sexta-feira, maio 09, 2008

E se houvesse um novo 25 de Abril ?

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Nas andanças recentes à volta das recordações de Maio fui dar com uma brochura, publicada em Maio de 1975 pelo Ministério da Comunicação Social, contendo o discurso de Vasco Gonçalves no 1º de Maio. É o famoso "Discurso da Batalha da Produção".




"O desencadeamento da batalha da produção é, portanto, uma necessidade imediata e imperiosa nas actuais condições.
O papel principal nesta batalha da produção pertence a vós, trabalhadores que, hoje, dadas as medidas já tomadas contra o capital monopolista e latifundiário, no sentido do domínio pelo Estado de sectores básicos da produção e do arranque da reforma agrária, têm a garantia que o seu trabalho e a sua opção reverterão em benefício da colectividade e não em benefício das classes privilegiadas.
Que pede, então, o MFA aos trabalhadores?"


E mais à frente:

"A batalha da produção exige, de todos nós, mais trabalho, mais imaginação criadora, procura de soluções mais económicas para os problemas e mobilização revolucionária no trabalho. O povo deve procurar em si toda a capacidade criativa que possui. O MFA e o Governo Provisório estimularão a criatividade popular, certos de que ela é indispensável na construção do novo Portugal. Neste campo continuarão a desempenhar papel fundamental as Campanhas de Dinamização Cultural e Cívica, desenvolvidas pelas Forças Armadas. É necessário promover uma autêntica revolução cultural no seio do nosso povo, abrir o nosso povo a ideias novas.
É necessário que as empresas de ponta dêem exemplos revolucionários de trabalho. Estas empresas devem constituir a vanguarda da batalha da produção. Os trabalhadores das empresas nacionalizadas e das empresas públicas devem fazer delas modelos de rentabilidade. ".


A leitura do discurso deixou-me a sensação de que, esgotado o receituário da época (nacionalizações, reforma agrária, etc) Vasco Gonçalves passava formalmente a "bola ao povo". Ao mesmo povo que votara a 25 de Abril maioritáriamente no PS ( 37,87 %) e PSD ( 26,39%), no "centrão" portanto, para a Assembleia Constituinte. O resultado já todos sabemos qual foi.

Quando hoje oiço dizer que "o 25 de Abril não se cumpriu integralmente" e até que "isto precisava era de um novo 25 de Abril" eu interrogo-me.

Suponhamos então que, por absurdo, um grupo de capitães decidia em 2008 fazer um "novo 25 de Abril", e que entregava o poder ao Bloco de Esquerda e ao PCP, verdadeiros depositários das memórias revolucionárias.

A pergunta é: o que é que eles faziam ? nacionalizavam tudo outra vez ? ressuscitavam a Reforma Agrária ?

No plano da transformação do modelo económico e das relações de produção, da propriedade e das classes, o que é que um poder revolucionário de esquerda faria ?

Tenho a sensação de que estamos exactamente como há 33 anos, de que em todo este tempo não houve qualquer desenvolvimento teórico à esquerda e que, portanto, só lhes restava tornar a "passar a bola ao povo".

Como sou chato tenho a mania das perguntas difíceis...

4 comentários:

Jorge Nascimento Fernandes disse...

É evidente que estou em completo desacordo com tudo o que dizes neste post. Mas para te elucidar, tirando a banca que foi nacionalizada logo no 11 de Março. Ainda muito pouco tinha sido nacionalizado a 1 de Maio. Quanto à Reforma Agrária a situação é semelhante. Portanto, nessa altura não estava tudo feito. Nem estávamos na fase de passar a “bola ao povo”.
Sabia-se, e esta ideia da batalha da produção já vinha detrás. Era uma resposta às críticas da direita, que dizia que estávamos a destruir todo o tecido produtivo. Não sei se te recordas que, no dia 5 de Outubro de 74, foi proposto que todos fossemos trabalhar e que isso reverteria para a colectividade, foi o célebre “ Dia de Salário para a Nação”.
A ideia da batalha da produção e da revolução cultural, como as campanhas de dinamização cultural, são retiradas um pouco de ideias idênticas do campo socialista, como o Stakhanovismo. Como exemplo negativo, recordo o filme “O Homem de Mármore”, do Wajda, passado na Polónia. Temos também as célebres safras da cana do açúcar em Cuba, em que todos são destacados para trabalhar, às vezes com danos irreversíveis para as colheitas, dado que as pessoas não tinham experiência.
Quanto aos resultados eleitorais do 25 de Abril de 74, a caracterização da nossa revolução e um célebre trabalho de Álvaro Cunhal “A verdade e a mentira na Revolução de Abril”, estou a pensar fazer um post em que abordarei todos estes aspectos. São os resultados das minhas leituras de convalescente. Assim tenha tempo e paciência.
Quanto à actualidade não te dou resposta, porque é conversa da treta.

F. Penim Redondo disse...

Eu também dei um dia de salário para a nação e andei a trabalhar (ou empatar)na Reforma Agrária sem ter qualquer preparação para o efeito.

No meio de tanta erudição do teu comentário não cheguei a perceber qual era a tua tese.
Talvez no post que prometes as coisas se esclareçam.
Ou talvez não... a inexistência de espírito crítico na esquerda é um espanto.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Aquilo que quis dizer foi simples, as receitas tradicionais que tu dizes que estavam cumpridas a 1 de Maio, ainda só estavam no início. Posteriormente, houve muito mais nacionalizações e avanços na reforma agrária. Isso, penso que se percebe do meu texto. Segundo, que a ideia da batalha de produção, sendo importante no contexto de provar que a esquerda não só destruía, mas também queria produzir, era uma importação do Leste, que poderia, como nos casos que apontei, trazer maus resultados.
Em seguida, aproveitei para criar expectativas em relação a um artigo que não sei se irei escrever e que foge muito às tuas preocupações imediatas.
Por último, estando de acordo que as frases "o 25 de Abril não se cumpriu integralmente" e que "isto precisava era de um novo 25 de Abril" são um disparate, discordo completamente da tua teoria sobre a esquerda actual e da tua constante carpidela sobre que ela não aprendeu nada e só lhe restava “passar a bola ao povo”. Temos o espontanaismo no seu maior esplendor e o convencimento que nós sim é que temos a teoria sobre a esquerda, que ela nunca nos soube levar a sério. É isto que eu chamo conversa da treta, que não leva a lado nenhum, e que eu não estou interessado em travar contigo. Apesar de às vezes me dar para te responder.

F. Penim Redondo disse...

Tens razão, cada um vive com as suas ilusões. Para quê acordar ?