como as possíveis lideranças do PSD e do PP ou as subtis diferenças nos perfis dos governantes de José Sócrates.

Um exemplo: a questão da Europa. Neste ponto, o grande “centrão” – PS, PSD e PP – estará sempre de acordo no fundamental. Vamos todos os outros assistir passivamnente a esta fase histórica, tão crítica, do continente europeu? Somos pessimistas ao ponto de acreditarmos que, de tão velho, está mais ou menos moribundo e que não vai resistir a invasões de chineses e outros? Partilhamos as convicções e as esperanças de Manuel Castells (não perder a importante entrevista ao “Público” de hoje, 10.3.2005)? Desejamos, no máximo, uma Europa mais “social oriented” que os EUA, mais finlandesa do que californiana? Há lugar para algum contraditório ideológico à esquerda? Não vale a pena, pelo menos, discutir? Onde e como?

Nesta e noutras questões, a blogosgera pode desempenhar um papel importante, ajudando mesmo a passar o debate para os grandes meios de comunicação social.

quinta-feira, março 10, 2005

Entrevista com Manuel Castells






Importante entrevista de Teresa de Sousa para o Público:

"Autor do mais célebre e mais completo estudo sobre a Sociedade de Informação, professor em Berkeley, Universidade da Califórnia, e agora da Universidade Aberta de Barcelona, catalão de origem, Manuel Castells foi um dos peritos que ajudaram a preparar a "agenda de Lisboa", uma estratégia europeia lançada em 2000 para fazer da economia da Europa a mais competitiva do mundo em 2010, sem perder pelo caminho o "modelo social europeu".

Hoje, faz um balanço mitigado. Os objectivos estavam certos mas não os meios. Castells esteve no passado fim-de-semana em Lisboa, enquanto coordenador do seminário internacional sobre A Sociedade em Rede e a Economia do Conhecimento, da iniciativa de Jorge Sampaio."


Texto completo da entrevista (clique aqui)

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quarta-feira, março 09, 2005

As escolas e o futuro governo






Numa das suas Crónicas publicadas ao Sábado na revista XIS, Daniel Sampaio coloca com grande clarividência e não menor simplicidade as questões básicas que deviam constituir a base de qualquer politica séria de educação em Portugal.
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As escolas e o futuro governo
autoria de Daniel Sampaio

Terminadas as eleições e com o go­verno em formação, importa reflec­tir sobre o futuro das escolas básicas e secundárias, dos seus professores, alunos e pais.Importa começar pelo princípio: os nossos alunos aprendem pou­co e mal. Mesmo os bem classifica­dos escrevem com erros e têm difi­culdades nas contas. A indisciplina invadiu as nossas escolas e, nalguns locais, aparece associada a compor­tamentos de violência. Os profes­sores mostram sinais de cansaço e desmoralização, muitos andam em tratamento psiquiátrico, para depois serem colocados nas tristes biblio­tecas escolares, a impedir o acesso à pornografia da Internet de jovens com problemas. Os pais ou não apa­recem nas escolas, ou são criticados por não tomarem bem conta dos fi­lhos. E, todavia, há professores exce­lentes: na sua maioria conseguem, à custa de grande esforço pessoal, en­sinar qualquer coisa; e muitos alu­nos evoluem com êxito.
O próximo governo tem de enfren­tar com coragem o problema. Até ao 9° ano, avaliar com rigor quais os alunos que querem (ou podem) prosseguir a via tradicional do es­tudo e ingressar no secundário; e quais aqueles que querem (ou ne­cessitam) aprender um ofício, atra­vés de uma correcta formação profis­sional básica. Para ísso, devem ser de imediato postos em prática modelos diferentes de ensinar na escola bási­ca, com avaliação do progresso dos alunos e das metodologias de ensi­no. Não poderemos continuar a ter nas nossas escolas alunos que clara­mente estão vocacionados para ou­tro tipo de aprendizagens, nem es­colas únicas, monolíticas, do Minho ao Algarve- O abandono escolar tem de ser corrigido com uma correcta política de intervenção junto das fa­mílias, bem como da adaptação dos currículos escolares às característi­cas dos alunos e aos objectivos, previamente definidos, da formação es­colar básica.
Na formação de professores, é preci­so mudar. É crucial dotar as escolas de docentes com formação em técni­cas pedagógicas diferenciadas, com realce para as metodologias activas, capazes de transformar as turmas em grupos de trabalho cooperati­vo. A informação psicologizante ou abstracta, tão do agrado de muitos formadores que desconhecem a re­alidade das nossas escolas, deve ser abandonada. Os professores têm de ser ajudados a olhar em volta, per­ceber quais os recursos da comuni­dade onde se inserem, estabelecer protocolos com outras escolas, bus­car soluções no Centro de Saúde ou na equipa de Saúde Mental da zona. O papel dos psicólogos não poderá a ser o de consultores dos alunos, mas sim o de parceiros (com outro olhar) dos docentes, no entendimento dos jovens com dificuldades no percur­so psicossocial.
No secundário, muito há a fazer. Já percorreram as pautas e viram aquela impressionante série de ne­gativas? Já viram o número de alu­nos que abandona no 10° ano? Não é de admirar. Foram levados ao colo até concluir o 9° ano, confrontam-se agora com um secundário maçador e mais exigente. É urgente permitir a mobilidade de uns agrupamentos para outros, através de um correc­to sistema de créditos, que possibi­lite a progressão sem o aluno ter de voltar sempre ao princípio; deve ser iniciada uma campanha muito for­te, a todos os níveis, de valorização do ensino tecnológico e técnico- pro­fissional. Os alunos que não progri­dam devem ser encaminhados, com carácter de urgência, para uma for­mação profissional adequada.
Limitei-me a algumas notas. Que­rem contribuir com mais ideias?

domingo, março 06, 2005

O “Mercador de Veneza” e a questão do Estado





Num qualquer “cinema perto de si” Al Pacino representa um portentoso Shylock, mercador judeu que insiste em confrontar o Doge com as leis venezianas e acaba vítima do contrato que pretendia cobrar. A fabulosa trama engendrada por Shakespeare permite as mais variadas “leituras” mas eu prefiro a seguinte: todos os textos dizem tudo mas são sempre incompletos.

O paradoxo tem a ver com a ilusão do poder da escrita que soçobra às mãos da subjectividade humana sem a qual não há leitura. Dito de outra forma: não há textos sagrados, não há contratos inexpugnáveis e não há leis cegas.

À tentativa frustrada de encurralar o Estado, conduzida pelo judeu Shylock, responde o Estado com um “exercício interpretativo” das leis cujo fito é legitimar a arbitrariedade do seu poder.

A questão do Estado é de uma actualidade gritante.

Fala-se do Estado a torto e a direito mas não é nada claro o significado desta palavra. O Estado é o quê ?
É o conjunto dos diplomas que constituem o ordenamento jurídico em vigor ? É o conjunto das instituições e organizações que estruturam o regime ? É o conjunto dos funcionários e burocratas que asseguram a administração pública ? É o conjunto dos políticos e dos partidos que influenciam o funcionamento das instituições ? São todos os referidos anteriormente ?

Esta complexidade prolonga-se na necessidade de garantir que uma entidade tão multifacetada como o Estado persegue, com autenticidade, o chamado “interesse público”. O “interesse público”, por sua vez, padece também da pecha da indefinição e o mesmo se passa, para os que preferem esta terminologia, com os “interesses de classe”.

Nos sistemas democráticos como o nosso o “interesse público” é supostamente definido pelas consultas populares que seleccionam programas partidários e que estabelecem maiorias parlamentares. Os parlamentos e governos que emanam dessas maiorias são constituídos por políticos que têm “autorização” para, de acordo com regras estabelecidas, modificar as leis, governar as instituições, nomear e gerir os funcionários. Em suma, realizar o “interesse público”.

As coisas estão longe de ser simples já que são escolhidos partidos diferentes, quiçá contraditórios, para diferentes instituições (parlamento, presidência, autarquias) e também porque os programas eleitorais dos partidos concorrentes às eleições sofrem do defeito inicialmente atribuído a todos os textos: dizem tudo mas são sempre incompletos. Esse defeito também afecta, como já referimos, as próprias leis que serão produzidas pelo partido vencedor.

Como se tudo isto não bastasse ainda temos a celebrada “alternância democrática” que, em vez de ser prova da vitalidade do sistema, é antes de mais um reconhecimento das falhas do sistema. Dito de outra maneira: se a consulta popular opta pelo partido A e, passados dois anos, vota em B para se livrar de A, então é porque as decisões democráticas não garantem a bondade das soluções políticas e, como tem sucedido, cada nova escolha constitui um erro que o futuro tem que corrigir. É como se o “interesse público” fosse redefinido ao sabor das conjunturas. As interpretações pós-eleitorais produzem intermináveis discussões sobre o verdadeiro sentido da votação.

Para Lenine o Estado era, de forma algo linear, apenas a demonstração da injustiça inerente às sociedades divididas em classes. Lenine não conheceu o “Estado Social” da época da mediatização, nem a alternância, e estava fundamentalmente preocupado com o perigo do patriotismo no esbatimento da “consciência de classe”.

Curchill dizia que “a democracia é a pior forma de governo se exceptuarmos todas as outras que já foram experimentadas”, e isso continua a ser verdade no que toca à determinação do “interesse público”, mas há cada vez mais vozes que exigem a reinvenção da democracia, como tem feito José Saramago, com base nos crimes que têm cometidos em seu nome.

Também não é claro se aqueles que votam, quando o fazem, estão a pensar na realização do “interesse público” ou a defender os seus interesses pessoais. Na segunda hipótese as votações definiriam o “interesse público” como o somatório dos interesses individuais o que corresponde à concepção liberal.

Não se pense, apesar de tudo o que foi dito, que pretendemos pôr em causa o regime democrático; trata-se apenas de pedir atenção para a complexidade e variabilidade da noção de “interesse público” e para a dificuldade em assegurar que o Estado, enquanto tal, procede consequentemente com vista à sua realização.

Se não temos, para já, uma alternativa melhor do que a democracia vigente para assegurar o governo da sociedade e é portanto compreensível que nos sujeitemos às suas imperfeições isso não pode de maneira nenhuma autorizar a mitificação do Estado hoje tão em voga.

Tal mitificação consiste em assumir, sem qualquer fundamento, um Estado “antropomórfico” que tem uma vontade e desígnios tendentes à realização da justiça e mesmo à correcção das injustiças. Assim, o Estado como que “personificaria” o interesse geral independentemente dos resultados das eleições. Muitos consideram aberrantes as decisões do eleitorado quando as maiorias resultantes não correspondem à sua particular concepção do “interesse público” sem se darem conta de que, em última instância, isso é uma forma de impugnar a própria democracia.

A partir desse mito se deduzem as concepções inadequadas, hoje dominantes na esquerda, que levam à rejeição liminar de qualquer forma de privatização das funções actualmente asseguradas pelo Estado. Ao arrepio de Marx deixou de se opor o modo de produção A ao modo de produção B e passou a opor-se uma pretensa “autoridade moral” do Estado contra o poder económico civil, omitindo descradamente a questão do modo de produção. Uma coisa é certa, o Estado não é o embrião de um novo modo de produção e a sua importância advém, no essencial, de estarmos numa fase de transição em que o modo de produção capitalista já não “resolve” os problemas sociais e o novo modo de produção ainda não floresceu.

Esta deturpação teórica poderá eventualmente ser explicada pelo número enorme de cidadãos que hoje dependem economicamente do Estado.
Segundo Medina Carreira “temos 4,5 milhões de indivíduos que integram uma espécie de "Partido do Estado" (Cerca de 730.00 funcionários públicos; 2.591 000 pensionistas da Segurança Social; 477.000 reformados e pensionistas da Caixa Geral de Aposentações; 307.000 beneficiários do subsídio de desemprego; 351.000 beneficiários do RMI. Com os familiares próximos poderão ser uns 6 milhões de indivíduos, numa população de 10 milhões)”.

Ao contrário do que se poderia pensar este “Partido do Estado” não é constituído por cidadãos com uma visão uniforme mas sim por grupos cujos interesses podem até ser contraditórios (por exemplo os gastos com os salários dos funcionários reduzem os montantes disponíveis para financiar as reformas).

Nesta fase a opinião sobre o Estado e o papel que lhe cabe na sociedade são fundamentais para a caracterização dos estratos sociais; quando as condições sociais e económicas se degradarem para além de certos limites veremos emergir conflitos de classe de novo tipo e em nova escala e essa será, provavelmente, a profunda crise que acabará por abrir caminho ao novo modo de produção.

quinta-feira, março 03, 2005

O triunfo da mediocridade






Recentes declarações ao Diário Económico, da ainda ministra da “Ciência, Ensino Superior e Inovação” :
“O problema mais urgente que o novo responsável pelo ensino superior terá que enfrentar é o risco de esvaziamento de alguns cursos superiores como resultante da generalização de 9,5 como nota mínima obrigatória já no próximo concurso de acesso”. E conclui com a “necessidade de abrir excepções na regulamentação”.

A iliteracia dos portugueses não é uma descoberta recente. Também há muitos anos que se vem verificando que das nossas universidades e escolas saem engenheiros que não sabem falar nem escrever correctamente português, professores que não conseguem alinhar dois raciocínios seguidos, e jovens caixeiros que só sabem fazer uma soma com máquina de calcular.
Mas ouvir uma enormidade daquelas da boca da responsável pelo Ensino Superior é verdadeiramente uma... Inovação!

A geração que fez o 25 de Abril, teve de fazer o exame da 4ª classe; e 10 era a nota mínima para passar.....E não se podia dar mais do que 2 erros no ditado....
Devíamos ter vergonha do quanto andámos para trás desde então, depois de sucessivas e atabalhoadas reformas cheias de teorias “politicamente correctas”.

O problema mais urgente que os próximos responsáveis por todos os graus de ensino terão de enfrentar será o do combate à mediocridade sejam quais forem as roupagens de ela se reveste.
Já agora, se não for pedir muito, esperemos ter um(a) novo(a) ministro(a) que não deite coisas destas pela boca fora.

É preciso compreender o desemprego catastrófico na Alemanha






Tenho chamado a atenção dos interessados para a necessidade de compreender as razões estruturais do desemprego e a sua relação com a revolução tecnológica e com a fase actual (final?) do capitalismo. Claro que é mais fácil culpar o Santana.

O que o artigo do DN que segue prova é que, mesmo sem Santana, há países com o potencial industrial da Alemanha que têm taxas de desemprego muito maiores do que Portugal. Quase poderíamos dizer que a taxa portuguesa revela atraso na reconversão da economia (agora todos elogiam a economia espanhola mas esquecem que durante vários anos a Espanha teve cerca de 20% de desemprego.)

Infelizmente, também neste caso, os nossos amigos da esquerda preferem continuar a recitar os seus "chavões"...

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Desemprego na Alemanha a níveis "catastróficos"


"Um dia catastrófico para a Alemanha." Foi desta maneira que o vice--presidente da União Cristã-Democrática (CDU, oposição), Ronald Profalla, classificou ontem o anunciado aumento do desemprego. O número de alemães sem trabalho, de acordo com os dados da Agência Federal do Emprego, atingiu 5,22 milhões em Fevereiro, mais 180 mil que no mês anterior e um novo recorde desde a II Guerra Mundial.

A taxa de desemprego na Alemanha não pára de aumentar desde Setembro, quando ainda se mantinha abaixo da fasquia dos 10%, um indicador que sugere a manutenção da crise naquela que é a maior economia da Europa. Em Fevereiro, a taxa avançou para os 12,6%, mais 0,5% do que em Janeiro. O ministro da Economia Wolfgang Clement, "sem fazer promessas ", espera uma descida destes valores em Março.

Frank-Jürgen-Weise, o presidente da Agência Federal do Emprego, deu como explicações para a escalada do desemprego a mudança do sistema de medição do número de desempregados, que entrou em vigor com a reforma laboral de Janeiro. O sistema passou a considerar desempregadas as pessoas que recebem apoios sociais e que têm condições para trabalhar. Apesar de ter considerado estes valores "depressivos", o chanceler alemão Gerhard Schroeder frisou que a reforma laboral que está a ser levada a cabo pelo governo é a correcta. O actual momento vivido pela economia alemã foram outros motivos apontados para a crise.

Quinze anos depois da reunificação alemã, as estatísticas mostraram ainda a brecha entre o oeste do país, com uma taxa de 10,4%, e a ex-República Democrática Alemã, onde a taxa de desemprego atingiu os 20,7%. Ronald Profalla considerou que estes números são uma prova do fracasso do governo, o responsável pela crise laboral.

Em Portugal, recorde-se, o desemprego alcançou os 7,1% no último trimestre de 2004, abaixo da média da União Europeia (8,9%), segundo o INE. Mas a crise está a afectar toda a Europa, não poupando o Reino Unido, com uma taxa de 4,7%, ou a França, que em Janeiro passou os 10%.