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"Utilizar o dinheiro de todos os portugueses para financiar a gasolina já se fez no passado, mas com consequências horríveis para a economia portuguesa. Isso é transferir (o peso do custo da gasolina) do consumidor para o contribuinte", afirmou o chefe do Executivo, invertendo papéis para perguntar aos jornalistas: "Acham bem que quem não tem carro financie a gasolina?".
Sócrates está a "ver o filme ao contrário" e a ser demagógico. Não se trata de pôr quem não tem carro a financiar a gasolina. Quantos portugueses que não têm carro pagam realmente impostos ? Os cidadãos que usam automóveis é que são tratados e taxados como nababos ou delinquentes. A verdade é que quem compra gasolina está a pagar um imposto especial, enorme, para alimentar a celulite do Estado.
Sócrates já devia ter percebido que hoje a gasolina é um artigo de primeira necessidade, que ter carro não é nenhum acto sumptuário. Os mais abastados até têm muitas vezes a gasolina paga pelas empresas (ou pelo ministério no caso de Sócrates), que depois "reflectem" os custos sobre os consumidores (o famoso mexilhão).
Os combustíveis são aliás um produto que, ao aumentar de preço, acaba por se repercutir no nível geral de preços ao consumidor, incluindo nos transportes públicos. Por isso afecta toda a gente mesmo os tais "que não têm carro". Mas os que têm carro e não têm a gasolina "à borla" sofrem duplamente; quando enchem o depósito e também pelo aumento do preço de todos os outros produtos.
Por isso o governo devia estabelecer um limite para o preço da gasolina no retalho e garanti-lo durante pelo menos um ano através das reduções que fossem necessárias do Imposto sobre Produtos Petrolíferos. Mais tarde ou mais cedo será obrigado a fazê-lo sob pena de rupturas sociais e de insuportáveis limitações à mobilidade de consequências inimagináveis. Os cidadãos já apertaram o cinto suficientemente, agora é a vez do Governo reduzir as despesas para evitar a progressiva paralização do país.
Em paralelo é necessário garantir condições práticas para reduzir aceleradamente a "dependência do crude". Isso é que devia estar a ser discutido, e feito, neste momento.
1 comentário:
Assalto na bomba?
Público, 23.05.2008, Carlos Fiolhais
A 2 de Janeiro passado o barril de petróleo passou a mítica fronteira dos 100 dólares. No dia em que escrevo, 21 de Maio, o preço do crude atingiu o preço recorde de 130,04 dólares. No dia em que o leitor ler este texto, estará, provavelmente, mais caro. As previsões indicam o valor de 150 dólares ainda este ano. E há quem fale já do petróleo a 200 dólares em menos de dois anos, como Arjun Murti, o "guru" da Goldman Sachs que tem sempre acertado nas suas previsões de preços. As causas são conhecidas: a baixa do dólar, a crise e a especulação nos mercados internacionais, assim como o aumento da procura (nomeadamente em potências emergentes com a China e a Índia) sem o correspondente acréscimo de oferta (no Iraque a produção nunca voltou ao que era antes da guerra e na Nigéria há instabilidade).
Quaisquer que sejam as causas, o cidadão que vai à bomba de gasolina sente no bolso os aumentos de combustíveis. O meu carro, que ficava satisfeito, quando o comprei há quatro anos, com cerca de 50 euros de gasóleo, hoje não enche a barriga com menos de 80 euros. O litro de gasóleo subiu 71,7 por cento em Portugal entre 2004 e 2007! As petrolíferas - o nosso mercado é dominado pela Galp e pela BP - atribuem a subida nas bombas à subida no crude nos países fornecedores. Será que a alta do preço do petróleo explica o grande rombo nos nossos bolsos?
É fácil perceber que não. Em primeiro lugar, se é certo que a cotação internacional do petróleo é feita em dólares, não é menos certo que nós e os europeus em geral o pagamos em euros, cujo valor tem crescido relativamente ao dólar (em Maio de 2001 o euro estava a 0,88 dólares e hoje está a 1,57). Quer dizer, o aumento do preço do petróleo é muito amortizado pelo aumento do euro. Em segundo lugar, se é certo que o aumento da gasolina e do gasóleo ocorreu em todos os países da zona euro, não é menos certo que em Portugal foi maior do que noutros (em Espanha, entre 2004 e 2007, o gasóleo só subiu 54,4 por cento, em vez dos nossos 71,7).
Facto incontestável - basta ver as bombas às moscas do lado de cá da fronteira - é que os preços dos combustíveis em Espanha são bem mais baixos do que aqui. As razões são essencialmente duas: por um lado, os nossos impostos sobre a gasolina e o gasóleo são mais elevados (não foi este governo, que se limita a manter uma situação que lhe dá jeito, mas governos anteriores decidiram, com grande falta de imaginação, taxar anormalmente os combustíveis) e, por outro lado, o mercado em Espanha é não só maior como mais aberto. Aqui ao lado há maior concorrência e esta torna os preços mais competitivos.
Os cidadãos portugueses têm razões para se sentirem assaltados nas bombas. Não pagam ainda os combustíveis mais caros da Europa, mas o que pagam nas bombas a dividir pelo produto interno bruto per capita está no topo europeu. O Governo português diz-se preocupado, mas, em vez de assistir passivamente aos aumentos, pode actuar. Se o não fizer, e se na altura houver oposição, pagará decerto nas próximas eleições. O que pode fazer é claro: ser mais imaginativo na taxação do que foram os seus antecessores, aproximando-nos da situação espanhola, e abrir mais o mercado. Não há razão nenhuma para a Galp, à qual vozes indignadas na Net chamam a "Golpe", ser a única refinadora e a principal armazenadora. É espantoso que o Governo esteja à espera do relatório da Autoridade da Concorrência, pois ele está farto de saber como funciona o mercado neste sector. O ministro da Economia faz de conta que é o "marido enganado", o último a saber, quando ele é, ou devia ser, o primeiro...
Contudo, mesmo que o Governo faça alguma coisa, não nos iludamos: a crise do petróleo está para ficar. Temos de continuar a fazer o que muitos de nós já fazem - usar menos os automóveis em favor dos transportes públicos (que têm de melhorar com o dinheiro dos nossos impostos) e guiar veículos mais económicos (Murti usa um híbrido). Estamos viciados em petróleo e esse vício, mais cedo ou mais tarde, vai ter de acabar. Professor universitário (tcarlos@teor.fis.uc.pt)
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