quinta-feira, julho 31, 2008

Ivan espreita em nome de Eisenstein e Prokofiev












.



A Rússia está a regressar à sua História para aprender com o seu passado, depois de anos de propaganda. Ivan, o Terrível regressa em alta 64 anos depois do filme de Serguei Eisenstein.
O realizador de Taxi Blues, Pavel Lounguine, está a montar um filme sobre o czar do século XVI para estrear na próxima Primavera. E Andrei Eshpai está a preparar a série de 16 episódios Ivan Grozny (Ivan, o Terrível) para 2009. Na era Putin e mais de 60 anos depois do clássico de Serguei Eisenstein, Ivan está na moda.

Público, 31.07.2008, a propósito de várias iniciativas cinematográficas em curso na Rússia.


É preciso coragem para tratar de Ivan depois de Eisenstein e, também, da fabulosa banda sonora de Prokofiev. Mas não sou contra. Sinais do tempo.

quarta-feira, julho 30, 2008

Profundidade

.



Vivemos um tempo de acessórios, em que raramente são discutidos os verdadeiros problemas, substituídos pelos aspectos laterias que os adornam. Não se discutem as propostas mas a legitimidade de quem as formulou, não se discutem as causas e as formas da pobreza realmente existente mas as metodologias estatísticas e a quem elas servem, não se discute a emergência brutal da economia chinesa na transformação da nossa sociedade mas apenas os défices democráticos que persistem no gigante oriental.
Perante tanta superficialidade sabe bem constatar que há alguém a tentar ir mais fundo e bater recordes de profundidade. Os cientistas russos tentam descer até ao ponto mais baixo do fundo do lago Baikal, na Sibéria, a mais de 1600 metros de profundidade.(ver aqui)

O lago, que visitei em 1980, é uma pérola da natureza situada a cerca de setenta quilómetros de Irkutsk. Com mais de seiscentos quilómetros de comprimento e oitenta de largura constitui o maior reservatório de água doce do planeta no centro do gigantesco continente. É tão grande que se todos os rios da terra depositassem nele as suas águas levariam pelo menos um ano para o encher.

Ainda guardo em minha casa um calhau rolado que recolhi nas margens do lago. Faz companhia a muitos outros vindos das mais estranhas paragens.

terça-feira, julho 29, 2008

MMS

.


O Público noticia que "O Movimento Mérito e Sociedade (MMS) defendeu hoje a aplicação da taxa Robin dos Bosques aos políticos pedindo, para isso, a revisão imediata das regras de despesa pública assim como a redução das reformas dos ex-deputados, dirigentes de empresas e de instituições públicas que não tenham atingido a idade mínima de reforma (65 anos)."(ver o resto aqui)

Esta proposta hilariante e descaradamente populista tem o grande mérito de provocar a pergunta "por que é que nem o Francisco Louçã se tinha lembrado disto antes ?" ou então "já chegámos àquele ponto em que se formam partidos capazes de fazer propostas assim ?".

Li algures que Eduardo Correia, o dirigente máximo do MMS, propôs também a publicação pelo governo da lista "Top 500" com informação sobre os reformados mais bem reformados do nosso país. É a cereja em cima do bolo.

Estas coisas podem não resolver nada e não têm qualquer hipótese de aprovação, mas lá que dão gozo isso dão.

,


domingo, julho 27, 2008

O silêncio é de oiro ?

.

Muito se tem escrito, e dito, sobre o silêncio de Manuela Ferreira Leite. Quase todos dizem que esta omissão de MFL lhe pode ser eleitoralmente fatal.

Ontem Vasco Pulido Valente, no Público, argumentava ao arrepio desta tese que o governo monopoliza os holofotes desde que deixou de partilhar o palco com Menezes e os seus "sound bytes". O que está longe de ser confortável.
Como que a confirmar VPV o governo faz esforços inauditos para arrancar uma "opiniãozinha" ao PSD, correndo o risco de parecer necessitado de inspiração ou conselho.
Uma coisa parece clara, MFL conseguiu garantir a atenção de todos para quando tiver algo a dizer, um resultado que normalmente só se obtém depois de muitas opiniões rigorosas e úteis.
Se ainda vigoram os ditos populares como "quem muito fala pouco acerta" e "os bons produtos não precisam de publicidade" então talvez se confirme que "o silêncio é de oiro". Espero que não.

sábado, julho 26, 2008

Cientista portuguesa premiada

.

Elvira Fortunato

O Expresso noticia que Elvira Fortunato foi contemplada com o primeiro prémio na área da Engenharia do European Research Council (ERC), organização que pela primeira vez atribui em 2008 aqueles que são considerados uma espécie de Prémios Nobel europeus.

A equipa do Centro de Investigação de Materiais (Cenimat), da UNL, dirigida por Elvira, tinha produzido pela primeira vez no mundo transístores com uma camada de papel como material isolante, em vez do tradicional silício. Esta inovação pode ter repercussões enormes, incalculáveis, já que permite incluir dispositivos "inteligentes", e portanto automatização, em meios de baixo custo virtualmente descartáveis.

Num país que clama pela produção de "bens transaccionáveis", para inverter o acentuado processo de endividamento nacional, gostaria de saber quem é que está a pensar na potenciação deste produto da inteligência nacional. Será que vai enriquecer os mesmos de sempre ? uns pensam e criam e outros financiam e ganham ?

Espero que não.

.

quinta-feira, julho 24, 2008

Bush e o "capitalismo de casino"














George Bush aderiu também, à sua maneira, à teoria do "capitalismo de casino" para desespero de muitos dos nossos comentadores, com destaque para Mário Soares, que tanto a têm glosado e que dispensavam tal companhia. Veja aqui as definições magistrais de Bush divulgadas hoje no Público, com legendas e tudo.

Também hoje no editorial do Público se faz um pungente apelo à "regulação dos mercados" para impedirmos o capitalismo de se autodestruir como qualquer adolescente desorientado.



Acho um bocado inconveniente esta mania de salvar o capitalismo dele próprio com que alguns preenchem os seus espíritos. Também não compreendo por que consideram estranho o facto de o estado americano deitar a "mão ao menino" à custa do dinheiro dos contribuintes. Não é esse o papel do estado ? cobrar impostos aos que não sabem ou não podem fugir para manter o "sistema a funcionar" ? Business as usual, portanto, só que neste caso a manobra dá mais nas vistas.

Já Zizek chamou a nossa atenção para a actual troca de papéis, à revelia de Marx que entendia o estado como instrumento da classse dominante, em que a esquerda quer um estado forte que a defenda das investidas do capital enquanto a direita grita e se diz reprimida por esse mesmo estado.

Em qualquer dos casos estamos, diz Zizek, perante a despolitização da economia, ou seja, da continuação inquestionada do sistema económico capitalista.

quarta-feira, julho 23, 2008

Marx Soares

.

"Não vale a pena criticar Bush. Tornou-se um lugar-comum. Mas vale a pena insistir: o neoliberalismo, como ideologia e modelo da chamada "democracia liberal", esgotou-se. Está a conduzir o Ocidente - e talvez o mundo - a uma crise do capitalismo pior do que a de 1929.Vale a pena, porque muitos políticos, intelectuais e economistas, embora reconheçam a crise, que aí está a instalar-se, ainda pensam poder resolvê-la sem abandonar o modelo neoliberal, que afirma o primado do mercado sobre tudo o resto. O que representa uma contradição insanável. Porque foi este modelo economicista, anti-social e anti-ambiental, que nos conduziu aonde estamos.O Courrier Internacional, no número que chegou a Lisboa sábado passado, anuncia em grandes letras na primeira página: "O regresso de Marx." E, em subtítulo, escreve: "Como o século XXI repõe na actualidade o pensador do capitalismo." Com efeito, 2008 celebra o 190.º aniversário de Karl Marx e os 160 anos da publicação do Manifesto Comunista.Depois do colapso do comunismo, em 1989-91, parecia que o mercado seria o centro do mundo e a sua bússola. Chegou a confundir-se mercado e democracia. Contudo, o capitalismo financeiro, especulativo e dito de casino, do séc. XXI, e o descalabro a que está a conduzir o Ocidente - e as desigualdades e exclusões sociais que provoca - suscitam uma nova reflexão sobre a obra de Marx, a que, aliás, o politicólogo francês Jacques Attali procedeu há três anos num livro intitulado Karl Marx ou l'esprit du Monde, 2005, e a que os alteromundialistas, à falta de melhor, hoje se agarram...Seja, porém, como for - e o futuro próximo o dirá - à "democracia liberal" terá de suceder a democracia social e ambiental, com uma grande preocupação distributiva e socialmente inclusiva. Se quisermos evitar revoltas graves e violentas, senão revoluções... Um caminho que passa pelo regresso em força aos valores éticos, ao respeito pelos Direitos Humanos, pela Lei, pelo Direito Internacional, pelo diálogo multicultural e inter-religioso, pelo respeito pelo outro e pelo direito à diferença, pela solidariedade e, sobretudo, pela paz.Porque não é o mercado - não obstante a sua importância para assegurar a liberdade individual - nem, muito menos, a economia que conduzem o mundo. São as ideias. " DN, 22.07.2008

Para Soares não são os mercados, nem a economia, que conduzem o mundo mas sim uma ideia qualquer que lhe passa pela cabeça, uma veia teórica "especulativa e dita de casino".

Marx detestaria certamente Mário Soares quando lhe ouvisse uma frase como "à democracia liberal terá de suceder a democracia social e ambiental, com uma grande preocupação distributiva e socialmente inclusiva"; é difícil escrever algo mais distante do rigor de Marx mas apesar disso, a despropósito, Soares usa na sua dissertação o nome desse grande pensador que até já nem pode protestar.

Uma esquerda que ainda não saiba, 160 anos depois, qual o Marx que deve aplicar ao mundo de hoje e que precise da "orientação" de um teórico da craveira de Soares estará realmente a bater no fundo.

terça-feira, julho 22, 2008

O ridículo como forma de pobreza

.

"Aos emails da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) chegam todas as semanas dezenas de pedidos de ajuda alimentar. Pessoas que evitam revelar o menos possível sobre si próprios e pedem ajuda para atravessar o período difícil que se vive e matar a fome.
Quem o diz é Manuel de Lemos, presidente da UMP, que alerta para este novo padrão de pobreza que foge ao típico retrato dos pobres conhecido em Portugal. "São pessoas com um perfil diferente, que não vivem na miséria, mas estão à beira de entrar na pobreza", explicou ao DN, acrescentando que este é um fenómeno que se veio a sentir desde o início do ano, quando se intensificaram os problemas económicos.
"Não estamos a falar de idosos, dos típicos desempregados, mas de pessoas com menos de 40 ou 45 anos que se calhar não deixam de pagar a netcabo nem desmarcam as férias na agência de viagens (!!) mas passam fome", conta Manuel de Lemos, que diz que ao seu próprio email já chegaram dezenas de pedidos de ajuda."
(DN, 20.07.2008)

No mesmo dia, no Público, Francisca Gorjão Henriques falava da dureza da vida dos "trabalhadores deslocados" na China, em artigo intitulado "São eles que pagam o milagre económico da China":

"Por todo o país, estima-se que entre 150 e 200 milhões tenham deixado as suas casas para procurar trabalho onde há mais oferta: as províncias orientais e costeiras. Há um ano, um relatório da Amnistia Internacional salientava que são eles quem "paga os custos do milagre económico do país", explorados pelos patrões e discriminados pela população urbana. "Os que conseguem completar o laborioso processo de hukou enfrentam discriminação para comprar casa, na educação, saúde e emprego"; os outros "são deixados sem qualquer estatuto legal, tornando-se mais vulneráveis à exploração pela polícia, senhorios, residentes locais e empregadores", dizia o relatório".

Só é pena que estes esforçados chineses não tenham forma de enviar um email ao senhor Manuel de Lemos da União das Misericórdias Portuguesas. Estou certo de que resolveriam todos os seus problemas.

segunda-feira, julho 21, 2008

Novas formas de CarJacking

.


O incidente ocorrido recentemente com o primeiro ministro está na memória de todos. Não foi demonstrada qualquer ligação entre o assaltante e o BE ou mesmo Manuel Alegre.

Parece tratar-se de um caso de socialismo espontâneo.

Sócrates arrancou em marcha atrás e, dessa forma, evitou a tragédia.

Na sequência deste e de outros casos Rui Pereira, o ministro da Administração Interna, apresentou hoje as novas equipas de combate ao “carjacking” da GNR e PSP.

Zizek em discurso directo

.

"É preciso repolitizar. Se não repolitizarmos a economia aproximamo-nos da catástrofe. Toda a gente hoje ri de Fukuyama, do seu «fim da História», mas penso que agora até a esquerda é basicamente fukuyamista. Ninguém pergunta se há uma alternativa à democracia parlamentar, uma alternativa ao capitalismo. Quando eu era jovem sonhávamos com um socialismo de rosto humano; hoje sonhamos com um capitalismo de rosto humano, com um pouco mais de direitos humanos, de direitos dos homossexuais, de direitos das mulheres... A verdadeira pergunta séria, para mim, é esta: é isto suficiente, ou já estamos a ser confrontados com novos conflitos que não podem ser resolvidos neste quadro democrático-parlamentar do capitalismo? É por achar que sim que permaneço de certo modo um marxista. "
...
"O meu marxismo não se coloca fora deste pessimismo. Não sou um louco à espera de revoluções. Tudo o que sei, juntando todos os sinais, é que nos estamos a aproximar de um ponto que me leva a ser um pouco apocalíptico. Não estou a anunciar o fim do mundo para amanhã. Veja-se como ainda há pouco havia uma sobreprodução de alimentos e já nos estamos a aproximar de novas formas de fome. Não será possível resolver todos estes problemas no quadro da democracia capitalista, mas não estou obviamente a dizer que é preciso regressar ao comunismo estalinista, não sou louco. A noção de proletariado, se a entendermos num sentido mais filosófico, enquanto subjectividade privada das suas condições substanciais, é novamente actual. Esta noção mais abstracta de proletário já não encarna num específico agente colectivo, já não é a classe dos trabalhadores. A bela metáfora do novo proletário seria o filme Matrix, cujas personagens vivem a situação de manipulação total. É também mais do que nunca actual a noção marxista de fetichismo da mercadoria. Marx é de uma enorme inteligência quando mostra que o fetichismo não significa «estás a fazer uma coisa, mas pensas que estás a fazer outra coisa». O paradoxo do fetichismo da mercadoria é que a ilusão da realidade está no que fazes, não no que pensas. A ideologia funciona, cada vez mais, não no que pensas, mas no que fazes. No meu último livro, conto uma anedota sobre o físico Niels Bohr, premiado com o Nobel. Um amigo que o visitou perguntou-lhe: «Porque é que puseste à entrada da casa uma ferradura? És supersticioso?» Ao que ele respondeu: «Não, não acredito. Mas disseram-me que funciona mesmo se não acreditamos.» Não acreditamos na democracia, mas agimos como se funcionasse. Esta é a maneira como a ideologia funciona hoje, e isto é algo que temos de aprender em Marx. "
...
"A proletarização do trabalho intelectual é também a tese de Negri. Até certo ponto, podemos dizer que já não temos a classe trabalhadora, porque a classe trabalhadora europeia está na China, na Indonésia, etc. O que caracteriza uma grande companhia capitalista? Tudo está sujeito ao processo de «outsourcing». Tu produzes sapatos: tens dinheiro do banco; contratas uma fábrica em Jacarta, contratas gerentes e uma empresa de publicidade. Em suma: uma companhia capitalista, hoje, não é senão uma marca, um logo. E as consequências disto é que mesmo os gerentes podem por vezes parecer proletários. O que acho triste é que na verdade não temos uma boa teoria do que se está a passar realmente. "


Slavoj Zizek, em "Discurso directo" no Expresso de 19.07.2008

.

sábado, julho 19, 2008

Fanatismo na rede

.

Estamos a assistir, cada vez com maior frequência, à irrupção de episódios de fanatismo na blogoesfera, um espaço que à partida parecia ser o paraíso do debate.
São cada vez em maior número, ou pelo menos parece, os que se julgam detentores de uma verdade qualquer, urgente e inquestionável. A partir dessa ideia, que se lhes meteu na cabeça sabe-se lá como, sentem-se no direito de agredir quem quer que tenha o atrevimento de uma dúvida.
Não se trata de discordar ou rebater uma opinião contrária mas sim de rebaixar o interlocutor, atribuindo-lhe intenções sinistras e maldade objectiva. Segue-se o insulto, o anátema e o ostracismo.
Vem isto a propósito da minha experiência mais recente no blogue Água Lisa. Levantei dúvidas sobre um post crítico da China, que considero inverosímil, e fui surpreendido pela violência da reacção do autor do blogue (ver aqui). Os meus comentários posteriores, tentativas de esclarecimento, foram liminarmente obliterados pelo João Tunes.
Também recentemente, no "hoje há conquilhas...", fui citado e criticado pelo Tomás Vasques (ver aqui) sem possibilidade de me defender pois o dito blogue não aceita comentários.

Quer num caso quer no outro estamos perante assumidos defensores da liberdade e dos direitos cívicos, pelo menos é o que eles apregoam.
Os seus comportamentos dão-nos uma ideia mais exacta do tipo de democracia que defendem.

P.S. (escrito em 20.07) - João Tunes faz hoje no seu blogue uma nova referência ao "racismo chinês" com o intuito de branquear o seu comportamento descrito mais acima. O novo post intitula-se "JOGOS E PROBLEMAS" e é ilustrado com uma imagem assustadora de repressão que qualquer pessoa julgará corresponder a uma violência ocorrida na China. A verdade, que só é revelada nas últimas linhas do longo post, é que a imagem foi feita em França numa acção da "Amnistia Internacional". É nestas pequenas coisas, na falta de rigor quanto às mensagens difundidas mesmo que a favor de uma boa causa, que se revela a isenção de quem opina.

P.S. (escrito em 21.07) - Acabo de constatar que a fotografia mencionada no P.S. anterior foi entretanto correctamente legendada, o que saúdo.

quinta-feira, julho 17, 2008

Juntar o útil ao agradável

Salvador

Portugal vai ter um plano para recuperar o património histórico português espalhado pelo mundo. A resolução, aprovada ontem em Conselho de Ministros, pretende ser simbólica e assinala o facto de ser o País que tem, fora das suas fronteiras, o maior número de património edificado classificado pela UNESCO. São 21 monumentos espalhados pelo mundo contra os 13 existentes no território nacional. (DN, 17.07.2008)

Aqui está, finalmente, uma notícia moralizante.
Ao fim de vários séculos a espalhar boa arquitectura pelo mundo não seria altura de começarmos a exportar os "patos bravos" que construiram a "cintura de Lisboa" ?


Mazagão

O silêncio dos blogoesféricos





(texto de Rosa Redondo enviado para publicação pela autora)

O filme "Tropa de Elite" de José Padilha é um murro no estômago. Como era de esperar já disseram sobre ele os lugares comuns do costume e já lhe colaram os rótulos habituais. Curiosamente, em Portugal, em especial na blogoesfera, tem-se falado pouco sobre ele; talvez porque temos receio de ser confrontados com alguns cantos mais “obscuros” do nosso íntimo e de ter de pôr em causa alguns dos princípios “bonitos” em que nos apraz fundamentarmo-nos.

Uma excepção é a inteligente crítica que Jorge Leitão Ramos publicou no Expresso de 12 de Julho (“Tiro e Queda”) e que perfilho quase sem reticências.

Acrescentarei só que uma das coisas que o filme nos mostra é que o “sistema” cujos indícios vemos na corrupção “hard” da policia, na corrupção “soft” das ONG, no poder brutal dos bandos da droga, não pode ser desmantelado de dentro, porque se auto-regenera. E o conceito de “de dentro” é muito amplo; inclui o modelo produtivo, social e governativo, o corpo legislativo e judicial, a organização policial...

Há uma frase do capitão Nascimento que não pára de me ressoar na cabeça: “Só rico com consciência social é que não sabe que guerra é guerra.”

Outra grande questão “quente” é a da legalização da venda e consumo de droga. É preciso ter a coragem de a abordar sem moralismos. É já um lugar comum, mas nem por isso é menos verdade, que a “Lei Seca” foi a fortuna dos gangsters.

A ver. Absolutamente.

Rosa Redondo, 17.07.2008

.

quarta-feira, julho 16, 2008

bloguelivro

.


Concretizei, finalmente, uma ideia antiga. Publiquei o livro "Do Capitalismo para o Digitalismo" sob a forma de blog ( http://digital-ismo.blogspot.com/ ). Eu sei que ainda faltam uns pormenores - imagens e um dos anexos - mas agradeço que me alertem para erros ou gralhas no caso de as encontrarem.

Espero que desta forma se reduza a perplexidade causada por algumas das minhas intervenções avulsas.

terça-feira, julho 15, 2008

OOPS !!!

.


A nova revista on-line OPS!, que sinceramente saúdo, foi ontem lançada.
OPS pode valer por "Outro Partido Socialista" ou "Oferta Pública de Sonhos", o futuro o dirá.

"A razão de ser da esquerda e do socialismo democrático foi sempre a de não se conformar e de procurar soluções alternativas."

Confesso que sou muito céptico quando surge uma iniciativa a dizer que é preciso ter novas ideias. Penso sempre que talvez se devesse ter pensado mais um pouco antes de a iniciativa nascer por forma a que surgisse já com algumas ideias novas.

A história das ideias mostra que ideias verdadeiramente inovadoras raramente foram bem recebidas. Costumam ser embrulhadas em silêncio para eventualmente ressuscitar um pouco mais tarde. Espero que não seja este o caso e que a OPS! não se feche no seu próprio umbigo.

Visitei o site da OPS! e resolvi fazer uma análise da ocorrência de certos termos no seu conteúdo. Aqui vão, sem comentários, os resultados por ordem decrescente do número de páginas em que o termo é mencionado: esquerda (30), debate (28), novo (27), governo (10), direitos (9), trabalhadores (8), estado (8), soluções (7), defesa (7), classe (6), futuro (6), tecnológico/a (6), protecção (5), socialismo (4), alternativa (2), revolução (1).

Quando se olha para a lista de Editores e Colaboradores da OPS! constata-se a larga maioria de académicos e funcionários do estado. Nesse aspecto está em linha com o que tem sido o "universo político" num país onde até o dirigente máximo da maior central sindical sentiu necessidade de se "legitimar"na universidade.

Este predomínio dos professores e outros funcionários no debate público, com notória ausência dos trabalhadores das empresas privadas bem como dos gestores e empresários, pode reforçar a sensação difusa, sem dúvida presente na sociedade portuguesa, de que existe um fosso entre o mundo da produção e do trabalho, por um lado, e o mundo das ideologias e da política, por outro. Aqui entronca a velha discussão sobre quem realmente conhece o "país real".

Depeço-me cordialmente com desejos de sucesso.

segunda-feira, julho 14, 2008

Tratamento de choque para eurocentricos

.



O Público, em dois dias consecutivos (12 e 13 de Julho), publicou dois textos muito importantes para nos fazer perceber a transformação do mundo e nos prepararmos para ela. Enquanto isso, no Parlamento Europeu, havia eurodeputados que se entretinham a dissertar sobre como boicotar a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim.
Aqui ficam alguns parágrafos ilustrativos dos artigos de José Pacheco Pereira e de Francisca Gorjão Henriques:

Quem nos ouve fica com a impressão de que o mundo caiu num buraco monumental, de que não se consegue sair, e com o mundo todos nós atrás. E, no entanto, não é verdade. O mundo não está em "crise". Somo nós, países industrializados ocidentais, na Europa e nos EUA, que estamos em "crise", não é o mundo. Bem pelo contrário, o mundo está bem e recomenda-se.
...
Na verdade, há uma gigantesca transferência de recursos entre os ricos do passado e os pobres do passado. Essa deslocação não se faz sem sobressaltos, sem que muito não fique pelo caminho e sem que muito vá parar a mãos pouco recomendáveis, mas nem por isso deixa de se estar a dar uma verdadeira revolução na qualidade de vida de milhões e milhões de pessoas, a começar pela China e pela Índia.
...
A "crise" nos EUA e na Europa não é apenas económica - aliás, nada é apenas económico -, mas sim social, cultural, política, civilizacional e, só quando se vê neste conjunto, se percebe a sua importância e profundidade.
...
Como todas as grandes mudanças, é turbulenta, há quem ganha e quem perca. Na actual "crise" estamos nós a perder, mas muito mais gente a ganhar e por isso convinha dobrar a língua quando falamos de crise. A nossa lamentação sobe aos céus, mas para muitos milhões de homens são palmas que se ouvem.

Pacheco Pereira, "A nossa "crise" e a (r)evolução deles", Público 12.07.2008


A classe média chinesa - entre 100 e 150 milhões de pessoas - é uma novidade com uma década, o tempo suficiente na China para várias mudanças que no Ocidente levaram 50 anos.
...
Não é fácil integrar a expressão classe média no léxico de um regime que foi criado a partir do princípio da abolição de classes. Para não ferir sensibilidades políticas, tornou-se mais frequente empregar termos como "estrato de rendimento médio", "grupo de rendimento médio" ou apenas "estrato médio", escrevia o China Daily (jornal anglófono oficial) num artigo de 2004, onde era referido que o tema tinha saltado das notícia dos jornais para os documentos do Governo. E definia classe média como "um grupo de pessoas com rendimentos estáveis que podem comprar casas, carros e pagar os custos da educação e das férias".
...
A pergunta que habitualmente se coloca a seguir é: o regime irá acompanhar a abertura com mudanças políticas? As respostas variam entre os dois extremos.
Por um lado, o regime passará a contar com uma larga camada da população que está feliz com a vida que leva e a quem, aparentemente, não falta nada. Por outro, também há quem defenda que esta nova geração de chineses, com mais estudos e mais habituados a obter o que desejam, leve a um aumento da pressão para que lhes sejam dadas outro tipo de escolhas, como por exemplo, a eleição dos seus líderes.
...
Outras das interrogações: o planeta tolera as consequências deste aumento de produção? Annie Wang não dá hipótese. "Não venham dizer aos chineses que eles não podem andar de carro e que fiquem com as bicicletas. Eles têm que passar por isso." E é isso que explica que todos os dias se vendam mil carros em Pequim.
...
Um dos fenómenos que tem contribuído para o aumento da classe média é a mobilidade dos camponeses para os centros urbanos. Nos próximos dez anos é previsível que haja 100 cidades na China com mais de três milhões de habitantes, e 700 milhões de pessoas com um razoável poder de compra (algo em que o Governo tem estado disposto a apostar para garantir que o crescimento da economia se mantém).

Francisca Gorjão Henriques, "A República Popular do Consumo", Público 13.07.2008

Lisbon Comes Alive

.



Finalmente uma boa notícia. O New York Times descobre o renascimento cultural de Lisboa em termos elogiosos. Lisboa resiste mesmo com uma CML exangue...

"The last of the Western European capitals to experience a cultural bloom, Lisbon is avidly making up for lost time." (ver mais aqui)

domingo, julho 13, 2008

Santa Betancourt

.



“Um dia compreendi que tinha de me oferecer ao Sagrado Coração e fiz esta oração: ‘Meu Jesus, se me anunciares a data em que vou ser libertada no decorrer do mês de Junho, que é o teu mês, serei toda tua...’ E foi no dia 27 de Junho que um comandante nos mandou preparar os sacos... Nessa altura, pensei: ‘Jesus cumpriu, estou a viver um milagre’”, disse ao jornal ‘Pélerin’ (Peregrino).

Quem vê e ouve Ingrid Betancourt fica sem dúvidas: a heroína que a França tem estado a aclamar como se o país tivesse repentinamente sido tocado por um qualquer encantamento atravessa uma intensa fase mística. Ingrid transmite a sua fé com uma verdadeira sinceridade e, quando fala em Deus, comove-se até às lágrimas. “Ela transformou-se num ícone da fé, da liberdade e da espiritualidade”, resumiu um editorialista do ‘Pélerin’.

Expresso, 12.07.2008

Desde que foi libertada, a 2 de Julho, Ingrid Betancourt tem multiplicado as entrevistas, nas quais apenas se recusa a falar sobre eventuais abusos sexuais que tenha sofrido. Até de futebol já falou. A franco-colombiana disse à revista Paris Match que "adorou a cabeçada de Zidane a Materazzi", na final do Mundial da Alemanha, e que se tivesse estado no lugar dele "tinha feito a mesma coisa". No acampamento da guerrilha, referiu, "havia os pró-Ingrid, ou seja, os pró-franceses, e os apoiantes da Itália", pelo que o jogo "deu problemas".

Diário de Notícias, 12.07.2008

sábado, julho 12, 2008

Operação "Buraco Negro"

.

O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu hoje que o segredo de justiça do processo “Operação Furacão” chegou ao fim, afirmando que “os arguidos devem ter acesso imediato aos autos” (Público, 11.07.2008).

Mais lhe valera ter rebaptizado o "Furacão" como "Buraco Negro" tal é a força de atracção com que ele parece querer arrastar as maiores empresas e as mais influentes personalidades para o seu âmago.
Tal como o seu gémeo no BCP, que Teixeira dos Santos dizia há dias cândidamente ter sido "ocultado" pelos seus beneficiários e portanto escapado à vigilância da CMVM, estes processos são a revelação de um sistema, do sistema em que vivemos.
Já não se discute, nem tal faria sentido, se os prevaricadores serão castigados. Quando se analisa a lista dos indiciados, o elenco dos advogados que os defendem e a panóplia de instituições que pelo menos pactuaram ou fecharam os olhos aos atropelos percebe-se que da montanha só pode sair um rato.
Se assim não fosse a condenação teria de abater-se sobre o próprio regime.

sexta-feira, julho 11, 2008

Tudo o que nunca deve perguntar a um português.

.

Os portugueses surgem no segundo lugar entre os cidadãos dos 27 Estados-membros da União Europeia que afirmam ter “dificuldades em pagar as contas ao fim do mês”, com 71 por cento de respostas afirmativas, valor só ultrapassado pelos búlgaros e muito acima da média europeia, de 47 por cento.
De acordo com o relatório nacional divulgado hoje, e elaborado a partir dos dados do Eurobarómetro da Comissão Europeia relativo à Primavera, aquela percepção não é manifestada apenas pelos “sectores habitualmente mais vulneráveis da população”, mas também pela “classe média dos trabalhadores urbanos do sector dos serviços”.
Público, 11.07.2008

Alguém tem que explicar aos responsáveis pelo Eurobarómetro que aos portugueses não se pode fazer este tipo de perguntas. Em Portugal dizer que se tem "dificuldades em pagar as contas ao fim do mês" não é o mesmo que noutros países, é o tipo de coisas que não vale a pena perguntar pois qualquer cidadão que se preze terá pejo em afirmar o contrário. Mesmo que se chame Belmiro de Azevedo. Cheira a bravata, a gabarolice.
Sejamos sinceros, há alguém a quem não custe, que não tenha dificuldade em pagar as despesas ? Ver o nosso rico dinheirinho a abandonar-nos para sempre ? Eu gostava era de saber quem são os 29% que, ao abrigo do confortavel anonimato, tiveram o desplante de não declarar dificuldades...

Este tipo de perguntas leva o português médio, herdeiro de séculos de dissimulação, a tentar perceber o que mais pode agradar a quem lhe faz a pergunta e nem lhe passa pela cabeça revelar o que intimamente pensa.

É por isso que perguntas como "É o catolicismo uma das marcas identificadoras da portugalidade ?" e "Considera correctas as relações homossexuais ?" deram, recentemente, origem aos maiores equívocos e imerecidos protestos.

Portanto é melhor pensarmos duas vezes antes de desatar a tirar conclusões de estatísticas deste tipo.

O que é ser de esquerda ?


"Ser de esquerda, hoje, é recusar a normalização imposta pelas ideias únicas, "objectivas", que se apoiam na antinomia: modernização mundial, ou o caos." (José Gil, "Visão", 10 de Julho de 2008)
Acho que algo correu mal nesta frase de José Gil. Não há ideias únicas e a ideia dele, que encabeça o post, é disso uma prova.
Se há quem diga "modernização mundial ou o caos" também há, por exemplo, quem ache que qualquer "modernização" é o caos. E também há quem, como eu, considere a palavra modernização destituída de sentido. Amanhã seremos todos, quer queiramos quer não, um bocado mais modernos seja lá isso o que for.
Para ser de esquerda não me parece que baste recusar a normalização referida, ou outra qualquer. Por isso, neste ponto, vou citar-me a mim próprio:
"Ser de esquerda é acreditar, e procurar, uma sociedade muito mais justa e muito mais produtiva que não se baseie no trabalho assalariado e na empresa capitalista." (ver porquê)

quinta-feira, julho 10, 2008

cadê os outros ?

.

A justiça portuguesa conseguiu um feito improvável, tornar-me simpatizante de Vale e Azevedo.

De seu natural titubeante, lenta e inconclusiva a justiça portuguesa mostra-se, contra Vale e Azevedo, afirmativa, célere e concretizadora. O homem pode dizer, com razão, que "saíu em rifa".

É caso para citar o aforismo popular brasileiro "cadê os outros ?".

(ver Público)

quarta-feira, julho 09, 2008

Uma BT para os Hospitais ?

.

"Um doente internado num hospital recebe o medicamento errado, investigado o incidente descobre-se que houve troca de fármacos porque há duas marcas com rótulos muito parecidos que causaram confusão. Relatado o problema segue um alerta para todos os serviços do hospital. Os efeitos adversos dos medicamentos, as quedas de doentes e as infecções contraídas em hospitais são as três áreas onde se verificam mais erros clínicos no mundo.
...
Num workshop da DGS sobre qualidade clínica, que decorreu na semana passada, em Lisboa, chegou-se à conclusão de que receber cuidados de saúde é tão perigoso como actividades tão radicais como escalar montanhas ou fazer bungee jumping e bastante menos seguro do que conduzir um carro, constatam estudos internacionais.
Dados internacionais sobre mortes acidentais apontam para 98 mil mortes atribuíveis a erros clínicos e bastante menos, 41 mil, devidas a acidentes de automóvel. Em Portugal não há números."
Público, "Ministério quer notificação de erros clínicos em todos hospitais", 7.07.2008
Em suma o cidadão corre mais riscos quando é internado em S. Maria do que ao praticar "street racing". Pelos vistos a Brigada de Trânsito, o novo Código da Estrada e os 300 radares comprados pelo MAI estão no sítio errado.

terça-feira, julho 08, 2008

APONTAR NA AGENDA: NÃO DIZER PRO-CRI-A-ÇÃO

.
Cara Manuela Ferreira Leite, apesar da sua idade e da sua experiência, deixe-me dar-lhe um conselho: nunca - mas nunca - utilize a palavra "procriação". Ninguém, a não ser padres e freiras, pode usar a palavra "procriação" e sair de mansinho de uma conversa, como se não fosse nada. Procriação cheira a incenso. Procriação cheira a naftalina. A rebuçados do dr. Bayard. A Farinha 33. Aos tempos em que só havia a A1 e a A2. Para sua informação, cara Manuela, Portugal já vai na A44. Portanto, ponha um post-it no porta-moedas: "procriação, não." Se de repente estiver no meio de uma entrevista à TVI e começar a pensar "ah, e tal, a procriação" - shut, ponha logo a mão na boca. Procriação, não.
...
É que para um rapaz como eu, que está mais para a direita do que para a esquerda nas políticas mas que é liberal nos costumes, a Manuela Ferreira Leite está a defender o reforço de um estado social e da subsidiodependência, que é coisa de PCP, para depois se mostrar altamente conservadora em matérias individuais, que é coisa de CDS-PP. E assim, de repente, olho para si e vejo-me no pior de dois mundos. Estamos trocados, eu e você. Por um lado, quando se mostra muito preocupada com o estado do país, parece que se lhe poderia aplicar, com o devido twist, a blague de Nani Moretti: "Uma coisa de direita, por favor, diz uma coisa de direita." Por outro, quando fala de família e homossexuais, levo com um uppercut do punho destro que me deixa estendido no tapete.

Para ler o resto deste engraçadíssimo texto de João Miguel Tavares no DN de hoje clique AQUI

segunda-feira, julho 07, 2008

A miragem do terramoto

.

Boaventura Sousa Santos, na Visão de 03 de Julho, brinda-nos com texto apocalíptico intitulado "Terramoto de longa duração". Quando eu pensava que ele tratava do "socialismo do século XXI", do seu amigo Chavez, eis que o descubro atormentado pela derrocada do "modelo social europeu".

"Um terramoto está a assolar a Europa. Não é detectável nos sismógrafos convencionais porque tem um tempo de desenvolvimento atípico. Não ocorre em segundos se não em anos ou talvez décadas. Consiste na convulsão social e política que vai decorrer da destruição progressiva do chamado modelo social europeu – uma forma de capitalismo muito diferente da que domina os EUA..."

Pensei então que a qualidade académica do autor nos iria brindar com uma tese explicativa, debruçando-se sobre as causas do desastre e sobre a sua imbricada arquitectura. Nem pensar, é tudo muito mais simples do que poderia supor-se.

"A destruição deste modelo é crescentemente comandada pelas instituições da União Europeia e pelas orientações da OCDE. "
"A miragem das elites tecno-políticas europeias – muitas delas formadas em universidades norte-americanas – é que a Europa só poderá competir globalmente com os EUA na medida em que se aproximar do modelo de capitalismo que garantiu a hegemonia mundial deste país durante o século XX. "

Ao arrepio de quem sustenta teorias sobre a complexidade do mundo, BSS revela (demonstrar para quê ?) que a derrocada resulta apenas, e só, de uma miragem das elites. Uma miragem, como todos sabem, basta para torcer irremediavelmente um continente inteiro.

Para este cientista do CES (Centro de Estudos Sociais) o resto do mundo não interessa, será que constitui também uma miragem ? Nem uma palavra sobre a evolução económica da China ou a Índia, sobre a vertiginosa perda de importância da Europa (e dos EUA) no concerto do mundo. Embora estudos recentes indiquem a supremacia económica da China, ultrapassando os EUA, já em 2025 (ver também este texto).

Ele acha que o "modelo social europeu", nascido nos tempos em que grande parte do planeta vivia sob o colonialismo europeu ou sob a drenagem impune dos recursos naturais, não tem nada a ver com o assunto (talvez devesse consultar o seu amigo Chavez sobre esta matéria).

"Vão surgir novas formas de protesto social, muitas delas desconhecidas no século XX. A vulnerabilidade do Estado será visível em muitas delas, tal como aconteceu com a greve de camionistas ..."
"A quem beneficiará o fim de um sindicalismo independente e agravamento caótico do protesto social? Exclusivamente ao Clube dos Bilionários, os 1125 indivíduos cuja riqueza é igual ao produto interno bruto dos países onde vive 59% da população mundial."

E assim termina o texto, com a originalidade e profundidade próprias de um panfleto. Em defesa de uma variante benigna do capitalismo

"...assente na combinação virtuosa... entre uma burguesia comedidamente rica e uma classe média comedidamente média ou remediada...

sábado, julho 05, 2008

Exames fáceis, discursos difíceis...

.

Sempre considerei a ministra da Educação uma pessoa sensata e corajosa.
Muitas das críticas que lhe têm feito são de facto injustas, motivadas por interesses corporativos e não pelo interesse público.
Devo no entanto confessar que ontem, ao vê-la na RTP a contestar o "facilitismo dos exames", tive a sensação de que ela já ultrapassou o seu "prazo de validade".
Mesmo sem pôr em causa a argumentação que utilizou bastou-me ver o frenesim com que se expressava, numa torrente que o José Rodrigues dos Santos acabou por desistir de organizar.
Quem debita daquela forma uma ladaínha que parece querer apenas ocupar o espaço todo, sem cuidar de ouvir a outra parte, já perdeu a fé em qualquer diálogo.
Eu até posso perceber que Maria de Lurdes Rodrigues tem boas razões para estar cansada mas, neste estado mais lhe valia ir de férias ou pedir para ser substituída no ministério.

Declarações

.




.

.

.

.

.

O partido do Governo, os partidos que já foram Governo, os partidos que sempre foram oposição: todos os grupos parlamentares, do CDS ao Bloco de Esquerda, reafirmaram ontem, na Assembleia da República, o seu apoio à declaração da pobreza como violação dos Direitos Humanos, proposta numa petição da iniciativa da Comissão Nacional Vida e Paz, que foi subscrita por mais de 21 mil pessoas. (Público, 03.07.2008)


Vacuidade, hipocrisia, má consciência, inutilidade, moda, pretexto, aproveitamento, comissão, sinecura, formalismo, discursata, etc, etc, etc.

sexta-feira, julho 04, 2008

Também JPP, felizmente

.


Pacheco Pereira é um exemplo notável de como a inteligência e a "bagagem" cultural não nos põem a salvo das patetices ditas humanas e dos pequenos amores/ódios de estimação. Ainda bem que assim é, mas convém estarmos conscientes do fenómeno.

A explicação (António Costa chamou-lhe tradução) que Pacheco Pereira fez ontem, na "Quadratura do Círculo", da embrulhada de Manuela Ferreira Leite sobre a "emergência social" e a falta de dinheiro para os "megaprojectos", vai ficar na antologia da criatividade política. Se tivesse sido enunciada por Santana Lopes, um dos seus ódios de estimação, esta explicação divertiria o país durante todo o Verão.

A sorte de JPP foi nenhum dos interlocutores lhe ter pedido para "traduzir" também as afirmações de Manuela Ferreira Leite sobre o casamento dos homossexuais. Acho que nem o talento de JPP conseguiria apaziguar a rapaziada da "esquerda bem-pensante"...

Nuvens sobre Ingrid


É claro que saúdo a libertação de Ingrid e dos outros sequestrados na Colômbia.
Mas lamento ter que ensombrar a onda de comemorações na blogosfera mencionando algumas nuvens que pairam sobre este feliz acontecimento.

Fiquei perplexo quando vi a Ingrid aparentemente de boa saúde depois de me terem convencido de que ela estava às portas da morte na selva Colombiana. Muitos cidadãos mais sensíveis ter-se-ão sentido ludibriados, o que pode vir a prejudicar os sequestrados que ainda não foram libertados.

A mim o que mais me choca é alguém ter pensado que estar sequestrado na selva durante seis anos não é suficientemente grave para comover o público.

Também não me causou boa impressão ver o aproveitamento feito pelo Sarkozy e o óbvio exagero à volta de Ingrid que, por razões misteriosas, goza de "protecções" que não são dispensadas a muitos outros sequestrados.

quinta-feira, julho 03, 2008

Isto é uma Pandalheira

.



Estou farto de ver nas televisões referências ao novo filme da Dream Works acerca de um panda que quer aprender Kung-fu. Hoje saltou-me a tampa quando, quase a abrir o noticiário da RTP das 20 horas, o José Rodrigues dos Santos introduziu o tema sem se perceber porquê.
Também a "estação de serviço público" se presta a estes favores ? O marketing não respeita qualquer barreira, já sabemos, mas alguém tem que o impedir de abusar.

quarta-feira, julho 02, 2008

A esquerda e o Robin dos Bosques

.

Há dias Robin dos Bosques, a lenda inglesa do século XIII, voltou à ribalta prosaicamente como nome de taxa. Os jornais disseram que Sócrates “pode vir a aplicar um imposto sobre os lucros das companhias petrolíferas, que depois de cobrado será aplicado em causas sociais”.
Qualquer pessoa percebe que se trata de uma medida demagógica que nada resolve e que se destina apenas a fingir que o governo “tira aos ricos para dar aos pobres”.
Não se pense no entanto que esta manobra é um exclusivo de Sócrates e do seu governo, mesmo aqueles que se pretendem revolucionários fazem o mesmo. Quem não se lembra do slogan “os ricos que paguem a crise” e do “imposto sobre as grandes fortunas” durante a campanha eleitoral do BE ?
Pode dizer-se que a esquerda, de uma forma ou de outra, continua a cavalgar a ideia absurda de que os males da sociedade, das classes desfavorecidas da nossa sociedade, se resolvem distribuindo as riquezas dos poucos que as têm pelos muitos que padecem. Esta visão apoia-se no primarismo intuitivo e na inveja espontânea.

Mas os que defendem o “Estado Social”, e pensam estar a praticar a forma mais genuína de militância de esquerda “à Robin dos Bosques”, não percebem que, ao fazê-lo, perpetuam a dependência de um capitalismo forte cujo funcionamento produza os lucros, os salários e os impostos com que se paga o SNS, as Pensões de Reforma, a Escola Pública e uma série de outras coisas com maior ou menor utilidade.
Procedem como quem engorda um porco, neste caso o capitalismo, mas sem nunca chegar a matá-lo; limitam-se a ir cortando umas febras para enganar o estômago.

O que os números mostram é que a “distribuição ao povo” dos lucros da Galp, por exemplo, se traduziria numa redução ridícula de uns poucos cêntimos por litro no preço pago por cada consumidor.
Em 2005 os lucros dos 20 maiores potentados económicos portugueses, num ano de vacas gordas, só chegariam para cobrir cerca de metade dos "prejuízos" do Estado pois o défice orçamental ascendeu a 8.800 milhões de euros.

Prosseguem entretanto as tentativas para rotular e quantificar os ricos e os pobres, sempre sujeitas aos erros e absurdos que a nossa fraqueza estatística induz.
Recentemente a DGCI (Direcção Geral das Contribuições e Impostos) anunciou, para grande escândalo público, que os ricos estão a diminuir. Eram 40.774 , em 2005, e passado um ano já eram só 40.055.
Não convenceu ninguém pois existe a convicção generalizada de que os verdadeiramente ricos nem aparecem nas estatísticas fiscais, andam lá pelos “off-shores”.

Quanto à definição do que é um “rico” as opiniões dividem-se.
O BE a certa altura achava que um património de 750.000 euros já constituía uma “grande fortuna”. É caso para perguntar como se designa então um património como o do Belmiro de Azevedo ou mesmo de um Joe Berardo.
A DGCI acha que os ricos são os que têm um rendimento superior a 100.000 euros anuais mas não parece ter em conta que essas mesmas pessoas, se cumprirem as suas obrigações fiscais, entregarão ao Estado cerca de metade do seu rendimento ficando então com 50.000 euros.
Onde é que se deve traçar a fronteira entre os ricos e os pobres, com que critérios e com que autoridade ? E os “remediados”, ensanduichados entre os pobres e os ricos, são considerados de que forma para este efeito ?

Este tipo de abordagem comparativa é certamente muito estimulante e promete discussões intermináveis mas desvia as atenções do que mais importa.

Uma coisa é pensar-se, com razão, que os ricos se apropriam dos excedentes do sistema e que tudo fazem para manter o status quo; outra, bem diferente e que não convém confundir com a anterior, é pensar-se que para acabar com a pobreza basta repartir os pertences dos ricos.

Uma transformação profunda e sustentável da sociedade humana, com acesso a patamares económicos mais elevados para a generalidade dos cidadãos, só pode ser alcançada reinventando a organização social da produção e as relações de distribuição entre os seus agentes.

A justiça social, pela qual gerações se têm batido, só se realizará pelo advento de formações sociais muito mais produtivas do que alguma vez conhecemos. O capitalismo foi um salto enorme porque, quando surgiu, não se limitou a repartir os feudos; criou o comércio em larga escala e a manufactura.

Agora que está na ordem do dia perguntar-se quem é, ou não é, de esquerda (o nosso primeiro-ministro até acusou o BE e o PCP de terem cartórios para passar certidões) eu avanço com uma hipótese de definição:

Ser de esquerda é acreditar, e procurar, uma sociedade muito mais justa e muito mais produtiva que não se baseie no trabalho assalariado e na empresa capitalista.