Entre greves e manifestações, os governos de José Sócrates já enfrentaram cerca de 18 acções de luta da Função Pública. E a estas há ainda a somar os paralisações sectoriais - como dos professores e enfermeiros. Hoje, quinta-feira, a Administração Pública voltou a parar.
Tal não deixa de ser paradoxal quando se tem verificado em Portugal uma clara redução do recurso à greve como mostram os quadros, obtidos no PORDATA, que publicamos no topo deste post.
Cada vez mais instala-se a percepção de que no nosso país o grosso das greves é feito pela Administração Pública ou pelas empresas do Sector Empresarial do Estado. A extensão e impacto destas greves não tem paralelo em qualquer greve do sector privado.
Embora o direito à greve seja consensual na sociedade portuguesa cada vez são mais as vozes que se interrogam sobre as razões por que as greves "migraram" do sector privado para o sector público já que é do conhecimento comum que no primeiro há sub-sectores com níveis salariais e segurança de emprego, muito mais baixos.
As greves em empresas, em que o utente pode quase sempre recorrer a produtos ou serviços alternativos, resultam em claro prejuízo dos empresários. Pelo contrário as greves dos serviços públicos, quantas vezes essenciais, raramente permitem o recurso a fornecedores alternativos afectando no essencial os utentes de tais serviços.
Há no entanto uma outra ordem de questões que me parecem muito pouco esclarecidas.
O Estado, por acção do Governo ou da Assembleia da República, toma decisões legalmente válidas sobre as condições de trabalho dos funcionários.
Cabe perguntar mesmo com risco de ser mal compreendido: fará sentido a tradicional extensão do direito à greve, que foi criado para proteger a parte mais fraca, os trabalhadores, da ganância capitalista dos empresários, à Administração Pública que tem como "patrão" entidades supostamente defensoras do interesse comum ? Entidades que têm sobre os cidadãos o poder discricionário de cobrar impostos e de nos mandar combater numa qualquer guerra ?
Não se trata de impedir a discordância. Os trabalhadores da Administração Pública têm o direito de discordar das decisões do Governo como qualquer outro cidadão, mas devem dar voz a essa discordância como qualquer outro cidadão; manifestando-se e votando. Sob pena de haver na sociedade cidadãos de primeira e de segunda no que toca às relações com o poder do Estado.
Uns, de primeira, podem parar os hospitais para defender os seus salários afectados por decisões de política orçamental e os outros, de segunda, só lhes resta esperar pelas próximas eleições para castigar um governo que, com a mesma política orçamental, os levou ao desemprego e à ruína.
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4 comentários:
Fernando, este post merece mais do que este espaço de comentários permite. Dar-te-ei resposta no meu blog.
Para já, fica a minha surpresa pela ligeireza de algumas afirmações. Porque não apresentas a curva que exprime a evolução da actividade da industria transformadora? Porque não fazes referência à destruição do aparelho produtivo? Quem, pago a recibos verdes, vai fazer greve? Numa coisa tens razão: os funcionários públicos ainda conseguem ser sindicalizados e usar direitos, os outros não.
Rogério
Os funcionários públicos ainda conseguem ser sindicalizados e usar direitos porque, como dizes, não receiam o despedimento e os governos, que não estão para se incomodar, transferem para cima de todos nós as consequências económicas do seu próprio desleixo.
Entretanto, por exemplo, milhares e milhares de empregados de balcão e caixas dos hipermercados vivem perto do salário mínimo e na precariedade, sem condições para lutar contra verdadeiros patrões.
Está tudo de pernas para o ar.
Concordo em absoluto.
Simplificaria um pouco mais a questão: enquanto no sector privado existe um real mercado de trabalho, tal não se verifica na administração pública, e quando verificamos que hoje, na prática, figuras como a greve (e outros direitos) só se aplicam no âmbito dos funcionários públicos, isso revela como cada vez mais existe um fosso entre o mercado de trabalho real e a legislação laboral, ou mais ainda, entre o mercado de trabalho real, e o mundo do sindicalismo e dos "direitos dos trabalhadores". Creio que isso já acabou há imenso tempo para o mundo real.... só existe, ainda, porque existem mundos paralelos como o da Administração Pública, onde tudo é artificial, a começar pelo trabalho do dia-a-dia onde milhares de portugueses afundam as suas vidas em verdadeiros circos isolados do mercado (eu sei, trabalho num deles), passando pelas empresas e gestores, dinheiros que se gastam ou desaparecem... enfim... naturalmente, as próprias relações laborais são, afinal, laboratoriais. Completamente irreais...
blá, blá blá
Como dizia o velho das barbas A História não se Repete.. É verdade ninguém vai voltar a lavar-se nas mesmas águas do mesmo rio etc & tal...Mas como diz o outro tudo começou na Grécia e ninguém nos diz que tudo não volte a acontecer tendo como principio o exemplo grego. esperemos para ver onde isto nos vai levar!
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