O som da gaita de beiços não enganava: fui à janela e lá em baixo, conduzindo pela mão a sua “bicicleta” cheia de ferramentas e chapéus de chuva, lá estava ele, o amolador.
Corri a buscar uma faca e fui ter com ele. O homem pôs o seu avental de couro, subiu para a bicicleta e começou a pedalar, fazendo girar a roda de afiar onde ia com movimentos estratégicos, encostando o gume da faca.
Fiquei fascinada a olhar, a ver as pequenas chispas que saltavam.
E lembrava-me: o amolador vinha com a sua musica/pregão que, segundo se dizia anunciava as chuvas, e as vizinhas traziam as facas e tesouras para amolar, as panelas de alumínio para pôr “pingos” nos buracos, os tachos de barro estalados para consertar com “gatos”, e os chapéus de chuva para qualquer vareta nova.
Por 4 euros, durante uns minutos, eu tinha outra vez 10 anos.
P. S. Quanto à “lenda” de os amoladores anunciarem o regresso das chuvas, eu não sei nada, mas as previsões meteorológicas anunciam chuva para hoje a partir do fim da tarde...
(da nossa "enviada especial à praceta", Maria Rosa Redondo)
3 comentários:
Permita-me apenas uma correcção do foro tecnológico: a louça de alumínio não suportava "pingos". Quando se rompia já não tinha remédio.
Um bom fim-de-semana.
nelson anjos
Com o andar dos anos as tecnologias do hardware,que nunca foram a especialidade da nossa enviada especial, começam a ficar um pouco baralhadas.
Obrigado pela correcção.
Das cantigas do ceguinho, de viés cheguei a este amolador...
Se ao anónimo que disse, eu discordo; não suportava 'pingos' mas sempre se arranjava com uns gatos, por outro lado deixo aqui, de vénia da 'enviada especial à praceta', a homenagem ao amolador (também se dizia guardasoleiro), as palavras que - escrevi um dia - me sobraram à memória:
Era amigo das primeiras chuvas, lá para os começos do Outono. Agarrado aquela geringonça suspensa numa antiga roda charrua ou carriola, lá vinha o senhor Aleixo, rua abaixo, com aquela gaita de latão que fazia deslizar pelos lábios ressequidos do casco que o vinho tinto foi deixando ao longo de muitos invernos...
É o afia tesouras e navalhas, freguesas!; conserto varetas de guarda-chuvas e ponho protectores nas solas ou, então, um pingo na panela ou uns gatos no tacho ou na bilha quebrada, devagar que o tempo é lento, as freguesas tardam, amolecem, e o dia correu mal para a tigela da sopa e para a côdea...
Um pingo na panela?, é p’ra já! E o homem, num ápice muda a caranguejola de posição, à roda agora estica-lhe uma correia de couro que faz rodar um esmeril que aparece sei lá de onde, e a coisa gira à fartana com o balanço sincopado feito pelo pé numa tábua presa à correia que engatou na roda.
Afia tesouras a cinco coroas, tapa um furo no tacho de esmalte (se for de alumínio já ‘num’ dá...) por cinco paus, um guarda-chuva é consante o estrago e, por vezes, quem faz mesmo o estrago é a chuva que lhe leva os fregueses e lhe deixa para amanhã -se deixar...- a sopa mais o copito do tinto, ali na tasca do sôr Alexandre...
Havia quem o visse como presságio de mau tempo, havia quem julgasse ouvir trinado de gaio no sopro daquela gaita tão característica. Hoje não é fácil ouvir-se o gaio e o tempo já não se dá a cuidados com os presságios que lhe fazem.
Talvez por isso, o amolador tenha ido embora. E não voltou mais.
manuelviana@gmx.com
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