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"O nosso mundo duplicou com a abertura da Índia e da China. Desde há anos que este processo se iniciou, mas o seu impacto tem sido especialmente sentido nos últimos dez anos.
A abertura dos países asiáticos duplicou, sensivelmente, a população do nosso "mundo económico". São países com uma mão-de-obra abundante, embora pouco sofisticada, e escassez de capital, incluindo capital humano (ou trabalhadores especializados). Ou seja, a nível mundial, duplicou a oferta de mão-de-obra e aumentou a procura de capital e de pessoas muito qualificadas (nomeadamente, dos executivos). Se a oferta global do factor trabalho aumentou drasticamente, então a pressão sobre a baixa dos salários será também muito grande nas economias mais desenvolvidas. Simetricamente, a forte escassez de capital e investimentos e, acima de tudo, de pessoas altamente qualificadas faz subir a sua remuneração pela pressão no mercado.
A primeira implicação da "duplicação do mundo" é uma forte redistribuição do rendimento dentro de cada país. No mundo ocidental, há uma clara estagnação salarial e as remunerações do capital (incluindo o capital humano) têm subido significativamente. Em certo sentido, deste lado do mundo, os mais educados e mais ricos ficaram ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres.
No entanto, do outro lado do mundo, na China e na Índia, os salários têm aumentado e a pobreza tem diminuído, de forma sustentada e significativa. Os efeitos são, assim, exactamente simétricos no Ocidente e no Oriente.
Há também alterações nos preços dos bens: os bens industriais pouco sofisticados, intensivos em mão-de-obra menos qualificada, têm baixado de preço de forma muito clara. Da torradeira à televisão, os preços de hoje seriam impensáveis há dez anos. E, dentro em pouco, o preço de um carro utilitário e estandardizado irá pelo mesmo caminho. Tudo isto é positivo para todos os consumidores. Como os asiáticos têm melhorado a sua situação económica, deixando de passar fome, os preços dos bens alimentares têm subido (também por isso) de forma muito acentuada. Com a economia mundial a crescer a taxas nunca observadas, devido aos países asiáticos, o preço da energia tem igualmente aumentado. Estes efeitos podem ser desagradáveis mas acontecem por boas razões. "
Estas frases extraídas do artigo de Luís Campos e Cunha "O mundo duplicou", publicado no Público de 16.05.2008, mostram que estamos numa época em que, pela primeira vez na história, é obrigatório olhar para o mundo como um todo.
Infelizmente quer a política quer a cultura ainda não se abriram ao universalismo e continuamos todos a funcionar com base em particularismos e capelinhas.
Por outro lado, em termos médios, este novo mundo económicamente integrado "regrediu" para um tipo de sociedade industrial que a Europa, por exemplo, tinha ultrapassado há décadas. Voltou a formar-se um gigantesco proletariado industrial e uma aparentemente inesgotável reserva de mão de obra barata. Mas esta "sub-revolução industrial", que ocorre em plena era digital, não será uma simples cópia das anteriores.
Mais depressa do que julgamos centenas de milhões de seres humanos, culturalmente muito diversos, deixarão de ser apenas "comedores de arroz" e entrarão nos mercados da arte, do turismo e do entertenimento. As consequências são incalculáveis.
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