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A excelente jornalista Fernanda Câncio, publicou no DN de 29.08.2008, um texto intitulado "ESTADO DE HISTERIA" em que recorre à estatística para tentar desdramatizar a sucessão de assaltos noticiados ultimamente.
Penso que Fernanda Câncio passa ao lado do essencial. Comparar as nossas percentagens com as de outros países e falar da criminalidade em abstracto não resolve o problema dos cidadãos que se sentem inseguros. O mal dos outros não resolve o nosso.
Os crimes não têm todos os mesmos efeitos sobre o cidadão comum e por isso as estatísticas podem ser enganadoras já que frequentemente misturam crimes de tipos muito diferentes. Os assaltos profissionais a carrinhas de bancos, ou as guerras entre gangs, ou os crimes passionais, são coisas que o cidadão não vê como uma ameaça para si próprio embora deplore tais violências.
Mas ter medo de entrar no seu banco, ou na sua farmácia, ou que entrem na sua casa enquanto dorme, ou que o ataquem enquanto estaciona o automóvel, isso são coisas que causam uma profunda perturbação.
Os assaltantes incompetentes e "espontâneos" são aqueles que mais medo provocam pois as suas acções são imprevisíveis e incompreensíveis na maior parte dos casos. Podem levar às mais caóticas situações de violência, daquelas em que o cidadão não tem forma de se precaver por mais que queira.
O que eu acho mais inadmissível, com base nas descrições dos assaltos recentes, é que parece ter-se criado um tal sentimento de impunidade que qualquer pateta decide, de um momento para o outro, pegar numa arma e assaltar um banco.
Este texto da Fernanda Câncio, certamente contra a sua vontade, transmite um certo menosprezo pelo sentimento de insegurança dos cidadãos, sentimento esse que é legítimo, justificado e um dado de facto incontornável. Este menosprezo parece aliás, paradoxalmente, ser uma pecha de toda a esquerda.
Outros, com intuitos menos recomendáveis, poderão assim capitalizar oportunamente o descontentamento e o medo.
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P.S. (às 18:15)
Tenho que reconhecer que errei quando atribuí a toda a esquerda uma atitude de minimização da criminalidade. No Público de hoje:
"Creio que Sócrates já devia ter falado", disse Jerónimo de Sousa. O dirigente falava aos jornalistas na Quinta da Atalaia, no Seixal, onde esta manhã se encontrava para participar na montagem das estruturas do recinto da Festa do Avante!, que se realiza no próximo fim-de-semana."Sócrates não devia fazer um 'mea culpa', nem sequer se exige isto. Deve compreender a gravidade da situação e apresentar ao povo português as medidas que visem aumentar a segurança dos cidadãos", acrescentou. Para o líder comunista, o governo tem contribuído para incutir nos portugueses a ideia de que aumentar a segurança é sinónimo de restringir a liberdade. "Não acreditamos que nenhuma limitação da liberdade dê mais segurança aos cidadãos. Creio que nesse sentido Sócrates tem a responsabilidade de vir combater essa tese", disse.
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P.S. (31.08.2008) - Descobri que também Teixeira Lopes do BE se preocupa com a atitude da esquerda quanto à criminalidade no Esquerda.net
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O Governo com o maior número de Calimeros da história da democracia
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[image: calimero.jpg]
Alguém devia dizer a Luís Montenegro, por exemplo Marcelo II, O Velhaco, e
ao grupo de incompetentes por si nomeados para ...
Há 51 minutos
10 comentários:
Desdramatizar não resolve, tão pouco resolve dramatizar. O que eu tenho assistido na comunicação social é precisamente essa dramatização. Não se trata de promover uma discussão sobre o aumento de criminalidade. Trata-se de utilizar a criminalidade para derivar audiência e explorar de forma indecorosa o medo das populações. Em raras reportagens sobre este assunto vi verdadeira discussão sobre o que realmente importa saber. Aumentou realmente o crime ? Que tipo de crime? em que regiões? Que medidas concretas podiam ser tomadas e não foram? Quais as que foram efectivamente tomadas? Muito pouco disto tudo e muito de notícia à Hollywood. Nesta perspectiva embora possa até nem subscrever o optimismo da Fernanda Câncio (e não subscrevo) o texto dela não deixa de ser muito melhor e muito mais importante para o esclarecimento do que a maioria das restantes pseudo-reportagens. Para além disso ainda há de explicar porque é que pensa que a esquerda menospreza o sentimento de insegurança dos cidadãos (que ainda teria também de ser provado ... mas vou conceder isso "for the sake of argument"). O que lhe posso dizer é que aquilo que a esquerda de forma geral não aceita é que a coberto de uma pretensa segurança se aumente o estado policial, mas lá está mesmo nesse ponto convém discutir politicas concretas que resolvam o problema porque provavelmente no essencial não me parece que haverão aqui grandes discordâncias ... e desculpe o longo comentário.
Caro Fernando Vasconcelos,
eu não tenho dúvida alguma de que se está a instalar um enorme mal-estar. No café, na frutaria, quando resolvem abrir a boca as pessoas revelam uma profunda preocupação e falta de confiança na maneira que o problema tem estado a ser tratado.
Quanto a mim não vale de nada insistir no exagero dos media pois, se ele existe, vai continuar a acontecer. A esmagadora maioria das pessoas nem lê a Fernanda Câncio, é como remar contra a maré.
A melhor maneira de desdramatizar era propor r concretizar medidas que as pessoas reconhecessem como sendo eficazes.
Perante os factos criminosos a esquerda aparece sempre bloqueada por teorias. Mas as pessoas quando têm problemas concretos e agudos querem mais do que teorias, querem soluções.
A repressão dos criminosos nada tem a ver com o "estado policial", a proliferação dos crimes é que pode, na prática, acabar com o estado de direito.
É precisamente este o equívoco, o complexo, que bloqueia a esquerda.
Quando as pessoas pensarem que ninguém protege as suas vidas e os seus haveres estarão prontas para uma nova ditadura.
Concordo em larga medida com o comentário do Fernando Vasconcelos.
Esse sentimento de insegurança, que efectivamente acredito que exista e esteja a aumentar a passo rápido, é provocado essencialmente pelo espectáculo dos media, e muito pouco por acontecimentos concretos.
Volto a uma comparação que já utilizei: nos meses seguintes ao "circo Maddie" a maior parte dos pais de crianças pequenas andaram angustiadíssimos e muito inseguros. Com o passar do tempo, regressaram ao normal equilíbrio entre cuidado e "deixar viver"... Aprendemos algumas coisas úteis? Sem dúvida. Vale a pena embarcar numa política de "Uma Criança - Um Segurança Privado"? Obviamente que não... Já para não falar dos desgraçados perfeitamente inocentes e bem intencionados que terão passado por verdadeiros infernos prossecutórios por terem sorrido a uma criança no parque infantil...
Enfim, voltemos ao nosso assunto...
Acredito que o governo não anda "perdido em teorias" e vai tomar medidas adequadas. Já o está a fazer, aparentemente.
O problema da falta de confiança dos portugueses nas instituições que o governam é profundo e estrutural, como tenho muitas vezes opinado.
De cada vez que se arma um circo deste género, ele aflora, é inevitável. Mas não me venham é dizer que é POR CAUSA das dificuldades das forças de segurança em lidar com uma série de crimes que o povo vai passar a desconfiar do Estado...
Concordo plenamente com a tua última afirmação: "Quando as pessoas pensarem que ninguém protege as suas vidas e os seus haveres estarão prontas para uma nova ditadura."
Acho é que estamos muito longe disso, por mais que interesse a alguma imprensa fazer crer o contrário. É que, de facto, vende muito mais jornais. Mas muito mais, mesmo!
Entretanto, li o artigo da F.Câncio, que me parece, no geral, muito equilibrado...
Mário
Esta é uma daquelas questões em que só o futuro irá mostrar quem tinha razão. Infelizmente neste tipo de situações quando se descobre quem tinha razão já não serve para nada.
Nos últimos dias tem estado a ser feito um esforço louvável para encontrar focos de criminalidade e armas ilegais, sem dúvida. Esperemos que não seja só um fogacho.
Quanto à opinião das pessoas sugiro que puxes a questão em conversa no café, no barbeiro, etc.
As pessoas têm um certo receio em iniciar a conversa mas quando se soltam aquilo que dizem é bastante preocupante.
Seja como for ninguém me convence de que, como foi noticiado, a prisão preventiva decretada só à terceira vez, num curto prazo, para um tipo vai sempre reincidindo depois de cada prisão é uma boa política.
Já agora, penso que a comunicação social em relação a esta criminalidade foi, no passado, demasiado "low profile". Esta coisa de assaltar um ourives de Famalicão não se compara com o rapto da filha de dois médicos ingleses amigos do primeiro-ministro.
Em suma, agora é que os media estão finalmente a dar o relevo adequado à catadupa de acções ilegais armadas que estão a ocorrer no país. O facto de não o fazerem no passado é que era anormal.
Eu nem preciso de perguntar a ninguém, porque acredito mesmo que haja sentimento de insegurança e até que já andem por aí a germinar em muitas cabeças ideias mais autocráticas: é a matriz psicológica do povo português, e não vai deixar de ser assim tão cedo...
Não discordamos aí, só na fonte desse sentimento. E na questão de saber se se adequa a uma realidade concreta ou se é fruto de um medo difuso e empolado.
Como dizes: o futuro o dirá.
No essencial, penso que concordamos (eu e tu, e mais a Câncio!): é preciso estar atento à realidade - acrescento eu, a realidade real, não a realidade ampliada pelos media - e ir tomando medidas adequadas à segurança dos cidadãos.
Como sabes, confio neste governo, por isso espero que isso aconteça. Se não acontecer, cá estarei para ver...
Já quanto ao que dizes a propósito do relevo que está a ser dado à criminalidade... francamente, custa-me concordar.
Como já disse anteriormente, custar-me-ia muito ver toda a imprensa e as televisões alinharem pela bitola tablóide/populista do "Crime" e do "24 Horas". Parece-me que uma política editorial responsável passa por dar "tempo de antena" apenas aos crimes particularmente relevantes em termos sociais, seja pelo número de pessoas envolvidas seja pelas quantias envolvidas. A não haver triagem, então garantidamente há crimes suficientes para encher um Telejornal inteiro. Mas também já havia há dez anos atrás...
Tenho que reconhecer que errei quando atribuí a toda a esquerda uma atitude de minimização da criminalidade.
Vem no público de hoje:
"Creio que Sócrates já devia ter falado", disse Jerónimo de Sousa. O dirigente falava aos jornalistas na Quinta da Atalaia, no Seixal, onde esta manhã se encontrava para participar na montagem das estruturas do recinto da Festa do Avante!, que se realiza no próximo fim-de-semana.
"Sócrates não devia fazer um 'mea culpa', nem sequer se exige isto. Deve compreender a gravidade da situação e apresentar ao povo português as medidas que visem aumentar a segurança dos cidadãos", acrescentou. Para o líder comunista, o governo tem contribuído para incutir nos portugueses a ideia de que aumentar a segurança é sinónimo de restringir a liberdade. "Não acreditamos que nenhuma limitação da liberdade dê mais segurança aos cidadãos. Creio que nesse sentido Sócrates tem a responsabilidade de vir combater essa tese", disse.
Subitamente - e com a prestimosa colaboração da comunicação social, como é inevitável nos tempos que correm - a sociedade descobriu que tinha um problema de insegurança.
O problema é real, mas já o é há anos e vai continuar a sê-lo por muitos outros; mas o sentimento é sazonal - basta haver outro tópico na agenda e lá se esquecem os assaltos e as vítimas para se encher páginas de assuntos diferentes. Como dizia Guterres, é a vida.
Desde que, em 2000, Fernando Gomes, então ministro da Administração Interna, caiu devido a uma onda de insegurança, até Março deste ano, quando os assaltos na linha de Sintra pareciam descontrolados, que as ondas passam e as coisas aparentam voltar à ‘normalidade’. É, pois, também sobre esta ‘normalidade’, que parece não preocupar ninguém, que devemos debruçar-nos, de modo a evitar estes sucessivos surtos de insegurança. E esta ‘normalidade’ é bastante sombria.
Se olharmos, sem preconceitos, para o que se passa à nossa volta, mesmo quando ninguém fala de assaltos a bancos, de «carjacking» ou de outros crimes violentos, verificamos que a cultura portuguesa é desculpabilizadora. A polícia desculpa, os magistrados desculpam, o poder político desculpa.
Começa nas pequenas coisas. No estacionamento em segunda fila nas cidades, nos peões que não passam nas passadeiras, nos jovens que pintam paredes, nos noctívagos que transformam bairros de Lisboa em urinóis. O perdão generalizado continua em assuntos mais sérios: no «ecstasy» que se vende à porta das discotecas, nas linhas de coca com que os «dealers» abordam transeuntes, com os bandos de marginais que atemorizam quem passa nas ruas.
Estes pequenos incidentes não são combatidos, são desculpados. Nalguns casos, a polícia e os guardas fazem que não vêem ou não sabem. Noutros, magistrados não lhes dão importância, convictos de que apenas os grandes crimes importam. E assim cresce o sentimento de impunidade. Até ao inimaginável: roubar um multibanco dentro de um Tribunal.
Por mim, apoio os esforços e as preocupações de todos no combate ao crime. Mas acharia melhor ideia chegar-se a um acordo contra as sucessivas desculpas. Não vale a pena prometer grandes feitos, nem cercar bairros só para dar a ideia de que se está a fazer qualquer coisa. Acabe-se com a impunidade.
Para isso, é necessário uma nova mentalidade. Principalmente nas polícias e nos magistrados. E, claro, também nos políticos que lhes balizam a acção.
A esquerda tem uma política de segurança? João Teixeira Lopes, do Bloco de Esquerda, lançou o debate, com um rotundo "não" - este espectro político tem "pouco ou nenhum pensamento" sobre esta matéria. Daniel Oliveira, também membro do BE, responde agora em desacordo. Mas não deixa também de afirmar que a "esquerda tem, sim, dificuldade em falar da criminalidade de rua: assaltos ou roubos." A esquerda tem complexos com a segurança?
André Freire, investigador na área da ciência política, argumenta que "os temas da lei e da ordem são geralmente mais favoráveis à direita". Porque "a esquerda aborda o tema mais por via das causas estruturais, mais remotas, do fenómeno. Mas o que as pessoas tendem a reivindicar em situações de aumento da criminalidade são medidas de curto prazo para assegurar a segurança". Ou seja, o discurso da direita passa mais facilmente.
Mas o politólogo identifica outro problema na relação deste espectro político com a temática da segurança. "A esquerda tem de ultrapassar alguns complexos. Por exemplo com o exercício da autoridade. Que, como expressão do poder democrático eleito, é legítima e mesmo crucial. Se houver um défice no exercício da autoridade democrática isso incentiva a que a criminalidade aumente".
Para André Freire, a esquerda tem que saber encontrar um equilíbrio entre o tradicional discurso de combate às causas da criminalidade e soluções que apontem para o curto/médio prazo. Sob pena "de deixar o terreno para a direita - "Ou a esquerda faz isso ou perde a batalha".
Num artigo escrito no portal esquerda.net, João Teixeira Lopes sustentou que a esquerda oferece "de bandeja" o tema da segurança à direita. O dirigente diz que esta área política "tem pouco ou nenhum pensamento" neste domínio, a não ser que a "polícia é um instrumento repressivo do Estado". Na resposta, no blogue arrastao.org, Daniel Oliveira (também do BE) sustenta que o problema é outro. "Quando se esgota a discussão mais estrutural, ficam apenas as questões de curto prazo. E aí, a esquerda nada tem a dizer de diferente da direita. E é isso mesmo que se nota no texto do João [Teixeira Lopes]. Depois de defender tudo aquilo que a esquerda defende, diz que se tem de dizer mais. Mas não diz. Porque não sabe o que há de dizer."
Daniel Oliveira diz encontrar apenas uma nuance no discurso mais imediato dos dois extremos políticos: "a esquerda continua a valorizar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos perante as funções repressivas do Estado. E aqui é que a porca torce o rabo. Se a esquerda escolhe os momentos de alarme social e de histeria mediática para fazer este debate nunca consegue passar mensagem nenhuma".
"Protagonismo obsessivo"
Francisco Louçã, líder do BE, defende que não falta à esquerda uma resposta: "Quando há um aumento de criminalidade é preciso puni-la. Isso implica capacidade de investigação, implica dotar a PJ e o Ministério Público dos meios necessários. Tudo o resto é demagogia".
O deputado não contesta que a direita toma o protagonismo em matéria de segurança. Mas classifica assim esta situação: "Tem um protagonismo forte e obsessivo. A partir de um ponto de vista rasteiro, demagógico e populista". "Esta foi a direita que pôs uma fragata, um navio de guerra, a impedir a entrada em Portugal de um barco [a favor do aborto], critica, acrescentando que a direita usa a segurança de um ponto de vista "político-partidário". Já sobre a resposta da esquerda aos problemas de segurança, é nas causas que Louçã põe o acento - "A esquerda deve aprofundar os seus programas nas questões de política social, nas políticas de protecção social."
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