domingo, março 14, 2010

Lapidar

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O tão esperado PEC conheceu finalmente a luz do dia e a primeira coisa que se pode dizer é que nada era mais previsível do que o seu conteúdo. Sumário: os mesmos de sempre vão pagar mais para que os mesmos de sempre ganhem mais ou não percam nada.
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Os tais 'priveligiados', que Sócrates apontou como exemplo da injustiça fiscal e que agora vão ser massacrados com 45% de IRS, mais o corte nas deduções com a Saúde, a Educação e os PPR (com que aliviam as despesas do Estado nestes sectores), são o alvo falso de uma demagogia que pretende esconder o fundamental: o Estado gasta metade da riqueza do país e o país continua pobre. Em lugar de verem agradecido o seu esforço (em cinco anos, passaram de 40 para 45% do IRS e agora, juntando os impostos directos e indirectos mais a Segurança Social, vão passar a entregar 60% do que ganham!), os ‘privilegiados’ são tratados como se fossem eles os culpados pelo deboche financeiro em que temos vivido. Eles, os únicos que não fogem ao fisco — porque os outros, os do grande dinheiro, estão no abrigo de offshores, fundações ou sociedades feitas para tal, e a grande massa dos evasores, aqueles que, pagando podiam de facto fazer a diferença, são os coitadinhos que não passam facturas, falsificam o IVA e vivem em economia paralela e protegida pelo Estado. Por isso é que os que vão pagar 45%, representando apenas 1% dos contribuintes, respondem por 18% da receita do IRS. É em grande parte graças a eles que foi possível a este Estado voraz recolher mais receitas fiscais do que a própria despesa nos últimos dez anos (ou seja, cobrou mais do que necessitava), e ter aumentado a receita fiscal seis vezes mais do que o PIB (isto é, colectou impiedosamente os poucos que criaram riqueza para dar aos que nada acrescentaram). Ser generoso com o dinheiro alheio é, aliás, uma característica bem portuguesa: basta ver os salários e mordomias dos gestores públicos.

Não falo dos justamente assistidos — dos que vivem com pensões de 300 euros ou do meio milhão de verdadeiros desempregados. Falo, para começar, dos imediatamente acima, mas moralmente bem abaixo: dos que vivem dos esquemas do subsídio de desemprego enquanto mantêm empregos paralelos ou vegetam no café ou à porta do Estádio da Luz a dizer mal de tudo; dos ‘biscateiros’ que nunca passam factura nem pagam um tostão de impostos e se acham cidadãos exemplares; dos que cultivam as falsas baixas e arruínam o sistema de saúde público com doenças que não têm, exames de que não precisa e remédios que não pagam; dos que compram Mercedes com subsídios para plantar batatas ou produzir 'arte' ou gravuras paleolíticas.
E falo dos ainda mais acima na escala dos assistidos: dos que oferecem robalos em troca de telefonemas, andares recuados em troca de urbanizações e milhões em offshores em troca de subtis alterações às leis. Falo, enfim, de todos os que vivem à conta e não sabem viver de outra maneira, dos tais 46% que se declaram soberbamente indisponíveis para aceitar sacrifícios- com a certeza adquirida de que os 'outros' é que têm de o fazer. São esses que o PEC protege.

Extracto da crónica de Miguel Sousa Tavares, publicada ontem no Expresso, intitulada "PEC: Plano de Extermínio dos Contribuintes".

Uma análise lapidar que merece ser lida na íntegra.

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8 comentários:

Vitor M. Trigo disse...

MST diz aqui muita coisa certa.
Eu, no entanto, continuo a manter muitas reservas sobre MST.
Gostaria de o ver, se fosse capaz, a trabalhar um pouco mais (mesmo que fosse só um pouquinho) os assuntos que aborda e não se limitar a apoiar-se em frases simples, algo populistas, inconsequentes q.b., e, sobretudo, "bombásticas".
Paradigmática a entrevista que fez ao PM no seu novo programa (cuja continuação havia que acautelar) – tantos assuntos que podiam ter sido conversados, e explicados ou não. Mas não, como de costume, MST preparou-se mal e limitou-se a prestar um bom serviço ao poder. O PM fez dele o que quis.
Agora, no silêncio do artigo escrito, sem contestação, dá largas ao justo descontentamento popular.
É uma forma de estar que não aprecio, isto para além, repito, da justeza de quase todas as afirmações que fez.

F. Penim Redondo disse...

Vitor,
não há ninguém que tenha sempre razão ou que diga só coisas correctas.
O MST, por exemplo, torna-se imbecil quando fala de futebol e do seu FCP.
Mas isso não deve impedir-nos de apreciar, e elogiar, quando o que objectivamento é dito ou escrito está muito bem dito ou escrito.

Manuel Vilarinho Pires disse...

Duas ou três coisas...

1.Os biscateiros que não passam factura.
De facto, é o cliente (particular) que habitualmente decide se quer ou não factura.
Se quer factura, o IVA é cobrado, evidentemente, e o preço aumenta 20%.
O comportamento racional do cliente é dispensar factura, e o do biscateiro não insistir em passá-la, para não perder o cliente.
Não sei se o Sousa Tavares é diferente das outras pessoas ou menos racional que elas, e exige sempre facturas, ou se apenas gosta de falar grosso, mas convinha pensar antes de falar e, se quiser condenar o biscate sem factura, que condene o decisor, e não o executante.

2.Baixas fraudulentas.
O artigo ganharia em clareza se ele ilustrasse com exemplos notáveis e conhecidos: por exemplo, a sua amiga e ex-cliente Manuela Moura Guedes que, por acaso, até conduz um Mercedes todo-o-terreno, está de baixa há meses.
Assim, parece que é um fenómeno circunscrito aos trolhas e ciganos, à arraia miúda e aos biscateiros.
Ao povo!

3.A crise orçamental acabou!!!!
Demonstrando o seu habitual conhecmento profundo das matérias sobre que escreve, o Sousa Tavares diz que "...foi possível a este Estado voraz recolher mais receitas fiscais do que a própria despesa nos últimos dez anos...", o que significa que, afinal, não há deficit do estado mas, sim, superavit, desde há 10 anos!

Isto podia continuar, porque, cada pedra, sua minhoca, mas não vos quero maçar mais.
O meu pai dizia que um disparate dito com convição deixa de ser um disparate, e passa a ser uma opinião.
O Sousa Tavares é mesmo um homem de opiniões!
Mas o que me levou a fazer este comentário é o facto de que o artigo, com o conteúdo que tem, podia muito bem ter sido escrito por um admirador do Sr. Le Pen, e essa gente deve ter a mesma liberdade de expressão que toda a gente, mas não se lhes devem dar baldas, deixando-os dizer asneiras como se falassem verdade.

Anónimo disse...

MST tem razão.

O governo anunciou agora que os desempregados, esses sortudos, vão ter que aceitar qualquer emprego desde que pague mais 10% do que o respectivo subsídio de desemprego. O próprio valos do subsídio de desemprego, actualmente 65% do último ordenado, vai ser reduzido. Isto já em 2010.

Enquanto trata assim os desempregados, sem contemplações, adia para data incerta a taxação das mais valias bolsistas pois o mercado ainda não está estabilizado.

ce disse...

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www.celularespiaobrasil.com

Vitor M. Trigo disse...

Caros, acho que chegou a minha vez de desabafar.

O desemprego quando é verdadeiro é um flagelo de consequências desastrosas para o próprio, para os que dele dependem, e, em última instância, para a sociedade onde o desempregado tenta resistir.

Penso que ninguém ousará afirmar o contrário, ou mesmo minimizar o terrível acidente. E não me refiro somente às consequências materiais, pois o impacte no amor-próprio (foi de propósito evitei a estafa auto-estima) é normalmente devastador.

No entanto, acho que para compreender o fenómeno do desemprego, pelo menos no Portugal actual, é preciso ir ao terreno.

Posso falar sobre o que tenho observado nos últimos cinco anos:

1. Há um número não desprezível, que não sei quantificar, de pessoas sem emprego que não recebem SD. Entre eles contam-se os que não se enquadram nas regras de candidatura ao SD, e os que procuram primeiro emprego.

2. Participo com alguma regularidade em acções de formação tanto a nível profissional para licenciados desempregados (via IEFP), como a nível académico em diversas Universidades. Tentando sintetizar:

3. Entre os primeiros tenho encontrado um pouco de tudo: pessoas com grande potencial e vontade de ultrapassar a situação e dispostos a desbravar novos caminhos (por exemplo: Advogados, Professores, Designers, ou Psicólogos a formarem-se como Técnicos Superiores em Higiene e Segurança no Trabalho). Mas também, com as formações académicas enunciadas, tenho encontrado quem só procura prolongar o período de SD por mais cerca de um ano (tempo que a pós-graduação demora). Mas, para efeitos estatísticos e de encargos para a sociedade, todos pesam o mesmo.

4. Entre os que ainda estão a perseguir a licenciatura, há, felizmente, muita gente válida – muito mais do que alguns pessimistas dizem. Estes realmente querem aprender (nota-se bem como procuram pedir-me o e-mail para poderem contactar-me para os mais diversos assuntos). Mas também existe uma grande massa, grande de mais, que continua a pensar que sairá da faculdade directamente para lugares de chefia, suportados, penso, em deficiente apoio familiar e escolar – é vê-los como recusam participar nas iniciativas das associações de estudantes (teatro, música, jornal, desporto, estágios, contactos com a sociedade, etc.). São estes últimos que estão “condenados” a trabalhar sem perspectiva de futuro num qualquer call-centre ou num qualquer hipermercado.

5. Depois vêm os recém-licenciados que enviam CVs, normalmente mal elaborados, para tudo o que é sítio, esperando eternamente que alguém os chame para emprego. Acabam, normalmente, em enorme frustração. Costumo dize-lhes, com muito cuidado para não os ofender, que acho que estão no caminho errado. Sempre que encontrem trabalho (reforço trabalho, deixem o emprego para quando for oportuno) devem agarrá-lo, ganhar experiência, continuar sempre a procurar melhor, nunca descurando novas hipóteses de formação – um dia, se calhar mais depressa do que julgam, encontrarão o emprego que desejam, ou outro que nem imaginavam. Lembro-lhes que alguns estudos mostram que entre 5 a 7, conforme as geografias, das profissões com oferta de trabalho não existiam há 10 anos atrás.

(continua)

Vitor M. Trigo disse...

(continuação)

6. Passando agora ao que chamo o verdadeiro desemprego – o que resulta do despedimento a meio do que se julgava um emprego seguro para a vida. Esta é que, na minha opinião, a mais aviltante afronta aos direitos do homem. É um drama que não ouso quantificar, quando um indivíduo se vê privado de exercer um dos valores mais estruturantes da condição humana – o trabalho. Para entender esta verdadeira catástrofe humana é preciso conviver com o ambiente dos Centros de Emprego onde diariamente se vivem enormes dramas. É difícil avaliar sem com eles conviver. Correndo o risco de ser acusado de demagogo, custa-me a ver os sindicatos desligados da busca de soluções eficazes. Existem tantas organizações sem fins lucrativos em Portugal, eu sou associado fundador de uma, que com facilidade podem sob a coordenação sindical promover a “reciclagem” de trabalhadores cujo conhecimento a curto prazo se tornará obsoleto. Não basta aparecer a reivindicar compromissos com o capital quando as empresas já estão falidas ou em processo de deslocalização. É preciso fazer mais.

7. Guardei para o fim os falsos desempregados – aqueles que só trabalham em campanhas, por exemplo na recolha do milho ou do tomate ou na vindima, para garantirem nos meses seguintes o SD que acumulado com “pescatos” nas obras, como canalizadores ou electricistas improvisados, e sem facturas nem impostos, se aguentarem até às campanhas do ano seguinte. Acreditem que existem, e que vivem muito melhor do que muitos citadinos possam pensar. No entanto, o País (e os contribuintes) continua a ver as hostes do SD a engrossarem, neste casos, artificialmente.


O assunto é político, evidentemente. Mas não foi nessa perspectiva que escrevi estas linhas. Porquê? Porque se nos restringirmos somente a argumentos políticos continuaremos a analisar e não a colaborar na resolução. Deixemos que os políticos façam o seu indispensável trabalho, e os sociólogos, os psicólogos, e outros especialistas também.
Mas não nos demitamos da nossa condição de cidadãos intervenientes. E sobretudo, organizemo-nos em associações cívicas, particularmente aqueles que hoje desfrutando de legítimas reformas ainda dispõem de conhecimento e experiência que tão útil pode ser para os que dela possam tirar partido.

Se duvidam, experimentem. Verão que tenho alguma razão no que estou a dizer.

F. Penim Redondo disse...

Vitor,
fazes uma boa caracterização das tipologias do desemprego.

Durante muito tempo, quando há anos o Estado e as empresas promoviam as reformas antecipadas, havia também um outro grupo de desempregados; os que aguardavam o momento de poder reformar-se antecipadamente. Creio que este grupo chegou a ser bastante numeroso.

Mudando de plano de análise: acho que se estuda pouco as causas estruturais do desemprego.
A automatização e as novas necessidades das empresas julgo que apontam para uma cada vez maior falta de motivação para assalariar pessoas, pelo menos com vínculo estável e permanente.
Desde 1989 que ando a falar (e escrever) sobre isto.
Se tiveres curiosidade podes ler o que escrevi em 1989 em:
http://www.dotecome.com/politica/Textos/FR-ifiport.htm