terça-feira, maio 06, 2008

1960

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O ano em que a França entra para o «clube atómico», o ano, também, do inicio da «era Kennedy». Uma era curta... As primeiras pílulas contraceptivas são vendidas nos Estados Unidos e o grupo The Shadows impõe um «som inglês» na música anglo-americana. O advento da pílula fará certamente mais pela libertação sexual do que cem discursos na Sorbonne em 1968.

A 13 de Fevereiro, a França torna-se o quarto pais do «clube atómico», realizando o seu primeiro ensaio nuclear no Pacifico Sul.
No 1.° de Maio as relações Leste-Oeste sofrem mais um duro golpe: o piloto norte-americano Gary Powers é feito prisioneiro pelas autoridades soviéticas depois do seu avião espião U-2 ter sido abatido sobre território da URSS.

A 30 de Maio a Bélgica concede a independência do Congo. Lumumba torna-se o presidente do novo país, iniciando-se uma sangrenta guerra civil. A emancipação da África Negra passa por isto, pela violência, mas o que é certo é que, em dez anos, 32 novos países nascem naquele continente.

A 12 de Outubro realiza-se uma das mais dramáticas (e cómicas...) assembleias das Nações Unidas. Na sessão comemorativa do 25.° aniversário da organização, o Iíder soviético Nikita Kruschev abandona a sala depois de ter tirado um sapato e de ter batido violentamente com ele em cima da sua banca A reunião estava «quente», e as nações, bem longe de se acharem unidas.

Menos de um mês depois, a 8 de Novembro, John Kennedy é eleito presidente dos Estados Unidos, o 35 º da História, o mais jovem, também: contava 43 anos de idade. É também em 1960 que os EUA impõem o embargo a Cuba com o pretexto da nacionalização de bens americanos.

Na África do Sul dá-se o massacre de Sharpeville e a ilegalização do ANC. É criada a OPEP.

A família real britânica é «agitada» com o nascimento de André, a 19 de Fevereiro, e com o casamento da princesa Margarida com o fotógrafo Anthony Armstrong-Jones, a 6 de Maio.


Em Portugal, que é visitado por Eisenhower, verifica-se a fuga do Forte de Peniche protagonizada por Álvaro Cunhal e outros dirigentes do PCP.

A ONU condena o colonialismo português a 15 de Dezembro depois do levantamento de Mueda, Moçambique, que provocou dezenas de vítimas. Em Junho Salazar encontra-se com Franco em Mérida.


No desporto fala-se pela primeira vez neste nome: Cassius Cíay, medalha de ouro dos pugilistas pesos-pesados nos Jogos Olímpicos de Roma.

Em Itália, Fellini conclui «Dolce Vita» e em França nasce, com o cinema de Jean-Luc Godard, a expressão «nouvelle vague» que viria a marcar o cinema por muitos e bons anos. Os filmes do inicio da década, no entanto, chegam, ainda, dos Estados Unidos: «Psycho» e «Spartacus». Brigitte Bardot começa a rivalizar com Marylin Monroe: os europeus «descobrem» a sua nova vedeta.

Musicalmente, os Shadows começam a impor um «som inglês», e o tema «Apache» é um dos que dominam o top britânico durante o ano ao lado de «What Do You Want?» e de «Poor Me», de Adam Faith; «Cathy's Clown», dos Everly Brothers; «Please Don't Tease», de Cliff Richard; «OnlyThe Lonely», de Roy Orbison e «It's Now or Never*, de Elvis Presley.
Elvis Presley que, nos Estados Unidos, passa o ano com três temas no top: «Stuck on You», «Are You Lonesome Tonight ?» e o já citado «lt's Now or Never». Duas cantoras também se distinguem no top norte-americano: Brenda Lee e Connie Francis. Cada uma delas tem, ao longo do ano, duas canções na lista dos mais vendidos.
Outros nomes do top norte-americano: Chubby Checker («The Twist»), Drifters («Save the Last Dance for Me»), Maurlce Williams and the Zodiacs («Stay»), Marty Robbins («El Paso»), Johnny Preston («Running Bear») e o incomparável Ray Charles com «Georgia On My Mind».

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Esta cronologia dos anos 60, que vai prosseguir, pretende repor o equilíbrio quanto à sobrevalorização do Maio de 68 neste ano do seu quadragésimo aniversário.

Basta olhar para a cronologia dos anos 60 para perceber que, antes dele, já tínhamos tido a pílula, os cabeludos Beatles, as latas de Andy Warhol, o mito de Che Guevara, a firmeza de Martin Luther King e de Mandela, o génio de Felini e Antonioni, a mini-saia, o "flower power", S. Francisco, "The times they are a-changin", etc, etc, etc.

Razões sentimentais e desígnios políticos, que passam pelo regresso a um passado mítico, explicam os exageros actuais sobre o Maio de 68, desenquadrando-o da década em que se insere e atribuindo-lhe a autoria de mudanças que lhe eram anteriores. Do mesmo passo omitem-se as consequências catastróficas que, no plano político, resultaram dos "espontaneismos" inconsequentes que tanto reconfortam hoje os orfãos das utopias.

Se é verdade que Sarkozy não poderia ter divorciado e casado de novo sem o Maio de 68 também podemos perguntar se ele teria chegado a ser eleito sem o susto burguês do Maio de 68.

6 comentários:

Joana Lopes disse...

Ter-me-ás sempre à perna...

Dou-te razão em (quase) tudo. E, no entanto, só me apetece escrever:
«Assim se vê a força do PC».

Não te zangues...

F. Penim Redondo disse...

Também concordo que vive dentro de mim um bichinho deixado pelos muitos anos de PCP, é inevitável.

No entanto deves ver a coisa antes no plano do meu horror à "esquerda comemorativa", que se compraz com o passado, que não cria, não responde ao presente.

Não gostaria nada de viver para ver a manif do 25A com meia dúzia de jarretas a gritar palavras de ordem que já ninguém entende como costumava acontecer com as romagens do 5 de Outubro...

Joana Lopes disse...

Em 68, tu estavas na Guiné, eu em Lisboa - e em Paris e em Lovaina.
Tu estavas no PC, eu numa «esquerda festiva» Daí o meu primeiro comentário) - Isso não pode deixar de fazer a diferença, para quem viveu ou é contemporâneo dos factos.

Onde não te sigo é nisto:
«Do mesmo passo omitem-se as consequências catastróficas que, no plano político, resultaram dos "espontaneismos" inconsequentes que tanto reconfortam hoje os orfãos das utopias.»

Não sei exactamente a que «consequências catastróficas» te referes, mas se é certo que a maior parte das utopias geram extremismos, não é menos certo que sem utopias é que não se vai a parte nenhuma.
E já agora: escreverias o mesmo sobre o PREC? Olha que não...

Diálogo insólito para Caixa de Comentários!

Entretanto, continua a cronologia, mas rapidamente, porque tenho de escrever esta semana um artigo sobre... Maio de 68 e ela dá-me jeito.

Continuemos...

F. Penim Redondo disse...

Sobre as consequências catastróficas: a minha tese é, como talvez explique mais tarde, que a riquíssima herança libertária da década de 60 foi malbaratada por canalização para o nível político quando os anarquistas e maoistas, de facto, não sabiam o que fazer com ela.

Como não tinham qualquer resultante para as forças que desencadearam, forças que se tinham vindo a acumular em resultado da acção de intelectuais e políticos ao longo da década, forçaram um irresponsável braço de ferro que só podiam perder.

Deixaram claro que não tinham uma alternativa viável e provocaram, por um lado a desilusão da juventude de esquerda e pelo outro a deslocação das pessoas moderadas e assustadas para os braços da direita.

Eu gosto muito de Utopias mas é para a frente ou, dito de outra forma, que não olham só para o retrovisor.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Quanto ao Godard ter dado origem em 1960 à “nouvelle vague”, não é bem assim. O termo aparece em 1958, referindo-se a um conjunto de cineastas e quem lhe deu depois grande projecção foi Fraçois Truffaut com o seu filme os “400 Golpes”, que ganhou o prémio de Cannes, em 1960. Para nós, que só muito mais tarde é que viemos a conhecer a obra do Godard, a “nouvelle vague” ficará sempre ligada aos “400 Golpes” e a um filme, que não me recorda o nome, do Chabrol.

F. Penim Redondo disse...

Caro Jorge, obrigado pelas tuas precisões que são sempre bem-vindas.
Como o objectivo é mostrar como é que a década enquadrou, e tinha antecipado, o Maio de 68 penso que algumas imprecisões não invalidam o objectivo.
A cronologia apresentada resulta da consolidação de 3 ou 4 fontes diversas.