sexta-feira, maio 16, 2008

Os novos cruzados


Fernanda Câncio publicou hoje no DN um texto intitulado "O que há num nome" em que empunha garbosamente a bandeira dos direitos dos homossexuais.

A verdade é que, pelo exagero e pela argumentação descuidada, acaba por prestar um mau serviço à causa que julga defender.

Confunde, com evidente prejuizo, (1) a reivindicação dos homossexuais serem tratados como qualquer outro cidadão, sem discriminações, com (2) a questão do que pensam os portugueses sobre o fenómeno da homossexualidade.

Qualquer pessoa bem formada aceitará sem dificuldade a reivindicação (1) mas quanto ao resto haverá certamente uma grande dispersão e muitas opiniões "negativas".

Haverá quem considere a homossexualidade uma espécie de doença, ou uma moda chic, ou um vício; haverá quem pense que se nasce gay e quem pense que trata de uma escolha livre, condicionada ou não por misteriosas "predisposições"; haverá quem a julgue prejudicial à sociedade e quem pense que é uma opção do foro íntimo que como tal deve ser respeitada.

Na falta de uma explicação "científica" para o fenómeno da homossexualidade fica aberto um extenso campo para a especulação, situado no plano da liberdade de pensamento que, tal como a liberdade dos homossexuais, tem que ser respeitada. O que pode e deve ser exigido, independentemente do que cada um pense acerca da homossexualidade, é que respeite sem excepções os direitos dos seus concidadãos.

Portanto não é sequer inteligente exigir que, para além de respeitar os direitos de cidadania dos homossexuais, se tenha também que considerar a homossexualidade "correcta" (seja lá isso o que for), ou aprová-la de alguma forma. Essa fasquia tão alta invade a liberdade de pensamento e reduz a base de apoio das medidas necessárias para protecção dos direitos dos homossexuais.

Quer a Fernanda Câncio queira quer não há muitos milhares de cidadãos que, embora não "aprovando" as práticas homossexuais, respeitam sem reservas os que as adoptam. E não são nenhuns energúmenos.

O mais grave do artigo de Fernanda Câncio é o que ele revela de intolerância perante opiniões diferentes, o espírito de cruzada de quem está na posse de uma verdade inquestionável, que é o primeiro sinal do fanatismo. Quem é que ungiu a Fernanda, que ciência lhe foi revelada para se permitir tratar como idiotas os que não pensam como ela. Episódios recentes, de contornos inadmissíveis, em que Fernanda Câncio surgia no papel de vítima deviam talvez ter-lhe ensinado a prezar o respeito pelos outros.

Infelizmente hoje qualquer neófito na luta pelas liberdades, quando o faz com exagero e espavento, pensa que isso lhe dá o direito de classificar, a torto e a direito, a sinceridade democrática, a pureza de esquerda e a coerência revolucionária dos outros.

4 comentários:

Joana Lopes disse...

«Portanto não é sequer inteligente exigir que, para além de respeitar os direitos de cidadania dos homossexuais, se tenha também que considerar a homossexualidade "correcta" (seja lá isso o que for), ou aprová-la de alguma forma.»

São 2:05 da manhã e não tenho já coragem para argumentar. Mas ainda me explicarás um dia o que é, para ti, «NÃO considerar a homosexualidade "correcta".»

F. Penim Redondo disse...

O meu ponto é esse: socialmente não faz sentido qualquer classificação, quer seja "correcta" ou "não correcta".

Cada um terá a sua opinião sobre o assunto tal como cada um tem as práticas sexuais que prefere, é do foro íntimo.

Socialmente a única coisa que faz sentido é garantir a não discriminação com base na "orientação sexual".

Mas mesmo quando o respeito e a não discriminação funcionem isso não elimina a "diferença" de um comportamento que é (ou parece ser) próprio de uma minoria. Como não existem explicações científicas para o fenómeno é natural que as pessoas se interroguem sobre o seu significado.

Pretender que a sociedade finja que é tudo a mesma coisa é que constitui um "overacting", que em vez de ajudar só complica.

Igor Caldeira disse...

"há muitos milhares de cidadãos que, embora não "aprovando" as práticas homossexuais, respeitam sem reservas os que as adoptam"

Podem até ser milhares, mas serão sempre uma ínfima minoria. De facto, é difícil que alguém que considere a homossexualidade moralmente censurável seja depois, por exemplo, favorável ao casamento dos homossexuais. E sim, de facto ser contra o casamento é de certa maneira uma atitude homofóbica; ou, se preferirmos ser menos radicais, é pelo menos uma posição profundamente preconceituosa.

Em teoria, é perfeitamente aceitável que alguém seja contra a homossexualidade, e contra a discriminação dos homossexuais. Na prática, isso é difícil.

[já agora, é preferível alguém ser contra a homossexualidade e não se dar com homossexuais por o serem mas que ainda assim defenda que tenham os mesmos direitos, que alguém que tem muitos amigos homossexuais dos quais gosta muito, mas que depois tem atitudes politicamente homofóbicas]

F. Penim Redondo disse...

Igor,

penso que a minha posição não deve estar a ser percebida e também não sei se percebi as suas dúvidas.

Não sei quantos são os cidadãos que, embora não "aprovando" as práticas homossexuais, respeitam sem reservas os que as adoptam, mas penso que serão muitos.

Quando eu falo de respeitar é no sentido de que reconhecem o direito que cada um tem de praticar amor/sexo como entender.

Eu sou contra o casamento de homossexuais tal como muitos deles que consideram ser uma palhaçada, um macaquear desnecessário de uma instituição em profunda crise.
Não sou contra por ser homofóbico mas apenas porque detesto fantochadas.

Como qualquer pessoa sabe, amor e casamento não são sinónimos. Nem é preciso casar para amar e, tem-se provado, muitas vezes nem ajuda nada a manter uma relação. Grande parte dos casais hetero já nem se dão ao trabalho de casar.

O que é preciso é garantir as questões práticas e patrimoniais e nisso dou todo o meu apoio.

Eu acho fácil "não aprovar" e, ao mesmo tempo, "não discriminar".

Como em relação a qualquer coisa na vida (o PCP, o Benfica, o golfe, etc) uns têm o direito de considerar bom, outros são-lhe indiferentes e ainda outros têm também o direito de considerar negativo ou mesmo mau.

O importante é que cada um respeite a liberdade de escolha dos que não pensam como ele.