A China anunciara que a cerimónia de abertura dos Jogos de Pequim seria a mais imponente jamais realizada, a perfeita representação do lema olímpico "Citius - Altius - Fortius" (mais rápido, mais alto, mais forte), confiante que o deslumbramento faria calar todas as críticas que se ouviram desde que Pequim foi designada como cidade organizadora.
O resto do mundo pressentiu que esta cerimónia seria a afirmação da China como a grande potência do futuro e talvez secretamente desejasse que fosse um falhanço. As numerosas contestações durante a viagem da chama, o sismo de Sichuan, a opressão no Tibete, as hesitações dos dirigentes mundiais quanto à sua presença durante a cerimónia, a poluição persistente, as limitações dos jornalistas no acesso à Internet e até os medos meteorológicos vieram dramatizar a expectativa. Por fim o grande dia chegou e a verdade é que o cineasta Zhang Yimou nos ofereceu um espectáculo de uma rara beleza, impressionante pelas suas dimensões mas sobretudo pela delicadeza (não encontro outro termo apesar dos 15.000 figurantes) com que fez passar a imagem desta nova e muito antiga China. Foi certamente a melhor campanha de promoção que eu alguma vez vi, e não estou a ser de modo nenhum pejorativa, bem pelo contrário.
A mensagem não podia ser mais clara: a China é o país que melhor coordena os valores das tradições e da modernidade e a sua força está no seu povo. Desde o primeiro instante em que ancestrais tambores se transformam em relógio electrónico graças a sincronização perfeita dos 2008 percussionistas, o tom estava dado. As proezas técnicas nunca se sobrepõem às proezas humanas.
Um exemplo evidente foi o final do quadro em que se celebra a invenção chinesa da imprensa. Pequenos rectângulos, tão precisos quanto um pixel digital, levantam-se e surgem os rostos sorridentes dos figurantes que os accionavam. O próprio ritmo da cerimónia, um gigantismo tranquilo, em que as passagens de um quadro ao outro se fazem de forma imperceptível e leve, também contribui para dar uma imagem de uma China serena, segura das suas tradições, da sua riqueza patrimonial e das suas potencialidades, assim como (ou sobretudo) da sua disciplina. Esteticamente tudo é perfeito, as luzes, as cores, os fatos, os sons.
Tudo perfeitamente coordenado, controlado, cadenciado. De certa forma não me surpreende que tenha sido um cineasta o mestre de cerimónia deste imenso espectáculo ao vivo, pois foi uma demonstração da arte do detalhe: a força do grande cinema. Grande ausente: o mítico dragão. Se tudo nesta cerimónia era simbólico, o que quererá dizer esta omissão? Demasiado agressivo ou demasiado onírico?
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