"É verdade que o historiador das ideias, quando olha com a sensibilidade contemporânea para os textos fundamentais das narrativas filosóficas e para as exegeses clássicas do mundo historicamente em movimento, tem forçosamente a impressão de se haver com uma massa de exageros rapsódicos. Aquilo que até hoje se chamou filosofia da história eram sem excepção sistemas ilusórios da precipitação. Conduziam sempre a montagens apressadas dos materiais sobre linhas rectas traçadas à força, como se os pensadores estivessem atingidos por uma síndrome de hi-peractividade, que os levava para falsas metas. Felizmente, estão ultrapassados os tempos em que podiam surgir como atraentes as doutrinas cujos adeptos, por meio de meia dúzia de conceitos simplificados, prometiam dar acesso à casa das máquinas da história mundial — ou até ao andar administrativo da Torre de Babel. A vanitas de todos os precedentes constructos da filosofia da história salta hoje à vista dos leigos; hoje em dia, qualquer caloiro, qualquer galerista tem uma compreensão suficiente desses artefactos para soltar uma gargalhada ante expressões como espírito do mundo, objectivo da história, progresso geral.
A satisfação suscitada por estas clarificações não dura muito tempo — pois o discurso corrente sobre o fim das grandes narrativas exorbita dos seus objectivos, visto não se contentar com rechaçar as simplificações inaceitáveis. Não desembocou ele, por sua vez, numa meta-grande-narrativa? Este novo mito intelectual não estará inegavelmente associado a uma acrimoniosa inércia que na grande escala vê apenas o importuno e na grandeza apenas a suspeita da mania? No decurso dos últimos decénios, aos cépticos pós-dialécticos e pós-estruturalistas não sucedeu uma paralisia parcial do pensamento, da qual a especialização na história de pormenores retirados de arquivos obscuros, hostil às ideias, tão em voga nas ciências humanas, mais não representa do que a forma mais suave?
Peter Sloterdijk, em Palácio de Cristal, Relógio de Água, 2008
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