terça-feira, dezembro 30, 2008

Para quem não viu...

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Quando chegámos, aquilo que tinham para nos contar era uma história incompreensível que metia guerras coloniais, Salazares, emigrações em massa e outras tragédias escolhidas com exemplar mau gosto. Além disso, havia também os vinte e cincos de Abril e os primeiros de Maio, que vocês insistiam em rodear de monossílabos e interjeições. Então, para explicar o que tinham para nos oferecer, fizeram livros chatos, filmes ainda mais chatos e pouco mais. Depois, acusaram-nos de não entender. A culpa não era vossa. Não, nada disso. Vocês explicaram-nos tudo muito bem. A culpa era nossa, por aparecermos nos inquéritos de rua do telejornal a gaguejar, ou a dizer que o Marcello Caetano era um cantor brasileiro.
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Há assuntos acerca dos quais não podemos falar, são interditos. Nós não estávamos lá, não sabemos nada e, por isso, temos de nos calar. Até porque, afinal, nós somos uns privilegiados. Não passámos por aquilo que vocês passaram. Vivemos neste mundo confortável que vocês construíram para nós. Sim, porque foram vocês que nos trouxeram pela mão a este lugar onde, com uma licenciatura, dezasseis anos de escola, podemos aspirar a dobrar camisolas na Zara, a arrumar livros na Fnac ou, fardados, a fugir dos clientes que procuram informações no Ikea. Com sorte, um contrato de seis meses. Com sorte, um estágio não remunerado.
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José Luís Peixoto
VISÃO 25.12.2008
(para leitura integral clicar na imagem)
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3 comentários:

Anónimo disse...

-Pois quanto aos livros e coisas chatas é porque o menino nunca bebeu leitinho roubado do vasilhame que a leiteira deixava escondido atrás de alguma porta menos sujeita a desfalques! Para logo de seguida assaltar a saca do pão que a padeira depositava numa qualquer rua grafina dos arredores era assim o pequeno almoço de muitos miúdos na escola sopa da Legião quem diria miúdos a comer sopa e pão casqueiro pelas 11 da manhã...!Quanto ao vocês calma que vocês é muita gente e nem todos estiveram lá para decidir o Portugal de hoje você lá sabe onde votaram e o que fizeram as gentes da família e amigos para que a juventude tenha as oportunidades que hoje tem...mas meu amigo o Futuro pertence-lhe faça melhor pois a escarradela poderá amanhã lhe cair na tola.

Rosa Redondo disse...

Deve sem duvida fazer-nos pensar o que nos diz "esta juventude de hoje em dia".
Aliás, nem devia ser preciso que nos dissesse alguma coisa porque cada geração tem o dever de fazer o balanço entre o mundo em que nasceu e aquele que deixa aos outros.
Talvez no nosso caso, por sermos uma geração que sonhou tão alto e se bateu tão àrduamente pelos seus sonhos, caiamos por vezes numa certa auto-complacência, e actuemos como se nenhuma crítica nos fôsse aplicável.
Por isso eu penso que muito do que é dito neste texto tem razão de ser.
No entanto, na interpelação "desta juventude" há uma ausência que me assusta:
o que é que ELES se propôem fazer para fazer melhor? como é que ELES pretendem lutar, mesmo que seja contra nós, para alterar as coisas?
Possìvelmente fomos nós que os "trouxemos pela mão até este lugar"... E os meninos só sabem ir aonde os levam pela mão?

Anónimo disse...

Sim, eu sei, é uma bela crónica de um excelente escritor.

Mas, se não ficarmos prisioneiros do encantamento da corrente das palavras, esta crónica tem muito que se lhe diga.

A Rosa Redondo já disse uma parte do que era necessário dizer. E eu quero dizer outra, talvez sinalizandso uma divisória maior em relação a esta crónica.

É que desculpem se ofendo o «mainstream», mas eu não dou nem um cêntimo para este peditório primário, superficial e enganoso
de substituir as classes, os seus interesses e as suas políticas por responsabilizações de gerações ou por meros conflitos de gerações.

Deste ponto de vista, compreender-se-á que eu arrisque que na bela crónica de J.L. Peixoto não há nem um cisco de coragem mas há toneladas de conveniente relativismo e jeitosa «equidistância».

A Rosa Redondo observa e é natural que o afirme que as gerações podem e devem ser criticadas. Mas o problema é o de saber se porventura as gerações são homogéneas nas convicções, nas ideias, nas responsabilidades ou nos cargos que ocuparam.

Querem um exemplo ? eu - Vítor Dias - sou da geração do Marcelo Rebelo de Sousa e de Jorge Braga de Macedo (meus colegas de Faculdade). E agora a pergunta que se coloca é a seguinte : faz algum sentido se porventura J.L. Peixoto tenha querido alvejar tanto Vítor Dias como Marcelo Rebelo de Sousa ?

Desculpem mas não faz e jamais aceitarei que faça.

Só me resta uma esperança: é que ao referir-se aos «audis e mercedes» a 200 Km à hora, J.L. Peixoto estivesse discretamente a bater no sítio certo e a identificar quem e o que não quis identificar no resto da crónica.